Nada de excepcional nesse fato. Afinal, pensou ele, tratava-se, em ltimo caso, de uma tecnicalidade legal. Quando que termina a tarde e comea a noite? No Brasil, s 18h anoitece. Ponto final. Se no vira baguna. preciso preservar um mnimo de segurana jurdica. Augusto se dizia algum que prezava a objetividade. Era reconhecidamente, contudo, um sujeito dividido, meio em cima do muro: uma pessoa, digamos, crepuscular. Da a grande dificuldade que encontrava naquele momento. Veja: s dezessete horas, cinquenta e nove minutos e cinquenta e nove segundos, pisava ele no asfalto em direo ao outro lado da rua Sagarana. s dezoito horas, ns o vemos a meio caminho. E, segundo seu prprio parmetro - que, no vamos negar, j encontrou algum respaldo jurisprudencial - anoitecera. Noitinha. Foi nesse instante que Augusto se deu conta de que aquele instante poderia se dividir em inumerveis outros instantes cada vez menores. E que era dia e noite, dia-noite, noitedia. Lusco-fusco. Seu critrio, ento, revelou-se problemtico, inaplicvel. Sem conseguir se decidir se era dia ou noite e, aparentemente, sem saber a prpria diferena entre noite e dia, Augusto continuou a atravessar a rua sem que nada de excepcional acontecesse.