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10 INVEJA E GRATIDAO (1957) Nota Explicativa da Comissao Editorial Inglesa Este € 0 Gltimo dos trabalhos teéricos de maior envergadura de Melanie Klein. An- tes de seu aparecimento, a inveja era esporadicamente reconhecida por psicanalistas como uma emogao importante, mas apenas em situacGes de privacdo, e somente uma de suas formas, a inveja do penis, havia sido estudada pormenorizadamente, As re- feréncias anteriores da propria Melanie Klein & inveja comecam com sua descrigdo do profundo efeito da inveja sobre o desenvolvimento de Erna, um de seus primei- Tos casos, relatado em um artigo nao publicado, apresentado na Primeira Conferén- cia de Psicanalistas Alemfes em 1924 e que se tornou a base do terceiro capftulo de The Psycho-Analysis of Children, Entrementes, registrou a inveja como um fator importante; ela lista suas referéncias passadas em uma nota de rodapé & pAgina 201, esquecendo-se contudo de sua prépria antecipacao do presente trabalho em “‘Algu- mas Conclusées Te6ricas Relativas & Vida Emocional do Bebé” (1952), onde diz: “A inveja parece ser inerente A voracidade oral... 2 inveja (em alternancia com sentimentos de amor e gratificac&o) é primeiramente dirigida ao seio nutridor. ..” (pag. 103). Nesta monografia Melanie Klein mapeia uma érea extensa da qual apenas um. pequeno setor havia sido conhecido antes. Ela postula que a inveja e a gratidao sto sentimentos opostos ¢ interagentes, normalmente operantes desde 0 nascimento, e que o primeiro objeto da inveja, bem como da gratidfo, & 0 seio nutridor, Descreve a influéncia da inveja e da gratiddo nas relagbes de objeto mais arcaicas e estuda 0 funcionamento da inveja nfo apenas em situagdes de privagio, como também em situagdes de gratificagao onde ela interfere na gratid4o normal, S40 estudados os efeitos da inveja, em particular da inveja inconsciente, sobre a formaco do caréter, incluindo ~¢ estas s4o da maior importancia ~ a natureza das defesas erigidas contra a inveja, A técnica de analisar os processos de cisfo & também discutida; isso cons- titui um suplemento importante 2 discussdo em “Notas sobre Alguns Mecanismos Esquiz6ides”. Melanie Klein examina também a inveja anormalmente acentuada, Em “Notas sobre Alguns Mecanismos Esquiz6ides”, embora tenha registrado diversas anorma- lidades do funcionamento arcaico, por exemplo, a introjegdo de objetos fragmenta- dos pelo édio, 0 uso excessivo de mecanismos de ciséo e a persisténcia de estados — 205 — eve emt porMeHO 2 Lomnagite pore exquice parandade per eeu enn yi ponte al No pres he, cha ek 1700p inveja excessi i; desereve, cn coulusito oriunda de um frac mbém a esteuturat normal da po > dle Pdipo que dat resulta, Postula também que 0 seio nutti- dlor & pereebido pelo bebé como uma fonte de criatividade e descreve os efeitos da- nosos da inveja indevida sobre a capacidade de criatividade. Do principio ao fim, seus argumentos tanto te6ricos quanto clinicos sio ilustrados com material clinico, 0 que € de particular interesse na medida que mostra como ela trabalhava nesse tiltimo perfodo. Este trabalho langa nova luz sobre a reagSo terapéutica negativa, estudada co- mo efeito da inveja. Melanie Klein considera que, embora a inveja possa em alguma medida ser analisada, ela estabelece um limite para 0 éxito analitico, Esse fato, por- tanto, coloca uma restrigfo final ao grande otimismo de seus artigos iniciais dos anos vinte, so na cisfio © mostra a importine’ », Delineia io de~ edo comy —206— 10 INVEJA E GRATIDAO! (1957) HA muitos anos venho me interessando pelas fontes mais arcaicas de dusts atitudes que sempre nos foram familiares: a inveja e a gratidaio, Cheguci A conclusio de que a inveja é um fator muito poderoso no solapamento «| rafzes dos sentimentos de amor e de gratidao, pois ela afeta a relagio 1 antiga de todas, a relacéo com a mae. A importincia fundamental dessa relagdo para toda a vida emocional do indiv{duo tem sido substanciada cm varios trabalhos psicanaliticos; e penso que, ao investigar mais profund: mente um fator especffico que pode ser muito perturbador nesse estigiv inicial, eu acrescentei algo de significativo aos meus achados referentes ao desenvolvimento infantil e & formagao da personalidade. Considero que a inveja € uma expressio sédico-oral ¢ s&dico-anal de impulsos destrutivos, em atividade desde 0 comeso da vida, e que tem ba se constitucional. Essas conclusées tém certos elementos importantes cm comum com a obra de Karl Abraham, apesar de implicar algumas diferen- gas com relagao a ela, Abraham achava que a inveja € uma caracteristic oral, mas — e 6 aqui que minhas concepcées diferem das dele — presumi: que inveja e hostilidade operassem num perfodo ulterior, 0 qual, de acor- do com suas hipsteses, constitufa um segundo estagio, 0 s4dico-oral Abraham nfo falou em gratidao, mas descreveu a generosidade como uma caracterfstica oral. Ele considerava os elementos anais como um compo- nente importante da inveja ¢ enfatizou a derivagao desses elementos a partir dos impulsos sfdico-orais. Um outro ponto fundamental de concordancia com Abraham € sua suposigéo de um elemento constitucional na intensidade dos impulsos orais, que ele vinculou a etiologia da enfermidade manfaco-depressiva, Sobretudo, tanto a obra de Abraham quanto a minha puseram em re- levo, mais plena e profundamente, a importancia dos impulsos destrutivos " Quero expressar minha profunda gratidio & minha amiga Lola Brook, que me ajudou ao longo da preparacio deste livro [/nveja e Gratidéo], bem como de muitos de meus escritos. Ela teny uma rara compreensio de minha obra ¢ ajudou-me, em todas as etapas, com formulagées ¢ crf- ticas 20 contetido, Meus agradecimentos séo também devidos ao Dr. Elliott Jaques, que fey. intimeras e valiosas sugestdes enquanto o livro estava ainda manuscrito e ajudou-me no trabalho de revisio das provas. Sou agradecida a Miss Judith Fay, que teve grande cuidado na feitura do indice. 207, pment ot the Libro, Viewed a the 1 LYSE, Abrabany nto mcenetonon ss Han sana 1 Tietory ob the Deve Tighe ot Mental Dy dle Fiend sobre as pulsoes de vider © de mort a qq npulsos destrutives © Inport embora Beyer! The Pleasure Principle tivesse sido publi », Abraham inyestigou as raizes dos pos, Km seu re livie, pore aplicou essa compreensiio & ctiologia das perturbagées mentais de um mo- «lo mais espectfico do que até entio fora feito. Embora ele nao tenha feito uso do conceito de Freud das pulses de vida e de morte, parece-me que seu trabalho clfnico, particularmente a anélise dos primeiros pacientes manfaco-depressivos que foram analisados, baseava-se em algum insight que © estava conduzindo nessa diregdo. Presumo que a morte prematura de Abraham impediu-o de se dar conta de todas as implicagdes de seus préprios achados e da essencial conexdo destes com a descoberta, por Freud, das duas pulsdes. Neste momento da publicago de Inveja e Gratiddo, trés décadas apés 0 falecimento de Abraham, é para mim motivo de grande satisfagio que minha obra tenha contribufdo para 0 crescente reconhecimento da plena significagao das descobertas de Abraham. Pretendo aqui fazer algumas sugestées adicionais relativas ao perfodo mais arcaico da vida emocional do bebé e, também, chegar a algumas conclusées sobre a vida adulta e a satide mental. E inerente as descobertas de Freud que a investigacio do passado do paciente, de sua infancia, e de seu inconsciente, € uma precondigio para compreensio de sua persona- lidade adulta. Freud descobriu 0 complexo de Edipo no adulto e, de tal material, reconstruiu nao apenas pormenores do complexo de Edipo, mas também sua cronologia. Os achados de Abraham ampliaram considera- velmente essa abordagem, que se tornou caracterfstica do método psica- nalitico. Devemos também lembrar que, segundo Freud, a parte consciente da mente desenvolve-se a partir do inconsciente. Portanto, ao remontar & primeira infancia o material que primeiramente encontrei na andlise de criangas pequenas, e subseqiientemente na de adultos, segui um procedi- mento hoje familiar & psicandlise. A observagao de criangas pequenas lo- g0 confirmou os achados de Freud. Acredito que algumas das conclusées a que cheguei, com refer€ncia a um estdgio bem anterior, os primeiros anos de vida podem, até certo ponto, ser confirmadas pela observacio. O direito — ¢ de fato, a necessidade — de reconstruir pormenores e dados a respeito dos estdgios mais iniciais a partir do material que nos € apresen- tado pelos pacientes descrito por Freud, de modo muito convincente, na seguinte passagem. — 208 - H ' Ht Op rere ite cymes de comtiaangc ce complete can todos os. apes ter naltsG) trabalho de constareae at sae sa prefer. de recomstrngan, csscmictha se em puainde parte aca por un anquedloge, de u Emorada que foi destrutda e sepultaad cdilicio antigo, Os dois processes sii, na verdade, idénticos, a nae pelo fato de que o analist trabalha em melhores condigées © ten Asana disposigao mais material para auxili4-lo, uma vez que aquilo com que tla » € algo destrufdo, ¢ sim algo que ainda est vivo —¢ talver, por uma outra razdo. Mas, assim como o arquedélogo constréi as | do edificio a partir das fundagées que permaneceram de pé, determinsi © ntimero € posigao das colunas pelas depressdes no solo e reconstiit + pinturas e decoragées murais segundo os restos encontrados nas ru assim também o analista procede quando extrai suas inferéncias dos fis: mentos de lembrangas, das associacées e do comportamento do sujei anélise. Ambos possucm um direito incontestavel de reconstruir por nw1 da suplementagao e combinagdo dos vestigios remanescentes. Ambo além disso, esto sujeitos a muitas das mesmas dificuldades ¢ fontes «de c1 ro. (.. .) O analista, como dissemos, trabalha em condigées mais favorit veis que 0 arquedlogo, pois tem A sua disposicio material que nfo pork ter equivalente em escavagées, tal como a repetigao de reagdes que dat da infancia e tudo que € indicado pela transferéncia em conex4o com ei sas repetigGes. (. . .) Todo o essencial est preservado; mesmo coisas « parecem completamente esquecidas esto presentes, de alguma mancira « em algum lugar, havendo sido simplesmente sepultadas ¢ tomadas inaces siveis ao sujeito, Na verdade, como sabemos, pode-se duvidar que alguin: estrutura ps{quica possa realmente ser vitima de destruico total. Depencl apenas da técnica analftica 0 termos sucesso em trazer completamente luz o que se acha escondido.”” A experiéncia tem me cnsinado que a complexidade da personalidaule plenamente desenvolvida s6 pode ser entendida se obtivermos insight sw bre a mente do bebé ¢ acompanharmos 0 scu desenvolvimento na vid subseqiiente, Isso equivale a dizer que a anélise percorre 0 caminho que vai da vida adulta a infancia e, através de estagios intermediarios, retor A vida adulta, num movimento recorrente, para a frente © para trés, de acordo com a situagao transferencial predominante, Ao longo de todo o meu trabalho, tenho atribufdo importancia fun damental & primeira relagio de objeto do bebé — a relagéo com 0 seio ma terno e com a mie — e cheguei & conclusao de que se esse objeto origin’ rio, que € introjetado, fica enraizado no ego em relativa seguranga, ? “Constructions in Analysis” (1937). — 209 — assentada a base para um desenvolvimento s: contribuem para essa ligacdo. Sob 0 predominio dos impulsos orais, 0 scio € instintivamente sentido como sendo a fonte de nutric&o c, portanto, num sentido mais profundo, da prépria vida. Essa proximidade fisica ¢ mental com o seio gratificador em certa medida restaura, se tudo corre bem, a perdida unidade pré-natal com a mie e o sentimento de seguranca que a acompanha. Isso depende em grande parte da capacidade do bebé de in- vestir suficientemente 0 seio ou seu representante simbédlico, a mamadeira; dessa mancira, a mae € transformada em um objeto amado. Pode bem ser que o ter sido parte da mae no estado pré-natal contribua para o senti- mento inato do bebé de que existe fora dele algo que Ihe dard tudo que necessita e deseja. O seio bom é tomado para dentro ¢ torna-se parte do ego, e o bebé, que antes estava dentro da mae, tem agora a mae dentro de si. © estado pré-natal indubitavelmente implica um sentimento de unida- de e seguranca, mas o quanto esse estado esté livre de perturbacées de- pende necessariamente das condigdes psicolégicas ¢ fisicas da mie, e, possivelmente, até mesmo de certos fatores, nio investigados até o pre- sente momento, no bebé ainda nao nascido. Poderfamos, portanto, consi- derar 0 anseio universal pelo estado pré-natal como sendo também, em parte, uma expressfio da necessidade premente de idealizagio. Se investi- gamos esse anscio A luz da idealizacio, encontramos que uma de suas fontes € a forte ansicdade persecut6ria suscitada pelo nascimento. Pode- rfamos especular que essa primeira forma de ansiedade possivelmente abrange as experiéncias desagradéveis do bebé ainda no nascido, as quais, juntamente com o sentimento de seguranga no witero, prenunciam a relago dupla com a mie: 0 seio bom e 0 seio mau, As circunstancias externas desempenham um papel vital na relagio inicial com 0 seio. Se © nascimento foi diffcil, ¢ se, particularmente, re- sulta em complicagées como falta de oxigénio, hd uma perturbagio na adaptagio a0 mundo externo e a relacio com 0 seio inicia-se sob condi- goes de grande desvantagem. Em tais casos, a capacidade do bebé de ex- perimentar novas fontes de gratificacio € prejudicada e, em conseqiiéncia, ele nfo pode internalizar suficientemente um objeto originério realmente bom. Além disso, se a crianga € ou nao adequadamente alimentada e cer- cada de cuidados maternais, se a mae frui plenamente ou nao os cuidados com a crianga, ou se cla é ansiosa e tem dificuldades psicolégicas com a amamentagdio — todos esses fatores influenciam a capacidade do bebé de aceitar 0 leite com prazer e de intenalizar 0 seio bom. Um elemento de frustracio por parte do seio esta fadado a entrar na relagdo mais inicial do bebé com o seio, porque até mesmo uma situagio feliz, de amamentagio nao pode substituir completamente a unidade pré- natal com a me. Além disso, 0 anseio do bebé por um seio inexaurivel ¢ -210- Fpromenca per obter ce fe cevrdene tr donor a. meat enmauratcke na amucdaale Abita « Hate AeMtO dO self © de obyete ps pulsos destiutives siio fatores fundamentit sua mic. Isso porque scus des piercer che anniey relagdio imetal do bebe « jos implicam querer que © sein, 6 « guida a mie, fizessem desaparecer esses impulsos destrutives © a «dor «he ansiedade persecutéria. Concomitantemente a experiéncias felizes, ressentimentos ine vi reforcam © conflito inato entre 0 amor ¢ o ddio, isto é, basicamente cuts as pulsGes de vida ¢ de morte, o que resulta no sentimento de que erate um um scio bom ¢ um scio mau. Conseqiientemente, a vida emocional si caracteriza-se por uma sensagao de perda e recupcragéo do ohjcle bum Ao falar de um conflito inato entre amor e ddio, deixo implicito qu: pacidade tanto para amor quanto para impulsos destrutivos & ale veates Ponto, constitucional, embora varie individualmente em intensidide « im teraja desde o inicio, com as condicées externas. Tenho repetidamente proposto a hipétese de que o objeto bom ory nario, 0 seio materno, forma o micleo do ego e€ contribui de made vital para o seu crescimento, e tenho freqiientemente descrito como o blu sente que concretamente internaliza o seio € 0 leite que este da. JA cs também em sua mente uma conexiio indefinida entre o seio € outras parte © aspectos da mie. __ Nao presumiria que, para ele, o seio seja simplesmente um objeto 11 sico. A totalidade de seus desejos instintivos e de suas fantasias incon cientes imbui o seio de qualidades que vio muito além da nutricho cst que ele propicia.? Vemos na andlise de nossos pacientes que 0 seio em seu aspector hun € 0 protétipo da “bondade” materna, de paciéncia e generosidade inex: riveis, bem como de criatividade, Sf essas fantasias e necessidades put sionais que de tal modo enriquecem 0 objeto originério que ele perma como a base da esperanga, da confianga ¢ da crenca no bom, Este trabalho trata de um aspecto especifico das mais arcaicas wl: g6es de objeto © processos de internalizagao, que tem raizes na oraliach * Tudo isso & sentido pelo bebé de um modo muito mais primitive do que 0 que a linguagei jute expressar. Quando essas emor6es ¢ fantasias pré-verbais sfo revividas na situagao translevc cial, aparecem como ““lembrangas em sentimento”, como eu as chamatia, ¢ sfo reconsirulity + Postas em palavras com o auxflio do analista. Da mesma maneira, temos que utilizar puivtir quando estamos reconstruindo e descrevendo outros fenémenos que pertencem 20s estfion ciais do desenvolvimento. De fato, nfo podemos traduzir a linguagem do inconsciente jy ‘consciéncia sem emprestar-Ihe palavras do nosso domfnio consciente, area veka capa as diliculd Refiro-me aos cleitos da inveja sobte 6 descnvel vis gratidéo e de felicidade. A inveja contribui p em construir seu objeto bom, pois ele sente que a gratificagiin de q privado foi guardada, para uso préprio, pelo seio que o frustrou.* Deve-se fazer uma distingao entre inveja, citime e voracidade. A in- veja € 0 sentimento raivoso de que outra pessoa possui e desfruta algo dc sejével — sendo o impulso invejoso o de tirar este algo ou de estragi-lo. Além disso, a inveja pressupée a relagSo do individuo com uma s6 pessoa € remonta A mais arcaica e exclusiva relagéo com a mae. O citime € ba- seado na inveja, mas envolve uma relacdo com, pelo menos, duas pessoas; diz respeito principalmente ao amor que o individuo sente como Ihe sendo devido e que Ihe foi tirado, ou est4 em perigo de sé-lo, por seu rival. Na concepgaio corriqueira de citime, um homem ou uma mulher se sente pri vado, por outrem, da pessoa amada. A voracidade é uma dnsia impetuosa e insacifivel, que excede aquilo que © sujeito necessita e 0 que o objeto € capaz.e est disposto a dar. A nfvel inconsciente, a voracidade visa, primariamente, escavar completa- mente, sugar até deixar seco e devorar 0 seio; ou seja, seu objetivo é a introjecdo destrutiva, ao passo que a inveja procura nfo apenas despojar dessa maneira, mas também depositar maldade, primordialmente excre- mentos maus ¢ partes més do self, dentro da mae, acima de tudo dentro do seu seio, a fim de estragé-la e destruf-la. No sentido mais profundo, isso significa destruir a criatividade da mie, Esse processo, que deriva de im- pulsos sddico-uretrais e s4dico-anais, foi por mim definido em outro arti- go* como um aspecto destrutivo da identificagaéo projetiva, comegando desde 0 infcio da vida*. Uma diferenga essencial entre voracidade e inve- 2 toi “ Numa série de trabalhos meus, The Psycho-Analysis of Children, “Farly Stages of the Oedipus Complex”, e em ““A Vida Emocional do Bebé”, referi-me 2 inveja surgindo de fontes sfdico- orais, sSdico-uretrais e sfidico-anais, durante os estfgios mais iniciais do complexo de Edi; erelacionei-a a0 desejo de estragar os bens da mf, particularmente o penis do pai, o qual, na fantasia da crianca, a mfe contém, J4em meu artigo * ‘An Obssessional Neurosis in a Six-Year- Old Girl”, apresentado em 1924, mas nio publicado até aparecer em The Psycho-Analysis of Children, a inveja ligada a ataques sfdico-orais, sfdico-uretrais e sfdico-anais ao corpo da mie desempenhava papel proemninente, Entretanto, nfo havia relacionado especificamente essa in- Veja ao desejo de tirar e estragar 0s seios da mie, embora houvesse chegado muito perto dessas conclusées. No meu artigo * Sobre a IdentificacSo” (1955) examinei a inveja como um fator ‘muito importante na identificacio projetiva. J4 em The Psycho-Analysis of Children sugeri que nfo apenas tendéncias sfdico-orais, como também sédico-uretrais ¢ sddico-anais, esto em fun- cionamento em bebés muito pequenos. “Notas sobre alguns Mecanismos Esquizdides””. Dr, Elliott Jaques chamou minha atencfo para a raiz etimoldgica de “inveja”” no latim “invi- di’”, que provém do verbo “tinvideo” —olhar atravessado, olhar maldosamente ou com despei- to, lancar mau-olhado, invejar ou relutar mesquinhamente em dar ou reconhecer o que & do ou- tro. Um uso antigo pode ser encontrado nuina expresso de Cicero, cuja traducto é “‘causar in- fortinio pelo mau-othado”. Isso confirma a diferenciag30 que fiz entre inveja e voracidade, pela @nfase dada ao carter projetivo da inveja, -212- De seabeceton ane abotene Ue oon he punde oe Shorter Ovord Dictionary, nite pruatbies pessoa fomiou, ou sek estd sendo dado, 0 “be que por dirette pertens + “bom” basicamente cone a0 i © seio bom, a mae, uma pessoa amada, que outra pessoa com 0 English Synonyms, de Crabb, “(. ..) 0 citime teme perder 0+ possui; a inveja sofre ao ver outro possuir o que ela quer para si (+ © invejoso passa mal A vista da fruigdo, Sente-se 2 vontade apenas infortnio dos outros. Assim, todos os esforgos para satisfazer um inve so sao infrutfferos”. O citime, segundo Crabb, € “uma paixio nolic v1 igndbil, de acordo com o objeto. No primeiro caso, € emulacao pelo medo, No segundo, é voracidade estimulada pelo medo. A inve yi « sempre uma paix4o vil, arrastando consigo as piores paix6es”” lividuo. Nesse contexto, cu interpret tirou, De aconde, A atitude geral para com 0 citime difere da que se tem para com veja. Na realidade, em certos paises (particularmente a Franga), 0 assis: nato induzido pelo citime acarreta sentenga menos severa. A ra: essa disting4o encontra-se no sentimento universal de que 0 assassi um rival pode subentender amor pela pessoa infiel. Isso significa, no termos discutidos acima, que existe amor pelo “bom” e que 0 objeto ama do nao € danificado ¢ estragado como o seria pela inveja. Otelo de Shakespeare, em seu citime, destr6i o objeto que ams c «: so, em minha opiniao, & caracterfstico do que Crabb descreve como a “iy. n6bil paixdo do citime”, ou seja, a voracidade estimulada pelo medo. Una referéncia significativa ao citime como qualidade inerente A mente ap: na mesma peca: “But jealous souls will not be answer’d so; They are not ever jealous for the cause, But jealous for they are jealous; tis a monster Begot upon itself, born on itself””*. Poder-se-ia dizer que a pessoa muito invejosa é insacidvel, que nunca pode ser satisfeita porque sua inveja brota de dentro e, portanto, sempre encontra um objeto sobre 0 qual focalizar-se. Isso mostra também a c« xdo fntima entre citime, voracidade e inveja. * “Mas os ciumentos nio atendem a isso; Nao precisam de causa para o citime: Tem citime, nada mais. O citime 6 monstro Que se gera em si mesmo e de si nasce””. Othello”, A II, 4. Tr. de Carlos Alberto Nunes, Ed. Melhoramentos, 3366, pay. 1.1 wT) —213- Shakespeare Men sciipre parece diferonc sar mnvege de ertine oO ver vers septimtes;, le Olelo, mostane plonamente at siymiticay inveja no “ON beware my Lord of jealousy; 1 is the green-eyed monster which doth mock The meat it feeds on’. . * Vazem-nos lembrar a expressfio “morder a mao que alimenta”, quase na de morder, destruir e estragar o seio. auf Meu trabalho ensinou-me que 0 primeiro objeto a ser invejado é 0 svio nutridor’, pois 0 bebé sente que o sci possui tudo o que ele deseja que tem um fluxo ilimitado de leite e amor que guarda para sua prépria gratificagao, Esse sentimento soma-se a seu ressentimento e ddio, e o re- sultado € uma relagao perturbada com a mie. Se a inveja € excessiva, in- dica, em minha concepgdo, que tracos parandides ¢ esquizéides so anor- malmente intensos e que tal bebé pode ser considerado como doente. Ao longo deste capitulo, falo da inveja priméria do seio materno, Es- sa inveja deve ser diferenciada de suas formas subseqiientes (inerentes, na menina, ao desejo de tomar o lugar da mie, e, no menino, a posigéio femi- nina), nas quais a inveja nao mais se focaliza no seio, e sim na mae que recebe 0 pénis do pai, que tem bebés dentro dela, que dé a luz esses be- bés, e que € capaz de amamenté-los. Tenho freqiientemente descrito os ataques s&dicos ao seio materno como sendo determinados por impulsos destrutivos. Quero acrescentar aqui que a inveja confere um fmpeto especial a esses ataques. Isso signifi- ca que quando escrevi sobre a escavagao voraz do seio e do corpo da mae, sobre a destruigao de seus bebés, bem como sobre a deposicao de excrementos maus dentro da mie‘, j4 deixava entrever 0 que posterior- mente vim a reconhecer como o estrago do objeto, por inveja. * “Acautelai-vos, Senhor, do citime, E.um monstro de olhos verdes que zomba Do alimento de que vive” Comet, ATL, 3. Tr. de Carlos Alberto Nunes. Ed, Melhoramentos, 3366, pég. 85.) 7 Joan Riviere, em seu artigo “Jealousy as a Mechanism of Defence” (1932), reportou a inveja nas mulheres ao desejo infantil de despojar a mée de seus seios ¢ estragé-los. De acordo com seus achados, o cidime tem suas rafzes nessa inveja primfria, Scu artigo contém interessante material ilustrativo desses pontos de vista. "Cf. meu livro The Psycho-Analysis of Children, onde esses conceitos desempenham wm papel importante em varias conexdes. —214— fore qe este nacmiente do bebe at Henaren desea, Lorna se Compreenstvel cor me seo bebe © madequadkimente amamentaule ¢ edo bebe parecem ser que, quando © scie © priya, este porque rear sé para si o Ieile, 0 amor ¢ os cuidados associados ao sr bom. Ele odeia ¢ inveja aquilo que s lente. quinho © mialeve te scr 0 Scio ni E talvez mais compreensfvel que 0 seio satisfatério seja tambn in vejado. A prépria facilidade com que vem o leite origina também inveya pois, embora o bebé se sinta gratificado, essa facilidade fica pareccude um dom inatingfvel. Encontramos essa inveja primitiva revivida na situacio transferencial Por exemplo: 0 analista acabou de dar uma interpretagdo que trouxe alivie ao paciente e que produziu uma mudanga de estado de 4nimo, de desesp To para esperanga € confianga. Com certos pacientes, ou com o mesnixy paciente em outros momentos, essa interpretagao proveitosa pode loyw tomar-se alvo de uma critica destrutiva. Ela, entio, nfo € mais sentida como algo bom que ele tenha tecebido e vivenciado como enriquecimen to. Sua critica pode ater-se a pontos de menor import&ncia; a interpretacine deveria ter sido dada antes; foi longa demais ¢ perturbou as associagix do paciente; ou foi muito curta, isso quer dizer que ele no foi suficicn temente compreendido. O paciente invejoso reluta em atribuir sucesso ao trabalho do analista; e, se ele sente que 0 analista e 0 auxilio que este Ili est4 dando ficaram estragados € desvalorizados por sua critica invejos: nao poderé introjet4-lo suficientemente como um objeto bom, nem acci suas interpretagdes com convicgao real ¢ assimilé-las. A convicgo verits deira, como vemos freqiientemente em pacientes menos invejosos, implic:: gratid&o por uma d&diva recebida. O paciente invejoso também pode sen tir que € indigno de beneficiar-se pela andlise, devido A culpa pela des valorizacao do auxflio dado. Nao & preciso dizer que nossos pacientes nos criticam por uma var dade de razdes, &s vezes justificadamente. Mas a necessidade que tem um paciente de desvalorizar 0 trabalho analitico que experimentou como pro veitoso € expressao de inveja. Na transferéncia, descobrimos as raizes «it inveja se as situagdes emocionais que encontramos em est4gios anterior forem retracadas até 0 est4gio primério. A critica destrutiva € particu mente evidente em pacientes parandides que se comprazem no prazer sf dico de desmerecer 0 trabalho do analista, ainda que este Ihes tenha pro porcionado certo alfvio. Nesses pacientes, a critica invejosa € bastante aberta; noutros, pode desempenhar um papel igualmente importante, mas permanece niio-expressa e até mesmo inconsciente. Em minha exper —215- Jos est) bunben 1ebicronacde: Vemos qu dividas © Incertezas sobre oO. valor dat anatase ome O que acontece & que a parte hostil © invejosa de seu self é ex- candida pelo p: nfemente ao analista outros: aspectos que sente como mais accitiveis. Contudo, as partes excindidas tnt luce encialmente o curso da anélise, a qual, em tltima instén- cia, s6 pode ser eficaz se conseguir integragao ¢ se lidar com o todo da personalidade. Outros pacientes tormam-se confusos para evitar serem cri- fics, Essa confuso nao é apenas uma defesa, mas também expresstio de incerteza quanto ao fato de o analista ainda permanecer como uma figura boa, ou terem, o analista e 0 auxflio que est4 dando, se tornado maus em decorréncia da critica hostil do paciente. Eu remontaria essa incerteza aos sentimentos de confusdo que sfo uma das conseqiiéncias da perturbagéo da relaco mais arcaica com o seio materno. O bebé que, devido & inten- sidade de mecanismos parandides e esquiz6ides e ao fmpeto da inveja, no consegue bem-sucedidamente dividir e manter separados 0 amor € © édio e, portanto, 0 objeto bom do objeto mau, est4 sujeito a sentir-se confuso entre o que € bom ¢ 0 que € mau em outros contextos. Desse modo, a inveja e as defesas contra ela desempenham um pa- pel importante na reacio terapéutica negativa, além dos fatores desco- bertos por Freud ¢ mais amplamente desenvolvidos por Joan Riviere’. Pois a inveja e as atitudes a que dé origem interferem na construgéo gra- dual de um objeto bom na situagao transferencial. Se, no estégio mais ini- cial, 0 bom alimento ¢ 0 objeto bom originatio nao puderam ser accitos € assimilados, isso se repete na transferéncia e 0 curso da andlise € prejudi- cado. No contexto do material analitico € possivel reconstruir, pela elabora- fio de situacées anteriores, os sentimentos do paciente, quando bebé, pa- ra com 0 scio materno. Por exemplo, 0 bebé pode ter um ressentimento de que 0 Ieite chega muito rfpido ou muito devagar"’; ou de que nao Ihe te- nham dado o seio quando mais ansiava por ele e, assim, quando Ihe € ofe- recido, nao 0 quer mais, Volta-lhe as costas ¢, em vez dele, chupa seus préprios dedos. Quando aceita o scio, pode no mamar o bastante ou a mamada ficar perturbada. Alguns bebés tém claramente grande dificulda- de em superar esses ressentimentos. J& outros superam logo tais senti- mentos, ainda que scjam baseados em frustrag6es reais; tomam 0 seio ¢ a ale, © ele apresenta const “A Contribution to the Analysis of the Negative Therapeutic Reaction” (1936); também Freud, The Ego and the Id. 1° © bebé pode de fato ter recebido muito pouco Ieite, nao té-lo recebido na ocasifio em que mais 0 desejava, ou nio té-Io obtido do jeito certo; por exemplo, o leite pode ter vindo lento ou r& pido demais. A maneira pela qual 0 bebé foi segurado, se confortavelmente ou nio, a atitude da mie para com a amamentagio, seu prazer ou ansiedade a respeito dela, se foi dado o scio ou a mamadeira, todos esses fatores 50 de grande importancia em cada caso, —216- Anan chee pebeae te nate Hci me teade say BV amatie le pac nenten pte, oa Foc raternide, basin fondo sen alienate ate.bitorianent: evidentes dass salted ctever evel ss havin oseindido seu ressentimente, © Guo, 6 qtte esses: senfimentos. sito, nig obstinte, parte do. des mento de seu cardter, Esses processos se tornam bastante claros nas «iio transterencial. O desejo original de agradar a ni mado, bem como a necessidade urgente de ser protegido das conseqticn 3 de seus préprios impulsos destrutivos, podem ser encontr: andlise, como subjacentes & cooperacdo, naqueles pacientes cuja inveja Sdio foram excindidos mas que fazem parte de sua reagdo terapéut gativa. Tenho freqtientemente me referido ao desejo do bebé pelo scio inc xaurfvel © sempre-presente. Mas, como foi sugerido anteriormente, nao ¢ apenas alimento que ele deseja; quer também ser libertado dos impulsw destrutivos e da ansiedade persecut6ria. Esse sentimento de que a mic ¢ onipotente e de que compete a ela evitar toda dor e males provindos «le fontes internas ¢ externas € também encontrado na andlise de adultos. lit diria, de passagem, que as modificagdes muito favordveis, que se deri nos tltimos anos, na amamentagdo das criangas, em contraste com 0 modo bastante rfgido de alimentar segundo hordrios regulares, no podem evit: inteiramente as dificuldades do bebé, porque a mae nao pode elimin: impulsos destrutivos ¢ a ansiedade persecutéria dele. HA um outro ponto it ser considerado. Uma atitude demasiadamente ansiosa por parte da mix: que, sempre que o bebé chora, imediatamente Ihe oferece alimento, nav ajuda o bebé. Ele sente a ansiedade da mie ¢ isso aumenta a sua pr6p Encontrei também, em adultos, ressentimento por nao Ihes ter sido permit tido chorar bastante e que, por isso, perderam a possibilidade de expressia ansiedade e pesar (e assim obter alfvio), de modo que nem os impulsos agressivos nem as ansiedades depressivas puderam, suficientemente, cn contrar um escoadouro. FE interessante 0 fato de Abraham mencionar, en tre os fatores que esto na base da enfermidade manfaco-depressiva, tanto a frustragio excessiva quanto a indulgéncia em demasia'’. Pois a frust sao, se nao excessiva, € também um estimulo & adaptagdo ao mundo ex terno e ao desenvolvimento do sentido de realidade, De fato, uma cert quantidade de frustragéo, seguida por gratificagio, pode dar ao bebé i sensagao de ter sido capaz de lidar com sua ansiedade. Verifiquei tambéin que os desejos nao satisfeitos do bebé — que so em certa medida impos sfveis de serem realizados ~ contribuem como fator importante para sts sublimagées e atividades criadoras. A auséncia de conflito no bebé, se é ic, © ANSCIO Por ss aw 't «<4 Short History of the Development of the Libido” (1924). -217- auto, privat tort de qque fal extade hypotetica pudense ple Fator no: lortilecimento, petsonatidade © de un unpe Wade de superé-lo) © uni cleniente de secu cpo. Pois 0 contlito (ea nece fundamental na criatividade Da asserciio de gue a inveja estraga o objeto bom originario ¢ dé fm peto adicional aos ataques s4dicos a0 seio, surgem outras conclusées. O sci assim atacado perde seu valor, torna-se mau por ter sido mordido & cnyenenado por urina ¢ fezes. A inveja excessiva aumenta a intensidade desses ataques ¢ sua duragéo, tornando assim mais dificil para o bebé a recuperagao do objeto bom perdido. Ataques s&dicos ao seio, quando me- nos determinados por inveja, passam mais rapidamente e, assim, na mente do bebé, nao destroem to intensa e duradouramente a qualidade boa do objeto; 0 seio que retorna ¢ pode ser frufdo € sentido como uma evidéncia de que nao est danificado e de que ainda € bom'*. O fato de a inveja estragar a capacidade de fruicio explica, até certo ponto, por que a inveja € t4o persistente"”. Pois 6 a fruicdo e a gratidéo que ela suscita que mitigam os impulsos destrutivos, a inveja e a voraci- dade. Considerando de um outro Angulo: a voracidade, a inveja ¢ a ansic- dade persecutéria, que sao interligadas, intensificam-se inevitavelmente umas as outras. O sentimento de dano causado pela inveja, a grande an- siedade que disso se origina e a incerteza resultante quanto & “bondade”” do objeto tém o efeito de aumentar a voracidade e os impulsos destruti- vos. Sempre que 0 objeto € sentido como, afinal de contas, bom, cle € ainda mais vorazmente descjado e tomado para dentro. Isso também é pertinente ao alimento. Na anilise verificamos que, quando um paciente est com grandes diividas sobre seu objeto e, portanto, também sobre o valor da anillise ¢ do analista, ele pode agarrar-se a qualquer interpretaco que alivie sua ansiedade ¢ tender a prolongar a sesso, por desejar tomar para dentro tanto quanto possfvel daquilo que, no momento, sente ser bom. (Certas pessoas tém tanto medo de sua voracidade que fazem espe- cial questo de sair na hora.) Diividas sobre a posse do objeto bom ¢ a correspondente incerteza sobre os préprios sentimentos bons também contribuem para identifica- g6es vorazes ¢ indiscriminadas; tais pessoas so facilmente influencidveis porque ndo podem confiar em seu préprio julgamento. * As observagées de bebés nos mostram algo dessas atitudes inconscientes subjacentes. Como disse acima, certos bebés que estiveram gritando de raiva mostram-se inteiramente felizes loro apés comegarem 2 mamar. Iss0 significa que temporariamente perderam, mas recuperaram, seu objeto bom, Noutros, 0 ressentimento ¢ a ansiedade persistentes, ainda que momentanea~ ‘mente diminufdos pela zmamentacio, podem ser depreendidos por observadores cuidadosos. " E claro que a privacao, a amamentacio insatisfatéria ¢ circunstncias desfavordveis intensifi- cam inveja por perturbarem a gratificacio plena, ¢ um cfrculo vicioso € criado. —218- apsac adhe He statiekie tent acnnte caanann ba Cone unt objeto bomec pode suportar, scny feat prot wont eanntl ye aud estes tempouinios de inveja, ddio © ressemtimento que stars: nie esto amadas ¢ recebem bons cuidados maternos. Assim, cnn eriamgans «y quando esses estados negatives sio transitér do a cada vez. Esse € um fator essencial para estabelecé-lo ¢ pai as bases da estabilidade e de um ego forte. No curso do desenvolvimento a relago com o seio materno toma-se a base para a dedicacao a pessu valores © causas e, assim, € absorvida uma certa parte do amor que 1 inicialmente sentido pelo objeto originario. 5, 0 objeto bom & recupena Um dos principais derivados da capacidade de amar € 0 sentimento de gratidaio. A gratidao € essencial A construcdo da relaco com 0 objeto bon: © € também o fundamento da apreciago do que h4 de bom nos outros « em si mesmo. A gratidao tem suas rafzes nas emogées atitudes que s gem no estégio mais inicial da infancia, quando para o bebé a mic ¢ o tinico e exclusivo objeto. Referi-me a essa primeira ligagdo" como a hase para todas as relages subseqiientes com uma pessoa amada, Embor:i relagio de exclusividade com a mie varie individualmente em duracio © intensidade, acredito que, até certo ponto, ela exista na maioria das pes soas. Em que medida permanece livre de perturbagdes, depende parc mente das circunstiincias externas. Mas os fatores internos que a fund: mentam ~ acima de tudo a capacidade de amar — parecem ser inatos. Os impulsos destrutivos, especialmente uma forte inveja, podem num estégio inicial pertuidar essa ligacio especial com a mie. Se a inveja do seio nt tridor € forte, a gratificagao plena sofre interferéncia porque, como jf des- crevi, € caracterfstico da inveja despojar 0 objeto daquilo que ele possui c estragé-lo. © bebé s6 pode sentir satisfagio completa se a capacidade de amar ¢ suficientemente desenvolvida; e € a satisfacao que forma a base da grati dio. Freud descreveu o éxtase do bebé na amamentagao como o protétipo da gratificagio sexual"*. A meu ver, essas experiéncias constituem nao apenas a base da gratificagao sexual mas também de toda felicidade sub- seqiiente, ¢ tomam possfvel o sentimento de unidade com outra pessoa; unidade significa ser plenamente compreendido, o que € essencial para toda relagao amorosa ou amizade felizes. Em condicGes as mais favoré- yeis, tal compreensio nao necessita de palavras para expressé-la, 0 que demonstra sua derivago da intimidade mais inicial com a mae, no estagiv ‘A Vida Emocional do Bebé” (1952), '! Three Essays on the Theory of Sexuality, —219- Gishatorie: Datoren arate pant une desenvelye contribuen pac essa liy 6 instintivamente sentido como sendo a fonte de mutts sentido mais profundo, da propria vida. Essa proximidade fisica © mental com 0 seio gratificador em certa medida restaura, se tudo corre bem, perdida unidade pré-natal com a mie ¢ 0 sentimento de seguranga que a acompanha. Isso depende em grande parte da capacidade do bebé de in- vestir suficientemente 0 seio ou seu representante simbélico, a mamadeira; dessa maneira, a mie é transformada em um objeto amado, Pode bem ser que © ter sido parte da mie no estado pré-natal contribua para o senti- mento inato do bebé de que existe fora dele algo que Ihe dard tudo que necesita e deseja. O seio bom é tomado para dentro e torna-se parte do ego, € 0 bebé, que antes estava dentro da mie, tem agora a mae dentro de si. Jpulsos ornts, @ se10 iio, Sob o predomfnie dos Ye, portato, nuUBL O estado pré-natal indubitavelmente implica um sentimento de unida- de e seguranga, mas o quanto esse estado esta livre de perturbag6es de- pende necessariamente das condig6es psicolégicas ¢ ffsicas da mae, c, possivelmente, até mesmo de certos fatores, nio investigados até 0 pre- sente momento, no bebé ainda nao nascido. Poderfamos, portanto, consi- derar 0 anseio universal pelo estado pré-natal como sendo também, em parte, uma expresso da necessidade premente de idealizagao. Se investi- gamos esse anscio A luz da idealizac&o, encontramos que uma de suas fontes € a forte ansicdade persecutéria suscitada pelo nascimento. Pode- rfamos especular que essa primeira forma de ansiedade possivelmente abrange as experiéncias desagradéveis do bebé ainda nao nascido, as quais, juntamente com o sentimento de seguranga no vitero, prenunciam a relago dupla coma mie: 0 seio bom ¢ 0 seio mau. ‘As circunstincias externas desempenham um papel vital na relagao inicial com © scio. Se o nascimento foi dificil, e se, particularmente, re- sulta em complicagdes como falta de oxigénio, h& uma perturbaco na adaptacéio ao mundo externo ¢ a relagio com 0 seio inicia-se sob condi- c6es de grande desvantagem. Em tais casos, a capacidade do bebé de ex- perimentar novas fontes de gratificagdo € prejudicada e, em conseqiiéncia, ele nao pode internalizar suficientemente um objeto origindrio realmente bom. Além disso, se a crianga € ou nao adequadamente alimentada e cer cada de cuidados maternais, se a mac frui plenamente ou no os cuidados com a crianca, ou se cla é ansiosa e tem dificuldades psicolégicas com a amamentagio ~ todos esses fatores influenciam a capacidade do bebé de aceitar 0 leite com prazer e de internalizar 0 seio bom. ‘Um elemento de frustragao por parte do seio esté fadado a entrar na relagdo mais inicial do bebé com o seio, porque até mesmo uma situaco feliz de amamentag&o néo pode substituir completamente a unidade pré- natal com a mae. Além disso, 0 anseio do bebé por um seio inexaurfvel —210— pepe pone ants ta absolutann fe apenas de enna cae ie ps alanis nites Palen ges Habu Per. tieane non Cubiytos nae. nite Inentalye ate conaratde na iiicdade A lube ent dle vidoe ale aga de aniquilamento do. sel) © do objeto peo pulsos destrutives so fitores fundaments tora do bebe co Js nat relagaio mplicam querer qu guida a mie, fizessem desaparecer esses impulsos destrutives: « ansiedade persecut6ria. sua unig, Isso porque scus desejos 20 stio, 6 cna Concomitantemente a experiéncias felizes, ressentimentos incvitaye r reforgam © conflito inato entre o amor e o Gdio, isto é, basi as pulsdes de vida ¢ de morte, o que resulta no sentimento de que exit um seio bom e um seio mau, Conseqiientemente, a vida emocionl ate. a caracteriza-se por uma sensacSo de perda e recuperagao do objeto boar Ao falar de um conflito inato entre amor ¢ 6dio, deixo implicit te aca pacidade tanto para amor quanto para impulsos destrutivos @, te «cite ponto, constitucional, embora varie individualmente em intensicade © 1 teraja desde o inicio, com as condicées externas. Tenho repetidamente proposto a hipétese de que 0 objeto bom ony nfrio, 0 seio materno, forma o micleo do ego e contribui de modo vit para © scu crescimento, ¢ tenho freqiientemente descrito como 0 belx sente que concretamente internaliza 0 seio e o leite que este dé. 1M cs também em sua mente uma conexdo indefinida entre 0 seio ¢ outris antes. © aspectos da mie __ Nao presumiria que, para cle, o seio seja simplesmente um objeto 11 sico. A totalidade de seus desejos instintivos e de suas fantasias incor cientes imbui o seio de qualidades que vao muito além da nutricio + que ele propicia.’ Vemos na andlise de nossos pacientes que 0 seio em seu aspecto hon € 0 protétipo da ‘‘bondade” materna, de paciéncia e generosidade in riveis, bem como de criatividade. Sao essas fantasias e necessidades jul sionais que de tal modo entiquecem o objeto origindrio que ele permance« como a base da esperanga, da confianga ¢ da crenga no bom. xc Este trabalho trata de um aspecto especffico das mais arcaicas rela goes de objeto e processos de internalizagao, que tem rafzes na oralidade * Tudo isso é sentido pelo bebé de um modo muito mais primitivo do que o que a linguagesn juwle expressar. Quando essas emocGes ¢ fantasias pré-verbais sto revividas na situacao transfercu cial, aparecem como ‘“lembrancas em sentimento”, como eu as chamaria, ¢ s&0 reconstrutd postas em palavras com o auxflio do analista. Da mesma maneira, temos que utilizar patavii quando estamos reconstruindo e descrevendo outros fendmenos que pertencem 20s estéios int ciais do desenvolvimento. De fato, nfo podemos traduzir 2 linguagem do inconsciente jar consciéncia sem emprestar-Ihe palavres do nosso dominio consciente. -211- +o desenvol virnenty da capacsbade de Refiro-me aos cleitos da inve gratidao ¢ de felicidade, A inveja contribui para: em construir seu objeto bom, pois ele sente que a grati privado foi guardada, para uso préprio, pelo seio que o frustrou." Deve-se fazer uma distingo entre inveja, citime e voracidade. A in- veja € 0 sentimento raivoso de que outra pessoa possui e desfruta algo de~ sejvel — sendo o impulso invejoso o de tirar este algo ou de estragi-lo. Além disso, a inveja pressupée a relacdo do indivfduo com uma sé pessoa e remonta @ mais arcaica e exclusiva relagdéo com a mac. O citime € ba- seado na inveja, mas envolve uma relacéo com, pelo menos, duas pessoas; diz respeito principalmente ao amor que o individuo sente como Ihe sendo devido e que Ihe foi tirado, ou est4 em perigo de sé-lo, por seu rival. Na concepgao corriqueira de citime, um homem ou uma mulher se sente pri- vado, por outrem, da pessoa amada. A voracidade é uma Ansia impetuosa e insacidvel, que excede aquilo que 0 sujeito necessita e 0 que o objeto & capaz e esté disposto a dar. A nfvel inconsciente, a voracidade visa, primariamente, escavar completa- mente, sugar até deixar seco e devorar 0 seio; ou seja, seu objetivo € a introjegiio destrutiva, ao passo que a inveja procura no apenas despojar dessa maneira, mas também depositar maldade, primordialmente excre- mentos maus ¢ partes mas do self, dentro da mie, acima de tudo dentro do seu seio, a fim de estragd-la e destruf-la. No sentido mais profundo, isso significa destruir a criatividade da mae. Esse processo, que deriva de im- pulsos s4dico-uretrais e s4dico-anais, foi por mim definido em outro arti go* como um aspecto destrutivo da identificagdo projetiva, comegando desde 0 infcio da vida‘. Uma diferenga essencial entre voracidade e inve- $ diliculdades do bebe ago de que fot “ Numa série de trabalhos meus, The Psycho-Analysis of Chiklren, “Barly Stages of the Oedipus Complex”, ¢ em “A Vida Emocional do Bebé”, referi-me A inveja surgindo de fontes sfidico- onais, sfdico-uretrais ¢ sfdico-anais, durante os est{gios mais iniciais do complexo de Edipo, € relacionei-a ao desojo de estragar 0s bens da mie, particularmente 0 pénis do pai, o qual, na fantasia da crianca, a me contém, J4.em meu artigo * ‘An Obssessional Neurosis in a Six-Year- Old Gitl”, apresentado em 1924, mas nfo publicado até aparecer em The Psycho-Analysis of Children, a inveja Vigada a ataques sfdico-orais, s4dico-uretrais e sfdico-anais a0 corpo da mie desempenhava papel proeminente, Entretanto, niio havia relacionado especificamente essa in- ‘Veja a0 desejo de tirar ¢ estragar os seios da mie, embora houvesse chegado muito perto dessas, conclusées. No meu artigo * Sobre a Identificacio" (1955) examinei a inveja como um fator muito importante na identificaco projetiva. 14em The Psycho-Analysis of Children sugeri que ‘fo apenas tendéncias sfdico-orais, como também sidico-uretrais ¢ sfdico-anais, esto em fun- cionamento em beb$s muito pequenos. 5 “Notas sobre alguns Mecanismos Esquiz6ides”, © Dr. Elliott Jaques chamou minha atencio para a raiz. etimolégica de “‘inveja”* no latim “invi dia’”, que provém do verbo “invideo” —olhar atravessado, olhar maldosamente ou com despei- to, lancar mau-olhado, invejar ou relutar mesquinhamente em dar ou reconhecer o que € do ou- tro. Um uso antigo pode ser encontrado numa expressio de Cicero, cuja traducdo & “causar in- forténio pelo mau-othado”. Isso confirma a diferenciacio que fiz entre inveja e voracidade, pela Gnfase dada ao carter projetivo da inveja, ~212- fe eon ay jo Shorter Osford Dictionary, oa sayrantie ae cyt chae: 4 sendlo dado, o bom’ qu por dicate peut », Nesse contexto, cu interpretaria o “bon” mente Come oa amada, que outta pessoa com 0 English Synonyms, de Crabb, “(...) 0 citime tome perder o «4 possui; a inveja sofre ao ver outro possuir o que ela quer para st «> © invejoso passa mal & vista da fruicao. Sente-se A vontade apenas como infortinio dos outros. Assim, todos os esforgos para satisfaer um so so infrutiferos””. O citime, segundo Crabb, & “uma paixdo nolie on igndbil, de acordo com o objeto. No primeiro caso, € emulagao ayn sda pelo medo. No segundo, € voracidade estimulada pelo medo. A inve ya « sempre uma paixo vil, arrastando consigo as piores paixdes””. © scio bom, a mac, uma pess FOU, De Acordes veo A atitude geral para com 0 citime difere da que se tem para com a+ veja. Na realidade, em certos paises (particularmente a Franca), 0 nato induzido pelo citime acarreta sentenca menos severa. A razio | essa distingfo encontra-se no sentimento universal de que 0 assas um rival pode subentender amor pela pessoa infiel. Isso signitic\, termos discutidos acima, que existe amor pelo “bom” € que 0 objeto: do nfo € danificado ¢ estragado como o seria pela inveja., © Otelo de Shakespeare, em seu citime, destréi o objeto que an ¢ 1 so, em minha opinido, é caracterfstico do que Crabb descreve como i “1 n6bil paixao do citime”’, ou seja, a voracidade estimulada pelo med (! referéncia significativa ao citime como qualidade inerente & mente aparece na mesma peca: “But jealous souls will not be answer’ d so; They are not ever jealous for the cause, But jealous for they are jealous; ’tis a monster Begot upon itself, born on itself””*. Poder-se-ia dizer que a pessoa muito invejosa € insaciével, que nui 0 pode ser satisfeita porque sua inveja brota de dentro e, portanto, scimpr encontra um objeto sobre o qual focalizar-se. Isso mostra também a cou x4o fntima entre citime, voracidade ¢ inveja. * “Mas os ciumentos nfo atendem a isso; Nao precisam de causa para o ciime: ‘Tem cidime, nada mais. O citime & monstro Que se gera em si mesmo e de si nasce””. a A IIL, 4, Tr, de Carlos Alberto Nunes, Ed, Melhoramentos, 3366, pay. 104.) LT.) cae Shabepeat nome scmpre parece dilerene an mvepa de cuine, on ver hun plemimente a syuntieagae da inve ja no. “Oh beware my Lord of jealousy; 11 is the green-eyed monster which doth mock The meat it feeds on’. . Vaycntnos lembrar a expressdo “morder a mao que alimenta”, quase inonima de morder, destruir e estragar o seio. IL Meu trabalho ensinou-me que 0 primeiro objeto a ser invejado é 0 scio nutridor’, pois o bebé sente que o seio possui tudo 0 que ele deseja e «uc tem um fluxo ilimitado de Ieite ¢ amor que guarda para sua propria gratificagao, Esse sentimento soma-se a seu ressentimento e ddio, e o re~ sultado € uma relag’o perturbada com a mie. Se a inveja & excessiva, in- dica, em minha concepgio, que tragos paranéides ¢ esquizéides so anor malmente intensos e que tal bebé pode ser considerado como doente. Ao longo deste capitulo, falo da inveja primaria do seio matemno, Es- inveja deve ser diferenciada de suas formas subseqiientes (inerentes, na menina, ao desejo de tomar o lugar da mic, e, no menino, a posicao femi- nina), nas quais a inveja nao mais se focaliza no seio, ¢ sim na mie que recebe 0 pénis do pai, que tem bebés dentro dela, que dé & luz esses be- bés, e que € capaz de amamenté-los, Tenho freqiientemente descrito os ataques s&dicos ao seio materno como sendo determinados por impulsos destrutivos. Quero acrescentar aqui que a inveja confere um fmpeto especial a esses ataques. Isso signifi- ca que quando escrevi sobre a escavagio voraz do seio e do corpo da mie, sobre a destruigéo de seus bebés, bem como sobre a deposiciio de excrementos maus dentro da mac", j deixava entrever o que posterior mente vim a reconhecer como o estrago do objeto, por inveja * “Acautelai-vos, Senhor, do citime, E um monstro de olhos verdes que zomba Do alimento «le que vive” Othello”, A TIT, 3, Tr. de Carlos Alberto Nuncs, Ed, Methoramentos, 3366, pag. 85.) W.7) 7 Joan Riviere, em seu artigo “Jealousy as a Mechanism of Defence” (1932), reportou a inveja nas mulheres 20 desejo infantil de despojar a mée de seus seis ¢ estragé-los. De acordo com seus achados, 0 citime tem suas rafzes nessa inveja priméria, Seu artigo contém interessante material ilustrativo desses pontos de vista. "Cf, meu livro The Psycho-Analysis of Children, onde esses conceitos desempenham um papel importante em vérias conexdes. —214— qo set maior descyo, fora se Comprcenavel conie .tam imestne seo bebe & inadequadamente say ado, Os sent Atos le bebe parece ser que, quamdo 0 sei © privat, este se tor porque vets s6 para si o leite, © amor ¢ os cuidados associados ao sc bom, Lile odeia e inveja aquilo que sente ser o scio mesquinho © malevo, lente. talvez mais compreensfvel que 0 seio satisfatério scja também in vejado. A propria facilidade com que vem o leite origina também pois, embora o bebé se sinta gratificado, essa facilidade fica parecendy. um dom inatingfvel ve js Encontramos essa inveja primitiva revivida na situagdo transferencial Por exemplo: 0 analista acabou de dar uma interpretagao que trouxe alfvie ao paciente ¢ que produziu uma mudanga de estado de Animo, de desespe ro para esperanca e confianga. Com certos pacientes, ou com 0 mesin paciente em outros momentos, essa interpretagdo proveitosa pode logo tornar-se alvo de uma critica destrutiva. Ela, entéo, nao € mais sentida como algo bom que ele tenha recebido e vivenciado como enriquecimen to. Sua crftica pode ater-se a pontos de menor importéncia; a interpreta deveria ter sido dada antes; foi longa demais ¢ perturbou as associacées do paciente; ou foi muito curta, e isso quer dizer que ele nao foi suficien: temente compreendido, O paciente invejoso reluta em atribuir sucesso ae trabalho do analista; e, se ele sente que o analista e 0 auxflio que este Ihe est4 dando ficaram estragados e desvalorizados por sua critica invejosa, nao poder4 introjet4-lo suficientemente como um objeto bom, nem aceitar suas interpretag6es com convicgao real e assimilé-las, A convicgdo verda deira, como vemos freqiientemente em pacientes menos invejosos, implica gratiddo por uma dédiva recebida. O paciente invejoso também pode sen- tir que € indigno de beneficiar-se pela andlise, devido & culpa pela des- valorizagdo do auxflio dado. Nao € preciso dizer que nossos pacientes nos criticam por uma varic- dade de razées, As vezes justificadamente. Mas a necessidade que tem um paciente de desvalorizar 0 trabalho analitico que experimentou como pro- veitoso & expressiio de inveja. Na transferéncia, descobrimos as raizes da inveja se as situagdes emocionais que encontramos em estagios anteriores forem retragadas até 0 est4gio primério. A critica destrutiva € particular- mente evidente em pacientes parandides que se comprazem no prazer si- dico de desmerecer 0 trabalho do analista, ainda que este Ihes tenha pro- porcionado certo alfvio. Nesses pacientes, a critica invejosa € bastante aberta; noutros, pode desempenhar um papel igualmente importante, mas permanece niio-expressa ¢ até mesmo inconsciente. Em minha experién- —215—

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