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PSICOLOGIA GERAL

SOB O ENFOQUE TOMISTA

Lamartine de H. Cavalcanti Neto

2009
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PSICOLOGIA GERAL SOB O ENFOQUE TOMISTA

Ficha catalográfica

Cavalcanti Neto, Lamartine de Hollanda


Psicologia geral sob o enfoque tomista/

Lamartine de Hollanda Cavalcanti Neto. 1. ed.


Caieiras: IFAT, 2009.

1. Psicologia geral. 2. São Tomás de Aquino. 3.


Tomismo

158 p.
CDU 159.9 : 140.30

Primeira edição: Fevereiro de 2009.

Todos os direitos reservados, em todas as línguas. Nenhuma parte desta obra poderá ser
reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios ou tecnologias, nem arquivada em
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Introdução

O presente estudo destina-se aos Sacerdotes, religiosos, seminaristas e estudantes de


instituições católicas em geral, bem como a todos aqueles que se interessam em aprofundar
seus conhecimentos em Psicologia, enriquecendo-os com a luz dos ensinamentos de São
Tomás de Aquino.
Tem por objetivo apresentar uma visão de conjunto da ciência psicológica atual,
analisada sob o enfoque tomista em termos sintéticos, procurando adaptar-se às
necessidades dos leitores atuais, cuja disponibilidade de tempo é muitas vezes reduzida.
Também leva em conta que a formação secundária e mesmo universitária atual,
quando não especializada, habitualmente não oferece vários dos pressupostos filosóficos
que a matéria requer, razão pela qual foi redigido em termos que procuram ser acessíveis
mesmo aos leitores que nunca tiveram contato com o assunto.
A vasta amplitude do tema inviabilizaria uma abordagem exaustiva. Desse modo,
vários de seus tópicos ou não são considerados, ou o são de modo menos profundo do que
sua natureza exigiria. O texto tampouco pode ser considerado como definitivo, pelo que
todas as observações, correções e sugestões de aprimoramento serão sempre muito bem
recebidas.
O autor oferece este trabalho a Nossa Senhora, Sede da Sabedoria, pedindo-Lhe,
pela intercessão de São Tomás de Aquino e daqueles Santos que mais estimaram e
promoveram o Tomismo, que favoreça especialmente aos que se servirem dessas páginas,
de modo que todos contribuamos sempre para a maior glória de Deus, de Maria Santíssima
e da Santa Madre Igreja.

São Paulo, 28 de janeiro de 2009.


Comemoração de São Tomás de Aquino.
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Capítulo 1 – Conceito, divisão e utilidade da Psicologia

1) Conceito de Psicologia Geral

Etimologicamente, Psicologia é o estudo da psyche, ou alma. Embora existam


atualmente muitas definições ou conceitos para esta disciplina, adotaremos aqui o da escola
aristotélico-tomista, uma vez que este é o enfoque que servirá de fio condutor ao nosso
estudo.
Aristóteles analisou mais a alma em si mesma. São Tomás estudou-a enquanto
fazendo parte do homem, composto hilemórfico1 de alma e corpo. Em termos atuais, poder-
se-ia dizer que o primeiro empregou uma abordagem mais metafísico-filosófica, enquanto
que o segundo servia-se de uma mais antropológica. Embora ambos tenham o mesmo
objetivo, o método Tomista parece tornar mais palpável e compreensível o estudo.
Com efeito, São Tomás (2001, p. I, q. 77, a. 3, sed contra) ensinava que devemos
começar a estudar os atos do homem (conceito equivalente ao que atualmente entendemos
como “comportamento”), continuar com a investigação de suas propriedades ou potências
(que condicionam este comportamento), para por fim entender sua essência ou natureza.
Em coerência com este ponto de vista, adotaremos como definição a formulada por um
renomado Tomista do século XX, o Pe. Robert. Edward Brennan, O. P. (1969b, p. 59):
“Psicologia geral é o estudo do homem em seus atos, propriedades e essência”.
Antes de considerarmos como a concepção tomista divide a Psicologia, e para
melhor entender tal divisão, convém recordar alguns conceitos básicos relativos às formas
de conhecimento.

2) Distinções entre o conhecimento filosófico e o científico

Alguns conhecimentos se buscam pelo afã de saber: são os especulativos. Outros se


adquirem com o fim de atuar: são os práticos. Com base nisso, Brennan (1969b) adota o
conceito de Filosofia como ciência do conhecimento especulativo, e Ciência como o
conhecimento de tipo experimental e prático. Elas se diferenciam:

a) Quanto aos objetos formais (fins) – A Ciência se interessa mais pelos acidentes
enquanto que a Filosofia pela essência dos seres. Pode-se dizer também que a Ciência se
interessa mais pela(s) causa(s) que precede(m) imediatamente a qualquer efeito
considerado, enquanto que a Filosofia está disposta a investigar até a última de uma série de
causas ou a razão final de qualquer efeito. Ambas têm o mesmo objeto material, o
conhecimento do universo em geral, mas diferem quanto ao objeto formal. A ciência visa
aos acidentes, propriedades ou aspectos funcionais do objeto. A Filosofia visa à substância,
natureza ou aspectos ontológicos do objeto.

b) Quanto ao método de estudo (meios) – A Filosofia baseia-se na simples observação,


utilizando os sentidos e o raciocínio. A Ciência lança mão também de instrumentos que lhe
permitem ampliar a capacidade de observação, adotando o método experimental. Este pode
permitir criar condições para desenvolver e aprimorar as observações, de modo a poder
repeti-las quando se considerar necessário, e comprovar ou não o resultado de suas

1
Do grego hylé=matéria, e morphe=forma.
9

Sem embargo, o cientista também usa o método dedutivo quando trata de idear suas leis
gerais, especialmente quando lança mão da observação e da introspecção, e o filósofo usa o
indutivo quando parte dos fatos observados, dados científicos ou de raciocínios prévios
para chegar a suas conclusões.

4) Conceitos de Psicologia Filosófica e Científica

Baseando-nos na definição de Psicologia Geral adotada, podemos dizer que a


Psicologia Filosófica é o estudo do homem (enquanto ser dotado de alma e corpo) em sua
essência ou substância. E a Psicologia Científica é o estudo do homem em seu
comportamento (atos) e propriedades.
Mais adiante, ao examinarmos a evolução do conceito de Psicologia, veremos que a
tendência atual é considerá-la como a ciência do comportamento (BRAGHIROLLI et al.,
2005). Alguns, como Watson (1930), chegam mesmo a restringi-la ao comportamento
estritamente observável. Vale notar, contudo, que tal conceituação não é incompatível com
a tomista, uma vez que esta também contempla o comportamento, embora nos pareça
menos completa do que ela. Pois a abordagem filosófica, ao estudar a essência do ser
humano e, portanto, a explicação para os porquês do seu comportamento, pode fornecer
elementos indispensáveis à compreensão do mesmo.

5) Relações da Psicologia Filosófica e Científica entre si e com outras ciências

São Tomás ensina que um corpo doutrinário está subordinado a outro quando este
último é capaz de dar-nos a razão última das coisas de que trata o primeiro (E.B.T., q. 5, a.
1, r. a. obj. 5, apud BRENNAN, 1969b). Em conseqüência, o enfoque tomista subordina a
Psicologia Científica à Filosófica, uma vez que é a Filosofia que nos dá, em última
instância, as razões pelas quais o homem é o que é, e age como age.
Segundo os Padres Farges e Barbedette (1923, p. 1 e 3) a Psicologia se encaixa na
Filosofia dentro do estudo da Metafísica especial, seguindo o da Cosmologia e preparando
o da Teodicéia. Na tradição escolástica, encontramos a divisão entre Metafísica geral (ou
Ontologia), que estuda o ser e a realidade em seu sentido transcendente, e Metafísica
especial, que analisa os domínios específicos do real, a qual se subdivide em Cosmologia
(ou Filosofia natural), Psicologia filosófica (ou tratado da alma) e Teologia natural (ou
Teodicéia). A Cosmologia é o estudo do universo e da essência da realidade material e a
Teodicéia é a parte da Filosofia que estuda racionalmente a existência e os atributos de
Deus, sem o recurso à Revelação.
Além desse entrelaçamento, de especial interesse para o estudante de Filosofia e de
Teologia, a Psicologia se relaciona com praticamente todas as demais ciências humanas,
dada a abrangência de seu campo de atuação.

6) Crítica à divisão em Psicologia Racional e Empírica

O matemático e filósofo deísta, racionalista e determinista alemão Christian Von


Wolff (1679-1754), é o autor de tal divisão. Até o século XIX ou inícios do XX, ela ainda
era adotada em estudos relacionados ao tema. Porém, de acordo com Brennan (1969b), ela
não corresponde à separação da Psicologia em Filosófica e Científica. Pois, empírico é o
conhecimento que provém dos sentidos, com a ajuda ou não de instrumentos, e racional é
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Capítulo 2 – Metodologia de estudo

1) Definição, importância e princípio básico da Metodologia

Metodologia é o estudo dos métodos de investigação adotáveis para uma


determinada ciência. Segundo São Tomás, “deve-se conhecer o método de uma ciência
antes de estudá-la” (E.B. T., q. 6, a. 1, ob. à segunda parte, r. 3, apud BRENNAN, 1969b, p.
41). Ao que acrescenta Brennan (1969b, p. 40-41): “a primeira preocupação que deve ter
um estudante de Psicologia, aqui como em qualquer outro caso, é conhecer o método da
matéria particular que vai estudar”. A razão disso é evidente: não se aprendem as artes
plásticas ou culinárias, por exemplo, do mesmo modo que se estuda a Física Quântica ou a
Matemática. A cada uma compete um modo de investigação e aprendizagem próprio. O
estudante será tanto mais eficiente quanto melhor empregá-lo na consecução dos seus
objetivos.
Segundo Bennan (1969b), uma lei básica da metodologia é partir do fato, aquilo que
captamos por meio da experiência imediata, para o princípio que está por trás do fato. Ou
seja, partir do já conhecido e avançar gradualmente para o menos conhecido. Uma vez que
consigamos estabelecer um princípio, podemos utilizá-lo como ponto de partida para novas
deduções e aprofundamentos. É o processo da análise e síntese.

2) Métodos básicos

Partindo da divisão do conhecimento humano em filosófico e científico, podemos


considerar dois métodos básicos de estudo, aplicáveis tanto a um, quanto a outro:

a) Método analítico – É aquele que progride sucessivamente do particular para o geral


visando a chegar a uma definição sintética de princípios.

b) Método sintético – É o que utiliza o processo inverso, baseando-se nas leis ou


princípios descobertos pelo método analítico para deduzir novos dados e conclusões.

A Filosofia, por sua natureza, se apóia mais no método sintético e a Ciência, no


analítico. Porém, visto que ambos são mutuamente úteis, há um constante intercâmbio de
aplicação entre os dois. De acordo com Brennan (1969b), a Psicologia de São Tomás é um
feliz exemplo de equilíbrio na aplicação dos dois métodos, pois quando trata dos aspectos
materiais do objeto de seu estudo, tende mais a utilizar o método analítico-indutivo. E
quando trata dos aspectos formais2, tende a servir-se do sintético-dedutivo, partindo do já
conhecido para atingir novas explicitações.

2
Por “aspectos formais” se entende aqui os relativos à forma de um ser. A forma, segundo Aristóteles, é o
princípio que determina a matéria, fazendo-a ser aquilo que ela é. Uma comparação simples pode auxiliar a
compreensão do leitor não habituado à linguagem filosófica: uma mesma matéria, barro, por exemplo, poderá
se tornar um prato, um copo ou uma estátua, de acordo com a forma que lhe seja dada.
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4) Correntes criteriológicas entre os que dão valor ao método experimental

Barbado (1943) compila também as correntes que discutem quais são as faculdades
de que se deve lançar mão para se obter os dados da experiência em Psicologia. Em outros
termos, quais os critérios de verdade para a experimentação nesse campo.

a) Consciencistas – São aqueles que só admitem as informações provenientes do


testemunho da consciência. Tese sustentada por Cousin, Jouffroy e outros.

b) Sensistas – Sustentam que o critério da verdade se baseia na experiência sensível e na


observação externa, considerando os dados da consciência como ilusórios. Assim pensava
Comte e psicólogos influenciados pela corrente reacionista.

c) Posição mista – A maioria dos psicólogos adota um ou outro critério em função dos
dados que deseja recolher, “olhando para dentro” quando não se pode observar “de fora”, e
utilizando a experiência e observação externa sempre que a introspecção não seja
suficiente. Théodule Ribot (1915, p. 283, apud BARBADO, 1943, p. 54) afirmava: “Sans
introspeccion, rien ne commence; avec elle seule, rien ne s’achève” (“Sem introspecção,
nada se começa; apenas com ela, nada se completa”).

d) Quanto à introspecção experimental – Entre os que concedem valor à introspecção,


discute-se se é possível fazer experiências nos domínios da consciência, ou não. São
contrários à introspecção experimental Wundt e seus discípulos da escola de Leipzig.
Defendem sua legitimidade e a aplicam com preferência os psicólogos da escola de
Würzburg5.

Só a consciência – Consciencistas
Critérios para
colher dados Só os sentidos – Sensistas
em Psicologia
Tanto os sentidos quanto a consciência – Posição mista

Só se podem fazer observações – Escola de


Leipzig
Com a
consciência Podem-se fazer também experiências – Escola
de Würzburg

5
Voltaremos a nos referir a tal escola no capítulo destinado à história da Psicologia no século XIX.
15

4) Variáveis da pesquisa

Antes de entrarmos na análise de cada um desses procedimentos, convém conhecer


quais são os fatores que condicionam os problemas que são objetos de uma pesquisa. Esses
fatores podem ser chamados de variáveis. Os problemas em geral envolvem duas ou mais
variáveis, e é a respeito das relações entre elas que o pesquisador está interessado. Quando
se investiga um determinado comportamento, procuram-se estabelecer, antes de tudo, as
condições antecedentes desse comportamento. No caso do comportamento humano ou
animal, as condições antecedentes são inúmeras, complexas e freqüentemente inter-
relacionadas. Podem-se considerar, por exemplo, as condições ambientais, como
luminosidade, temperatura, som, presença ou ausência de outras pessoas, e as condições da
pessoa ou do grupo em observação, como inteligência, motivação, idade, sexo, classe
social, fadiga ou boa disposição, etc.
Em geral, chama-se de variável independente a condição que se supõe ser a
causadora ou influenciadora de um determinado comportamento, e de variável dependente
o comportamento que está sendo estudado e que se supõe que esteja sendo influenciado
pela variável independente. Desse modo, nas pesquisas em Psicologia, quase sempre a
variável independente é uma (ou mais) condição do ambiente ou do sujeito, e a variável
dependente é um tipo particular de comportamento ou de resposta.

5) Exemplo concreto

Um exemplo para cada uma das etapas da pesquisa poderia ser:

a) Escolha de um tema – Efeito da música sobre a aprendizagem.


b) Delimitação do problema a ser estudado – Se o estilo de música X favorece ou não o
aprendizado.
c) Levantamento de dados – Busca na bibliografia científica já publicada sobre o assunto.
d) Formulação da hipótese – O estilo de música X favoreceria a aprendizagem.
e) Variáveis – Neste caso, o estilo de música X seria a variável independente, e a sua
influência sobre o aprendizado seria a variável dependente.
f) Procedimentos de testagem – O pesquisador optaria por um ou mais desses
procedimentos para levantar os dados relevantes, analisá-los estatisticamente e chegar
às suas conclusões.
g) Publicação dos resultados.
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b) Observação controlada – É aquela em que se mantém certo grau de controle artificial


sobre o meio em que o comportamento ocorre. Vantagens: a principal é poder limitar a
influência das variáveis extrínsecas sobre o comportamento observado, ou introduzir uma
variação no meio para avaliar seu efeito sobre o mesmo. Desvantagens: o fato de o
ambiente ser estranho ao sujeito observado pode promover comportamentos atípicos,
limitando o grau de generalização das conclusões.
Encontramos um exemplo de sua utilização na experiência de McGurk (1976, apud
BRAGHIROLLI et al., 2005) sobre o efeito de presença ou ausência da mãe no
comportamento exploratório de um bebê numa sala com brinquedos, facilitado pela
presença da mãe e inibido se esta sai ou se entra um estranho. O observador ficava atrás de
um espelho unidirecional para não ser percebido pelo bebê.

c) Introspecção – Embora pouco considerada por muitos dos psicólogos modernos –


sensistas, segundo Barbado (1943) – foi o principal método de estudo nos primórdios da
Psicologia, tendo sido empregado especialmente por Aristóteles e por São Tomás de
Aquino. Brennan (1969b, p.42) chega a afirmar que, segundo o Doutor Angélico, “a
introspecção é o meio mais seguro de acesso aos dados da Psicologia”, e “a ferramenta
básica” para obtê-los. Ela consiste na observação das próprias reações interiores,
conscientes ou subconscientes (estas, após treinamento). Pode ser feita tanto de modo
naturalista exclusivo (escola de Leipzig) como misto ou controlado (escola de Würzburg)6.
A razão de sua particularidade é que se trata do único método em que o sujeito e o
objeto coincidem. Tem como vantagem permitir o acesso à subjetividade dos indivíduos
observados, à qual não se pode chegar por nenhum outro modo, uma vez que somente eles
podem observar seu próprio interior e revelá-lo ao pesquisador externo. Sua desvantagem
é a susceptibilidade às inferências subjetivas. Mas se utilizado com retidão, pode ser uma
rica fonte de informações, tanto que a Psicologia Tomista está alicerçada sobre ela, como
veremos mais adiante. Oswald Külpe (1895, p. 10, apud BRENNAN, 1969b, p. 43),
primeiro psicólogo moderno a fazer um estudo sobre metodologia, afirma que “o
experimento não pode substituir a introspecção em Psicologia, do mesmo modo que não
pode substituir a observação em Física”.

6
Sobre tais escolas, vide capítulos 2 e 11.
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c) Exemplo de aplicação – Investigar se um método didático para ensino de Matemática


(variável independente) favorecer a aprendizagem das crianças (variável dependente).
Estabelecem-se 3 grupos: grupo 1, que adotaria o novo método; grupo 2, que adotaria um
novo método alternativo; grupo 3 que continuaria com o mesmo método seguido
anteriormente. O grupo 1 seria o grupo experimental, os grupos 2 e 3 seriam os grupos de
controle. Para procurar manter constantes as demais variáveis, seria preciso que os três
grupos fossem formados por crianças da mesma idade, sexo, formação escolar, condição
social e nutricional (variáveis de controle), para evitar que qualquer um desses fatores
pudesse interferir no resultado. Após um determinado período, igual para todas, seriam
aplicados testes para avaliar se houve realmente melhora na aprendizagem de Matemática
para as crianças do grupo 1, em comparação com as dos outros dois. Caso a melhora fosse
confirmada, estaria corroborada a hipótese experimental. Caso contrário, a hipótese nula.

d) Vantagens e desvantagens – Braghirolli et al. (2005) consideram-no como o método de


pesquisa que oferece mais alto grau de certeza na conclusão devido às condições de
controle, principalmente quando se investiga relações causais. Outras vantagens são a
possibilidade da repetição do estudo por outros pesquisadores e o menor índice de
interferência de fatores subjetivos. Como desvantagem, há a dificuldade para generalizar as
conclusões, já que o comportamento controlado é diferente do natural. Para generalizá-las,
requer-se a repetição do estudo pelo mesmo pesquisador e/ou por outros. Mesmo assim,
certas conclusões sempre terão dificuldade em serem generalizadas, inclusive porque
muitos comportamentos humanos, talvez o mais significativos, não são susceptíveis de
experimentação em condições controladas, como por exemplo as emoções, as intuições,
certas reações instintivas, etc.

2) Levantamentos ou estudos exploratórios

a) Conceito – Consiste na aplicação de questionários ou entrevistas padronizadas para


obtenção de informações significativas sobre populações, determinados comportamentos,
relações entre um dado comportamento e outros fatores ou comportamentos. É aplicado nos
estudos sobre preferências de consumidores, influências culturais, costumes sociais e suas
variações, atitudes ou comportamentos de uma população, etc.
Não é um método exclusivo da Psicologia, mas é utilizado também por
antropólogos, sociólogos, economistas, profissionais de marketing comercial ou político,
entre outros. O método consiste em eleger um determinado comportamento que se deseja
investigar e simplesmente perguntar a certo número de pessoas sobre suas reações em
relação ao mesmo. O número e o tipo de pessoas entrevistado devem ser significativos para
ter valor como “amostragem” da população inteira. O questionário, o roteiro de entrevistas,
a escala de atitudes ou de respostas devem ser muito bem elaborados e precisos, para evitar
sentidos ambíguos ou que cheguem a influenciar as respostas.

b) Exemplo de aplicação – Braghirolli et al. (2005) citam o estudo de Hyman e Sheatsley,


realizado em 1954. Os pesquisadores utilizaram uma escala de atitudes para medir o
autoritarismo em função do nível educacional. Entrevistando vários indivíduos, chegaram à
conclusão de que os de nível universitário eram tendentes a ser menos, e os de educação
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Capítulo 6 – Testes e estudos de casos

1) Testes

a) Conceito – São questionários ou exames especialmente preparados para avaliar


características psicológicas. Têm largo emprego na Psicologia, tanto em pesquisas de base
quanto em suas várias aplicações, dentre as quais se destacam a avaliação atual de
determinadas aptidões (como, por exemplo, nos testes vocacionais), a predição do
desempenho em determinadas atividades (como nos testes de aprendizagem, nos de seleção
profissional, nos psicotécnicos para motoristas), a aferição da responsabilidade penal, ou o
diagnóstico de tendências e desajustes psíquicos.
Existe uma grande variedade de testes psicológicos, mas, de um modo geral, podem
ser divididos em dois grandes grupos: testes de capacidade e testes de personalidade. Todos
eles são periodicamente reavaliados por grupos de pesquisas e associações profissionais, de
modo que muitos dos que serão citados logo adiante têm hoje um caráter mais histórico do
que prático, por serem considerados ultrapassados.

b) Testes de capacidade ou de realização – São aqueles que avaliam a capacidade de


desempenho da pessoa, exigindo e avaliando seu desempenho máximo. São considerados
mais objetivos que os de personalidade, uma vez que procuram analisar o que o indivíduo
pode fazer e não o que ele diz que pode fazer. Além disso, não dependem do que a pessoa
está disposta a dizer sobre si mesma: os resultados são obtidos mediante tarefas
padronizadas, com orientações claras sobre a aplicação e a interpretação dos resultados. São
considerados testes de capacidade os que avaliam a inteligência (Q. I., escala de Stanford-
Binet, escalas de Wechsler – WAIS, WISC, WPSSI – testes de inteligência não-verbal G36
e G38), os que investigam o raciocínio em suas várias modalidades, como o abstrato, o
espacial, o interpretativo (Teste de Abstração de Shipley, Labirintos de Porteus, Provérbios
de Gorham) e os que aferem outras aptidões específicas, como a memória (repetição e
inversão de dígitos, memória auditiva ou visual), a atenção e a rapidez (tempo de reação de
escolha simples, vigilância visual, imitação de movimentos).

c) Testes de personalidade – São os que avaliam o comportamento costumeiro da pessoa,


solicitando respostas que o caracterizem. Por essa razão, estão mais voltados para os
interesses pessoais, atitudes, reações, e traços da personalidade em geral. Kaplan e Sadock
(1984), como a maioria dos autores, dividem os testes de personalidade em objetivos e
projetivos. Os testes objetivos são tipicamente testes de papel e lápis, com perguntas e
respostas de significado óbvio. Entre estes podem ser citados o Inventário de Personalidade
Multifásico Minnesota (questionário que fornece 9 escalas clínicas para diagnósticos), o
Inventário de Personalidade Califórnia (17 escalas para avaliação de pessoas normais, para
uso em orientação e seleção profissional), a Lista de Preferência Pessoal de Edwards (que
afere a importância dada a escalas de valores).
Os testes projetivos apresentam estímulos cujo significado não é imediatamente
óbvio, levando o investigado a “projetar” sua personalidade sobre o estímulo amorfo ou
ambíguo que lhe é apresentado. O mais conhecido é o teste de Roscharch, criado pelo
psiquiatra suíço Hermann Roscharch em 1910. É um conjunto de 10 manchas padronizadas
(5 em preto e branco e 5 em cores) que servem de estímulo à associações de idéias. Ainda
hoje é considerado útil para diagnóstico psicopatológico. Outros testes projetivos são o das
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a) Conceito – Consistem na coleta de informações sobre um indivíduo, geralmente obtidas


durante procedimentos terapêuticos, cujas conclusões serão depois generalizadas após a
comparação com um grande número de outros casos semelhantes. As informações podem
ser provenientes da anamnese (interrogatório sobre os sintomas e exame clínico de um
paciente), sessões de psicoterapia, exames laboratoriais, observação, testes, antecedentes
pessoais e familiares. Edwards (1995) e outros autores chamam-no também de método
clínico, de anamnese ou histórico (case-history).

b) Vantagens e desvantagens – Braghirolli et al. (2005) consideram-no o único aplicável


para estudar o comportamento desajustado, citando como exemplo o fato de ter sido o
método mais utilizado por Sigmund Freud para compor suas teorias. Acrescentam, porém,
que vários psicólogos não o reputam rigorosamente científico, uma vez que lida com
comportamentos individuais, não repetíveis, além de não dispor de mecanismos de controle
nem possibilidade de quantificação.
Os estudos de caso estão sujeitos ainda a um alto risco de interferência da
subjetividade, quer do investigador, quer do investigado. A influência da experiência
pessoal e das tendências teóricas às quais está submetido o pesquisador podem ser tão
decisivas quanto as tentativas de manipulação emocional, conscientes ou subconscientes,
do examinado. Como veremos mais adiante no capítulo sobre a psicanálise, boa parte das
críticas à mesma se baseia na restrição ao emprego genérico do estudo de casos como
método cientificamente válido, acrescido à objeção quanto à utilização concreta feita por
Freud.
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c) Tipos de amostras – Conforme o processo pelo qual se escolhem os participantes de


uma investigação, podemos encontrar dois tipos de amostras. A amostra ao azar é aquela
em que cada membro da população tem a mesma chance de ser escolhido, por exemplo,
colocando todos os nomes do universo da pesquisa numa caixa, agitando-a e retirando um
quinto dos mesmos. Outro exemplo seria, se o universo fossem as pessoas que moram em
casas com telefones, escolher na lista telefônica nomes de 10 em 10 ou 50 em 50 pessoas.
A amostra estratificada é aquela que está composta por uma representação proporcional
das características mais importantes encontradas na população estudada. É considerada
mais confiável do que a amostra ao azar. Por exemplo, num universo de estudantes de
música, a amostragem seria estratificada caso incluísse porções iguais de estudantes dos
diversos estilos musicais considerados, dos diversos níveis sociais, educacionais, culturais e
econômicos, sexos, idades e demais fatores dignos de nota, conjugando esses diversos
fatores, de modo a conter proporções representativas dos integrantes de cada um desses
estratos ou tipos de pessoas.

2) Ética em pesquisa psicológica

O então Cardeal Joseph Ratzinger (2005) denunciou a existência de uma “ditadura do


relativismo” contemporânea, na Missa de abertura do Conclave que o elegeu Papa. Falar de
ética numa época marcada por tal “ditadura” pode não ser uma tarefa fácil. Muitos autores
que tratam do assunto preferem limitar-se a levantar questões ou reproduzir posições
discordantes, sem chegar a conclusões precisas.
Apesar disso, alguns procedimentos são geralmente aceitos e adotados nos estudos
psicológicos. Uma tentativa de normatização foi estabelecida pela American Psychological
Association (APA) em 1982, através do Ethical principles in the conduct of research with
human participants, publicado em Washington, E.U.A., naquele ano (apud PAPALIA e
OLDS, 1988), e tem servido de referência para associações profissionais e de pesquisa em
outros países. Podem-se resumir os princípios nela adotados da seguinte maneira:

· As pessoas estudadas (sujeitos) devem ser protegidas contra qualquer dano físico e
mental, devendo ser tratadas com respeito e dignidade, evitando serem expostas a
riscos, ou minimizando estes.
· Os sujeitos deverão dar previamente seu consentimento informado, ou seja, estarem
cientes de tudo que possa influir sobre sua decisão na participação (objetivos da
pesquisa, riscos, tempo do estudo, etc).
· Naqueles estudos em que a informação prévia possa alterar os resultados, o
investigador deve procurar procedimentos alternativos para evitar qualquer engano ou
desinformação aos sujeitos. Se isto não for possível, deve assegurar-se de que o
engano não prejudique a pessoa e que esta será informada de tudo tão logo seja
possível.
· As pessoas estudadas devem ter a possibilidade de negar-se a participar de uma
investigação ou retirar-se dela a qualquer momento, ainda que sejam estudantes,
clientes ou empregados do pesquisador.
· O investigador chefe é o responsável por seu próprio comportamento ético bem como
pelo de toda a equipe, sendo cada qual também co-responsável.
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Capítulo 8 – Metodologia tomista no estudo da Psicologia

1) Importância da metodologia segundo São Tomás

Como vimos no segundo capítulo, São Tomás de Aquino dava tal importância à
Metodologia que advogava a necessidade de se “conhecer o método de uma ciência antes
de estudá-la” (E.B.T., q. 6, a. 1, ob. à seg. parte, r. 3, apud BRENNAN, 1969b, p. 41).
Como conseqüência, a Psicologia Tomista é um feliz exemplo de equilíbrio na utilização
dos dois métodos básicos de estudo aplicáveis às ciências: o analítico e o sintético. Pois
quando se ocupa dos aspectos materiais do objeto que investiga, tende a empregar o método
analítico-indutivo, e quando trata dos aspectos formais, tende a usar o sintético-dedutivo,
partindo do já conhecido para atingir novas explicitações (BRENNAN, 1969b).

2) O problema do objeto da Psicologia

O moderno critério de validade científica para o estudo de um determinado objeto é


que o mesmo seja observável por qualquer pessoa que se disponha a fazê-lo
adequadamente, e tanto quanto possível livre das inferências subjetivas do pesquisador e do
sujeito que está sendo estudado (BRAGHIROLLI et al., 2005). Como, porém, aplicar esse
critério para o objeto de estudo da Psicologia Tomista, que é a alma, a qual, por definição,
não pode ser observada diretamente?
Diante do dilema, alguns estudiosos preferiram erigir como objeto da Psicologia o
comportamento estritamente observável (WATSON, 1930; SKINNER, 1966, 1965, 1964),
por ser suscetível de experimentação científica. A corrente predominante em nossos dias,
entretanto, não é tão estrita, adotando o comportamento num sentido mais amplo como
objeto (BRAGHIROLLI et al., 2005). Sem embargo, quando o estudioso se vê diante de
situações incontornáveis, nas quais muitas informações só estão accessíveis por meio de
descrições subjetivas, pode ser levado a aceitar a combinação dos dados de experiências
subjetivas com elementos da observação objetiva. É o que podemos notar em vários dos
testes psicológicos existentes hoje em dia, especialmente nos chamados projetivos.
São Tomás, porém, não via necessidade de esquivar-se da questão. Pelo contrário,
abordava-a de frente, aceitando como óbvio o fato do objeto de estudo da Psicologia ser a
alma. Como a investigava, contudo?

3) O método tomista

O Doutor Angélico estudava a alma principalmente por meio da introspecção.


Embora pouco considerada – ou mesmo contestada – por muitos dos psicólogos modernos,
a introspecção foi o principal método de estudo adotado nos primórdios da Psicologia.
A metodologia moderna considera a observação como um dos métodos científicos
válidos, dividindo-a em naturalista e controlada, juntamente com a experimentação, os
levantamentos, os testes e os estudos de casos (BRAGHIROLLI et al., 2005). A
introspecção é uma variante da observação, consistindo na análise das próprias reações
interiores, conscientes ou subconscientes (estas, após treinamento). Pode ser feita tanto de
forma naturalista exclusiva, como preconizado pela escola de Leipzig no século XIX,
quanto de modo misto ou controlado, como praticado na escola de Würzburg, segundo o
29

5) Objeção criteriológica à introspecção

Em que pesem tantas e abalizadas opiniões, alguém poderia objetar que o método da
observação, especialmente quando introspectiva, estará sempre condicionado pelo caráter
subjetivo que lhe é intrínseco. Em outros termos, o indivíduo pode “observar” apenas
aquilo que lhe convenha, quer por razões conscientes, quer subconscientes, principalmente
quando o assunto diga respeito à sua subjetividade.
Tal objeção “objetivista”, entretanto, parece carecer de objetividade. Com efeito, a
mesma crítica poderia ser aplicada ao método experimental, ao estatístico ou ao
instrumental-científico. Pois onde está o ser humano, aí está a subjetividade, revista-se ela
do aparato tecnológico que se revestir. Nesse sentido, consta que Churchill teria chegado a
comentar, jocosamente, que só acreditava nas estatísticas que ele mesmo falsificava
(MANSEL, 2003)...
A exceção, portanto, não invalida a regra. A utilização fraudulenta ou inadequada de
um método científico, seja ele qual for, não é pretexto suficiente para invalidar o esforço do
conhecimento humano.
Controvérsias à parte, o fato histórico é que São Tomás serviu-se da introspecção,
além do raciocínio especulativo, indutivo e dedutivo, como método de trabalho. Se foi feliz
ou não em sua escolha, o estudo de suas contribuições à Psicologia poderá ajudar a julgar.

6) Contribuição da Psicologia Tomista à metodologia psicológica

E justamente neste ponto deparamo-nos com uma primeira e notável contribuição,


marco inicial de uma longa série de outras.
Com antecipação de séculos, São Tomás enfrentou o problema da acessibilidade ao
objeto da Psicologia acima referido, e o solucionou magistralmente ao adotar como
“instrumento de pesquisa” o único disponível e capaz de observar a alma, ou seja, a própria
alma.
E não se limitou simplesmente a observá-la. Empregando também o único
“instrumental” com essa capacidade, que é o raciocínio, desenvolveu todo um conjunto de
juízos e inferências com base nos dados que coletou.
Embora se servindo de um método caracteristicamente medieval, ele utilizou a
melhor “tecnologia de ponta” disponível para esse estudo específico, ou seja, a própria
mente humana, nunca superada, e nem mesmo superável, pelos mais avançados
computadores.
A introspecção serviu-lhe, portanto, como base e instrumento para a edificação de
toda uma estrutura conceitual, hoje conhecida como Psicologia Tomista (BRENNAN,
1960), vastíssimo campo para investigações aos que se interessam pelo comportamento e
pela natureza humana subjacente ao mesmo.
“Pelo fruto se conhece a árvore” (Mt 12, 33). Embora o presente texto não seja uma
exposição sistemática da Psicologia Tomista, o enfoque com o qual abordamos aqui os
diversos tópicos da Psicologia Geral já nos permitirá entrever várias dessas contribuições.
Esperamos poder dedicar um volume especificamente ao tema.
31

460 a.C.), Empédocles (490-430 a.C.), Anaxágoras (500-428 a.C.), Demócrito (460-370
a.C.), Pitágoras (570-497 a.C.) e Hipócrates (460-377 a.C.). Braghirolli et al. (2005),
consideram que foram Sócrates (470-395 a.C) e Platão (427-347 a.C.) os que despertaram o
interesse pela natureza do homem, trazendo, em conseqüência, muitas questões sobre a
psicologia humana para o centro das cogitações filosóficas.
Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, é considerado o primeiro filósofo a
formular uma doutrina sistemática sobre os processos da vida psíquica e sobre a alma
propriamente dita, especialmente nos seus três livros De Anima. Embora certos autores o
vejam como basicamente racionalista, ele é apontado como o primeiro a valorizar a
observação, inclusive a introspecção, como metodologia de estudo. Por conta disso, além
de ser visto como iniciador da Psicologia Filosófica, há quem o considere também o pai da
Psicologia empírica ou experimental, embora esta só tenha surgido oficialmente no século
XIX.
Com efeito, como já referido no capítulo anterior, Barbado (1943) traz em favor
dessa tese citações de Myers, Elsenhans, Ward, Soury, Mc. Dougall, Baldwin & Stout,
Hoffding, Villa, Dessoir, Dunlap, Ebbinghaus, Külpe, e Kiesov. Transcrevemos acima as
palavras de Myers e Kiesov. A título de exemplo, acrescentamos algumas de Dunlap (1922,
p. 7, apud BARBADO, 1943, p. 101): “A Psicologia Científica não é uma invenção nova,
senão simples desenvolvimento lógico da antiga Psicologia (...) e pela mesma razão resume
o trabalho realizado pelos psicólogos desde Aristóteles até nossos dias”; de Villa (1911, p.
6, apud BARBADO, 1943, p.99): “É inegável que a concepção de Aristóteles assinala o
primeiro passo da Psicologia Científica”; e de Baldwin e Stout (1902, verbete Psychology
no Dictionary of Philosophy and Psychology, apud BARBADO, 1943, p. 99): “Deve-se
dizer que a Psicologia, enquanto ciência sistemática dos processos psíquicos e de suas
condições, começou em Aristóteles”.
Naturalmente, existem autores que não concordam com estas opiniões, como Brett
(s.d.) por exemplo, geralmente por terem um conceito diferente do que seja ciência e
método científico. Brett (s.d.) – que aliás não era cientista, mas historiador – afirma que
Aristóteles foi um grande compilador, uma vez que era o diretor do Liceu de Atenas,
instituição que era uma espécie de central que selecionava e catalogava os descobrimentos
de numerosos investigadores da época, e que só os que equiparam a ciência à compilação
de uma enorme enciclopédia poderiam ver em Aristóteles o iniciador do método científico.
Apesar disso, Brett (s.d.) reconhece que sua obra representa um grande avanço, do ponto de
vista científico, em relação à de seu mestre, Platão. Tampouco nega o valor de sua obra
especulativa e de síntese.
O mesmo autor reconhece ainda que a morte de Aristóteles marcou o fim de uma
era, porque a inquietude especulativa dos gregos ter-se-ia diluído em sucessivas filosofias
de vida, do mesmo modo que seus estados se diluíram em sucessivos impérios. Após
Aristóteles, Brett (s.d) considera que os estóicos e os epicuristas, e que médicos como
Asclepíades (124-40 a.C.) e Cláudio Galeno (131-200 d.C), ainda trouxeram alguma
contribuição à Psicologia. Vale ressaltar que, segundo Brennan (1969a), Galeno é o autor
da célebre divisão dos temperamentos em sanguíneos, fleugmáticos, melancólicos e
coléricos. Brett (s.d.) registra que, por volta de 300-250 a.C., teria havido uma síntese das

histórico e quando aparecem pela primeira vez no texto, podendo repeti-las ou não nas referências
subseqüentes.
33

Capítulo 10 – História da Psicologia (Idade Média)

1) Período predominantemente filosófico (continuação) – Idade Média (476-1453)

Tanto Brennan (1969a) quanto Brett (s.d.) consideram que o período que vai da
morte de Santo Agostinho até São Tomás foi marcado mais pela conservação do saber
antigo, no tocante à Psicologia, do que por seu desenvolvimento ou difusão. Sem embargo,
citam alguns autores que teriam aportado contribuições ao seu estudo. Dentre os que
tiveram influência neste período, além de Santo Agostinho, Brett (s.d.) destaca alguns
autores pré-medievais, como o médico Alexandre de Afrodísia (séc. II), Porfírio (233-304
d.C.), um neoplatônico que combateu o Cristianismo e defendia que os animais teriam
almas semelhantes às dos homens, e Proclo (410-485 d.C.), considerado representante
dessa última fase do neoplatonismo pagão. Como o centro do interesse nessa época era
principalmente religioso, poder-se-iam incluir outros autores, inclusive cristãos, que
escreveram sobre a alma e temas congêneres, mas isto ultrapassaria os objetivos do
presente trabalho.

a) As invasões bárbaras e muçulmanas – Tiveram um papel desagregador global sobre a


civilização do Ocidente, que não poderia deixar de se refletir nas ciências. Contudo, após a
consolidação do poderio muçulmano, os historiadores consideram que alguns deles teriam
trazido contribuições para o campo psicológico. Dentre os que viveram no Oriente, citam-
se Alkindi (800-872 d.C.), da universidade fundada por Harun (786-809 d.C.) em Bagdá, o
médico Avicena (980-1037 d.C.) e o astrônomo e óptico Alhazen (965-1039) de Bassorá,
atual Iraque, que com suas investigações sobre a visão trouxe contribuições ao estudo da
sensação e percepção. Dentre os do Ocidente (escola hispano-árabe, segundo Brett)
destacam-se Abubaker (1110-1185), Avempace (1095-1138) e Averróis (1126-1198). Este
último, nascido em Córdoba (Espanha), filósofo, jurista e médico, foi marcadamente
influenciado por Aristóteles. Brett (s.d.) considera que a escola árabe oriental desse período
termina com Avicena, assim como a ocidental com Averróis.
Entre os judeus espanhóis da época, Brennan (1969a) cita Avicebrón (1020-1070),
talvez o mais conhecido, que tentava conjugar o aristotelismo com o neo-platonismo, e
Maimônides (1135-1204), que tentava o mesmo com as doutrinas aristotélicas e as da
religião judaica. Tanto estes quanto os árabes tiveram influência sobre os filósofos
escolásticos que se lhe seguiram.

b) Renascimento Carolíngeo – Carlos Magno (742-814) promoveu, junto com uma


reestruturação política, uma restauração do saber. Naquela época existiam basicamente as
escolas episcopais, as monacais e as paroquiais. Presidia às primeiras um eclesiástico
chamado scholasticus, dependente diretamente do Bispo, donde provém o nome de
“escolástica” à doutrina e, por conseguinte, à filosofia nelas ensinadas. Os docentes eram
também eclesiásticos e denominados scholastici. Carlos Magno fundou e freqüentou – para
dar o exemplo – a Escola Palatina, que pode ser considerada a primeira universidade
medieval. Para dirigir a instituição, que funcionava junto à corte imperial, chamou o monge
inglês Alcuíno (735-804), cujo programa didático contemplava as sete artes liberais: o
Trívio e o Quadrívio. O Trívio abraçava as disciplinas formais: Gramática, Retórica,
Dialética, esta última desenvolvendo-se, mais tarde, na Filosofia; o Quadrívio abraçava as
disciplinas reais (ou materiais): Aritmética, Geometria, Astronomia, Música, e,
35

à Física, à Metafísica, aos livros sobre o Homem e a Moral. Desse modo, ele libertou-a dos
erros das traduções árabes e das lacunas do próprio Aristóteles que, em alguns pontos, não
tinha levado até o fim a inteira coerência dos princípios que adotava, consolidando dessa
forma uma obra mais aristotélica do que a do próprio Aristóteles, na opinião de Barros
(1945). Brennan (1969a), por sua vez, destaca ainda, nesse período, as contribuições de São
Boaventura (1218-1274), discípulo de Alexandre de Hales (1180-1245) e as de Jean de la
Rochelle (1200-1245).

c.3) Decadência da Escolástica – Não deixa de chamar a atenção que tanto São
Boaventura quanto São Tomás faleceram no mesmo ano (1274), que pode ser considerado
o marco inicial dessa decadência. Brennan (1969a) registra a projeção de três franciscanos:
o inglês Roger Bacon (1214-1292), professor em Oxford, considerado um dos precursores
do chamado espírito científico moderno, o escocês Beato João Duns Scotus (1265-1308), e
o inglês Guilherme de Ockham ou Occam (1300-1349), de tendência nominalista, também
professor em Oxford, que foi acusado de heresia e fugiu para a Alemanha, onde se aliou ao
imperador contra o Papa João XXII.
37

David Hume (1711-1776), empirista e nominalista como Locke, constituíram o chamado


empirismo e o associacionismo inglês, este último sistematizado principalmente por Hume.
O associacionismo é uma teoria que tenta explicar todas as operações mentais pela
associação mecânica das idéias. Outros anglo-saxões que integram a corrente são o médico
David Hartley (1705-1757), Thomas Reid (1710-1796), seu discípulo Dugald Stewart
(1753-1828), Thomas Brown (1778-1820), Sir William Hamilton (1788-1856), James Mill
(1773-1836), considerado o representante mais destacado do associacionismo, e John Stuart
Mill (1806-1873), entre outros.

d) Iluminismo francês – Desse movimento filosófico-cultural desenvolvido ao longo do


século XVIII, e que desfechou nas trevas do “Terror” na Revolução Francesa, poder-se-ia
dizer, parafraseando Brett (s.d.), que foi “iluminado” pelos ingleses, os quais o precederam
tanto na teoria quanto nas aplicações políticas. Caracterizado, segundo Japiassú e
Marcondes (1989), pelo que chamavam de defesa da ciência e da racionalidade crítica,
explicitamente contrária à fé, ao dogma religioso e ao que cunhavam de superstição, foi
muito mais que um movimento filosófico, abrangendo uma dimensão literária, artística e
política. Do ponto de vista psico-sociológico, um estudo que mereceria ser feito é sobre
como se passou de uma nação de milenar tradição católica, berço e plataforma da
Escolástica, para um país cujo tecido social ardeu a ponto de decapitar seus reis e assassinar
inúmeros clérigos.
Brett (s.d.) levanta talvez a ponta do véu ressaltando a prévia e gradativa mudança
nos hábitos e interesses franceses, que os levou a admirarem uma certa mediocridade do
tipo humano burguês e da classe média inglesa protestante, através da literatura e de outras
manifestações culturais, em oposição às manifestações sócio-culturais de grandeza do
Ancién Régime: “Em um rapto de entusiasmo, a França aceitou a idéia de que, além dos
monarcas e da metafísica, existem indivíduos comuns e uma ciência do homem” (BRETT,
s.d., p. 356). Tais considerações levariam a indagações sobre o verdadeiro papel da
Filosofia nos movimentos sociais, muitas vezes apresentados pelos historiadores como
protagonísticos, mas que a análise dos fatos poderia revelar ser apenas a culminação de
todo um trabalho tendencial prévio, baseado na projeção de tipos humanos e de
manifestações culturais, com suas correspondentes influências sobre os ambientes e
costumes.
Apesar do destaque dado a Voltaire nesse período histórico, Brett (s.d.) considera
que apenas Denis Diderot (1713-1784), organizador dos 20 volumes da Encyclopédie
Française, além de romancista, filósofo panteísta e político liberal, e Etienne Bonnot, abade
de Condillac (1715-1780), mereceriam constar numa história da Psicologia. Condillac, filho
do Visconde de Mably e Padre apóstata, foi um enciclopedista influenciado pelo empirismo
de Locke e crítico do racionalismo cartesiano. Desenvolveu uma teoria baseada no
princípio de que todo conhecimento tem origem na sensação, que teve muita influência na
Psicologia do século XIX e prenunciou teorias lingüísticas modernas. Sua metáfora da
estátua de mármore que recebesse o sentido do olfato, a partir do qual desenvolveria todo o
conhecimento, faz lembrar a lenda do Golem, sobre a qual não seria supérfluo ver o artigo
do professor da UNICAMP Márcio Seligmann-Silva (2006), publicado no “Estado de São
Paulo” de 19/3/2006.
39

Não poderemos encontrar outras luminosas explicitações nos ensinamentos de um


São Filipe Néri (1515-1595), de um São Roberto Bellarmino (1542-1621), de um São
Francisco de Salles (1567-1622), ou de um Santo Afonso de Ligório (1696-1787)? Eis aqui
uma interrogação e um desafio que bem poderia descortinar novos horizontes para os
estudiosos.
41

b) Psicologia alemã do século XIX – “Corrente de doutrina polimorfa” segundo o Pe.


Barbado (1943, p. 361), recebe dele este nome apenas por ter como denominador comum o
solo pátrio. Seu primeiro período foi marcado por Gottfried Leibniz (1646-1716), seguido e
sistematizado por Christian Wolff (1679-1754), ainda na chamada “idade moderna”. O
prócer imediato é o conhecido filósofo Immanuel Kant (1724-1804), professor e reitor da
universidade de Königsberg (na então Prússia oriental, hoje Kalinigrado, na Rússia) que
embora situado temporalmente na referida época, teve larga influência sobre a Filosofia e a
Psicologia no século seguinte, devendo por isso, segundo Brett (s.d.) ser estudado na “idade
contemporânea”.
Brett (s.d.) afirma que, em sua primeira fase, Kant teria sido influenciado pelo
racionalismo de Wolff, mas depois, sob influência de Locke, tê-lo-ia posto sob seu enfoque
crítico, até chegar a constituir o começo da chamada “Psicologia sem alma”, embora “sem
se propor a negar a realidade da alma”. Segundo Brett (s.d.), para Kant a ciência da alma se
chamaria Pneumatologia; o estudo do homem como parte da natureza seria a Antropologia,
e dentro dessa, estaria uma parte especial chamada “Psicologia”, que se ocuparia dos
fenômenos ou manifestações exteriores do “eu fundamental”, uma vez que sua “filosofia
crítica” afirma que só conheceríamos fenômenos.
Brett (s.d.) considera que se se avalia isoladamente os escritos de Kant sobre
Psicologia, pode-se considerar pobre o seu contributo. Mas que isto seria compensado “por
abundantes sugestões e por um poder quase ilimitado para suscitar problemas” (BRETT,
s.d., p. 407). E que o estímulo que ele proporcionou à Filosofia do século XIX deve ter-se
em conta para explicar a grande quantidade de estudos sobre sua “Psicologia”. Confessa
que, detendo-se para estudar a contribuição psicológica da “era kantiana”, sente uma
decepção, e que segue adiante “de má vontade” (BRETT, s.d., p. 407)...
Segundo Barbado (1943), Kant teve a ventura (sic) de ser o inspirador da Filosofia
do século XIX, mas ao mesmo tempo, teve a desgraça de que, ao menos quanto ao conceito
de Psicologia, os sistemas derivados do seu chegaram quase todos a conseqüências opostas
aos seus ensinamentos. Entre as escolas que derivaram da sua, Barbado cita o “idealismo”,
sistema filosófico abraçado por Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), Friedrich Schelling
(1775-1854) e Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), os quais contestavam que a
única Psicologia possível fosse a empírica, como afirmava Kant, sustentando ser a única
possível a “racional’, uma vez que conhecemos a única realidade psicológica existente que
é a idéia.
Outra é o “psicologismo”, mais fiel ao kantismo, iniciado por Jakob Friedrich Fries
(1773-1843), seguida por Friedrich Eduard Beneke (1798-1854) e vários outros,
caracterizados pela tentativa de solução dos problemas epistemológicos (ou seja, a validade
do conhecimento) pelo estudo empírico dos processos psicológicos. Outra é a chamada por
Brett (s.d.) de Psicologia matemática, abraçada por Johann Friedrich Herbart (1776-1841),
amalgamando princípios de Kant com teorias de Leibniz, de associacionistas e de outras
procedências, constituindo um sistema que influenciou vários psicólogos posteriores e
impulsionou a Psicologia empírica. Segundo Barbado (1943), dando valores às forças
(“Kraft”) das idéias, Herbart introduziu, sem êxito, o cálculo matemático em Psicologia. É
considerado ainda o iniciador da Psicologia étnica, por estudar também as civilizações mais
primitivas, a qual teve mais sucesso do que a “matemática”. Nem ele nem seus discípulos
trataram de buscar na Fisiologia uma auxiliar da Psicologia, mérito reservado a Rudolph
Hermann Lotze (1817-1881) na Alemanha.
43

A escola de Leipzig encontrou adeptos em várias partes do mundo, que para ela
convergiam como “para uma nova Meca” (BARBADO, 1943, p. 403), em especial nos
EUA, onde fez discípulos tais como: F. Angell, James Mckeen Catell, Granville Stanley
Hall, C. Judd, E. W. Scripture, G. M. Straton e, principalmente, o inglês Edward Bradford
Titchener (1867-1927) que se instalou no laboratório de Angell na Cornell University, onde
foi professor por 35 anos, e de onde difundiu as doutrinas de Wundt com suas inúmeras
publicações. Entre os discípulos de Wundt dissidentes, destacam-se Oswald Külpe (1862-
1915) e Alfred Binet (1857-1911).
Este último iniciou a chamada Escola de Paris, e Külpe, a de Würzburg. Afirmavam
que o campo de experimentação sensorial era muito estreito e que era possível ampliá-lo
para as funções psíquicas superiores, através da introspecção provocada. Fizeram discípulos
também nos EUA. Os “introspecionistas” concluíram que no mundo psíquico não há só
imagens mas também operações, e alguns deles afirmavam que podia haver destas sem
aquelas, donde o conceito de “pensamento sem imagens” (BARBADO, 1943, p. 411),
contradizendo o associacionismo, e estabelecendo a corrente da Psicologia funcional ou
funcionalismo, que se desenvolveu muito nos EUA.
45

entrada de Gall na Academia Francesa de Ciências, o cirurgião e antropólogo francês Paul


Pierre Broca (1824-1880), o neurologista alemão Karl von Wernicke (1848-1905).
Muitos outros neurofisiologistas poderiam ser citados por suas contribuições diretas
ou indiretas (Claude Bernard, Adolf Horwicz, Hughlings Jackson, Joseph von Gerlach,
Rudolf Virchow, Johannes Purkinje, Ivan Petrovich Pavlov, Müller, Goltz, Fritsch, Hitzing,
Ferrier, Ziehen, Münsterberg, Spencer, Munk, Horsley, Schaefer, Beevor, Helmholtz,
Luciani, Seppili).

c) Síntese – Braghirolli et al. (2005) procuram sintetizar estabelecendo o ano de 1879 como
o do nascimento da Psicologia “propriamente dita” (BRAGHIROLLI et al., 2005, p. 17), ou
científica na conceituação de Brennan (1969b), com a fundação do laboratório de Wund.
Chama a escola por ele fundada de Estruturalismo, porque buscava entender a estrutura da
mente pela decomposição dos estados de consciência servindo-se do método da
introspecção, levada aos EUA por E. Titchener.
A reação a esta escola baseou-se na crítica ao método adotado, por não possibilitar o
estudo de crianças, pessoas anormais e animais, dificultando o desenvolvimento da
Psicologia Aplicada. Como reação, nasceu então nos EUA “movimento” (e não escola) do
Funcionalismo, por serem unidos mais por sua crítica ao estruturalismo do que por um
corpo doutrinário. Os funcionalistas mais conhecidos são os americanos William James,
John Dewey e James Cattel, e recebem este nome por se interessarem mais no que a mente
faz, nas suas funções, do que no que ela é ou como se estrutura.
Segundo Japiassú e Marcondes (1989), W. James é conhecido também como
fundador do Pragmatismo, segundo o qual a verdade seria aquilo que tem êxito prático e
traria o novo ao mundo, conceito que não deixou de influenciar a moderna mentalidade
norte-americana. A partir do funcionalismo os estudos psicológicos voltaram-se para
problemas práticos relevantes como o comportamento infantil, o anormal, o ocupacional,
etc. Tanto o Estruturalismo quanto o Funcionalismo deixaram de existir, mas influenciaram
as correntes que se projetaram ao longo do século XX.
47

psiquiatra clínico. Iniciou suas pesquisas com a colaboração do médico e fisiologista


austríaco Joseph Breuer (1842-1925), estudando casos de sua clínica privada. Com base
nestes, desenvolveu sua teoria da motivação inconsciente para o comportamento e a
importância da primeira infância na formação da personalidade, com ênfase no papel da
libido no que chamava de “dinâmica da personalidade”, ênfase esta que se encontra na
origem da polêmica que se estabeleceu em torno de sua teoria.
Freud atraiu inicialmente vários discípulos, que depois se distanciaram dele
fundando suas respectivas escolas. Dentre estes se destacam o psiquiatra austríaco Alfred
Adler (1870-1937), o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), e o psicólogo alemão
Otto Hank (1884-1939). Entre os que se lhe mantiveram fiéis citam-se os psiquiatras e
psicanalistas Karl Abraham (1877-1925), o húngaro Sandor Ferenczi (1873-1933) e o
inglês Ernest Jones (1879-1958), embora Ferenczi também se tenha distanciado depois.
Segundo seus defensores, Freud utilizaria o método do estudo de casos. Pela
ausência da experimentação controlada, entretanto, suas investigações são criticadas por
vários autores como carentes de metodologia científica, embora tenha encontrado muita
aceitação entre os psicólogos e psiquiatras clínicos, antes do advento dos psicofármacos.
Outros autores dinamicistas pós-freudianos são: a psicanalista austríaca Melanie
Klein (1882-1960), a alemã Karen Horney (1885-1952), a austríaca Anna Freud (1895-
1982), filha de Sigmund, o psiquiatra americano Harry Stack Sullivan (1892-1949), o
psicólogo americano Henry Murray (1893-1988), autor do Teste de Apercepção Temática –
T.A.T., o psiquiatra austríaco Wilhelm Reich (1897-1957), o sociólogo e psicanalista
alemão Erich Fromm (1900-1980), o psiquiatra francês Jacques Lacan (1901-1980), o
alemão Erik Erikson (1902-1994), autor da teoria do desenvolvimento psicossocial, o
austríaco Viktor Emil Frankl (1905-1997), autor da logoterapia, e o canadense naturalizado
americano Eric Berne (Eric Leonard Bernstein) (1910-1970), autor da análise transacional.

d) Humanismo – Enfatiza a necessidade de estudar o homem e não os animais, os normais


e não os perturbados, criticando a utilização excessiva do método experimental, advogando
o estudo dos processos mentais tipicamente humanos como o pensar, o decidir e o sentir,
apesar de não serem diretamente observáveis. São seus representantes (todos americanos):
os psicólogos Carl Ranson Rogers (1902-1987) e Abraham Maslow (1908-1970), e o
teólogo existencialista (sic!) e psicanalista Rollo May (1909-1994). Afim com esta
corrente, porém independente dela, estaria o psiquiatra e filósofo existencialista alemão
Karl Jaspers (1883-1969).

e) Psicologia cognitiva – Segundo Papalia e Olds (1988) esta teria se desenvolvido a partir
das correntes principais da Psicologia experimental, tencionando descobrir como a mente
processa, organiza, recorda e utiliza as informações que recebe. Tem como representantes
(todos psicólogos) o suíço Jean Piaget (1896-1980), conhecido também por seus estudos
sobre a psicologia infantil, o americano Jerome Seymour Bruner (1915-?), autor da teoria
do construtivismo, e o americano David Paul Ausubel (1918-?).

f) Escolásticos do século XX – O Pe. Brennan (1969a) apresenta alguns autores


“escolásticos” do século XX que, segundo ele, teriam estudado a possibilidade de conciliar
a psicanálise com a concepção tradicional da natureza humana: o psiquiatra americano
Gregory Zilboorg (1890-1959), o filósofo americano Mortimer Adler (1902-2001),
convertido ao Catolicismo em 2000, o psiquiatra judeu-alemão também convertido Karl
49

Capítulo 15 – Psicologia atual e seus setores

1) Divisão da Psicologia quanto à finalidade do estudo

Segundo Braghirolli et al. (2005, p. 26) a “ciência pura” é aquela que procura
sistematizar conhecimentos sem ter em vista a aplicação direta dos mesmos, enquanto que a
“aplicada” os busca com o objetivo predeterminado de aplicá-los em alguma (s) área (s) da
atividade humana. Tal distinção, entretanto, existe apenas para efeitos acadêmicos e
didáticos, já que ambas formas de ciência estão intimamente relacionadas. Desse modo, a
Psicologia também pode ser dividida quanto à sua finalidade em duas grandes áreas: a
“pura” ou “de investigação básica”, e a “aplicada”. Estas, por sua vez, abrangem vários
setores cada uma.

2) A investigação psicológica básica ou pura abrangeria:

a) Psicologia Geral – Procura determinar o objeto, os métodos, os princípios gerais e as


ramificações da ciência.

b) Psicologia Fisiológica – Voltada para a investigação do papel que eventos e estruturas


fisiológicas têm no comportamento, e vice-versa.

c) Psicologia do Desenvolvimento – Estuda o desenvolvimento ontogenético, ou seja, as


modificações que ocorrem no ciclo vital de uma pessoa. Historicamente os períodos do
ciclo vital mais estudados têm sido a infância e a adolescência.

d) Psicologia Comparada – Abrange o estudo do comportamento animal para compará-lo


com o humano, visando melhor compreendê-lo. Braghirolli et al. (2005, p. 26) consideram
também uma “psicologia animal”, tanto como contribuinte da comparada, quanto como
uma ciência que buscaria a compreensão do comportamento animal em si.

e) Psicologia Social – Estuda todas as situações, e suas variáveis, nas quais o


comportamento humano é influenciado e influencia o de outras pessoas e grupos.

f) Psicologia Diferencial – Busca entender as diferenças entre as pessoas condicionadas


pela idade, capacidade, sexo, raça, classe social, etc, a interação desses fatores sobre o
comportamento, bem como o estabelecimento de técnicas de mensuração das variáveis
consideradas.

g) Psicopatologia – Estuda o comportamento anormal, as doenças mentais.

h) Psicologia da Personalidade – Busca a integração ampla e compreensiva dos dados


obtidos por todos os demais setores da investigação psicológica, de modo a compor teorias
da personalidade.

3) Principais ramos da Psicologia aplicada:


51

O psicólogo é o profissional que fez um curso de graduação em Psicologia e pode se


especializar em qualquer uma de suas áreas. O psiquiatra é o médico que se especializa em
distúrbios mentais. Embora o psicólogo clínico também atue nesta área, não pode
prescrever medicamentos ou tratamentos que envolvam outros sistemas orgânicos por não
ter a formação médica necessária. O psicanalista é aquele que, depois de freqüentar cursos
especializados e se submeter à psicanálise por alguns anos, se habilita legalmente a exercê-
la. Braghirolli et al. (2005) citam outras profissões que podem recorrer ao auxílio da
Psicologia: o pedagogo, o enfermeiro, o orientador educacional, o assistente social, etc.
Papalia e Olds (1988) acrescentam: a Ergonomia e a Engenharia psicológica, voltadas para
a adaptação dos equipamentos, móveis, ambientes, etc, às necessidades humanas; a
Psicometria, que aplica testes variados nas escolas, empresas, exames de capacitação (por
exemplo, para motorista), assessoramento vocacional ou emocional; a Psicologia Social
aplicada, usada para resolver problemas práticos de relações públicas, de publicidade, em
comunidades compostas por pessoas de raízes étnicas diferentes, etc; o assessoramento
psicológico, presente geralmente em escolas e instituições, voltado ao acompanhamento
dos problemas apresentados por seus integrantes.
53

sobre a posição dos membros e o grau de contração muscular. Os receptores do equilíbrio,


também chamado sentido vestibular (devido à sua localização), estão nos canais
semicirculares e vestibulares do ouvido interno. Informam sobre a posição e movimento
geral do corpo. Os receptores da dor estão disseminados pelos órgãos e reagem a uma
ampla variedade de estímulos químicos, térmicos e mecânicos.
Transdução é o nome do processo de transformação de um tipo de energia em
outro. As células receptoras estão conectadas a fibras de células nervosas. Quando há um
estímulo num receptor, a energia que o provoca é transduzida em energia elétrica nervosa.
Se esta ultrapassar o limiar de excitação, originará um impulso nervoso que será conduzido,
através das conexões das células nervosas, ao córtex cerebral ou a outra região do sistema
nervoso central. Segundo Braghirolli et al. (2005), com exceção do olfato, cada superfície
sensorial do corpo é ligada a uma área sensorial do córtex, especializada para um dos
sentidos, e localizada no lado oposto do cérebro. Por essa razão, o estímulo direto (através
de eletrodos por ex.) de determinadas regiões cerebrais, pode simular sensações parecidas
com as autênticas.
O limiar de excitação pode ser absoluto, que é o nível que a energia do estímulo
precisa ultrapassar para provocar um efeito sensorial, e diferencial, que é a diferença
mínima entre as intensidades dos estímulos que precisa existir para que o organismo possa
percebê-las. Tais limiares são objeto de inúmeras pesquisas fisiológicas desde o século
XIX. Um exemplo: o apito de chamar cães não é ouvido pelo homem porque está acima da
freqüência captável pelo ouvido humano. O rádio, o estetoscópio, o micro e o telescópio
são exemplos de instrumentos criados para ampliar a capacidade receptora natural do
homem.

b) Sistema (“mecanismo”) efetor – Os estímulos do meio levam o indivíduo a reagir para


adaptar-se a ele. Este ajustamento, tanto motor quanto emocional, terá uma influência
importante sobre o seu comportamento. O comportamento observável se dá a partir da
reação dos efetores (músculos e glândulas) ativados pelo sistema nervoso. Tal reação pode
variar desde as simples respostas reflexas (conexão na medula espinhal) até
comportamentos complexos (falar, chorar, escrever, etc).
Os músculos dividem-se em estriados (ou esqueléticos) e lisos. Os estriados são
responsáveis pelos movimentos voluntários, e os lisos, localizados principalmente nas
vísceras e vasos sanguíneos, são incumbidos dos movimentos não voluntários, como o do
coração, dos intestinos, da íris ou das artérias. As glândulas podem ser endócrinas,
exócrinas e mistas. As endócrinas lançam seus produtos – geralmente chamados hormônios
– na corrente sanguínea (ex. tireóide), as exócrinas na superfície do organismo (ex.
sudoríparas – suor) ou em alguma de suas cavidades (ex. salivares – saliva), e as mistas
lançam alguns na corrente sanguínea e outros fora dela (ex. pâncreas: insulina no sangue e
suco pancreático no intestino delgado).
Algumas glândulas exócrinas são boas indicadoras dos estados emocionais: as
lacrimais, as salivares e as sudoríparas. As endócrinas, entretanto, têm maior interesse para
os pesquisadores, porque têm íntima relação com as atividades motoras e emocionais. Um
exemplo é a atuação da glândula supra-renal na reação ao stress. Sua medula secreta
adrenalina durante os estados emocionais, a qual, através da corrente sanguínea, vai
desencadear a “reação de luta ou fuga” (taquicardia, transpiração, vasoconstrição periférica,
etc). Já o córtex supra-renal secreta vários hormônios que regulam a manutenção da vida,
como o metabolismo do sal, do potássio, dos carboidratos, proteínas, gorduras, etc.
55

Capítulo 17 – Componentes biológicos do comportamento: sistema nervoso

1) Técnicas de estudo do cérebro

Segundo Braghirolli et al. (2005), podem-se considerar, atualmente, as seguintes


técnicas de estudo: anatômicas, do desenvolvimento, de remoção, de estimulação, de
registro elétrico.
As técnicas anatômicas baseiam-se em dissecação de cadáveres, observação direta,
estudos histo-citológicos para identificar os diversos tecidos e células e assim compor uma
espécie de “mapa” cerebral. A técnica do desenvolvimento baseia-se na comparação entre a
estrutura cerebral e o comportamento, comparando tal relação entre as diversas fases do
crescimento do indivíduo ou entre diferentes espécies de animais. A técnica de remoção
baseia-se na remoção ou lesão de determinadas partes do cérebro para estudar sua
repercussão sobre o comportamento. Claro que in anima nobilis tal método só pode ser
empregado após lesões não intencionais. A técnica da estimulação (elétrica ou química)
consiste em estimular áreas para estudar suas reações. Contribui para uma espécie de
mapeamento funcional do cérebro. A técnica do registro elétrico pode ser realizada através
do eletroencefalograma (exame que amplia e registra as minúsculas variações de correntes
elétricas cerebrais através de eletrodos colocados na superfície da cabeça) ou através da
implantação de microeletrodos numa determinada unidade neural para monitorar sua
atividade, sendo esta muito mais precisa do que a anterior.
Além desses procedimentos, podem-se acrescentar novas e complexas técnicas
utilizadas pelos pesquisadores que permitem imagens estruturais do cérebro, como a
tomografia computadorizada e a ressonância nuclear magnética, e imagens funcionais do
mesmo, como a tomografia por emissão de pósitrons, a tomografia por emissão de fóton
único, e a ressonância magnética funcional. Têm sido muito utilizadas, por exemplo, na
avaliação de novos psicofármacos e no aperfeiçoamento das técnicas de neurocirurgia.

2) O Sistema Nervoso Central

É composto pelo Encéfalo e pela Medula espinhal.

2.1) Encéfalo

Corresponde ao que vulgarmente se chama cérebro. Situado na caixa craniana, pesa


por volta de 1,360 Kg no homem adulto, sendo composto por bilhões de células nervosas.
Para efeitos didáticos, pode ser dividido nas seguintes estruturas encefálicas:

a) Telencéfalo – É o mais volumoso órgão do sistema nervoso, com 7/8 do peso total do
encéfalo. Tem forma ovóide e compreende dois hemisférios, separados pela fissura
longitudinal e associados pelo corpo caloso. Sua superfície (camada mais externa) é
chamada de Córtex cerebral. É composta pela substância cinzenta (núcleos dos neurônios) e
disposta em dobras (circunvoluções ou giros). Funções: Nele se localizam os centros
nervosos que coordenam as atividades sensoriais, motoras, da comunicação, da memória.

b) Diencéfalo – Contém o Tálamo e o Hipotálamo. Funções: O Tálamo é um intermediário


dos impulsos sensoriais que vão ao cérebro, tendo também papel no despertar e no alertar.
57

Áreas projetivas do Córtex são aquelas em que se projetam tais funções. As demais
são chamadas áreas de associação, porque nelas se supõe que haja uma associação geral das
informações neurais. O Córtex motor controla a movimentação dos músculos e o sensitivo
recebe e processa os estímulos provenientes da sensibilidade do corpo em geral (pele,
músculos, articulações e tendões). Os centros motores e sensitivos da visão, audição, fala, e
outros têm localização específica. A extensão da superfície do córtex sensitivo ou motor é
proporcional ao grau de complexidade dessa área (ex. as das mãos, dedos, lábios e língua,
são maiores do que as do cotovelo ou joelho).
O Sistema Límbico é considerado como o centro responsável pela coordenação das
emoções. Situa-se na superfície medial do Encéfalo e abrange várias estruturas do mesmo,
como as Amígdalas (reação às situações afetivas e de risco), o Hipocampo (memória de
longa duração e avaliação de ameaças – está relacionado com a potência Estimativa,
segundo a terminologia tomista, como veremos adiante), o Tálamo (reações emocionais), o
Hipotálamo (prazer, raiva, aversão, desprazer, ansiedade), o Giro Cingulado (feixe nervoso
que liga os dois hemisférios, relacionado aos odores, memória de emoções, reação à dor e
regulação da agressividade), o Tronco Cerebral (alerta, vigília, sono), a área tegumentar
ventral (prazer), e o Septo (prazer).
A área pré-frontal, embora não faça parte do Sistema Límbico, está muito
relacionada com ele por participar da expressão dos estados afetivos. Nessa região se
praticava um tipo de cirurgia chamado de lobotomia pré-frontal, para tratamento de
doenças mentais graves, em decorrência da qual o indivíduo muitas vezes ficava com uma
espécie de “tamponamento” afetivo.
Também os Lobos Temporais têm importante papel na regulagem da vida
emocional, sentimentos, instintos e resposta viscerais às alterações ambientais. A epilepsia
do Lobo Temporal geralmente é acompanhada de distúrbios emocionais.

3) Sistema Nervoso Autônomo

É o responsável pela ação das glândulas e da musculatura que, de um modo geral,


não dependem do controle voluntário. Divide-se em:

a) Simpático – É a ramificação nervosa que atua durante os estados de excitação do


organismo, preparando-o para situações de medo, luta ou fuga. Age no sentido de
despender os recursos do organismo.

b) Parassimpático – Atua nos estados de repouso do organismo, visando a conservar os


seus recursos. Em geral, as áreas sobre sua influência são inervadas por fibras tanto de um
quanto de outro, embora alguns órgãos sejam ativados apenas por uma delas. Essas duas
ramificações atuam, em geral, de modo antagônico (ex. o coração é acelerado pelo
Simpático e lentificado pelo Parassimpático) embora coordenado, visando à manutenção do
estado de equilíbrio orgânico. O controle superior de ambas divisões parece estar localizado
no Hipotálamo.

4) Sistema Nervoso Periférico

É constituído pelo conjunto dos neurônios que vão dos receptores até a Medula
espinhal e ao Encéfalo, constituindo estas as chamadas vias aferentes, e ao conjunto dos
59

Capítulo 18 – Síntese da Psicologia Tomista: composto hilemórfico e potências

1) Doutrina hilemórfica de Aristóteles

O Pe. Brennan (1960) denomina substância corpórea toda coisa cuja natureza está
dotada de matéria. Existem quatro ordens hierárquicas de seres na criação corpórea: corpos
não viventes (minerais, substâncias químicas, etc), vegetais, animais irracionais e homens.
A doutrina hilemórfica afirma que toda substância corpórea incluída em qualquer uma
dessas espécies está composta de hyle, ou matéria, e morphe, ou forma.
Os dois princípios básicos de todo ser corpóreo são: a matéria prima (princípio
indeterminado mas determinável, que torna possível a transformação de uma substância em
outra) e a forma primeira (princípio determinante que faz com que uma substância seja o
que é e não outra).
Para ser substância completa ou “composto”, a matéria prima tem que estar
combinada com a forma primeira. Nada existe na natureza com matéria prima sem forma
primeira, já que não existe um semi-ser. Para adquirir qualidade, quantidade, tornar-se
concreta, a matéria prima deve possuir uma forma primeira. A matéria prima é sempre a
mesma, seja nos minerais, vegetais ou animais. O que a torna atualmente específica, ou
seja, este ou aquele ser concreto, é a forma primeira. É por isso que a matéria é potência
enquanto a forma, o ato do composto hilemórfico.
Por essa razão ainda que a forma primeira, assim como a matéria prima, é também
substancial, uma vez que é ela que atualiza, transforma em ato, a substância corpórea.
Separadas, porém, a matéria prima e a forma primeira seriam substâncias incompletas.
Aplicada ao homem, tal doutrina ensina que o corpo do homem, como matéria prima, é
uma substância incompleta, do mesmo modo que sua alma, que é a forma primeira do
homem. E que somente o corpo e a alma unidos é que constituem a substância completa
homem.
Segundo São Tomás (S.T., Ia., q. 78, a. 1), o homem tem os seguintes gêneros de
potências: cognoscitivo (que inclui as potências intelectiva e sensitivas), apetitivo (que
inclui o apetite racional, sensitivo e natural), locomotor e vegetativo.
De acordo com o Padre Royo Marín (1968), as potências da alma humana
(substância incompleta), são a inteligência e a vontade. São potências, portanto, puramente
espirituais. Como a alma humana é substancial e imortal, mesmo na alma separada do
corpo elas subsistem. Já as demais potências existem em ato apenas no composto (alma e
corpo), embora todas elas radiquem na alma, pelo que, segundo Farges e Barbedette (1923),
continuam a existir de modo virtual na alma separada, razão pela qual as pessoas
ressuscitadas, como Lázaro, voltaram a ter o funcionamento das demais potências.

2) As potências do homem segundo Aristóteles

Brennan (1960) as esquematiza da seguinte forma:

a) Potências vegetativas (trépticas): potência nutritiva; aumentativa, reprodutiva.


b) Potências sensitivas (estéticas):
· Externas: potência visual; auditiva; olfativa; gustativa e táctil.
61

Entendimento Abstração Essências corpóreas


Agente potencialmente
Cognoscitivo inteligíveis
Entendimento Intelecção Essências corpóreas
Racional Possível atualmente inteligíveis

Apetitivo Vontade Volição Bens corpóreos


apreendidos como
desejáveis

Fonte: BRENNAN (1960), com adaptações.

Obs. Existe ainda o apetite natural, que se pode situar na ordem vegetativa. Porém,
como não consta no esquema proposto pelo Pe. Brennan (1960), não foi transcrito acima.
63

à considera o objeto concreto que o gerou (aquele ser singular) e forma uma idéia reflexa
do objeto ou IDÉIA SINGULAR.

O conhecimento intelectual dos singulares é, portanto, indireto e “reflexo”, pois o


objeto próprio dos sentidos é o singular, e o da inteligência é o universal. Entretanto, um
precisa do outro. Com efeito, por ser uma potência puramente espiritual, a intelecção não
se realiza mediante um órgão corporal, mas na alma, que não está localizada numa
determinada parte do corpo, mas o “informa” inteiro. Entretanto, ela requer uma substância
corpórea como base. Pois, como vimos, o objeto imediato da inteligência são os
phantasmata ou imagens, e essas só podem existir mediante a operação dos sentidos
(externos e internos). O que diferencia o conhecimento da alma unida ao corpo do da alma
separada é que, no primeiro caso, há uma necessária participação dos dados dos sentidos.
Brennan (1960, p. 210) ressalta que, segundo São Tomás, a grande importância do
conhecimento concreto da realidade, dos seus singulares, e não seu mero conhecimento
abstrato, decorre de que “qualquer ciência ou filosofia da natureza que não retorne ao
singular, não é ciência nem filosofia, senão um sonho”.

c) Atos da potência intelectiva – Segundo o Pe. Royo Marín (1968), o conhecimento


sensitivo é-nos comum com os animais, o intelectivo é próprio e exclusivo dos seres
inteligentes (Deus, o Anjo e o homem). Os atos próprios da potência intelectiva são três: a
idéia ou simples apreensão, o juízo e o raciocínio ou inferência. A idéia é o produto da
intelecção. Quando a inteligência compara duas idéias afirmando ou negando algo sobre
elas, emite um juízo (ex. tal mesa é sólida). Quando compara dois juízos para deduzir um
terceiro (uma conclusão), realiza um raciocínio ou inferência (ex. todo homem é mortal;
Fulano é homem, logo Fulano é mortal). O raciocínio explícito, na forma que acabamos de
expor, recebe o nome de silogismo (composto por uma premissa maior, uma menor e a
conclusão).

d) Ciclo do processo cognitivo – Podemos esquematizá-lo, portanto:

OBJETO à sentidos à phantasma ou imagem à entendimento agente


(abstração) à espécie inteligível impressa à entendimento possível à espécie expressa ou
IDÉIA à reflexão sobre as espécies inteligíveis (expressa e impressa) à reflexão sobre o
phantasma (o intelecto volta a unir a matéria e a forma do objeto concreto) à
entendimento daquele OBJETO concreto considerado.

3) Hábitos: virtudes e vícios

A atividade cognitiva do homem condiciona seu comportamento. Segundo São


Tomás (apud BRENNAN, 1969b, p. 347) hábito é: “uma qualidade permanente que se
desenvolve mediante o exercício da inteligência e da vontade e que tende a fazer-nos atuar
de uma maneira rápida, fácil e agradável”. Há dois tipos de hábito: entitativos, quando
modificam a substância de uma coisa (por ex. o corpo ou a alma) e operativos, quando
modificam os atos, potências ou acidentes de uma coisa. Desse modo, a saúde é um hábito
entitativo, a ciência é um hábito operativo. Um hábito operativo é psicologicamente bom
quando dispõe retamente a natureza do homem. É moralmente bom quando conduz ao fim
do homem (conhecer, amar e servir a Deus). A virtude moral é um hábito que torna bom o
65

Capítulo 20 – Componentes psicológicos do comportamento: sentido comum e


percepção

1) Introdução

Levando em consideração o conceito moderno de Psicologia como ciência do


comportamento, estudamos nos capítulos 15 e 16 os seus componentes biológicos. A partir
de agora focalizaremos seus componentes psicológicos e, mais adiante, os sociológicos. Fá-
lo-emos, contudo, segundo o enfoque tomista. Desse modo, quando do estudo dos
componentes biológicos, analisamos os sentidos externos do homem. Passamos a avaliar
agora, seus sentidos internos, começando pelo Sentido Comum.

2) Sentido comum

Segundo Brennan (1969b), o Sentido Comum recebe este nome por ter algo em
comum com os demais sentidos e integrar as informações sensoriais, repassando-as
primeiro aos outros sentidos internos (imaginação, memória e cogitativa) e depois, através
destes, ao intelecto. Brennan (1969b, p. 188) o define como: “A capacidade de perceber, de
um modo sensível, objetos que estão estimulando no momento presente o organismo”. O
Sentido Comum, portanto, é o responsável pelo fenômeno da percepção, embora esta só se
concretize plenamente após a entrada em ação do intelecto. O referido autor faz notar que o
objeto deste sentido são aqueles seres que o estimulam no presente momento, pois é este
ponto que distinguirá seu objeto do dos demais sentidos internos.
Ressalta ainda que, enquanto os sentidos externos captam os sensíveis próprios (a
cor, que estimula a visão, os sons, a audição, etc), o Sentido Comum percebe os sensíveis
comuns, que são aquelas qualidades comuns a todo objeto que exista no espaço e no tempo
(tamanho, forma, solidez, distância, constância, movimento, idade, etc). Contudo, adverte
São Tomás que, enquanto os sentidos externos têm por objeto os sensíveis próprios, os
sensíveis comuns não são o objeto próprio do Sentido Comum, pois, uma vez que ele “é
uma faculdade na qual terminam todas a imutações dos sentidos externos, é impossível que
tenha objeto próprio que não seja objeto de algum sentido” (AQUINO, in De Anima, b. II,
lect. 13, apud BRENNAN, 1960, p. 148).
Em outros termos, a diferença entre os sentidos externos e o comum não nasce da
diferença entre os sensíveis próprios e comuns, mas da diferença do modo como os objetos
sensíveis afetam aos sentidos externos e ao comum: aos primeiros através de seus sensíveis
próprios e ao segundo através dos aspectos espaço-temporais (sensíveis comuns) que estão
presentes nos mesmos objetos sensíveis (cfr. BRENNAN, 1960).
Brennan (1969b) destaca também que o Sentido Comum, como todos os demais
sentidos, são potências mistas, do composto hilemórfico, e por isso psicossomáticas. O
elemento psíquico do Sentido Comum verifica-se: 1) pelo fato da mente fornecer a
consciência, pela qual a pessoa é capaz de perceber que percebe; 2) pela capacidade de
distinguir uma sensação das outras; 3) e pela de realizar uma síntese consciente das
sensações. O elemento somático verifica-se pela necessidade do funcionamento saudável
dos sistemas receptor e conector (e em parte do efetor), segundo a terminologia de
Braghirolli et al. (2005), para que a percepção possa se dar.

3) Percepção
67

da constância aplicada à forma explica porque vemos uma moeda redonda mesmo quando
ela está oblíqua, e sua imagem retiniana é oval. Aplicada à cor, por que “vemos” um
telhado como vermelho apesar de ser noite. À localização, porque não percebemos os
objetos rodando quando viramos a cabeça.

b) Organização perceptiva – O homem organiza os estímulos que recebe de modo a


percebê-los como objetos unitários, em função de algumas tendências organizadoras inatas.
Ex: Uma grande imagem verde é percebida como uma montanha. Uma tendência
organizadora fundamental é o princípio da relação figura-fundo: a percepção tende a
destacar uma porção mais organizada e definida do conjunto das sensações em dado
momento. Esta porção é chamada figura. O restante, fundo. Assim, vemos um caderno
(figura) sobre uma mesa (fundo), ouvimos o solista (figura) destacado do coro que o
acompanha (fundo). As figuras reversíveis são usadas para demonstrar a influência das
experiências passadas e o estado psicológico do sujeito na determinação do que ele
perceberá como figura ou como fundo (fig. 1). Outra tendência é o princípio do
agrupamento, pelo qual tendemos a perceber os estímulos agrupados segundo algum
critério. Esses critérios podem ser: a proximidade (fig. 2), a semelhança (fig. 3), a
continuidade e o fechamento ou preenchimento (fig. 4).

c) Percepção do movimento – Depende de muitos fatores (aprendizagem, expectativas do


sujeito, etc) e não apenas do movimento real do objeto. Comprova-se pelos fenômenos do
movimento aparente (movimento estroboscópico do cinema, ou o “fenômeno phi” pelo qual
“vemos” dois pontos luminosos “se moverem” de um lado para o outro quando acesos
sucessivamente), do movimento induzido (o trem ao lado que passa, dando a impressão de
que é o nosso vagão que se movimenta), do efeito auto-cinético (pelo qual, por exemplo,
um pequeno ponto fixo de luz num quarto escuro parece mover-se sem direção definida
após alguns segundos, em função dos movimentos dos olhos).

d) Percepção de profundidade – Devido à “lei” da constância, o observador tende a


buscar informações sobre a distância do objeto (fig. 5). Essa tendência obedece ao
princípio da perspectiva linear (linhas paralelas parecem convergir quando se
distanciam), da perspectiva aérea (indicações fornecidas pela atmosfera: quanto mais
distante, menor a nitidez dos contornos e mais azulada a cor), da interposição (objetos
mais próximos “cobrem” os mais distantes), do movimento relativo (objetos que se
movem mais depressa estão mais próximos, enquanto os mais “lentos” estão mais longe:
avião. Podem até parecer “parados”, se coincidem com nosso movimento), da disparidade
retiniana (quanto mais próximo dos olhos, maior a disparidade), da percepção auditiva
(quanto maior a pureza do som, maior a proximidade. Em caso de conflito, em geral
prevalecem as informações visuais).

6) Erros perceptivos

São as ilusões e as alucinações. As ilusões são interpretações falsas dos dados dos
sentidos, e por isso podem ser visuais, auditivas, tácteis, etc. As alucinações são
experiências perceptivas sem existência de informações sensitivas reais. Também podem
ser auditivas, visuais, olfativas, etc. São estudadas na Psicopatologia. Algumas explicações
para as ilusões são:
69

Fig. 1. Exemplo de
figura reversível.: alto
Fig. 2. Proximidade: Fig. 3. Semelhança:
ou baixo relevo?
4 colunas e não 7 7 filas e não 7
filas. colunas.

Fig. 4. Fechamento ou
preenchimento.
Fig. 5. Profundidade.

Fig. 6. Ilusão da cartola


“mais alta do que larga”,
Fig. 7. “Ilusão da
embora as dimensões sejam
Lua”: maior ao nascer,
as mesmas.
menor na abóbada
celeste.
71

olfativas, etc. A dependência dos sentidos se reflete no fato, por ex., de que “os privados da
visão e audição têm uma surpreendente capacidade para utilizar as imagens cinestésicas”
(GALTON, F., 1883, pp 83-144, apud BRENNAN, 1969b 211.). 2º) Imagens eidéticas:
São aquelas imaginações que se afiguram tão claras e reais que tomam o aspecto de uma
percepção, embora o sujeito se dê conta de que se trata de uma imaginação. Foram estudas
primeiramente por Erich Jaensch. Ocorrem mais em crianças, fazendo parte normal de certa
fase de seu desenvolvimento, porém também nos adultos de tipo imaginativo, artistas,
poetas, etc. 3º) Imagens alucinatórias: São imaginações tão vívidas e reais que o sujeito se
convence de que são percepções verdadeiras. Enquanto o eidético sabe que suas
imaginações são fantasias, o alucinado está convencido de que são reais. São consideradas
objetivamente como pseudo-percepções. Ocorrem durante os estados induzidos por álcool e
drogas, e/ou por enfermidades mentais. A alucinação diferencia-se da ilusão porque esta é
um juízo errôneo sobre objetos atualmente presentes aos sentidos, enquanto que na primeira
não há base perceptiva. 4º) Imagens hipnagógicas: São aquelas que aparecem num estado
intermediário entre o sono e a vigília. Costumam aparecer mais no início, mas também
podem surgir no final do sono. Em geral são tão vívidas que têm as características de uma
alucinação, embora estejam dentro da normalidade. 5º) Imagens oníricas: São as que
ocorrem durante os sonhos. Estes podem ser provocados por estímulos imediatos (pássaros
cantando fazendo sonhar com os mesmos), recentes (leitura de um livro ao deitar) e
remotos (preocupações, problemas, desejos, etc).

d) Imaginação reprodutora e criadora – Aristóteles (De Anima, L. III, apud BRENNAN,


1969b) já fazia esta distinção, atribuindo à primeira a propriedade de reproduzir percepções
de forma não elaborada, e à segunda, a “criação” de imagens novas (imaginar, por exemplo,
um fato futuro ou um local desconhecido), por ação da inteligência e da vontade, re-
combinando percepções e imaginações passadas. Enquanto a criadora é própria dos seres
humanos, a reprodutora é comum aos homens e aos animais.

2) Memória

Brennan (1969b, p. 217) a define como “a faculdade de evocar fatos do passado e


identificá-los como tais”. É isto que a distingue da simples imaginação retentora e
reprodutora, pelo que é considerada uma potência distinta. Ex: Uma coisa é imaginar uma
feijoada, outra é lembrar a última que comemos. Como os demais sentidos internos, é uma
potência mista, psicossomática. Distingue-se identificação (lembrança com ajuda de um
estímulo) de recordação (sem ajuda). Exemplo: a dificuldade de recordar a face de um
bandido pode ser diminuída pela apresentação de fotos (identificação).

a) Etapas do processo mnésico – Segundo Brennan (1969b) são: 1ª) Percepção e


impressão original; 2ª) Fixação consciente (ou subconsciente) da experiência, que depende
de maior ou menor atenção; 3ª) Retenção, na forma de imagens, do que foi percebido; 4ª)
Restauração dos fatos passados na consciência (até aqui, processo igual ao da imaginação);
5ª) Localização da imagem no tempo (e no espaço).

b) Tipos de memória – Do ponto de vista ontológico, há uma memória sensitiva, comum


aos homens e aos animais, e uma intelectiva (potência não distinta da inteligência, mas uma
capacidade desta, articulada com a vontade, para evocar). São Tomás, baseado em
73

· Lacunar – Amnésia para fatos ou situações específicas. Pode ser preenchida com
fabulações (síndrome de Korsakoff).

f) Fisiopatologia – Segundo Godoy (s.d.), acredita-se que a consolidação seja coordenada


nos hipocampos, localizados nas regiões do lobo temporal do cérebro. Pesquisas médicas
indicam que os lobos frontal e temporal são os mais freqüentemente prejudicados em uma
lesão de crânio. Este é o motivo pelo qual muitas pessoas que sofrem um traumatismo
craniano ou uma lesão cerebral grave apresentam amnésia anterógrada. Se os hipocampos
sofrerem uma lesão, o amnésico será capaz de recordar memórias antigas, mas não
conseguirá criar nenhuma memória nova.

g) Regras de São Tomás para cultivo da memória – Adaptadas por Brennan (S.T., p. II-
II, q. 49, a. 1, resp. a obj. 2, apud BRENNAN, 1969b): 1º) Introduzirmo-nos no trabalho
com verdadeira vontade de aprender; 2º) Examinar cuidadosamente e dar uma certa ordem
ao que desejamos memorizar (intervenção da inteligência, gerando associações mais
potentes que as dos simples sentidos); 3º) Buscar exemplos claros do que procuramos reter
(as coisas menos freqüentes são mais úteis como exemplo, porque produzem impressão
maior que as corriqueiras – o que explicaria a facilidade mnésica das crianças, para as quais
tudo é novo); 4º) Repetir com freqüência o que tentamos reter, já que a repetição é a base
da aprendizagem (esta é a principal dessas regras).

h) Utilidade do estudo da memória e imaginação – Não se restringe ao aprendizado, mas


tem inúmeras aplicações à vida intelectual e emocional como um todo, à vida prática e,
especialmente, à vida espiritual e ao apostolado. Nesse particular, veja-se Pe. Antonio R.
Marín, O. P. (1968), no capítulo sobre “Purificación activa de las potencias”.
75

Ele mostra também que os instintos são psicossomáticos, pois interagem com um
conjunto de potências do composto. Em seu elemento psíquico, encontramos o Sentido
Estimativo que dá o conhecimento (o qual no homem se complementa com a razão),
acompanhado de imagens, sobre o que pode ou deve fazer; o Apetite Sensível, que dá
origem às emoções; e a Potência Locomotora, que dá origem ao comportamento motor
instintivo. Em “The Battle of Behaviorism”, McDougall (1929, apud BRENNAN, 1969b)
destaca a necessidade da consciência (ou seu equivalente no animal) para que se trate de
instinto. Sem ela, trata-se apenas de reflexo. Com base nisso, critica o Behaviorismo, cujos
seguidores excluiriam a consciência de seu conceito de instinto.
Seu elemento somático se verifica pela necessidade da existência e maturação dos
sistemas receptor-efetor-conector (exemplo a águia não voa senão depois de um pouco
crescida). Caso ambos elementos estejam normais, o instinto tende a ser inerrante
(exemplo: uma aranha tece sua teia sob um modelo de espiral logarítmica, um castor faz
sua represa como se conhecesse os princípios hidráulicos). Este caráter finalista que chega a
tomar uma semelhança de inteligência só se explica, segundo São Tomás (S. T., p. I-II, 13,
a. 2, r. a obj. 3; tb q. 11, a. 2., apud BRENNAN, 1969b), se considerarmos os instintos
como um dom de Deus.

a) Classificação dos instintos – Existem classificações baseadas nos mais diversos


critérios. Brennan (1969b), com base em McDougall, os agrupam em indiferenciados e
diferenciados emocionalmente. No primeiro grupo, estão os instintos relacionados com a
alimentação, a sobrevivência e a reprodução, nos quais os caracteres imperativo e emotivo
são mais fortes (predominância do apetite irascível). No segundo, encontramos aqueles em
que as emoções, embora vivas, sãos mais moduláveis (predominância do concupiscível).
Estão relacionados com a preparação do organismo para sua defesa nas situações especiais
da vida (fuga, temor, agressividade, repulsa, curiosidade, auto-afirmação, instinto paterno e
materno, etc). Neste grupo, há um subgrupo no qual as emoções são ainda mais
diferenciadas e têm relação com a vida mental do indivíduo (imitação, jogo, recreação,
sugestão, simpatia). Outro modo seria classificar os instintos em vegetativos, sensitivos e
intelectivos, correlacionando-os com a classificação anterior.

b) Desenvolvimento dos instintos – Enquanto alguns se manifestam desde o nascimento,


outros dependem do desenvolvimento. Mesmo os mais precoces requerem ser ensaiados
repetidas vezes antes de atingir seu pleno desenvolvimento.

c) Modificação dos instintos – Em seu aspecto cognoscitivo, os instintos podem ser


modificados (ex.: criança que compreende a sem-razão de um temor). Já no
afetivo/emocional, são pouco modificáveis. No homem, se é difícil modificar as emoções,
pode-se pelo menos dirigi-las a uma meta distinta da original (ascese). No motor é onde
encontramos a maior capacidade de modificação (ratos treinados em laboratório, pessoas
que chegam a enfrentar o que temiam, sorrir quando de mau humor, etc). No homem a
principal característica dos instintos é sua plasticidade. A forma definitiva de sua conduta
instintiva depende em parte do objeto que as provoca e em parte da influência de suas
emoções, inteligência e vontade. Junto com a razão, surge no homem a consciência do
sentido moral de seus atos. Desde esse momento, seus instintos passam a ser modificados
pela ação de suas potencias intelectivas em colaboração com a graça divina.
77

Capítulo 23 – Apetite sensível e emoções

1) Ciclo da vida humana consciente

Como vimos, pode ser esquematizado, com base em São Tomás (apud BRENNAN,
1960), como segue:

CONHECER [Faculdades cognoscitivas: sentidos presentativos (ou externos) à


sentidos representativos (ou internos) à conhecimento racional] à PROPENDER
[Faculdades apetitivas (orexis): 1) natural (comum a todos os seres vivos); 2) sensitiva
(comum aos animais): apetite concupiscível e irascível; 3) intelectiva (Anjos e homens):
decisões voluntárias que procedem do conhecimento racional] à AGIR [Faculdade
locomotora: ação, comportamento].

2) Diferença entre apetite natural, sensitivo e racional

Segundo São Tomás (apud BRENNAN, 1969b) apetite ou orexis significa a


tendência para algo motivada por um desejo. O apetite natural no homem está ligado à sua
vida vegetativa (nutrir-se, desenvolver-se e reproduzir-se). Quando a tendência apetitiva é
motivada pelos sentidos (externos e internos), temos o apetite sensitivo. Quando pelo
intelecto, temos o racional. A finalidade da potência apetitiva é a possessão física do objeto,
enquanto que a da cognoscitiva é sua possessão pelo conhecimento. Esta, porém, determina
aquela. “O apetite sensível é naturalmente estimulado não só pelo sentido estimativo no
animal, e o cogitativo no homem, senão também pela imaginação e outras faculdades dos
sentidos” (S. T., p. I. q. 81, a. 3, r. a obj., apud BRENNAN, 1969b, p. 248).

3) Tipos de apetite sensitivo

O apetite será concupiscível quando tende a obter bens necessários para a


subsistência, e irascível quando busca bens difíceis de obter ou precisa lutar contra o que o
ameaça. Nota-se aqui o papel da Estimativa, pressupondo a ação prévia dos sentidos
externos e internos, pois o apetite será desencadeado pela utilidade ou nocividade do
objeto.

4) Atos do apetite sensitivo

São Tomás os denomina de paixões. Já os psicólogos modernos os chamam de


emoções e/ou sentimentos. A confusão originada pelas variadas correntes e escolas
modernas dedicadas ao tema se desfaz quando empregamos o enfoque tomista. Embora
abandonado, o termo “paixão” é muito apropriado, pois vem de passio e indica as
modificações, aquilo pelo que passa, sofre, alguém submetido a uma emoção. São Tomás
define paixão como: “a atividade do apetite sensível que resulta do conhecimento e que se
caracteriza pelas alterações corporais que produz” (S. T., p. I-II, q. 22, apud BRENNAN,
1969b, p. 246).
Portanto, os elementos constitutivos das emoções são: o conhecimento à apetição
(ou rejeição) à mudanças fisiológicas. Segundo Brennan (1969b), os modernos fazem a
distinção entre sentimentos e emoções. Os sentimentos seriam equivalentes às paixões que
79

6) Desenvolvimento emocional

Braghirolli et al. (2005) afirmam que ele depende tanto da aprendizagem como do
desenvolvimento das células, tecidos e órgãos. John Watson e sua corrente behaviorista
(apud BRAGHIROLLI et al., 2005) consideravam apenas 3 tipos de reações emocionais
inatas: medo, raiva e amor, e as demais desenvolver-se-iam a partir destas. Os que
defendem o papel da aprendizagem, apontam três processos de aquisição de respostas
emocionais: imitação, condicionamento (associação de um estímulo neutro com um que
provoca emoção) e compreensão (recepção e interpretação racional das informações). A
maturação do sistema nervoso tem papel decisivo. Nele, estão especialmente relacionadas
com as emoções o Hipotálamo e o Sistema Límbico. Braghirolli et al. (2005) referem que,
para comprová-lo, no ano de 1950 o psicólogo experimental espanhol José Delgado
implantou eletrodos no Sistema Límbico de um touro e o dominou numa arena com um
rádio emissor portátil

7) Controle emocional

Na relação das emoções com o comportamento, registra Brennan (1969b) que São
Tomás considera o papel do conhecimento como diretivo, o da emoção como imperativo e
o do movimento muscular como executivo. Daí advém muitas vezes a perda do controle
emocional. Refere também que Aristóteles propõe: 1º) A compreensão do valor biológico
das emoções (servem para estimular as ações de manutenção e defesa da vida, bem como
para estimular o conhecimento intelectual e reforçar os atos voluntários). 2º) A criação de
hábitos que nos protejam contra o uso excessivo ou insuficiente de nossos apetites (“regra
do justo meio”: ex. nem covarde, nem temerário). São Tomás, como toda a Teologia
Ascética, acrescenta a necessidade da graça e da prática das virtudes, em especial da
Temperança, e que as virtudes Cardeais estão no meio de dois erros opostos. Quanto às
Teologais, quanto mais, melhor.
Na relação das emoções com o desempenho, Braghirolli et al. (2005) ressalta que
esta relação pode ser representada por uma curva em “U” invertido, ou seja, a emoção até
determinado grau pode melhorar o desempenho, ultrapassado o qual, o piora. Referem-se
também ao detector de mentiras ou polígrafo, inventado por Leonard Keller em 1920, o
qual registra as alterações fisiológicas autonômicas (ritmo cardíaco, pressão sanguínea,
temperatura e resposta galvânica da pele). Para submeter uma pessoa ao polígrafo,
apresentam-se primeiro perguntas neutras (que não provocam reações autonômicas) e
perguntas críticas (relacionadas com a investigação). Depois comparam-se os resultados
das reações às mesmas, avaliando desse modo a sinceridade do investigado nas respostas às
críticas. A confiabilidade não é total, pois há criminosos que não apresentam ansiedade e
culpa em relação aos seus delitos, enquanto inocentes nervosos podem dar “falso-positivo”.

8) Caridade, egoísmo e governo das paixões

Roger Vernaux (1969, p.81) destaca um ponto importante da doutrina tomista


quando diz que “as paixões são geradas na consciência”, o que contesta o princípio
freudiano da motivação instintiva inconsciente. Para demonstrá-lo, Vernaux recorda que o
primeiro movimento emocional que se apresenta é o amor do bem considerado em si
mesmo. Esta primazia do amor sobre as demais paixões se verifica pelo fato de que, no
81

Capítulo 24 – Inteligência

1) Conceito de inteligência

a) Controvérsia teórica – O tema da inteligência tem sido objeto de inúmeros estudos.


Braghirolli et al. (2005) registram o trabalho de Freeman (1976) sobre as muitas definições
modernas, reunindo-as em 3 grandes grupos: a) os que consideram a Inteligência como a
capacidade de resolver problemas novos; b) como a capacidade de aprender (mais
depressa); c) como a capacidade de pensar abstratamente, utilizar conceitos e símbolos,
verbais e numéricos. Na realidade, porém, os 3 grupos são aspectos de um mesmo processo.
Alguns autores, segundo Brennan (1969b), chegaram mesmo a chamar de inteligência
qualquer tipo de processo cognoscitivo, inclusive a sensação e a memória, aplicando o
termo, em conseqüência, inclusive aos animais. Seu fracasso se deve, como assinala
Charles Spearman (apud BRENNAN, 1969b), em pretender ignorar que o homem é o único
ser material capaz de compreensão.

b) Solução tomista – Segundo São Tomás (apud BRENNAN, 1969b) o termo vem do
Latim intus legere (ler dentro). Ele define o intelecto como a capacidade para a abstração,
por meio da qual podemos generalizar e chegar a captar a substância subjacente aos
acidentes, as causas por trás dos efeitos, os fins remotos para os quais tendem as atividades
momentâneas (in Petri Lombardi Quatuor Libros Sententiarum,1. III, d. 35, q. 2, a.2; q. 3,
solução 1; S. T., p. I, q. 79, a.10; p. II-IIIm q. 8, a.1, apud BRENNAN, 1969b). Brennan
(1969b) esclarece que o conceito tomista essencial de inteligência é a capax abstractionis,
mas que o completo abrange também a capax infiniti do homem, ou seja, a capacidade de
obter o conhecimento da Verdade, de Deus (cfr. S.T., p. I-II, q.2, a. 8, r. a obj. 3; q. 3, a. 8;
q. 5, a. 5, r. a obj. 2). Spearman (in The Abilities of Man, N.Y., Macmillan, 1927, p. 21-22,
apud BRENNAN, 1969b) sustenta que o conceito de capax abstractionis pode utilizar-se
para uma definição científica, sendo mais preciso que os critérios ambíguos de
adaptabilidade, capacidade de êxito, de ser educado, também aplicáveis aos animais.

2) Metodologia de estudo

A Inteligência e a Vontade são as faculdades mais difíceis de estudar com base na


experimentação científica, por serem potências puramente espirituais. As vegetativas e
sensitivas são mais passíveis de experimentação, inclusive animal-comparada. Os tomistas
consideram o melhor método a introspecção, a exploração da própria consciência, embora
existam métodos experimentais válidos para este fim. Brennan (1969b) registra que os
estudos de Alfred Binet (Étude expérimentale de l’Intelligence, Paris: Schleicher, 1903),
Lewis Terman, Edward Lee Thorndike e outros (Intelligence and its measurements; a
Simposyum. Journal of Educacional Psychology, 1921, 12, p. 123-212) e de Charles
Spearman (The Nature of Intelligence and the Principles of Cognition. London: Macmillan,
2. ed., 1927) marcaram época e confirmaram os ensinamentos tomistas. Já os behavioristas
(vide, por ex., John B. Watson, Behaviorism, NewYork: Norton, 1930), que influenciaram
profundamente a Psicologia moderna, tendem a desprezar os estudos que dependam da
consciência. Alguns autores tendem mesmo a ignorar seu estudo, outros não se consideram
obrigados a fazê-lo, e outros chegam a considerar a Inteligência inabordável pela
investigação científica.
83

através de composições e divisões dos dados da simples apreensão para formar juízos, e de
novas composições e divisões comparando estes. Nisto consiste o conhecimento ou
raciocínio discursivo, próprio ao homem (no Anjo o conhecimento é dito intuitivo, que é
imediato).
O silogismo é um método inferencial, pois compara juízos (premissas maiores e
menores) para chegar a conclusões. Brennan (1969b) faz notar que o método natural do
raciocínio humano não é o silogismo, porque na prática acaba saltando uma ou outra
premissa (o que se chama entimema), ou considerando-as sem se dar conta. O silogismo é
um método mais seguro de repetir o processo lógico, comprovando-o passo a passo. O
sofisma é um silogismo falso.

d) Memória intelectual – Como vimos, o conhecimento intelectual abstrai as


características concretas do objeto, e portanto seu aspecto temporal. Já a memória sensível
tende a perceber sempre a condição temporal. Essa condição pode referir-se tanto ao objeto
evocado como ao ato de evocá-lo. São Tomás (apud BRENNAN, 1969b) mostra que, do
ponto de vista do objeto, não existe capacidade memorativa no intelecto. Mas que, do ponto
de vista do ato de evocar, é possível ao intelecto ter consciência de que aquilo que está
pensando, já pensou em outra ocasião. E é neste sentido que existe uma memória intelectiva
que aperfeiçoa a sensitiva, sem ser contudo uma potência à parte. Parece haver também
uma relação direta da mesma com a maturação, dado que o interesse das crianças pela
cronologia começa a se estabelecer após os 8 ou 10 anos.

4) Tipos de inteligência

Existem várias teorias a respeito dos tipos de inteligência. Dentre as recentes, refere-
se a teoria das inteligências múltiplas de Howard Gardner. Embora esteja longe de ser um
tomista, ele considera a inteligência como “um potencial, cuja presença permite que
indivíduo tenha acesso a formas de pensamento apropriadas para tipos específicos de
conteúdo” (KORNHABER e GARDNER, 1991, p. 15, apud ATKINSON et al., 2007, p.
463, sublinhado nosso). Sua teoria postula a existência de oito tipos distintos de
inteligência: lingüística, musical, lógico-matemática, espacial, corporal-cinestésica,
intrapessoal, interpessoal e naturalista (esta última em seus estudos mais recentes, de 1999).
Atkinson et al. (2007) fazem notar que as propostas de Gardner são criticadas por
outros autores, tais como Messick (1992) ou Scarr (1985), por considerarem que nenhuma
capacidade intelectual é totalmente distinta das outras. Referem também as objeções de
Mike Anderson (1992), que considera os tipos de inteligência de Gardner mal definidos, e
propõe uma teoria baseada na idéia da inteligência geral sugerida por Thurstone e outros.
As teorias de Anderson são contrastadas pelos anteriores estudos de Robert Sternberg
(1985, 1988), os quais, por sua vez foram criticados por Richardson (1986), e reformulados
por Stephen Ceci (1990). Outras teorias e contrateorias provavelmente se sucederão...

5) Distúrbios do pensamento

Bleuler (1985) faz uma síntese didática, à qual aditamos uma ligeira modificação ao
incluir a categoria “perturbações objetivas”. Embora ele não a nomeie, vê-se que está
subjacente ao seu esquema:
85

Capítulo 25 – Mensuração da inteligência

1) Teorias sobre composição da inteligência

Os métodos de mensuração da inteligência levam em conta os fatores que a


compõem. As teorias atuais mais conhecidas são:

a) Teoria dos dois fatores – Charles Spearman (apud BRAGHIROLLI et al., 2005)
observou haver uma correlação positiva nos resultados de testes de diferentes tipos de
inteligência (verbal, aritmética, espacial, etc) aplicados a uma mesma pessoa. Para explicá-
lo, postulou a existência de um Fator G, comum a toda atividade intelectual. Em alguns
testes específicos, contudo, a correlação não era tão perfeita, pelo que supôs a existência de
Fatores S (“specifics”), presentes em diversos graus para certas atividades. Propôs, em
conseqüência, que um teste de inteligência geral avaliasse tanto o Fator G quanto os S.

b) Teoria dos fatores múltiplos – Edward Lee Thorndike (1927, apud BRAGHIROLLI et
al., 2005) propôs que a inteligência seria composta por muitos fatores inter-relacionados e
que operam simultanemente. Guilford (1961, apud idem, 2005) procurou detectá-los por
meio da análise fatorial e postulou a existência de 120 fatores na composição da atividade
intelectual. Embora não tenha sido confirmada suficientemente, procurou-se demonstrar a
existência de muitos desses fatores através da construção e aplicação de testes.

c) Teoria dos grupos de fatores – Thurstone (apud BRAGHIROLLI et al., 2005) propôs,
com base em estudos estatísticos, a existência de seis grupos de fatores primários, que
atuam com relativa independência entre si. São eles: numérico, verbal, espacial, fluência
verbal, raciocínio e memória. Análises posteriores observaram que eles de fato estão
relacionados entre si, o que veio a corroborar a teoria do Fator G de Spearman. Dessas e
outras teorias derivaram os diversos testes para medir a capacidade intelectual.

d) Teorias pós-fatoriais – Segundo Atkinson et al. (2007), a abordagem fatorial dominava


a pesquisa sobre a inteligência até 1960. O advento da Psicologia cognitiva proporcionou o
surgimento de várias outras novas teorias, já comentadas sucintamente no capítulo anterior.
Sem embargo, a maioria dos testes que examinaremos a seguir foi elaborada ainda no
período do enfoque fatorial.

2) Mensuração da Inteligência

Em 1904, Alfred Binet e Théophile Simon foram encarregados pelo governo


francês, de resolver o problema do baixo rendimento escolar, que eles concluíram dever-se
à heterogeneidade intelectual dos alunos. Após vários estudos, publicaram o Teste da Idade
Mental em 1905, submetendo-o a revisões em 1908 e 1911. Segundo este teste, para estar
incluída numa determinada idade mental, uma criança deve responder a todas as questões
que 75% das crianças normais da mesma idade podem estatisticamente responder.
Tal teste teve muita repercussão nos EUA, onde surgiram novos testes. O mais
famoso foi desenvolvido por Lewis Terman na Universidade de Stanford, ficando
conhecido como Stanford-Binet. Este teste foi publicado pela primeira vez em 1916 e
passou por sucessivas revisões (1937, 1960, 1972, 1986). Apesar de sua idade, ainda é um
87

Na escala Weschsler, a pessoa que tiver um escore de 2 ou mais desvios padrão


acima ou abaixo da média será denominada excepcional (QI = ou > 130 e = ou < 70). Sua
principal vantagem é apresentar resultados comparáveis em todos os níveis de idade,
eliminando o principal problema do QI de razão, que só tem sentido enquanto IM e IC
aumentam no mesmo ritmo.
Outra forma de abordar o problema é o cálculo do “percentil”, transformando
resultados brutos em relativos. Testa-se uma amostragem grande (ex. 2000 pessoas) e
divide-se o resultado em 100 partes. Quem tiver um resultado de percentil 50, por exemplo,
está na média dos resultados. É preciso levar em conta que tal resultado refere-se sempre ao
grupo de amostragem. Um percentil de um cingalês não pode ser avaliado numa
amostragem de escoceses, por exemplo.
Tanto o S-B quanto o Weschsler são testes individuais. A necessidade de medir a
inteligência de grande número de pessoas (principalmente a partir da Primeira Guerra
Mundial) fez surgir testes coletivos, geralmente de papel-e-lápis, muitos deles adaptados
para analfabetos. Tais testes costumam ser chamados de testes de capacidade ou de
realização, existindo hoje em grande número. Na atualidade, existem inúmeros outros testes
de quantificação de inteligência, porém ultrapassaria a abrangência do presente estudo
examiná-los todos.

3) Relação entre Inteligência e outras variáveis

A Inteligência tende a progredir até os 50-60 anos, principalmente em pessoas bem


dotadas e ocupadas, embora os estudos de Krech e Crutchfield (1980) indiquem que ela
continue crescendo após a adolescência numa velocidade decrescente. As pesquisas sobre a
relação da Inteligência com o sexo tendem a explicar as diferenças de desempenho pelas
condições do meio. Conclusões análogas se aplicam às relações com a raça e condições
sócio-econômicas, o que representaria, talvez, a diferença ambiental mais abrangente na
determinação do grau de inteligência. Embora alguns estudos não apontem especial relação
entre Inteligência e criatividade, vários pesquisadores indicam que certas tarefas criativas
(produção cultural, científica, tecnológica, etc) requerem altos níveis intelectuais.
89

c) Estudos experimentais – Brennan (1969b) elenca uma série de pesquisas que, de um


modo ou de outro, corroboram São Tomás. Além dos autores já citados, ele registra os
estudos de Emille Prüm, Honoria Wells, e Otto Selz (1881-1943), o qual, como
Lindworsky e Ach, investigou, entre outros, o tema da medição da força de vontade.

2) Tipos de volição

São Tomás (apud BRENNAN, 1969b) distingue a volição natural da deliberada. A


volição natural busca o bem enquanto fim, procura sempre bens universalmente aceitos,
como a felicidade ou o bem em geral. Em última análise, procura o Bem substancial, que é
Deus. Existem 3 atos fundamentais da vontade natural: 1º) A complacência natural da
vontade no supremo bem, ou seja, na felicidade; 2º) A intenção (de in tendere, tender para),
que é a direção efetiva da vontade para o seu fim, empregando os meios necessários; 3º) A
fruição da felicidade, quando é obtida. Esses atos correspondem aos atos básicos dos
apetites sensíveis, que são: 1º) O amor ou complacência afetiva com um bem sensível; 2º)
O desejo ou inclinação afetiva; 3º) A alegria ou posse efetiva do bem.
A volição deliberada, por sua vez, se interessa pelos meios que existem para a
obtenção do bem final, da felicidade. Nessa busca, São Tomás distingue também 3 tipos de
atos: 1º) A eleição ou escolha, que é a preferência da vontade por determinado objeto; 2) O
consentimento, que é a aplicação da vontade ou a direção de sua atividade rumo ao objeto
escolhido; 3º) O uso, que é o emprego efetivo do bem particular como meio para atingir o
bem final. Também aqui se nota a analogia com os atos do apetite sensível: O amor é
complacente como a eleição; o desejo tende à união como o consentimento; e a alegria
acompanha a posse, como o uso.
A vontade conserva sua autonomia face aos bens particulares, porque pode escolhê-
los ou não, mas nunca em relação ao Bem supremo, frente ao qual não cabe alternativa.
Assim, a vontade natural (que tende para o fim do homem) difere da deliberada (que
considera os meios para este fim), do mesmo modo que o entendimento (que trata dos
primeiros princípios) difere do raciocínio (das conclusões). São Tomás distingue ainda 2
tipos de vontade quanto ao fim: chama de volição o desejo efetivo da vontade em direção
ao bem, e nolição à fuga do mal (S.T., p. I-II, q. 8, a. 1, r. a obj 1, e p. I-II, qq. 8-16, apud
BRENNAN, 1969b).
Em seu livro Psychology, William James (1900, apud BRENNAN, 1969b) estudou
em particular o ato de eleição ou escolha e especificou os seguintes tipos: 1º) eleição
razoável, quando se baseia na escolha racional do valor que se avantaja aos demais; 2º)
impetuosa, quando por impaciência para com a própria inaptidão para decidir, faz-se a
escolha temerariamente; 3º) aquiescente, quando se deixa levar pelo costume, interesses,
tendências do próprio caráter; 4º) grave, quando se motiva por uma razão mais séria como
um temor, uma pena, uma convicção religiosa; 5º) conscienciosa, quando o que move é o
senso do dever.

3) Atos da vontade

São Tomás (apud BRENNAN, 1960) distingue dois tipos: 1º) Atos elícitos, que são
os que procedem diretamente da vontade; 2º) Atos imperados, que são os atos das demais
potências que agem sob o comando da vontade, ou seja, procedem indiretamente da
vontade. Tais atos podem, muitas vezes, contrariar a vontade natural, porque pressionados
91

moral (hoje se poderia falar em transtorno de personalidade compulsivo, transtorno afetivo


bipolar fase maníaca e transtorno de personalidade psicótico). Vale notar que esta
classificação não é exaustiva, e que valeria a pena ser aprofundada por novos estudos. Mas
não deixa de ser interessante notar o continuum existente entre o mau uso da vontade e as
doenças mentais.
93

homens, e na atenção intelectiva, predicado só destes. A sensitiva baseia-se no


conhecimento fornecido pela potência estimativa. No homem, a atenção intelectiva pode
englobar a sensitiva, embora possa atuar isoladamente.
A atenção intelectiva pode ser de dois tipos: 1º) voluntária, quando é deliberada.
Apesar do nome, não procede da vontade (porque é uma ação do intelecto) mas é ativada
por ela (AQUINO, S. T., p. I-II, q. 9, a. 1, apud BRENNAN, 1969b); 2º) involuntária,
quando a mente não tem um propósito especial, e é estimulada só pelo atrativo que possui
em si o objeto. Aqui se destaca o papel da cogitativa, porque o objeto atrairá tanto mais
quanto maior for sua conveniência aos interesses do sujeito.

3) Qualidades da atenção

Pe. Brennan (1969b) elenca as seguintes:

a) Amplitude – A Psicologia Experimental verificou que a amplitude da atenção (maior ou


menor) varia muito de um indivíduo para outro, e até num mesmo sujeito, em diferentes
momentos. Sugeriram-se vários métodos de medição dessa amplitude. Um deles, por ex.,
constatou que um adulto médio é capaz de reconhecer 4 a 6 objetos dispostos em condições
controladas, enquanto um menino de 12 anos só pode identificar 3 ou 4 (curioso esforço
empregado para comprovar os dados do bom senso). São Tomás, com base só na
introspecção, já dizia: “O intelecto é capaz de conhecer vários objetos ao mesmo tempo,
sempre que se achem relacionados de tal modo que formem uma unidade, mas não lhe é
possível captar várias coisas simultaneamente em sua multiplicidade” (S. T., p. I, q. 85).

b) Intensidade – Brennan (1969b) registra que a opinião corrente de que a intensidade da


atenção é inversamente proporcional à amplitude do campo sobre o qual ela se exerce foi
corroborada pelos experimentos. Quanto ao critério para medir essa intensidade, diz que
não deve ser a sensação de esforço, a tensão muscular, etc, mas que, teoricamente, o mais
seguro seria a clareza com que entendemos o objeto focado pela atenção. Mesmo este
critério é falho, pois a capacidade de compreensão varia de pessoa a pessoa, e ainda de
objeto a objeto (ex. um problema de aritmética e um cálculo de engenharia). Deve-se
considerar, também, que o indivíduo é capaz de acostumar-se à ação dos agentes
dissipadores da atenção.

c) Flutuação – A atenção não é um processo contínuo, mas varia de intensidade e de


amplitude num mesmo indivíduo ao longo do tempo, ainda que focada sobre um mesmo
objeto. Do ponto de vista do sujeito, parece haver, segundo Brennan (1969b) uma relação
direta entre a intensidade da percepção do estímulo, bem como das condições orgânicas,
emocionais e dos interesses pessoais do observador, com a facilidade de fixação da atenção.
Ele considera que talvez haja também uma característica própria das faculdades
cognoscitivas que, ainda nas melhores condições psicossomáticas, não são capazes de
manter a atenção fixa de modo absoluto e por muito tempo sobre um dado objeto.
Quanto ao objeto, pesquisas indicaram que, quanto maior for sua intensidade e seu
número de partes, maior será o tempo que atrairá a atenção. Uma criança, por ex., se
interessará mais tempo por um brinquedo que possa ser decomposto e observado peça por
peça. Por fim, o ele registra que, quanto à rapidez da flutuação (da atenção fixa sobre um
mesmo objeto), certas pesquisas indicaram que pode se dar até em 1/3 de segundo.
95

O desequilíbrio da atenção pode se dar tanto por excesso quanto por falta, e ser
provocado por causas hereditárias, fisiológicas, psicológico-comportamentais, etc. Só um
atento exame clínico pode determinar a causa com precisão: um indivíduo hiper-atento
pode estar apenas sujeito a um perigo ou acometido de uma crise de pânico, de um surto
psicótico, etc. Já um hipoatento pode ser portador, por exemplo, de um hipotiroidismo, ou
de um retardo mental, uma crise epiléptica de pequeno mal, uma depressão, uma
preocupação com vários assuntos, ou até mesmo de um excesso de atenção a um tema.
Este último caso é chamado por Brennan (1969b) de “abstração” e, na realidade, é
sinal de uma capacidade de atenção muito desenvolvida, que lhe permite concentrar-se
intensamente num determinado objeto, alheando-se dos demais. Este autor ressalta que tal
forma de abstração pertence ao intelecto possível, aquele que compreende, distinguindo-a
da abstração do intelecto agente, que é aquela que faz a abstração na ideogênese. Também
pode ser classificado como “não-habitual” o funcionamento da atenção no estado de
hipnose. O Cardeal Mercier (1942) o compara com o estado do intelectual absorto em seu
trabalho, com a diferença de que o hipnotizado concentra toda sua atenção no hipnotizador,
que assim adquire grande poder de sugestão.
Alonso-Fernández (1979) sintetiza os distúrbios da atenção com o seguinte quadro:

Por [apatia ou] falta de interesse [ocorre em autistas,


Hipoprosexia esquizofrênicos e deprimidos].
Por déficit intelectual [nas oligofrenias e demências].
Por obnubilação da consciência.

Pseudoaprosexia Por concentração em outros conteúdos psíquicos [em


transtornos neuróticos e psicóticos].

Distraibilidade [em quadros maníacos e ansiosos].


Hiperprosexia
Espasmo da reflexão [no transtorno de personalidade
anancástico e histérico e na esquizofrenia].

Fonte: ALONSO-FERNÁNDEZ (1979, tomo I, p. 322) [entre colchetes, complementos


nossos].
97

ritmos diversos. O desenvolvimento físico tem estreita relação com o social e psíquico,
podendo haver prejuízo na auto-imagem da criança ou adolescente se há falhas na
maturação biológica, e vice-versa. Os períodos críticos são aqueles em que a criança está
pronta para aprender determinadas respostas, como falar ou andar, havendo prejuízo
quando não são devidamente aproveitados. Entre os fatores que podem prejudicar
irreversivelmente o desenvolvimento estão a privação de estimulação da inteligência, dos
sentidos, de adequada alimentação, condições de saúde, e relacionamento social (exemplo:
caso de um menino cego que ficou retardado mental por ser deixado no berço).

b) Desenvolvimento sócio-emocional – A socialização se inicia na família, e depende


primordialmente do bom relacionamento com a mãe. Continua no relacionamento com os
companheiros, na escola, e nos grupos sociais das diversas faixas etárias. Os estudos de
Harry Harlow (1969, apud ATKINSON et al., 2007) investigaram o relacionamento de
macacos com mães substitutas. Embora se alimentassem nas “mães de arame”, preferiam
ficar agarrados nas “mães de pano”, embora não tivessem mamadeiras. E se refugiavam
junto a estas, quando assustados. Os trabalhos de John Bowlby (1973, apud ATKINSON et
al., 2007) sugeriram que o fracasso no relacionamento interpessoal nos primeiros anos de
vida estaria relacionado com a capacidade de desenvolver relacionamentos estáveis na
idade adulta. Estudando crianças inglesas separadas das mães, concluiu que estas podem
sofrer retardo intelectual, emocional e físico, fatos confirmados por outras pesquisas
realizadas em orfanatos (BRAGHIROLLI et al., 2005). Tais estudos sugerem que o período
em que a criança mais precisa da mãe são os dois primeiros anos, sendo especialmente
críticos os 6 primeiros meses.
Embora existam menos estudos sobre o papel do pai, as investigações sugerem que
eles têm um papel na definição do comportamento reprodutivo. James Carlsmith, por
exemplo, concluiu que meninos cujos pais estiveram ausentes durante a Segunda Guerra
Mundial apresentaram, na juventude, padrões de comportamento femininos em número
maior do que os dos seus coetâneos que conviveram com o respectivo pai. Duas das teorias
mais conhecidas no século XX sobre o desenvolvimento emocional são os “estágios do
desenvolvimento psicossexual” de Freud, e a teoria do desenvolvimento psico-social ou das
“oito idades” de Erik Erikson, que o homem enfrenta do seu nascimento até à morte.
Segundo ele, caso a pessoa resolva os desafios de cada fase, desenvolverá sua auto-
confiança e sua identidade pessoal; do contrário terá crises de identidade (é o criador da
expressão).

c) Desenvolvimento intelectual – Os estudos mais conhecidos nessa área são os de Jean


Piaget, psicólogo suíço que viveu entre 1896-1980. Segundo ele, haveria 4 fases bem
definidas:
1º) Estágio sensório-motor, no qual o conhecimento baseia-se na percepção, e está
intimamente ligado aos movimentos. Neste período, do nascimento aos 2 anos, o bebê
aprenderia a diferenciar seu corpo dos demais objetos, os quais seriam conceituados a partir
de seu uso ou manipulação, e só existiriam para ela enquanto estão à vista.
2º) Estágio pré-operacional, dos 2 aos 7 anos, no qual o pensamento da criança é
egocêntrico, sua capacidade de classificação é limitada, limitando-se a apenas uma
característica (exemplo: “bola” pode significar vários objetos redondos). Por volta dos 4
anos ela começa a usar o que Piaget chama de “pensamento intuitivo”, passando a perceber
relações e pensar em termos de classe, e começando a utilizar também conceitos numéricos
99

Capítulo 29 – Aprendizagem

1) Conceito

Os especialistas têm muita dificuldade em conceituar a aprendizagem porque a


ciência não conseguiu demonstrar o que acontece no cérebro quando alguém aprende algo.
Ela é estudada indiretamente, através de seus efeitos sobre o comportamento. Porém não
basta haver mudança neste, para haver aprendizagem. É necessário que tal mudança seja
relativamente duradoura e devida a alguma experiência ou treino anterior. Por essa razão,
Cliford T. Morgan (1977, p. 90, apud BRAGHIROLLI et al., 2005, p. 120) dá-lhe o
seguinte conceito: “aprendizagem é qualquer mudança relativamente permanente no
comportamento, e que resulta de experiência ou prática”.

2) Comportamento instintivo, reflexo e aprendido

O instintivo é aquele que não depende da aprendizagem ou treino, mas se manifesta


de modo universal, súbito, previsível, uniforme em cada espécie, e com valor para a
sobrevivência. Não dependem de receptores específicos mas atuam sobre grande parte do
“mecanismo” efetor, originando comportamentos complexos. Nisso difere do
comportamento reflexo, que ocorre num grupo específico de efetores e é provocado pela
estimulação de receptores específicos (ex. secreção de saliva ao sentir cheiro de comida).
No aprendido, embora possa haver interferência da hereditariedade, há sempre a
dependência da aprendizagem e/ou treino.
No homem, poucos são os comportamentos puramente instintivos. Pelo que a
aprendizagem tem papel mais importante para sua sobrevivência do que para qualquer outra
espécie, donde se depreende também a importância de seu estudo.

3) Tipos de aprendizagem

James Sawrey e Charles Telford (apud BRAGHIROLLI et al., 2005) apresentam os


seguintes tipos básicos:

a) Condicionamento simples (ou clássico) – Foi estudado inicialmente pelo fisiologista


russo Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936). Chamou de “reflexo condicionado” a resposta
provocada por um estímulo inicialmente neutro (EN), mas que associado várias vezes a um
estímulo não condicionado (ENC), ou instintivo, vira um estímulo condicionado (EC) e
passa a gerar uma resposta condicionada (RC). Os psicólogos preferem esta última
expressão, uma vez que este tipo de aprendizagem não se limita a comportamentos
reflexos. Pavlov chamou de “extinção” ao desaparecimento da RC pela dissociação repetida
do EN do ENC.
Em 1920, John Watson (1878-1958) e Rosalie Rayner (1899-1935), com as
experiências com o bebê Albert (que generalizou seu medo de rato branco para outros
objetos brancos e peludos), acrescentaram o conceito de “generalização”, que é a passagem
da RC para outros estímulos parecidos com o EC original. Apesar do condicionamento
simples ser muito freqüente na aprendizagem humana, não é suficiente para explicá-la.
Contudo, é preciso tê-lo presente, bem como suas conseqüências, quando se tem em vista a
ascética e a direção espiritual.
101

fortalecida pela repetição, pelo exercício). Alguns autores afirmam que o ensaio-e-erro,
apesar de semelhante ao condicionamento operante, é mais complexo do que este porque
envolve a intenção do aprendiz em adquirir algum efeito específico. Muitas aprendizagens
quotidianas se dão por ensaio e erro, principalmente as de natureza motora (uso de talheres,
bicicleta, etc).

e) Aprendizagem por discernimento (ou insight) – Wolfgang Köhler (1887-1968), um


dos iniciadores da Psicologia da Gestalt, foi um dos primeiros a realizar estudos
experimentais sobre o “insight” com macacos (que “aprendiam” a encaixar 2 varetas para
pegar uma fruta). Chama-se insight a uma “mudança repentina no desempenho proveniente
da aprendizagem” (BRAGHIROLLI et al., 2005, p. 131), o discernimento que permite
“ver” de repente a essência de uma questão, dando um salto qualitativo na adequação do
desempenho, sem a eliminação gradual das respostas incorretas, como no ensaio-e-erro.
Um exemplo histórico é o heureka de Arquimedes.
O que se aprende por insight tem maior probabilidade de fixação, além de ser mais
prontamente generalizado para outras situações, devido à compreensão do princípio geral.
As condições facilitadoras do insight são: bom nível de inteligência, motivação
razoavelmente forte, dispor previamente dos elementos componentes da solução.

f) Aprendizagem por raciocínio – É a mais complexa, envolve e depende de todas as


demais formas de aprendizagem. É considerado um tipo de ensaio-e-erro de natureza
mental, utilizando a imaginação e o pensamento, para depois tentar efetivar a solução de
um ou mais problemas. Segundo Braghirolli et al. (2005) o processo do raciocínio inicia-se
com uma motivação oriunda de um problema, a qual suscita uma análise para definir bem a
questão, e a formulação de hipóteses para sua solução. Seguem-se a análise e seleção das
hipóteses, e suas testagens (experimentação) para verificar se realmente solucionam o
problema. Corresponde às etapas do método científico.
Segundo alguns estudos referidos por Sawrey e Telford (apud Braghirolli, 2005), as
experiências anteriores bem-sucedidas tornam mais provável o uso do raciocínio em novas
situações, e a memorização de informações, bem como a flexibilidade do pensamento,
constituem pré-requisitos facilitadores da habilidade de raciocinar.

4) Doutrina tomista

Segundo Brennan (1969b), São Tomás ensina que o processo essencial da


aprendizagem é a formação de hábitos intelectivos e volitivos.
Como vimos, segundo São Tomás (apud BRENNAN, 1969b, p. 347) hábito é:
“uma qualidade permanente que se desenvolve mediante o exercício da inteligência e da
vontade e que tende a fazer-nos atuar de uma maneira rápida, fácil e agradável”. Os hábitos
podem ser entitativos, se a coisa modificada é uma substância (o corpo, a alma, a saúde), e
operativos, se é um acidente (p. ex. a ciência).
A aprendizagem é, portanto, um conjunto de hábitos operativos que favorecem o
conhecimento teórico e prático dos seres e suas operações, tendo em vista compreender sua
essência, causas e finalidades. Nela intervêm, além da inteligência e da vontade (através de
atos elícitos, decidindo aprender, e imperados, movendo a memória, a imaginação e os
demais sentidos) também os apetites sensitivos e, em conseqüência, as emoções (ou
paixões), que podem tanto prejudicar quanto facilitá-la.
103

Capítulo 30 – Motivação

1) Conceito

O estudo da motivação busca compreender os motivos que condicionam o


comportamento. Para facilitá-lo, convém distinguir previamente alguns conceitos básicos,
utilizados por vezes com sentidos equívocos:

a) Motivo – Segundo Sawrey e Telford (1976, p. 18, apud BRAGHIROLLI et al., 2005, p.
90) é “uma condição interna relativamente duradoura que leva o indivíduo ou que o
predispõe a persistir num comportamento orientado para um objetivo, possibilitando a
transformação ou a permanência da situação”. Exemplos: a fome, a sede, o intuito de
realização pessoal.

b) Comportamento motivado – Conforme Braghirolli et al (2005), é aquele no qual há um


dispêndio relativamente forte de energia, e está dirigido para um objetivo ou meta. Em
outros termos, é aquele condicionado pela presença de um ou mais motivos.

c) Incentivo – É um objeto, condição ou significação externa para a qual se dirige o


comportamento. Distingue-se entre o incentivo positivo, que é aquele para o qual o
comportamento se dirige (bem-estar, alimento, boa nota, etc), e o negativo, que determina
comportamentos de evitação e afastamento (tristeza, isolamento, etc).

d) Impulso – É a força que põe o organismo em movimento, entendida como a


conseqüência de uma necessidade básica. Difere de motivo porque o impulso não dá
direção definida ao comportamento, sendo apenas seu ativador. Os impulsos são as fontes
de energia dos motivos de sobrevivência, e estão mais relacionados com motivos
fisiológicos. Exemplo: a fome ou a sede.

e) Necessidade – É um tipo de impulso (fonte de energia) voltado para motivos mais


complexos, como o prestígio e a realização pessoal. Vale notar que um mesmo motivo pode
dar origem a vários comportamentos (exemplo: o da afiliação que leva um indivíduo a
pertencer a um clube, a um partido e a uma associação), e um mesmo comportamento pode
ser fruto de vários motivos (exemplo: bom desempenho escolar motivado pelo senso do
dever, pela vaidade e pela necessidade de prestígio ao mesmo tempo).

2) Tipos de motivos

Pode-se considerar dois tipos básicos:

a) Os não-aprendidos ou inatos – Estão presentes já ao nascer ou surgem durante o


desenvolvimento, como a fome, sede, sociabilidade, etc. Apesar de independentes da
aprendizagem, podem ser influenciados por ela.

b) Os aprendidos – Tais como desejo de aprovação social ou de riqueza, os quais


adquirem o valor de incentivos porque são associados à satisfação de necessidades básicas,
como vestir-se, alimentar-se, etc.
105

tipo de ambiente social e educacional, estão relacionados com o grau de necessidade de


realização.
O teste projetivo mais utilizado para avaliar este grau é o Teste de Apercepção
Temática (T.A.T.), elaborado pelo psicólogo americano Henry A. Murray (1893-1988), no
qual um conjunto de figuras é apresentado à pessoa, a quem se solicita que conte histórias a
respeito delas. As histórias são, em seguida, avaliadas quanto ao número de temas que
incluem realização.
Outro motivo do “eu” é a necessidade de informação consonante. Tal necessidade
é aquela que procura confirmar a idéia ou impressão que o indivíduo tem a respeito de
qualquer objeto. A presença de informação dissonante produz um motivo que o leva a
restabelecer a consonância ou diminuir a dissonância. Exemplo: Um aluno inteligente que
tira uma nota baixa. Ele se sentirá motivado a resolver o conflito de informações negando
uma delas (“há engano na nota”), ou reduzindo o valor de uma delas (“a prova foi mal
elaborada”), ou alterando a convicção anterior (“não sou tão bom aluno assim”).
107

Segundo Lewin (1948, apud PAPALIA e OLDS, 1988), a motivação depende do


modo como a pessoa percebe o estado de coisas que influencia seu comportamento, ainda
que não corresponda à realidade. Lewin (idem, ibidem) estudou também os conflitos de
motivação, que classificou em quatro tipos:
1º) Conflito de aproximação-aproximação: Surge quando se sente atraído por dois objetos
desejáveis.
2º) De evitação-evitação: Surge quando se sente repulsa por dois ou mais resultados ou
atividades indesejáveis.
3º) De aproximação-evitação: Aparece quando uma única opção tem elementos positivos e
negativos.
4º) Conflito múltiplo de aproximação-evitação: Manifesta-se quando existem várias opções
e cada uma tem aspectos positivos e negativos – são as mais freqüentes na vida.
Esta corrente inclui também os estudos sobre a dissonância cognitiva (a repercussão
no comportamento dos conflitos entre cognições diferentes). O nome mais conhecido nesta
área é o de Leon Festinger (1919-1987).

c) Teoria psicanalítica – Baseia-se em Sigmund Freud (1856-1939), segundo o qual o


comportamento seria determinado, fundamentalmente, pela motivação inconsciente e pelos
impulsos instintivos. Ele dividiu os instintos em dois grupos: 1º) os instintos “de vida”,
como os responsáveis pela conservação pessoal e da espécie, e 2º) os “de morte”,
responsáveis por comportamentos destrutivos, como a agressão.
Em sua teoria da personalidade, esta seria estruturada pelo id (reservatório dos
impulsos instintivos, completamente inconsciente), ego (o “sistema” que tentaria satisfazer
as exigências do id em contato com o mundo exterior) e o superego (a censura interna fruto
da internalização de valores morais e sociais). Os três “sistemas” entrariam em conflito
especialmente quanto às exigências do id em matéria de reprodução e agressão, repelidas
pelo superego. A motivação seria proveniente do id inconsciente e o comportamento
resultante seria o fruto da interação, conflituosa ou não, dos três “sistemas”.
Braghirolli et al. (2005) registram que uma crítica freqüente a esta teoria é de que
seus postulados não são passíveis de verificação experimental. Rudolph Allers (1940), em
The sucessfull error: a critical study of freudian psychanalysis, a refuta do ponto de vista
teórico-filosófico, com base na Psicologia Tomista.

d) Teoria humanista – Em termos genéricos, é uma corrente psicológica compartilhada


por muitos psicólogos contemporâneos que têm em comum mostrarem-se insatisfeitos com
as escolas anteriores. No tocante à motivação, uma frase de Phil Evans (1976, p. 120, apud
BRAGHIROLLI et al., 2005, p.105) poderia resumir essa tendência:
O homem não é redutível à sua fisiologia, nem é um respondente mecânico ou mesmo
cognitivo a estímulos, nem um campo de batalha, enfim, para impulsos sexuais e
agressivos. Embora esses enfoques possam esclarecer parcialmente o comportamento
humano, todos eles ignoram o que nos é dado em primeira mão: sermos pessoas e sentirmos
que somos pessoas.
Falta-lhes, porém, definir o que seja “pessoa”. o que fariam com facilidade, aliás,
caso adotassem a Psicologia de São Tomás. São integrantes dessa corrente Carl Ranson
Rogers (1902-1987), Rollo May (1909-1994) e Abraham Maslow (1908-1970).
Papalia e Olds (1988) destacam a teoria deste último conhecida como pirâmide de
Maslow, segundo a qual as necessidades motivacionais do homem se organizariam de
109

muito tempo depois que a idéia do valor desejado se tenha desvanecido do nível consciente.
Isto é o que poderia dar a impressão de uma “motivação” não consciente.
2ª) O motivo deve possuir uma intensidade adequada para que possa atuar sobre a Vontade,
de modo que o reforço de um valor ajuda a evitar a indecisão. Este princípio explicaria o
que há de real no condicionamento behaviorista, ou no condicionamento operante através
dos reforços, de Skinner, mas elevando-o ao nível humano.
São fatores que podem reforçar um valor: a análise do mesmo, a comparação com
outros, a combinação com outros, o hábito, a opinião alheia, a repetição (influências
anteriores). Em outros termos, como indica o Pe. J. Lindworsky, S. J. em seu livro
Experimental Psychology (apud BRENNAN, 1969b), há dois modos para se chegar até a
Vontade: um direto, por uma franca apresentação do valor, e outro indireto, no qual o
costume e outras variáveis proporcionam o impulso necessário para efetuar a escolha.
Princípio que não deixa de ter múltiplas conseqüências para a vida prática.
111

David Krech e Richard Crutchfield (1974, apud BRAGHIROLLI et al., 2005)


calcularam que o número de possíveis combinações diferentes entre os cromossomos para
cada novo indivíduo é de 8.385.108. Já Bigge e Hunt (1975, ibidem) estimaram que as
combinações possíveis de genes para um único casal permitiria que tivessem 20²4 tipos
diferentes de filhos, ou seja, um número superior ao total de seres humanos que jamais
existiu. Isso explica a incalculável variedade dos seres humanos e a unicidade de cada
indivíduo, reflexos inquestionáveis da infinita Sabedoria que os criou.
Por outro lado, não existe nada geneticamente no indivíduo que não tenha provindo
dos pais, pelo que quanto mais próximas as relações de parentesco, menores as diferenças
genéticas: os gêmeos univitelinos são as únicas pessoas iguais do ponto de vista genotípico,
embora variem enormemente quanto ao fenótipo. Por isso têm grande interesse quanto aos
estudos nesta área.
A hereditariedade influencia a formação da personalidade de forma indireta, por
meios das estruturas orgânicas com a qual se interage com os estímulos, pois o
comportamento se dá através do corpo. Entram em jogo tanto a hereditariedade da espécie
(que dá os diferentes comportamentos instintivos) quanto a do indivíduo (que dá as
diferenças entre os da mesma espécie), que obedecem a ritmos diferentes. Exemplo disso é
o estudo de Winthrop Niles Kellogg (1898-1972), da Universidade de Indiana (EUA),
registrados por Braghirolli et al. (2005), que em 1931 pôs para crescerem juntos seu filho e
um filhote de chimpanzé, em iguais condições de estimulação e aprendizagem. Embora o
símio aprendesse mais rapidamente certas atividades como subir escadas, abrir portas, aos
poucos foi superado em tudo pela criança.
A aparência física (condicionada pela hereditariedade), em particular, tem especial
relevância para a formação da personalidade porque as deficiências contribuem para uma
auto-imagem negativa, para um maior grau de retraimento. Por fim, várias enfermidades de
origem genética podem contribuir também (em geral negativamente) na formação da
personalidade (exemplo: diabete juvenil, catarata congênita).

b) Meio ambiente – Inclui um grande número de fatores que condicionam a formação da


personalidade, tanto físicos (nutrição, temperatura, alimentação, etc) quanto sociais
(relações interpessoais). O ambiente começa a influenciar desde a concepção: as condições
de gestação prejudicarão (stress, drogas, má alimentação, etc) ou favorecerão, de modo
indireto, a futura personalidade. Outro fator importante é a nutrição, que influenciará o
desenvolvimento da coordenação motora, atenção, memória, inteligência e toda
constituição física.
O conjunto das inter-relações sociais, principalmente nos primeiros anos de vida,
também terá fator preponderante nesta formação: relacionamento com os pais, com os
irmãos (posição que ocupa na seqüência dos irmãos), com os amigos, na escola, nos grupos
sociais, etc. Existem vários estudos sobre os efeitos da privação de estimulação na infância,
como por exemplo a constatação de maior índice de retardo no desenvolvimento, fraca
saúde, baixo nível intelectual, desajustes emocionais e sociais em crianças de orfanatos ou
privadas dos pais de outro modo. São objeto de estudo também os gêmeos idênticos, os
fraternos, os filhos adotivos (comparados com seus irmãos e pais separados), e os
comparativos entre pessoas que se desenvolvem em culturas diferentes. Todos eles parecem
reforçar a tese da influência da hereditariedade e do meio, em proporções variáveis para
cada caso, na formação da personalidade.
113

tomaria na vida normal. Esta técnica vem sendo muito empregada nos últimos anos,
inclusive em testes admissionais.
115

controvertidas e desacreditadas pela ciência atual. Sobre este descrédito pode-se ver, por
exemplo, o artigo on line de Renato Sabattini [1997] intitulado “Frenologia: a história da
localização cerebral”.

b) Biotipologia de Kretschmer – Kaplan e Sadock (1984) registram os estudos do


psiquiatra alemão Ernst Kretschmer (1888-1964) que, em seu livro Constituição e Caráter,
de 1921, apresentou uma teoria comparando tipos físicos com tendências de personalidade
e psicopatológicas. Sua biotipologia poderia ser esquematizada conforme o quadro abaixo:

Pícnico ou Atlético ou Leptossômico Displástico:


brevilíneo: normolíneo: ou longilíneo:Constituição
Estatura baixa e Atlético, ombros Magro, ombros desproporcional
Tipo físico reforçada, for- largos, formas estreitos, alto,
por distúrbios
mas arredon- proporcionais. astênico. endócrinos e
dadas. genéticos.
Extroversão e Competitividade Introversão e Pessoas com
tendências ciclo- e tendência para tendência para deficiências físi-
Personalidade tímicas (psicose personalidade esquizotimia e cas e tendências
correspondente maníaco-depres- gliscróide (“pe- esquizofrenia. a doenças men-
siva). gajosa”) e epi- tais variadas
lepsia.

c) Teoria constitucional de Sheldon – Referem Braghirolli et al. (2005) que, em 1940, o


psicólogo americano William Herbert Sheldon (1898-1977), baseando-se no princípio
teórico de que o fenótipo (aspecto externo da pessoa) seria baseado num processo biológico
chamado morfogenotipo, dividiu os tipos corporais em três categorias básicas não muito
diferentes das de Kretschmer:

Endomórfico: Mesomórfico: Ectomórfico:


Ossatura e mus- Ossatura e mus- Ossatura fina e longa,
culatura pouco de- culatura bem desen- musculatura pouco
Tipo físico senvolvidos, tipo volvidos, tipo atlé- desenvolvida, tipo
arredondado, predo- tico, predominância alto e magro, predo-
minância da ativi- da atividade física. minância da ativi-
dade visceral. dade intelectual.
Viscerotônico: Somatotônico: Cerebrotônico:
Aprecia o conforto e Aprecia a atividade Aprecia a atividade
Personalidade a boa mesa, é física, desafios e intelectual, é pouco
correspondente afetuoso e sociável. aventuras, é ativo, sociável, tende a ser
franco e às vezes retraído, comedido e
agressivo. inibido.

Sheldon reconhecia que poucas pessoas seriam tipos “puros”, e que a maioria
mesclaria características, embora predominassem as de um deles. Suas pesquisas não foram
corroboradas em investigações posteriores. Alguns, como Max e Hillix, (1974, apud
BRAGHIROLLI et al., 2005) opinam que haveria um processo bidirecional na relação tipo-
117

Capítulo 34 – Teorias psicológicas da personalidade

1) Teorias psicológicas

São as que procuram descrever a personalidade com base nas características


psicológicas do indivíduo. Atualmente, as mais conhecidas são: a psicanalítica e suas
variantes, a humanista e a comportamentalista.

a) Teoria psicanalítica – É de autoria do psiquiatra austríaco Sigmund Schlomo Freud


(1856-1939). Utilizando o método de estudos de casos, ele desenvolveu ao longo dos anos
um arcabouço teórico e uma técnica terapêutica, a psicanálise. Esta se baseia no método
catártico (catarse quer dizer “por para fora”) ou de associação livre. Neste, o paciente,
deitado num divã, é orientado a falar tudo o que lhe ocorre, mesmo que sejam palavras sem
sentido, repugnantes ou imorais. O psicanalista pouco interfere, limitando-se a anotar suas
observações. Só numa fase posterior ele daria ao paciente uma interpretação para seus
conteúdos supostamente inconscientes. Em sua busca do “inconsciente”, Freud preconizava
também a análise dos sonhos e dos “atos falhos” ou lapsos e descuidos de linguagem. Com
isso ele pretendeu mudar o objeto da Psicologia, tirando-o do campo consciente para o do
“psiquismo inconsciente”. Com base nessa teoria, ele formulou, em seus diversos livros, os
seguintes postulados, aos quais acrescentamos os questionamentos e dissidências que
suscitaram:

1º) Estrutura e dinâmica da personalidade: Esta seria composta por três grandes
“sistemas”, o ego, o superego e o id. O id seria a fonte da libido (que ele conceitua como
energia psíquica), isto é, os instintos “inconscientes” que impulsionam o organismo e que
seriam de dois tipos, os instintos de vida (fome, sede, reprodução) e os de morte
(agressividade). O id funcionaria com base no princípio da redução da tensão ou princípio
do prazer, e não teria conhecimento da realidade objetiva. Freud veria no acervo das
normas transmitidas pelos pais e pela sociedade ao indivíduo um outro “sistema”, o
superego, que se oporia ao id, punindo-se com o sentimento de culpa ou recompensando-se
com o orgulho e a satisfação, conforme o id se adaptasse ou não a tais normas. As
principais funções do superego seriam, portanto, inibir os impulsos do id (principalmente
os de natureza agressiva e reprodutora) e lutar pela perfeição (pelo que ele considerava a
religião, aliada do superego, como “neurotizante”).
Deixando entrever a influência hegeliana, Freud concluía que, do confronto entre o
superego e o id, “surgiria” o ego, que seria o “sistema” encarregado de adaptar os impulsos
do id às normativas do superego, adaptando o indivíduo às exigências da realidade e da
sociedade. O ego operaria, portanto, com base no princípio da realidade e teria o controle
do que chamava de funções cognitivas, nas quais ele incluía a percepção, o pensamento e a
vontade, embora não empregando estes termos. Braghirolli et al. (2005) ressaltam que, de
modo geral, o id corresponderia ao componente biológico da personalidade, o superego ao
social, e o ego ao psicológico. E que o comportamento seria a resultante da “dinâmica” ou
interação entre estes três sistemas. Quando houvesse desajustes, com o superego
“recalcando” ou “reprimindo” demais o id, surgiriam os sintomas neuróticos.

2º) Níveis de consciência: Haveria três níveis: o consciente, que incluiria tudo de que a
pessoa está ciente em determinado momento; o pré-consciente (ou sub-consciente),
119

comum aos sistemas sofísticos da História. Mais adiante devemos analisá-la do ponto de
vista da Psicologia Filosófica, especialmente o tomista.
Mesmo do ponto de vista científico atual, não lhe faltam opositores. Braghirolli et
al. (2005) ressaltam que muitos destes questionam sua metodologia pouco científica e o
fato de não permitir predizer determinados comportamentos, mas apenas explicá-los a
posteriori. Hans Eysenck (1993), por exemplo, sustenta que as teorias freudianas servem
mais à Literatura do que à Psicologia por não terem fundamento científico nem oferecerem
garantia de cura. Podemos constatar também a influência de tais teorias na sociedade atual,
especialmente na educação infanto-juvenil e no permissivismo em geral.
Neste particular, um estudo interessante a ser desenvolvido seria avaliar os efeitos
do enfoque psicanalítico sobre a psicologia individual. Ou ainda, suas repercussões do
ponto de vista pedagógico e do sociológico. Investigar, por exemplo, porque numa
sociedade influenciada por ela ocorreriam fatos como o noticiado pela France Presse, de
4/8/2004, segundo a qual no Reino Unido há tanto consumo do antidepressivo Prozac que
sua eliminação chega a contaminar a água de consumo doméstico. O fato é que a
Psiquiatria contemporânea vem colocando cada vez mais a psicanálise no campo do estudo
histórico, substituindo o emprego de suas técnicas terapêuticas, reconhecidamente
ineficazes, pela psicofarmacoterapia (também ela insuficiente, segundo o enfoque tomista).

8º) Dissidências: Seria necessário mais um capítulo para expor as teorias dos discípulos e
dissidentes de Freud, como Alfred Adler (1870-1937), Carl Gustav Jung (1875-1961), e
Erik Erikson (1902-1994). Basta registrar, com base em Papalia e Olds (1988) que Jung
discordou da ênfase freudiana na sexualidade, dando um enfoque mais “otimista” da
personalidade como uma auto-realização e não como uma luta interna, sendo por isso
considerado precursor da escola humanista. Ao conceito de ego e de inconsciente pessoal,
ele acrescentou o de inconsciente coletivo, fruto das recordações ancestrais, que seria
formado pelos arquétipos, ou idéias emocionalmente carregadas que unem conceitos
universais com a experiência pessoal. Estudou a mitologia e o misticismo como fontes
dessa “personalidade coletiva”. Dividiu também as pessoas em personalidades introvertidas
(voltadas a seu mundo subjetivo) e extrovertidas (ao objetivo), mas que poderiam mudar de
tipo, em geral na meia-idade.
Já Adler acreditava que os motivos sociais predominariam sobre os reprodutivos, e
que o mais importante seria o impulso de superioridade, não tanto sobre os demais, mas
sobre o próprio sentimento de inferioridade oriundo da falta de poder da infância. Cunhou
os termos complexo de superioridade e de inferioridade. Erikson, por sua vez, propôs a
teoria das oito idades ou etapas da vida, já estudada no capítulo sobre motivação.
121

oferecendo-lhe álcool... No total, parece ser uma tentativa frustra de contestação de certas
tendências psicanalíticas que atenderia aos insatisfeitos com estas.
Outro teórico “humanista” é Abraham Maslow (1908-1970), que deu à sua corrente
o nome de “terceira força” da Psicologia (entre a psicanálise e o behaviorismo). Segundo
Papalia e Olds (1988), ele deu um enfoque mais “otimista” à Psicologia, estudando temas
como o entusiasmo, a alegria e o bem-estar, voltando-se mais para os sadios que para os
enfermos, ao contrário de Freud. Filosoficamente se aproxima de Jean-Jacques Rousseau e
da fenomenologia. É autor da teoria da hierarquia das necessidades (pirâmide de Maslow),
que seriam de dois tipos básicos: as necessidades D (que corrigem deficiências) e as B (que
conseguem um nível mais alto na existência), visando à auto-atualização.

b) Teoria da aprendizagem ou comportamentalista – Englobando vários autores,


considera o estudo da personalidade como parte do da aprendizagem – minimalizando-o,
portanto – e que os tipos particulares de comportamento adquiridos (e portanto, aprendidos)
durante o desenvolvimento dariam as peculiaridades do modo de ser de cada um. De modo
geral, tendem a desprezar a influência dos fatores genéticos na formação da mesma,
enfatizando os ambientais.
A figura de maior destaque nessa corrente é o psicólogo behaviorista americano
Burrhus Frederick Skinner (1904-1990), embora não tenha dirigido seus estudos para o
campo da personalidade. Apesar disso, suas teorias sobre o condicionamento operante,
reforço, extinção e generalização da resposta condicionada, tiveram um papel saliente na
explicação comportamentalista da formação da personalidade.
Outro autor considerado relevante é o canadense Albert Bandura (1925-), com seus
estudos sobre aprendizagem observacional (ou social), baseada em modelos que se imitam
quando são recompensados, ou se rejeitam, quando não. Por levar em conta o contexto
social em que tem lugar a aprendizagem, é considerado como um passo a mais em relação
ao condutivismo original. Braghirolli et al. (2005, p. 188) observam que há certas
semelhanças entre as teorias comportamentalistas e a psicanalítica: ambas são
“desenvolvimentistas”, isto é, dão ênfase ao desenvolvimento e às experiências pessoais na
formação da personalidade. A noção freudiana de “internalização” equivaleria à de
“aprendizagem”. A principal semelhança, contudo, é a tendência a reduzir o homem ao
estado de animal, negando-lhe tácita ou expressamente o livre-arbítrio e a supremacia das
potências espirituais.

2) Concepção Tomista

O Pe. Brennan (1969b) esclarece que a Psicologia moderna, ao contrário da


Psicologia escolástica, tem um enfoque mais voltado ao estudo da personalidade, pelo que
não haveria tantas referências diretas a esta em São Tomás. Como o núcleo do enfoque
personalista é o conceito do “eu”, Pe. Brennan (1969b, p. 359) procura dar-lhe uma
definição com base no Doutor Angélico: “a consciência de si mesmo como um princípio de
ação”, ou seja, ao qual referimos todos nossos atos vegetativos, sensitivos e intelectuais.
Ele distingue três significados para o termo “eu”: o “eu” psicológico, ou personalidade; o
“eu” moral, ou caráter; e o “eu” ontológico, ou pessoa.
123

Capítulo 36 – Processos de adaptação da personalidade

1) Ajustamento

Segundo Braghirolli et al (2005) é a tarefa realizada pela personalidade para superar


e/ou conviver com os problemas que surgem ao longo da vida. Tais problemas podem
provocar estados psicológicos conhecidos como conflitos, ansiedade e frustrações. Tanto os
problemas quanto os estados que podem ocasionar são praticamente inevitáveis, e o modo
pelo qual o indivíduo reagirá a eles é que determinará seu maior ou menor grau de saúde
mental.
Não há unanimidade quanto ao conceito de pessoa ajustada. Alguns o identificam
com o normal, outros afirmam que o ajustado é o que se adapta com mais facilidade aos
padrões sociais, o que não implica necessariamente que seja normal, saudável e feliz (ex. o
indivíduo que se integra bem numa quadrilha de bandidos). Braghirolli et al. (2005)
procuram sintetizar a opinião de vários autores caracterizando o comportamento normal
como aquele que propicia: 1º) a manutenção de uma boa saúde física; 2º) o conhecimento
mais amplo possível e a aceitação de si mesmo; 3º) o conhecimento e aceitação dos demais;
4º) um relacionamento de confiança com as outras pessoas; 5º) uma participação social
efetiva; 6º) uma ocupação profissional criativa e realizadora.
É oportuno recordar aqui o conceito de normalidade mental que se depreende dos
ensinamentos de São Tomás: o estado em que a Inteligência (iluminada pela Fé) governa a
Vontade, e esta, os sentidos e os apetites. Esta hierarquia das potências favorece a
realização de atos equilibrados, os quais produzirão hábitos saudáveis e virtuosos,
propiciando uma adequada capacidade de ajustamento. São Tomás (apud BRENNAN,
1969b) não se restringe apenas ao “eu” psicológico (personalidade), como a Psicologia
moderna, mas leva em consideração também a pessoa (“eu” ontológico) e o caráter (“eu”
moral). Portanto, de acordo com o ensinamento tomista, o ajustamento deve levar em
consideração também os aspectos de valor moral e teleológicos que norteiam a boa
formação do caráter.

2) Conflitos

O conflito se estabelece quando há dois ou mais motivos incompatíveis entre si


tendendo a dominar a direção do comportamento. Kurt Lewin (apud BRAGHIROLLI et al,
2005) o conceitua como o resultado da oposição de duas forças igualmente fortes. Lewin
(1948, apud PAPALIA e OLDS, 1988) classificou os conflitos de motivação em:

a) Conflito de aproximação-aproximação – Que surge quando alguém se sente atraído


por dois objetos desejáveis (exemplo: comprar uma roupa nova ou um instrumento
musical).

b) De evitação-evitação – Que aparece quando se sente repulsa por dois ou mais resultados
ou atividades indesejáveis (exemplo: adoecer de tuberculose ou de diabetes).

c) De aproximação-evitação – Que se manifesta quando uma única opção tem elementos


positivos e negativos (exemplo: tirar uma boa nota num exame à custa de uma cola).
125

características pessoais de ordem intelectual, psíquica ou física, como também de condições


sociais (leis, normas, costumes) ou interpessoais (falta de colaboração, hostilidade).
Entre os modos inadequados de se reagir às frustrações, enumeram-se: 1º)
inquietação; 2º) ansiedade; 3º) agressividade, que pode ser direta ou deslocada para alguém
ou algum objeto mais vulnerável que o agente provocador da frustração; 4º) apatia, quando
o indivíduo desiste de reagir à frustração; 5º) fantasia, quando se procura imaginar uma
falsa realidade onde o objetivo frustrado seria satisfeito; 6º) estereotipia, quando se exibe
um comportamento fixo e repetitivo (coçar a cabeça, tamborilar com os dedos, repetir
palavras e expressões); 7º) Comportamento regressivo, quando se adotam condutas
impróprias à idade como modo de reagir à frustração.
Com base em São Tomás, pode-se dizer que o modo adequado de reagir às
frustrações consiste em enfrentá-las de maneira objetiva e realista, adaptando-se às
circunstâncias conforme cada caso, e resignando-se diante dos fatos inevitáveis, com a
confiança de que “todas as coisas concorrem para o bem dos que amam a Deus” (Romanos,
8, 28).
127

5) Transtornos neuróticos

Caracterizam-se por perturbações cognitivas e emocionais nas quais o indivíduo não


perde o contato com a realidade, mas tem alguma compreensão da natureza patológica de
seu comportamento, o qual dificilmente chega a ameaçar a integridade física própria e dos
demais, ou exigir internação hospitalar especializada. Braghirolli et al. (2005, p. 203-204)
constatam a falta de unanimidade em torno da definição e etiologia do problema: Freud a
apresenta como fruto da “repressão do impulso instintivo (libido) por parte do ego
consciente”; Adler a atribui ao sentimento de inferioridade orgânica oriundo da infância;
Jung a explica como “expressão do gosto ou preconceito da integridade da personalidade
que reúne em si as antíteses”; Ringel como a decorrência do “conflito psíquico entre
tendências conscientes e inconscientes”; Speer como uma “elaboração defeituosa das
experiências”; Kunkel como conseqüência da “atitude egoísta que foge e desanima diante
das responsabilidades”; Carr e Frazier como “uma alteração na qual permanece
relativamente intacta a apreciação da realidade”. Os principais transtornos neuróticos são:

a) Transtornos de ansiedade – Sensação persistente e generalizada de intensa angústia


sem causa objetiva, geralmente acompanhada por uma exagerada preocupação consigo
mesmo. Pode ser acompanhada de tremores, palpitações no coração, náuseas, sudorese, etc.

b) Transtornos do espectro histérico – Podem se subdividir em dois grupos: 1º)


Transtornos conversivos: perturbações sensoriais ou motoras de origem psicológica, em
geral visando chamar atenção sobre si. Pode-se manifestar como falsa paralisia, surdez,
mutismo ou cegueira, dores, mal-estares, desmaios ou agitações, bem como insensibilidade
parcial, parestesias, tiques, tremores, sem origem orgânica. 2º) Transtornos dissociativos:
perturbação das funções integrativas da identidade, memória e consciência de origem
psicorreativa, geralmente de forma súbita e transitória, onde o chamar a atenção também
está presente. Podem se manifestar como amnésias, acompanhadas ou não de fugas de casa,
modificações da personalidade, simulação de loucura (síndrome de Ganser), etc.

c) Transtornos fóbicos – Medos infundados e desproporcionados de determinados objetos,


pessoas, atos, situações, condições, freqüentemente acompanhadas de reações físicas. Em
geral a pessoa se dá conta da irracionalidade do seu medo. Alguns exemplos: agorafobia
(do termo grego agorá = feira, medo de lugares abertos), claustrofobia (fechados),
demofobia (de multidões), patofobia (de doenças), tanatofobia (da morte), fobia social (do
relacionamento social).

d) Transtorno obsessivo-compulsivo – Considera-se “obsessão” como uma idéia fixa que


se repete nos pensamentos, e “compulsão”, o ato determinado por uma idéia obsessiva. O
paciente se sente em geral incomodado por elas, e percebe a irracionalidade das mesmas.
Exemplo: Levantar várias vezes para verificar se as portas estão fechadas.

e) Transtornos depressivos – Reações de tristeza, desânimo, insônia terminal, etc, sem


sintomas psicóticos.

6) Transtornos psicóticos psicogênicos


129

histriônica (histérica), anancástica (perfeccionista e escrupulosa), ansiosa, dependente,


excêntrica, narcísica (narcisismo), etc.

7) Perturbações de origem orgânica

Inúmeras enfermidades corporais podem gerar manifestações psíquicas, que


variarão desde simples irritabilidade, perturbações do sono ou do humor e confusão mental,
até prejuízos graves da memória, do pensamento e do comportamento. Destacam-se os
diversos tipos de retardos mentais (geralmente de origem genética), as perturbações
transitórias, as crônicas de leve e moderada intensidade, e as psicoses orgânicas. Podem ser
provocadas por traumatismos, agentes químicos (álcool, drogas), enfermidades vasculares
(ex. arteriosclerose, acidente vascular cerebral), endócrinas, neoplásicas (cânceres) ou
neurológicas. Dentre estas últimas, destacam-se os diversos tipos de epilepsia, a doença de
Parkinson, a Coréia de Huntington, a paralisia geral progressiva (por sífilis), as demências
senis e as pré-senis (doença de Pick e de Alzheimer). Quanto às epilepsias, convém
ressaltar que existem graus leves desta enfermidade, antigamente conhecidos como
“disritmias”, e mesmo moderados, que podem não levar a quadros psicóticos, embora
sempre importem em algum grau de desequilíbrio emocional.
131

entre seu eu ideal e seu eu real. O indivíduo, e não seu problema, é o foco da terapia.
Compete a ele encontrar a direção e progresso de seu tratamento. O que deixa, aliás, o
terapeuta numa posição muito confortável...

d) Outras tendências – Além dessas, outras correntes tendem a se firmar, tais como as
terapias cognitivas (identificação das alterações do pensamento e substituição por
interpretações corretas), dentre as quais se encontram a terapia racional emotiva de Albert
Ellis (procura identificar quais pensamentos equivocados provocam emoções inadequadas,
discuti-los e indicar soluções) e a cognitiva-condutual (que associa técnicas
comportamentais); a terapia breve (focalizam um tipo ou um grupo de problemas
específico, num curto número de sessões), a terapia de grupo (que permuta seus
problemas sob a coordenação de um terapeuta, filiado a qualquer tipo de escola) e um
subtipo desta, a familiar (onde o “paciente” é a família como um todo).

e) Auxiliares da psicoterapia – Podem-se incluir a terapia ocupacional, na qual o


paciente executa tarefas, em geral manuais, objetivando re-equilibrar suas atividades; a
terapia ressocializante e reprofissionalizante; a ludoterapia, com brinquedos específicos
para tratamento de crianças; a terapia ambiental, com mudança do ambiente em que o
doente vive para outro mais adequado, ou para um hospital psiquiátrico.

3) Terapias médico-psiquiátricas

Kaplan e Sadock (1984) apresentam várias, dentre as quais podem-se destacar:

a) Hipnose – Indução do estado hipnótico para análise e sugestionamento terapêutico. Em


1878 começou a ser pesquisada por Jean Martin Charcot (1825-1893), com quem estudou
Freud que, juntamente com Breuer, também a utilizava em suas tentativas terapêuticas.

b) Eletroconvulsoterapia (ECT) – Indução de convulsões seguidas de obnubilação da


consciência e amnésia, através da aplicação de corrente elétrica de 70 a 130 volts nas
têmporas, durante 0,1-0,5 segundos. Iniciada por Bini e Cerletti em 1938, foi modificada
depois pela introdução de relaxantes musculares, anestesia e outras medicações.
Atualmente é pouco utilizada, reservando-se para casos graves de depressão, mania e
esquizofrenia.

c) Psicocirurgia – Intervenções cirúrgicas no cérebro visando à melhora de transtornos


mentais graves. Iniciou-se na década de 40 com a Lobotomia pré-frontal, do neurocirurgião
português António Egas Moniz, que foi substituída nos EUA pelas Tractotomias, que
separam fibras na matéria branca cerebral. No início a mortalidade chegava a 5% e até 15%
dos pacientes ficavam epilépticos. Com as operações estereostáticas, a mortalidade ficou
abaixo de 0,1% e a epilepsia, 0,7%. Contudo, muito poucos psiquiatras continuam a indicá-
la hoje em dia, ficando seu uso limitado a casos muito restritos.

d) Psicofarmacoterapia – A partir de 1952, com a descoberta do efeito antipsicótico da


Clorpromazina, as demais terapias médicas foram sendo paulatinamente substituídas pela
administração dos psicotrópicos. Atualmente, o tratamento das enfermidades mentais em
geral associa alguma técnica psicoterapêutica aos psicofármacos. Estes dividem-se,
133

Capítulo 39 – Componentes sociológicos do comportamento

1) Influência do meio social no comportamento

Os seres humanos são dotados do instinto gregário ou de sociabilidade, que os leva


a viverem associados a outros indivíduos de sua espécie, interagindo entre si. Essa
característica condiciona o comportamento, tanto a nível individual quanto coletivo, donde
a necessidade de se estudar essa interação e a importância desse estudo.

2) Conceitos básicos

a) Psicologia Social – É o setor da Psicologia responsável pela investigação dos processos


pelos quais pensamos, desejamos, sentimos e somos influenciados pelos outros, e como
atuamos em relação a eles. Em outros termos, é o ramo dessa ciência que se interessa pelo
estudo dos comportamentos decorrentes da interação social.

b) Interação social – Conforme Braghirolli et al. (2005), é o processo de relacionamento


entre dois ou mais indivíduos, no qual a ação de um deles é, ao mesmo tempo, resposta à
(s) de outro (s) e estímulo para as ações deste (s).

c) Comportamentos interpessoais ou sociais – São as ações decorrentes da interação


social. Assim, um modo de olhar, uma agressão, palavras ditas ou escritas, ações judiciais,
processos de compra e venda, e inúmeras outras atividades do gênero podem ser
consideradas como comportamentos sociais. Na realidade, praticamente todos as atividades
humanas são resultantes da convivência social. Mesmo quando alguém toma uma atitude
sozinho, como decidir a compra de um determinado produto por exemplo, a decisão pode
estar sendo influenciada por um ou mais estímulos anteriores, como uma propaganda vista
há algum tempo atrás. Por essa razão, alguns psicólogos consideram que toda Psicologia é
Psicologia Social, não havendo fronteiras delimitadas entre esta e os demais ramos
psicológicos, bem como entre ela e outras ciências afins, tais como a Sociologia e a
Antropologia.

3) Divisão da Psicologia Social

Alguns autores dividem a Psicologia Social em dois grandes grupos. Um seria o


estudo do comportamento do indivíduo dentro da sociedade, e o outro o do comportamento
dos grupos. Apesar de ser uma divisão para fins didáticos, uma vez ambos são basicamente
interdependentes, a adotaremos por facilitar a compreensão dos conceitos e processos
estudados.

4) Comportamento do indivíduo em sociedade

Os estudos nessa área geralmente se interessam pelos seguintes processos:

a) Percepção social – Braghirolli et al. (2005) a entendem como o processo pelo qual um
indivíduo forma impressões a respeito de outro ou de um grupo de pessoas. O princípio
básico da percepção social é a unificação da impressão. Desse modo, nunca formamos
135

b) Atribuições – Alguns autores apresentam um conceito conexo com o de percepção


social que denominam atribuição. Baseados em Fritz Heider (1896-1988), fundador da
teoria da atribuição, entendem-na como um processo pelo qual percebemos outros como
agentes causais de um determinado fato ou situação (GRIFFIN, 2000). Em outros termos,
atribuímos intenções a terceiros com base nas percepções sociais que formamos a seu
respeito. Podem-se encontrar dois tipos de atribuições: 1º) A atribuição interna ou
disposicional, que ocorre quando atribuímos um comportamento a alguém acreditando que
ele se deve às suas disposições pessoais internas, como crenças, personalidade, atitudes,
preconceitos, etc. É o que ocorre, por exemplo, quando achamos que alguém está elogiando
um outro porque realmente acredita em suas qualidades. 2º) A atribuição externa ou
situacional, que se apresenta quando concluímos que o comportamento é determinado por
situações ou causas externas ao indivíduo, tais como normas sociais, ameaças, interesses
financeiros ou outros, como pode ocorrer quando achamos que os elogios feitos a um outro
são motivados por segundas intenções.
Como é fácil de perceber, o processo das atribuições muitas vezes pode dar margem
a erros de apreciação. Chama-se isso de erro fundamental de atribuição, o qual, segundo
Ross (1977, apud ATKINSON et al., 2007, p. 16-17) consiste na “tendência de subestimar
influências situacionais sobre o comportamento e pressupor que alguma característica
pessoal do indivíduo seja responsável por este”. Em outros termos, é o que na terminologia
moral clássica se entende por juízo temerário. O tema, naturalmente sob o enfoque
psicológico e não necessariamente moral, tem sido objeto de várias pesquisas9.

c) Socialização – É um dos processos básicos da interação social e se desenvolve


praticamente ao longo de toda a vida. Em geral é entendida como o modo pelo qual o
indivíduo adquire os padrões de comportamento habituais e aceitáveis nos seus respectivos
grupos sociais. Ela começa na infância e se prolonga enquanto a pessoa tenha atividade
mental, sofrendo influência da religião, da cultura, do meio social, profissional, econômico,
e dos demais fatores ambientais. Sua influência é tão profunda que chega a tornar
semelhantes as pessoas que convivem entre si, modelando sua personalidade, seus valores,
motivações e atitudes. O principal agente socializante é a família, e as experiências da
criança em seu lar, principalmente no seu relacionamento com a mãe, condicionarão todo
seu comportamento futuro. Deve-se ter em vista, contudo, que o processo de integração
social de uma pessoa é altamente complexo, interferindo grande número de outros agentes e
fatores socializantes (escola, amigos, mídia, etc).

d) Atitudes – É o tema mais estudado em Psicologia Social. Segundo Braghirolli et al.


(2005) atitude é a maneira, em geral organizada e coerente, de pensar, sentir e reagir a um
determinado objeto (pessoa, grupo, evento, idéia, etc). As atitudes podem ser positivas,
negativas e neutras (quando desconhecemos ou não damos importância ao objeto), e são
invariavelmente aprendidas (fato muito importante para os condicionadores da opinião
pública, como a mídia, por exemplo). Edwards (1995) distingue três componentes nas
atitudes: o cognitivo, formado pelos pensamentos e crenças a respeito do objeto; o afetivo,

9
Os interessados poderão encontrar resumos sobre as mesmas em Atkinson et al. (2007), que apresenta, entre
outros, os estudos de Jones e Harris (1967), Schneider e Miller (1975), Ross, Amabile e Steinmetz (1977),
Fishman (1983), West e Zimmerman (1983), Gilbert e Jones (1986).
137

PAPALIA e OLDS, 1988). Muitas vezes o comportamento pode não ser coerente com a
atitude por razões circunstanciais. É o que acontece, por exemplo, quando alguém é
obrigado a tratar muito bem um outro por razões comerciais, diplomáticas ou outras
quaisquer, apesar de ter para com ele sentimentos de antipatia ou prevenção.
Pode-se dizer, isto sim, que em geral as atitudes precedem os comportamentos.
Desse modo, as pessoas ou grupos que objetivam modificar o comportamento dos demais
procuram formar atitudes ou alterar as pré-existentes, apoiando-se numa seqüência de
interações que visam a influenciar primeiramente as tendências do indivíduo ou grupo-alvo,
de modo a que estas repercutam sobre suas idéias, as quais acabarão por condicionar o seu
comportamento. Este é um dos princípios básicos do marketing e da propaganda, ou dos
que trabalham com condução da opinião pública de um modo geral.
139

Numa empresa, por exemplo, a do diretor é uma posição formal, mas a do funcionário mais
antigo é uma informal, embora autêntica, por ter direitos e deveres diferentes dos demais.

b) Status – Alguns autores o consideram sinônimo de “posição”. Braghirolli et al. (2005)


referem-se a status mais como o valor diferencial de cada posição dentro do grupo, o que
confere com a etimologia da palavra, que provém do Latim e significa “estado”, ou seja, a
situação com a qual um indivíduo se estabelece e diferencia. Símbolos de status são aqueles
que denotam o grau de importância atribuída a cada posição: escritórios maiores e
automóveis mais caros para diretores de empresas, títulos acadêmicos nos meios
científicos, o pronome de tratamento que se emprega, etc.

c) Papel – É um dos conceitos mais importantes em Psicologia Social, e muito semelhante


ao que a linguagem comum lhe atribui, ou seja, o papel que um ator desempenha num
teatro. Papalia e Olds (1988) o definem como o conjunto dos comportamentos esperados de
uma pessoa que ocupa uma determinada posição social. Os papéis consistem num grupo de
normas definidas pela sociedade e que determinam como o indivíduo deve comportar-se
para adequar-se à situação que almeja para si. A observação corrente pode constatar que os
papéis existem independentemente dos indivíduos que o desempenham. Assim, existe o
papel do professor, que difere do de aluno, embora um mesmo indivíduo possa ser mestre
numa escola, e discípulo numa pós-graduação, por exemplo, ou ainda ser pai, funcionário e
dirigente sindical ao mesmo tempo, dependendo do grupo social em que seja considerado.
Cada indivíduo pode dar sua marca pessoal ao papel, mas tais variações têm limites. O
cumprimento dos papéis contribui para uma relativa uniformidade e coerência da maioria
dos processos sociais. O não cumprimento do papel pode acarretar diversos tipos de
sanções sociais, desde olhares severos até a pena de morte, para dar exemplos extremos.
O conflito de papéis ocorre quando a pessoa tende a confundir ou não cumprir o
papel que o grupo espera dela. Como as pessoas têm a tendência de corresponder às
expectativas do grupo (mesmo às negativas), o estudo dos papéis é muito importante para
se prever e compreender o comportamento delas, bem como para ajudá-las a adaptar-se
adequadamente ao seu contexto social, ponto de especial relevância para a pedagogia,
sobretudo do adolescente. Além disso, quanto maior o tempo e a importância de um
determinado papel, tanto maior será o seu reflexo sobre a personalidade.
Uma corrente que se interessa pelo estudo de papéis, embora não o faça
primordialmente sob o prisma da Psicologia Social, denomina-se Análise transacional. Tem
como fundador o psiquiatra americano Eric Berne (1961, 1964), e baseia-se na atribuição
de três papéis básicos: o de pai, o de adulto, e o de criança, bem como nos “jogos” que se
estabelecem entre eles, para estabelecer estratégias de psicoterapia, aliás contestáveis
segundo a Psicologia Tomista.

d) Conformidade – É o grau de adesão à pressão que um grupo exerce sobre as opiniões e


atitudes dos indivíduos que o integram. Num experimento conduzido pela equipe de Asch
(1956, apud EDWARDS, 1995), oito indivíduos deviam escolher, entre três cartões com
linhas de comprimentos diferentes, uma que tivesse o mesmo comprimento que a
apresentada num quarto cartão. Sete deles, previamente orientados, escolhiam
deliberadamente uma mesma linha de tamanho diferente, embora parecido. O oitavo, que
era o indivíduo realmente testado, conhecendo a escolha dos demais, devia fazer a sua. A
pesquisa constatou que, em alguma das 12 provas do teste, 75% dos indivíduos cometia o
141

um indivíduo capaz de ajustar-se às expectativas do grupo que lidera, bem como à


satisfação das motivações que o animam, sendo, ao mesmo tempo, um integrante do
referido grupo e o melhor no segmento que lidera.
A tendência das investigações atuais é de não mais estudar a liderança como um
fenômeno inato ou aprendido, como se fez durante muito tempo. Tal tendência parte do
postulado de que não se deve considerar que alguém seja um líder, mas que atue como tal.
Os estudos mais recentes a analisam enquanto emergencial, ou seja, aquela que surge de
dentro de um grupo (exemplo: um líder e presidente de um partido político), e situacional,
isto é, a que ocorre quando se escolhe alguém como líder para um tipo de tarefa grupal e
não para outro (exemplo: um coordenador da arrecadação financeira de um partido). Apesar
disso, os psicólogos sociais reconhecem que as características hereditárias e ligadas ao
desenvolvimento pessoal do indivíduo são determinantes na hora da definição das
lideranças. Além disso, a existência de pessoas que nascem com maior capacidade de
direção é um fato, e a linguagem popular os chama de “líderes natos”.
A liderança também é estudada, hoje em dia, no sentido de “chefia”. Neste caso,
distingue-se a liderança formal, que ocorre quando a designação vem “de cima”, da
informal, que é a exercida por quem tem real influência sobre os demais, embora não tenha
sido formalmente designado. Existem vários estudos sobre esta última, e os conflitos que
podem surgir quando os dois tipos de líderes atuam com objetivos discrepantes.
Neste âmbito, estudam-se também os estilos de liderança. As pesquisas de Lippit e
White (1943, apud BRAGHIROLLI et al., 2005), tendo como sujeitos meninos de 10 a 11
anos num acampamento de verão, identificaram 3 tipos de liderança: a autocrática (o líder
acredita que deve ser obedecido independente do seu grau de acerto, acarretando, em geral,
deterioração das relações interpessoais, como resistência, hostilidade, retração e
absenteísmo, ainda que velados); a laissez-faire (o líder dá completa liberdade ao grupo, na
realidade não atuando como líder, gerando atritos, desorganização, anarquia, baixa
produtividade); e a democrática (cujo líder utiliza a colaboração espontânea e consciente
dos demais, interpretando e sintetizando o pensamento e os anseios do grupo).
O consenso moderno esperaria que esta última obtivesse melhor integração e
produtividade. Entretanto Braghirolli et al. (2005) sugerem que, em algumas situações,
como as que requerem tarefas urgentes, ou maçantes e rotineiras, a liderança autocrática
provavelmente obterá melhores resultados. É o que se poderia observar, por exemplo, na
atuação urgente de uma brigada de bombeiros para apagar um incêndio. Para grupos de
pessoas altamente responsáveis e preparadas, com uma tarefa essencialmente criativa (por
exemplo, uma equipe de cientistas ou de artistas), consideram que a laissez-faire possa ser a
mais indicada. Em situações reais, verifica-se que tipos de líderes puros raramente existem,
ocorrendo composição desses estilos. O que, aliás, é conexo com a doutrina de São Tomás
de Aquino sobre formas de governo, que ensina que a melhor delas reúne características da
monarquia, da aristocracia e da democracia. Com efeito, no De Regimine Principum ele
afirma que:

Portanto, quanto mais um regime for eficiente para conservar a unidade da paz,
tanto mais útil será. Pois dizemos ser mais útil aquilo que melhor conduz ao fim.
Ora, é manifesto que mais pode produzir a unidade aquilo que de si é uno, do que o
que é múltiplo, do mesmo modo que a causa mais eficaz do aquecimento é aquilo
que de si é quente. Portanto, é mais útil o governo de um que o de muitos.
(AQUINO, 1950. p.259).
143

Capítulo 41 – Componentes sociológicos do comportamento: opinião pública

1) Influência dos grupos sobre os indivíduos

Para o professor do Instituto Pastoral da Pontifícia Universidade Lateranense, Ugo


Sciascia (s.d.), um típico exemplo desse fenômeno é a opinião pública (OP). Ele a define
especificando seus elementos constitutivos: 1) É um sentimento dominante sobre uma
determinada questão; 2) presente no seio de um determinado grupo; 3) com maior ou menor
clareza de consciência de que este sentimento é comum ao grupo. Segundo ele, a opinião
pública autêntica é aquela formada pelo indivíduo “na sua casa, com na sua família”
(SCIASCIA, s.d., p. 102).

a) Distinções conceituais – Sciascia (s.d.) distingue a OP própria de um grupo dos


fenômenos de multidão, de assembléia ou de massa. Os fenômenos de multidão são
primitivos, instintivos. São uma caricatura da verdadeira OP. Ocorrem em comícios,
partidas de futebol, etc. A opinião do indivíduo “em sua casa” costuma ser diversa da que
tem no meio da multidão. Os fenômenos de assembléia, parecidos com os de multidão
(porém sem seus frenesis), se aproximam mais dos da autêntica OP. Pelo contrário, os
fenômenos de massa, típicos da sociedade atual, fazem parte integrante da OP no mundo
moderno.
Ele distingue ainda as representações coletivas da OP. Aquelas são elementos
integrantes desta, mas enquanto a OP é mutável, certas representações coletivas são
duráveis e, às vezes, quase imutáveis. Além disso, algumas representações têm uma
universalidade para certos grupos, enquanto que a OP mostra variações e discordâncias
apenas se mude de um para outro pequeno grupo. Exemplo de uma representação coletiva:
“Deus é bom”. De uma opinião pública: “Tal personagem político é bom”.

b) Outras características da autêntica OP – Costuma ter mais bom senso, prudência e


continuidade que a de certos ambientes intelectuais especializados. Um exemplo é a famosa
frase do Joãozinho Trinta, chefe de uma escola de samba na década de 90 do século
passado: Povo gosta de luxo. Quem gosta de pobreza é intelectual. Sciascia (s.d., p. 102)
assevera: “A OP vê a realidade em cores nítidas, sem embaçamentos”. A OP pode ser
instável na superfície, mas costuma ter relativa continuidade em profundidade.

c) Distinção entre povo e massa – Pio XII, na sua Rádio-Mensagem de Natal de 1944,
mostra como a verdadeira OP existe no “povo” e não na “massa”, que ele distingue:
“O povo vive e move-se por vida própria; a massa é em si mesma inerte e não pode mover-
se senão por um elemento extrínseco. O povo vive da plenitude da vida dos homens que o
compõem, cada um dos quais (...) é uma pessoa cônscia das suas próprias responsabilidades
e das suas próprias convicções. A massa, pelo contrário, espera o impulso que lhe vem de
fora, fácil joguete nas mãos de quem quer que lhe explore os instintos e as impressões,
pronta a seguir, sucessivamente, hoje esta, amanhã aquela bandeira” (PIO XII, 1945, p.
239).
E por isso, já em 1950, em sua Alocução ao 3º Congresso Internacional da Imprensa
Católica, dizia que: “O que hoje se chama opinião pública, freqüentemente não passa de um
nome vazio de sentido, qualquer coisa como um vago rumor, uma expressão artificiosa e
superficial”. Pois, como diz mais adiante: “Condição sine qua non para que essa opinião
145

“jornais”, como agentes formadores da OP. Os progressos técnicos favorecem cada vez
mais esta evolução.

c) Na civilização audiovisual – Teve pleno desenvolvimento após a 2ª guerra mundial. A


opinião tende de urbana a universal, adaptando-se ao conceito de aldeia global, do
sociólogo canadense Marshall McLuhan (1967). A informação se difunde não tanto como
conceito, mas mais na forma bruta da imagem visível e sonora. A opinião tende a se tornar
quase instantânea, porém menos profunda e durável. Os estímulos são múltiplos, as
reações, emocionais, superficiais e numerosas. Os “notáveis” aparentes: os personagens da
mídia. Por trás deles, os verdadeiros formadores são os “engenheiros de almas”
(SCIASCIA, s.d., p. 105). O estudo de Ugo Sciascia é prévio ao advento da internet.
Caberia uma nova avaliação após o mesmo.

9) Psicologia da OP

Sciascia baseia-se no Pe. F. A. Morlion, do Instituto Internazionale Pro-Deo


(Filosofia dell’opinione pubblica, apud SCIASCIA, s.d.) para estudar os efeitos dos
modernos instrumentos de condução da OP sobre as potências do homem.

a) Sobre a Inteligência – A veloz sucessão de informações tende a produzir uma


indiferença e até aversão pela normal atividade do entendimento, que consiste em passar,
mediante a análise e o raciocínio, do particular e do efêmero ao universal e ao eterno. As
conseqüências sociais são a debilitação da capacidade de análise e até o alheamento em
relação aos temas sócio-culturais e políticos, que ficam à disposição dos mesmos
fornecedores de informações e impressões.

b) Sobre a Vontade – A contínua repetição sem argumentos substanciais tende a limitar a


liberdade da vontade, por atrofiar a capacidade de juízo pessoal, que só é livre quando é
independente de pressões e parte de um juízo universal, baseado na Fé e na razão. Mas os
meios de comunicação não dão tempo ao homem para raciocinar, induzindo-o a adotar
juízos, e portanto, também desejos e decisões, fornecidos por outros. A conseqüência social
é a “docilidade inconsciente” (SCIASCIA, s.d., p. 107) da massa, capaz de desembocar em
atos que um seu integrante, tomado isoladamente, condenaria.

c) Sobre a Imaginação – O predomínio dos meios audiovisuais (canções, tv, rádio, etc)
tende a hipertrofiar a imaginação em detrimento das faculdades espirituais. A conseqüência
social é a influência dos profissionais de mídia sobre a dos pregadores, legisladores,
professores, etc. Uma aula de filosofia tem 40 alunos, um sermão, 200 pessoas, um
romance, 10 mil leitores, enquanto o rádio e tv têm milhões de espectadores.

d) Sobre as faculdades apetitivo-sensitivas – A mídia, em especial a indústria da


diversão, tende a excitar a sensibilidade, acarretando um reforço do predomínio da
sensibilidade sobre a Inteligência e a Vontade. Habituar-se à emotividade e à excitação,
leva a uma necessidade cada vez maior de estímulos (sede de sensações). A conseqüência
social é a criação de mitos sociais e políticos, com bastante força de influência: o mito de
uma felicidade cinematográfica norte-americana, no mundo ocidental, raiz do seu
materialismo pragmático, e até da criminalidade. E o mito do “paraíso terrestre comunista”
147

Capítulo 42 – Introdução à Psicologia Pastoral

1) Conceito

Segundo o Pe. Willibald Demal, O.S.B. (1968), a Psicologia Pastoral é uma ciência
auxiliar da Teologia Pastoral que oferece os conhecimentos psicológicos necessários para a
assistência espiritual. De acordo com o Pe. Bless (1957), podemos ampliar sua aplicação a
todos os aspectos da vida religiosa. Como parte integrante da mesma, podemos considerar
ainda o conceito de Psicologia do Apostolado oferecido pelo Prof. Ugo Sciascia, da
Pontifícia Universidade Lateranense, que o entende como: “os ensinamentos da psicologia
individual e social aplicados a quanto concerne ao apostolado” (SCIASCIA, s. d., p. 10).

2) Finalidade

Apoiados no Pe. Bless (1957), podemos dizer que a Psicologia Pastoral tem por fim
primordial facilitar o desenvolvimento da vida espiritual e da atividade pastoral, tanto a
nível individual quanto coletivo, seja para as pessoas normais, seja para as que padecem de
enfermidades, especialmente as mentais.

3) Utilidade

O Pe. Roberto Zavalloni, O. F. M. (1968), em sua obra Psicologia Pastorale,


destaca a necessidade de uma formação segura no campo psicológico para que o Sacerdote
possa ser realmente aquele medicus animae de que falam os Papas e Doutores da Igreja.
Ressalta também a utilidade de seu estudo para fazer frente ao problema de comunicar aos
demais as convicções religiosas, em meio às adversidades dos tempos presentes, sobretudo
face à perda do “senso do sagrado” (ZAVALLONI, 1968, p.13), que ele considera um dos
obstáculos mais graves à evangelização do mundo moderno.
O Pe. Demal (1968) assinala que, uma vez que a assistência espiritual tem por
objeto a alma humana, o religioso terá tanto maior possibilidade de êxito quanto melhor
conhecê-la. O Pe. Bless (1957) apresenta citações de vários autores, tais como Pe. R. de
Sinéty, Pe. Dr. C. Schulte, Dr. R. Allers, Dr. W. Bergmann, Dr. E. Carp, que ressaltam a
necessidade do conhecimento da Psicopatologia e das técnicas terapêuticas, tanto para a
formação pessoal do Sacerdote, quanto para seu apostolado. Por sua vez, o Pe. Zavalloni
(1968), e principalmente Sciascia (s.d.), enfatizam a utilidade das contribuições da
Psicologia Social para a atuação sobre a opinião pública e evangelização em termos
coletivos, tanto mais importantes quanto se considera que vivemos numa sociedade
dominada pela propaganda e pelos meios de comunicação de massa.

4) Divisões

A divisão didática do estudo da Psicologia Pastoral varia conforme os autores. O Pe.


Zavalloni (1968), por exemplo, a divide em três grandes grupos: 1º) A Psicopedagogia
Pastoral, que aborda o estudo do fenômeno religioso (sic), sua evolução e diferenciação,
bem como a formação e a instrução religiosas. 2º) A Psicopatologia Pastoral, no qual
investiga sua utilidade, os fenômenos extraordinários da mística, os patológicos, a direção
149

das representações e das tendências sexuais. O interesse médico e psicoterapêutico do


paciente tem aqui um limite moral. Não está provado, é mesmo inexato que o método pan-
sexual de certa escola de psicanálise seja parte integrante indispensável de toda a
psicoterapia séria e digna deste nome. (PIO XII, 1952, apud FRIEDRICHS, 1959, p. 145. O
destaque em negrito é nosso).

Também na alocução de 13/4/1953 aos membros do V Congresso de Psicoterapia e


Psicologia Clínica, ele afirmou:

A Psicologia técnica e a prática saibam que não podem perder de vista nem as verdades
estabelecidas pela razão e pela Fé, nem os preceitos obrigatórios da Moral. (...) No que diz
respeito ao método psicanalítico no domínio sexual, a Nossa alocução de 13 de setembro
(de 1952), citada mais acima, já indicou seus limites morais. Com efeito, não se pode
considerar, sem mais, como lícita, a evocação à consciência de todas as representações,
emoções e experiências sexuais, que dormiam na memória e no inconsciente, e que se
atualizam assim no psiquismo. Se se ouvem os protestos da dignidade humana e cristã,
quem ousaria afirmar que esse processo não traz consigo nenhum perigo moral, quer
imediato, quer futuro, ao passo que, embora se defenda a necessidade terapêutica de uma
exploração sem limites, esta necessidade, de resto não está provada? (PIO XII, 1953, apud
FRIEDRICHS, 1959, p. 130. Grifo nosso).

A influência psicanalítica tem sido objeto de críticas inclusive quanto ao seu papel
na formação do Clero. Por exemplo, o presidente do Estúdio Teológico de Treviso, G.
Mazzocato (2005), que conduziu um estudo sobre o tema no âmbito italiano, declarou ao
jornal Avvenire que a crise de espiritualidade e moral cristã tem entre suas causas que os
seminaristas são submetidos aos critérios da psicanálise.
Quanto às demais escolas, todas aquelas que forem tendentes ao reducionismo da
psicologia humana à simples reatividade sensitiva animal, como o behaviorismo e suas
variantes, ou a psicofarmacoterapia biológica (que se limita à administração de
medicamentos), bem como aquelas que são influenciadas por escolas filosóficas pouco
compatíveis com a Escolástica, como a Gestalt e a Humanista, também correm o risco de
não atingir os resultados esperados pela cosmovisão católica. A negação da alma enquanto
objeto da Psicologia e da Psicoterapia, e mesmo enquanto realidade existente, presente na
maioria dessas tendências, é, ademais, um obstáculo sério à consciência moral de quem
deseja fazer bem espiritual a qualquer pessoa. Em termos práticos, seria como encaminhar
um paciente com uma enfermidade hepática a um hepatologista que negasse a existência do
fígado...

7) Psiquiatria preventiva

Pio XII, na alocução de 1/10/1953 aos participantes do Congresso Nacional de


Enfermeiras Profissionais e das Assistentes Sanitárias Visitadoras, afirmou ainda:

Que a sanidade mental seja um dos bens fundamentais da natureza, é coisa óbvia. Mas
igualmente evidente é que a mesma sanidade também é fundamental no campo religioso e
sobrenatural. De fato, não é concebível numa alma o pleno desenvolvimento dos valores
religiosos e da santidade cristã, se não se parte de uma mente sã e equilibrada nos seus
impulsos. (...) Apesar do que o sectarismo de outros tempos pretendia falsamente afirmar, é
hoje admitido que a vida em conformidade com os preceitos cristãos, preceitos cuja
151

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