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Resenha Crítica: 

Shoah 
(1985) 

Disciplina: Judaísmo, Modernidade e Holocausto 
Profa: Marta Francisca Topel 
 
 
Renan José do Prado Peixoto. 8977853 
Shoah, de Claude Lanzmann é uma das obras mais completas sobre o
Holocausto, contendo entrevistados em quatorze países e diálogos em polonês,
francês, inglês, iídiche, alemão e hebraico. Com duração de nove horas, a produção
do documentário estendeu-se por onze anos, o diretor havia inicialmente a
encomenda para um filme de duas horas por oficiais do governo israelense, uma
vez que o resultado não era entregue, o apoio foi perdido. A produção sofreu
problemas financeiros, além da dificuldade para localizar todas testemunhas, e o
diretor, inclusive, teve que usar de métodos controversos para conseguir algumas
das entrevistas: em casos em que os entrevistados não consentiram em revelar sua
identidade, o diretor usou aparelhos ocultos para capturar o diálogo e as imagens.
Como na cena em que o diretor conversa com Franz Suchomel, ex-SS, condenado
em 1965 à seis anos de prisão no julgamento de Treblinka, vêem-se técnicos em
uma kombi equipada com antena assistindo a filmagens em preto e branco
granuladas enquanto o áudio segue. Tamanha obstinação de Lanzmann lhe
ocasionou um caso de agressão grave, seguida de hospitalização durante um mês.
Apenas o processo de edição das 350 horas captadas por Lanzmann durou
cinco anos (disponíveis no site do Museu Memorial do Holocausto dos Estados
Unidos, em ushmm.org), sua montagem cuidadosa nos propicia uma visão do
holocausto a partir de todos os ângulos, somando as vozes de carrascos, vítimas e
testemunhas. Mesmo contendo explicações detalhadas sobre o funcionamento dos
campos de Treblinka e Birkenau (Auschwitz II), a maior parte das filmagens ao ar
livre contém paisagens idílicas, florestas e campos desativados, contrastando com o
horror dos depoimentos ouvidos.
Apesar de laureado pela crítica e considerado um dos maiores
documentários sobre história contemporânea existentes, o filme não deixa de
acumular muitos críticos, especialmente na polônia, onde o governo alegou que a
produção não dava suficiente atenção aos massacres de poloneses perpetrados
pelos nazistas, deixando a entender que a polônia teve o papel de cúmplice no
holocausto. Os guardas ucranianos e letões dos campos e linhas férreas são
mencionados várias vezes pelos depoentes sem que a participação destas
populações nacionais seja esclarecida.
Uma dos principais depoimentos que o documentário traz é do judeu polonês
Simon Srebnik, testemunha no julgamento de Adolf Eichmann em 1961. Capturado
pelos alemães e enviado ao campo de Chelmno quando tinha 13 anos, deveu sua
sobrevivência a sua voz, pois os guardas apreciavam ouví-lo cantar enquanto
trabalhava, e a sua sorte, pois sobreviveu a um tiro na cabeça que não acertou as
áreas vitais do cérebro, quando, na iminência da chegada do exército vermelho, os
nazistas executaram os prisioneiros encarregados de descartar os corpos. Tais
unidades de trabalho eram denominadas Sonderkommandos, termo que em alemão
pode ser traduzido como “unidade especial”, e recrutados entre os judeus aptos ao
trabalho braçal, raramente sobrevivendo mais de quatro meses em um campo, uma
vez que os nazistas não tinham o desejo de manter testemunhas.
Muitas vezes julgados como colaboradores, os sonderkommandos recebiam
uma alimentação muito mais próxima a dos guardas do que dos outros prisioneiros,
já que eram uma peça vital para o funcionamento do campo de extermínio, e seriam
vistos por aqueles que eram conduzidos às câmaras de gás. As condições em que
viveram estes prisioneiros é retratada em filmes como o húngaro O Filho de Saul e
Cinzas de Guerra (The Grey Zone) de 2001, baseada em uma peça de Doug
Hughes encenada em 1996, em que o termo cinza do título (originalmente A Zona
Cinza) refere-se a esta situação moralmente ambígua. O segundo filme ainda
reproduz a insurreição ocorrida em 1944 nos fornos crematórios de Auschwitz, com
ajuda de prisioneiras que trabalhavam na fábrica de munição do complexo prisional
que desviaram durante meses pequenas quantidades de pólvora. A revolta resultou
no assassinato de 13 membros da SS e na destruição de quase metade dos fornos
do campo, o comando nazista retaliou com a execução de mais de 400 kommandos
no mesmo dia.
Dentro os fatos desvelados pelo filme, está a idéia de que o holocausto foi
um segredo até 1945. Há vários depoimento de poloneses de cidades como
Auschwitz e Treblinka, que tinham fazendas próximas aos campos de extermínio e
podiam ouvir constantes gritos de horror. Milhares de trens de carga chegando
carregados de pessoas, trens que posteriormente voltariam vazios. Não havia
dúvida entre os locais de que estava acontecendo um assassinato em massa,
apesar de não saberem como. Apenas as vítimas desconheciam seu destinado,
muitas vezes trazidas de outras regiões da Europa em viagens que podiam durar
dez ou doze dias, tal desconhecimento era necessário para facilitar o trabalho para
os nazistas, para quem era conveniente ter grupos de pessoas andando
organizadamente para as câmaras de gás na iludidas de que iriam tomar banho.
Segundo o depoimento do polonês Czeslaw Borowi, muitos dos locais faziam
gestos para os prisioneiro recém chegados dentro dos três indicando que aqueles
estavam a algumas horas da morte. Os vestiários continham dezenas de cartazes
em várias línguas da europa com dizeres como “Higiene Faz Bem”, “Lave-se”, “Um
Piolho Pode Matar”. No relato de Abraham Bomba, prisioneiro a quem foi dada a
tarefa de cortar os cabelos daqueles que estavam prestes a ir para as câmaras de
forma aumentar nestes a crença de que de fato iriam para o chuveiro.
O judeu eslovaco Filip Müller também recrutado como Sonderkommando que
dá um dos depoimentos mais chocantes do filme, quando descreve detalhadamente
como era o sofrimento e morte dentro das câmaras de gás, narra a situação em que
a verdade escapou de um dos prisioneiros recrutados para o trabalho. Em um
momento em que a fuga já não era uma possibilidade, em vez de pânico, gerou
apenas descrença na maioria, acreditar em tais relatos não era tão inverossímil
quanto penoso. Posteriormente o kommando responsável por vazar informação teve
como punição ser jogado vivo nos fornos.
Extermínio em vários métodos

O documentário “Holocausto - O que ninguém viu” aborda a pesquisa do Dr


Jeremy Hicks, especialista em história da cultura russa, no acervo audiovisual da
Rússia. Sua descoberta são as filmagens do genocídio em valas comuns na europa
oriental e territórios ocupados da União Soviética, filmados por cinegrafistas do
exército vermelho com a finalidade de serem exibidas em cinejornais. As filmagens
contém dramatizações, mulheres carregando bebês encenam estar reconhecendo
os cadáveres de seus entes queridos e choram diante das câmeras, o tom geral das
produções é de propaganda política com objetivo de incitar o público a lutar.
Nas filmagens, o exército russo examina os corpos em busca da causa
mortis, um exame balístico tenta descobrir a posição em que as vítimas eram
executadas, uma inspeção dos cadáveres de crianças sem vestígios de tiro indica
que estas eram simplesmente jogadas nas valas para economizar munição. Após a
escavação de todos os corpos, um funeral coletivo é realizado, nenhum símbolo
judaico pode ser notado, nenhum rabino é registrado nas cenas, a mídia soviética
não permitiu a particularização do genocídio como um ato contra o povo judeu.
Apesar de as proporções população/assassinatos ser gritantemente desiguais, o
regime bolchevique sempre pôs à frente o sofrimento e morte dos 20 milhões do
leste europeu sem particularizar o genocídio contra nenhuma população em
específico.
Esta obra contribui para o nosso entendimento sobre o fenômeno do
holocausto nos oferecendo mais informação sobre os Einsatzgruppen, grupos de
extermínios que se deslocavam pelos territórios ocupados a fim de eliminar todos os
grupos que eram considerados por Hitler uma ameaça para o terceiro reich ou
indesejáveis: nacionalistas e intelectuais poloneses, judeus, ciganos, deficientes,
partisans, comunistas. Tendo durante suas ações demonstrado a administração
alemã o quão custoso e impraticável era o extermínio de populações inteiras e a
ocultação de seus cadáveres através do fuzilamento, fazendo perceber a
necessidade de uma máquina de morte pudesse consumir milhões de corpos com o
mínimo de custo e tirando o máximo proveito econômico destes. A sensibilidade dos
algozes também foi observada como um empecilho às aspirações do terceiro reich,
uma vez que entre os corpos foram encontradas muitas garrafas de bebida
alcoólica, presumivelmente consumida por estes para dar cabo da incumbência.

Além das câmaras de gás

Michael Löwy, em seu artigo “Bárbarie e modernidade no século XX” listando


os traços característicos dos grandes assassinatos em massa do século passado,
aponta para o holocausto como aquele reúne todas as características por ele
elencadas, sendo estas: ser executado por um aparato técnico-industrial, impessoal,
planificado racionalmente e justificado por uma ideologia moderna. Tal perspectiva
pode ser considerada válida, porém nem todos estes traços estavam presentes
durante todo o desenrolar da atrocidade.
Apesar de que no imaginário popular as cenas dos campos de concentração
sendo liberados seja a primeira imagem que remeta ao holocausto, na realidade,
estes são apenas um desdobramento dos assassinatos que começaram com
tropas designadas exclusivamente para a tarefa. A dificuldade em se agrupar
numerosas vítimas e o impacto psicológico gerado nos algozes estimulou a busca
de novos métodos.
Furgões disfarçados de ambulâncias que deveriam carregar os portadores de
deficiências mentais para hospitais já tinham sido testados como tática. Tais carros
tinham o escapamento ligado ao compartimento traseiro, causando a morte por
envenenamento com monóxido de carbono em cerca de 20 minutos.
Posteriormente, foram usados caminhões com a mesma característica
transportando populações judaicas de pequenas nos territórios ocupados à leste. A
criação de tal tecnologia, no entanto, é soviética, usada como método de eliminar os
inimigos políticos nos grandes expurgos dos anos 30. Ainda assim, os caminhões
não eram totalmente convenientes, pois os gritos podiam ser ouvidos do exterior
dos carros e o processo de morte era considerado por demais demorado.
À Simon Srebnik, testemunha em Shoah, foi designada a tarefa de enterrar
os corpos deixados por estes caminhões de extermínio em Chelmno, à 80
quilômetros noroeste de Lodz, ordem que foi posteriormente alterada para
incineração. Uma vez que o processo crematório não dizimava todos os restos
mortais, era-lhe a encarregada a tarefa de esmagar os ossos até que se tornassem
pó, e em seguida despejar tais restos no rio Narew.

O retorno dos pogroms

Perto do final da primeira parte, Srebnik reencontra-se com os locais na


frente da Igreja Católica de Chelmno, onde foram trancafiados centenas de judeus à
espera dos caminhões de gás. Srebnik, que só retornou à Polônia para as
filmagens, é recebido com alegria pois todos se lembravam do garoto extremamente
magro, com correntes nos pés que cantava no rio e surpreenderam-se ao ver que
este tinha sobrevivido.
Determinadas cenas do documentário contém cenas da cidade de Auschwitz
atualmente, depoimentos revelam que 80% da população era de judeus.
Posteriormente os locais sobreviventes da época falam sobre a então situação
econômica, segundo estes todo o capital estava nas mãos dos judeus. Em outro
momento, outro polonês menciona que os judeus eram desonestos e impunham
seus preços ao resto da população. Em outro, fala-se sobre a possibilidade de os
judeus terem dois mil anos depois expiado pelo assassinato de Cristo.
Elogiados por grandes cineastas poloneses como Andrzej Wajda e causando
revolta em outra parte da população nacional, o filme Conseqüências (Poklosie), de
2012, trata da história de dois irmãos que descobrem a obscura história que guarda
o vilarejo em que nasceram. Após descobrir dezenas de lápides judaicas são
usadas como pavimento em estrada abandonada, Józef passa a se questionar
sobre qual teria sido o destino dos judeus daquele vilarejo. No filme, é dramatizada
uma reação violenta da população do local contra os irmãos de forma intimidá-los a
não prosseguirem com suas investigações, de forma que os descobertas destes
acompanha o risco cada vez maior que correm. O enredo central do filme é
ficcional, mas o pano de fundo da história é a participação de civis poloneses no
holocausto.
O local onde se passa a trama não é nomeado, mas o drama/suspense é
baseado no episódio de 1941 em Jedwabne, nordeste da Polônia, território
originalmente ocupado pela URSS, até que os alemães rompem com o Pacto
Molotov-Ribbentrop e avançam na direção leste. Recém chegado à região, oficiais
alemães incitam a população local a realizar um pogrom contra os judeus sem
nenhuma ameaça punição. Cerca de 340 judeus desta vila e de outras adjacentes
são trancafiados em um celeiro onde os locais ateiam fogo.
Além do desejo de se apossar das propriedades dos judeus locais, no que diz
respeito à motivação de tais agressões, no anti-semitismo enraizado no continente
europeu podem ser observados elementos inéditos relacionados aos eventos da
época.
Quando, em 1881, o czar Alexandre II é assassinado por anarquistas em um
atentado à bomba, uma onda de culpabilização aos judeus acompanha de uma
série de leis anti-semíticas desencadeia uma série de pogroms, resultando na
imigração de mais de 4 milhões de judeus para Europa ocidental e América.
A associação entre o povo judeu e a conspiração contra os estados
nacionais com o objetivo de estabelecer um governo global já era presente desde a
publicação dos Protocolos dos Sábios de Sião na Rússia czarista. Repaginada pelo
empresário industrial americano Henry Ford nos anos 20 em O Judeu Internacional,
agora afirmando que a Primeira Guerra Mundial tinha sido resultado da mesma
conspiração, que os revolucionários bolcheviques eram quase em sua totalidade
judeus, sob o controle judeu estava a imprensa e o sistema bancário internacionais.
Dentre a miríade de organizações acusadas de participarem do complô, o livro
também cita o Jazz como produto do mercantilismo imoral dos judeus com intuito de
promover o comportamento degenerado entre os povos cristãos.
Com a ascensão de Hitler em 1933, tais idéias passaram a ser propagadas
como doutrina pelo regime nacional socialista, em que os conceitos de raça, cultura,
etnia e caráter moral foram biologizados, atribuindo a todas as atividades judaicas a
natureza improdutiva e parasitária dentro do corpo social. Como afirmado pelo Raul
Hilberg no documentário “a exclusão de judeus dos cargos públicos, proibição de
casamentos interraciais, o emprego em casa judias de mulheres de menos de 45
anos, obrigação do uso de marcas como a estrela judaica, o gueto obrigatório, o
impedimento de que qualquer propriedade judaica seja herdada por um cristão.
Muitas destas medidas foram forjadas ao longo de mil anos, por autoridades da
Igreja e governos seculares que seguiam aqueles passos, e a experiência
acumulada ao longo deste tempo se tornou um reservatório que poderia ser usado.
[...] podemos comparar um grande número de leis e decretos alemães com seus
correspondentes no passado e encontrar total analogia, como se elas fossem uma
memória que automaticamente se estendem ao período de 1933, 1933, 1939 e
além. [...] eles inventaram muito pouco, eles não inventaram a imagem do judeu,
que foi copiada de textos que remontam ao século XVI. [...] eles só tiveram que se
tornar inventivos com a solução final”
Convencidos de tal ameaça e ressentidos pelas atrocidades cometidas por
Stalin contra suas nações, populações locais de cidades soviéticas ocupadas na
Operação Barbarossa como Bialystok, Kovno, Lvov e Riga conduziram pogroms.
Após a guerra, em uma Polônia inserida na zona de influência soviética, quando
judeus poloneses que tinham se refugiados na URSS começam a retornar a seu
país de origem, muitos deles sendo nomeados para cargos na nova administração,
reacendendo as acusações de que o judeus estariam importando o bolchevismo.
Como no pogrom de Kielce, que irrompeu em julho de 1946 após a acusação de um
garoto polonês de que judeus o teriam sequestrado, resultando na morte 40, novos
atos de violência tomaram lugar mesmo após o fim da guerra.

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