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PROTEÍNAS
Descubra como um peito de frango pode se tornar parte dos seus bíceps!
Nunca pensei que ia dizer isso, mas o processo de nutrir uma célula é complicado. Para
nossa mente, nem tanto. Afinal, tudo que você tem que fazer é encontrar o alimento, mastigá-
lo, engolir, e pronto, já se alimentou. O corpo que “se vire”. No entanto, para nosso corpo, isso
exige uma série de mecanismos, manobras e sutis combinações fisiológicas para que no final
de tudo isso, a célula receba uma molécula microscópica oriunda do alimento macroscópico.
Escrever esse artigo foi um desafio para mim, porque ele é direcionado tanto para o público
entusiasta e leigo cientificamente quanto para o público acadêmico que às vezes não encontra
sozinho a lógica da transformação de alimento em músculo. E realmente, nem encontrará em
um livro ou um paper, pois para entender a interligação das coisas é preciso começar da
genética, ir para a biologia celular e molecular, evoluir para a histologia e integrar tudo isso
dentro da fisiologia. No entanto, não caberia em um artigo (até por isso existem os grandes
tratados médicos) falar sobre todo o processo de digestão, absorção, distribuição e
aproveitamento orgânico. Porém podemos, sim, mergulhar em uma grande viagem juntos,
caminhar por novas descobertas e chegar ao ponto mais importante: como acontece a
conversão de proteína dietética em músculos...! Vamos lá?
O nosso trato gastrintestinal foi arquitetado para quebrar toda e qualquer proteína
que porventura apareça nele. Quando há o consumo de uma proteína (vamos esquecer aqui
um pouco a suplementação de proteína e pensar em uma proteína sólida mesmo, como um
ovo ou peito de frango para facilitar a visualização) o primeiro mecanismo a ser ativado é o da
parcial digestão gástrica pelos mecanismos do sistema nervoso entérico, o sistema
“independente” que direciona os movimentos e secreções gástricas.
Quando uma proteína chega ao estômago, os movimentos de mistura se iniciam.
Células específicas “percebem” a presença de alimento e secretam um hormônio chamado
gastrina, que vai agir em células específicas, as células parietais, iniciando a secreção de HCl. O
HCl vai promover acidose estomacal o que faz com que hormônios-chave na quebra de
proteínas (como a pepsina, por xemplo) seja ativada a partir do pepsinogênio em um ph
específico, promovido por esse HCl previamente secretado(2). Em outras palavras: pouca
influência tem o ácido sobre a proteína. O ácido em si é fator primário para ativar as proteínas
na sua pré-ativa para a forma ativa.
Estamos começando a jornada do peito de frango. Essa é a primeira parte do ciclo
gástrico das proteínas. Na verdade, eu não citei antes, mas antes mesmo de colocarmos o
alimento na boca, a acetilcolina, através do nervo vago pela inervação parassimpática, já
estimulou um pouco do ácido clorídrico (HCl) devido a fase cefálica da digestão (a fase em que
o cheiro ou o estímulo visual do alimento nos dá “água na boca”), portanto não só do sistema
nervoso entérico sobrevive o trato gastrintestinal, mas também do sistema nervoso central
(SNC) (3).
Por mais que a digestão da proteína tenha início no estômago, a maior parte deste
processo ocorre no intestino delgado, mais precisamente no duodeno e jejuno. Os eventos
que promovem a degradação de polipeptídios em aminoácidos no intestino já estão bem
elucidados pela literatura. As proteínas deixam o estômago ainda na forma de grandes
moléculas (polipeptídios, peptonas, etc.) e a partir de enzimas presentes nos sucos
pancreáticos, temos a formação de moléculas menores, que são os di e tripeptídios e a
finalização desse processo ocorre por proteases específicas que são produzidas nas
microvilosidades da mucosa intestinal e fazem todo esse material se reduzir a aminoácidos,
facilitando assim a tão comentada, desejada e especulada, absorção de proteínas (porém
ainda estamos falando da absorção pelo intestino). Esse processo promove ainda a reabsorção
da proteína endógena (do próprio corpo) e produtos de descamação intestinal, visto que
FIGURA 1: Ação das enzimas pancreáticas (quimiotripsina, carboxipeptidases) no lúmen intestinal (por
onde o alimento passa) e a posterior ação das enzimas intestinais (aminopeptidases) promovendo a
quebra completa da proteína em aminoácidos. Esses entram para o citoplasma da célula da mucosa
intestinal e depois, através dos capilares, (que são vasos de calibre muito pequeno) irão para a
circulação.
Mas os aminoácidos não chegam livremente na circulação sistêmica. Antes ainda, eles
passam pelo fígado para fazer o “balanço” do que entrou, do que deve sair, do que deve ficar
etc. Por meio da veia porta, uma enxurrada de aminoácidos chega até o fígado sob forma livre.
Então nos hepatócitos, teremos outro tipo de absorção: a absorção celular. O que nossas
células hepáticas vão fazer com os aminoácidos que acabaram de chegar vai depender do que
eu chamo de “momento celular”. O seu estado nutricional do momento. Você está em
repouso? Está se exercitando? É um paciente que está em estresse pós-traumático?
Depende sobre efeito de qual hormônio seu aparelho hepático está. O indivíduo que
almeja hipertrofia deve saber disso: o que seu corpo vai fazer com os aminoácidos que você
está comendo depende tanto do que você está fazendo quanto do que você está comendo.
Em geral, os aminoácidos livres estão muito mais concentrados dentro das células
ofertando nitrogênio, do que no plasma. Alguns aminoácidos como a glutamina estão em um
volume muito mais alto no ambiente intracelular (19,45Mm intra x 0,57 Mm extra). Dispomos
de 20 aminoácidos na natureza, e assim como os aminoácidos variam, os receptores celulares,
ou seja, os portões transmembrana variam também de acordo com a especificidade do
mesmo. Em geral, aminoácidos essenciais são transportados por diferentes carreadores e
esses carreadores obedecem a duas classes: 1) sódio-dependente e sódio-independente. O
transportador sódio-dependente atua no sistema de “simporte” ou co-transporte. Esse
mecanismo de transportador não atua somente em aminoácidos. Nós temos várias células
especializadas em transporte – antiporte no organismo (só pra citar, as células do túbulo renal
que sintetizam bicarbonato, regulando a acidez do sangue) (2,8). Falo isso para não ficarmos
restritos somente a visão de que o corpo gira em torno de formar músculos.
Mas seguindo a diante, temos o sistema de cotransporte fazendo com que o canal se
abra e, como o sódio tende automaticamente a entrar na célula (pois ele está em maior
concentração no sangue - 140mEq fora contra 10mEq dentro da célula, ele obedecerá o
gradiente) o aminoácido em questão “passará” junto com ele, e o sódio depois retornará para
o ambiente externo via bomba sódio-potássio que reequilibra o gradiente. Alguns
aminoácidos (como os BCAAs), no entanto, possuem transportadores sódio-independentes. Os
transportadores “System L” dos BCAAs, “System N” da glutamina , histidina e asparagina, são
O treinamento, dieta, e descanso fizeram com que o aminoácido que estava no seu
alimento fosse parar exatamente onde você queria... no músculo!
Agora, imagina que tudo isso que eu escrevi e mais um milhão de coisas que eu ainda
não conheço e que a ciência não descobriu aconteceu enquanto você simplesmente dormia
após um delicioso jantar. Isso não é magnífico?
Resumo da viagem:
Não. Podemos ter um limite na utilização das mesmas pelas células. Podemos ter um limite na
síntese ou distribuição hepática. Porém limite de absorção não. Não importa quanto de
proteína você coloque em uma refeição. Você vai absorver sim, mas vai sobrecarregar seus
sistemas. Provavelmente muito disso vai ser metabolizado em outro substrato. Em caso de
suplementos protéicos, proteínas de rápido esvaziamento gástrico, podem alterar muito a
osmolalidade do lúmen intestinal, fazendo com que a água seja direcionada para a luz
intestinal e água no intestino = diarréia. Nesse caso sim, haveria perda de proteína dietética.
Da mesma forma que se você ingerir muito carboidrato simples, vai ter um episódio de
diarréia. O comportamento do nosso trato gastrintestinal depende exclusivamente do volume
e do tipo do alimento que estamos colocando nele. Por exemplo, conhecemos algumas
pessoas que são intolerantes à lactose, porém em um grau relativo, todos somos. Fatores
como quantidade e se a lactose está sendo ingerida com algum alimento fazem com que não
percebamos isso. Mas concluindo, deveríamos estar preocupados mais com o aproveitamento
de proteínas do que absorção delas. Percebo que às vezes envolve-se em uma certa magia a
história da absorção intestinal de proteínas. “Ah, mas se eu colocar leite ou aveia ou não sei
mais o que não absorvo proteínas”. Primeiro de tudo que a absorção é tanto química quanto
física. Digo física porque o nutriente realmente “bate” em um movimento de propulsão e
mistura na parede (leia-se no epitélio dos enterócitos) e as bordas em escova do jejuno e
duodeno e ali ficam “presas” entre essas bordas, permitindo que os aminoácidos sejam
carreados para o sangue (aí temos a absorção química) e segundo que, alguns alimentos tem
esvaziamento gástrico diferente dos outros. Se você consumir um pedaço de peito de frango
com um copo de coca-cola, com certeza a glicose da coca-cola chegará antes nas células do
que o aminoácido do frango!
Para ocorrer anabolismo pós-treino eu preciso consumir muita proteína e de rápida absorção
(suplementos) após o treino.
Não. Após o treino você precisa sinalizar ao seu corpo o mais rápido que seu exercício acabou.
Que a hora de produção excessiva de energia acabou. O hormônio que faz isso da forma mais
rápida e eficaz é a insulina. A insulina, por ser antagônica aos hormônios catabólicos que
liberamos no treino (adrenalina, noradrenalina, cortisol, glucagon) é o hormônio mais fácil de
manipular dieteticamente. Algumas pessoas acham que precisam colocar muita proteína no
shake pós-treino para inundar seu sangue de aminoácidos. Primeiro que essas pessoas
esquecem da barreira hepática. Nada entra no sangue sem a “vistoria” do fígado. Mas vamos
assumir que não temos fígado nem o sistema porta e que todo aminoácido que ingerimos vai
reto para o sangue. Ótimo, chegando no sangue ele vai estimular alguma insulina sim. Mas isso
é contraproducente. Pense comigo: Imediatamente após o treino seu corpo está voltado para
a produção de energia. Se você ingerir uma grande quantidade de proteína de rápida
absorção após o treino, as enzimas envolvidas nesse processo provavelmente desaminarão
boa parte. E isso é a primeira coisa que seu fígado vai fazer, desaminando os aminoácidos
(deixando alguns no intestino, etc). E a sinalização via insulina foi retardada ou diminuída.
Bom, não vejo nada de errado nisso. Exceto de que, quando há o consumo de proteínas +
carboidratos dobramos o pico de insulina. E quando há o consumo de proteínas + carboidratos
+ aminoácidos livres (ex: BCAA em pó) temos um pico de insulina e síntese protéica maior
ainda. Portanto, ao meu entender, um shake inicial com carboidratos de rápida absorção +
proteína de rápida absorção + aminoácidos livres, é o ideal! Até aminoácidos não essenciais
são válidos, visto que se seu corpo precisar de aminoácidos essenciais após o treino ele terá
muitos disponíveis no sangue, pois foram jogados para fora da célula enquanto você treinava...
Talvez até para gerar energia (mas claro, você bebeu o shake a tempo de salvar este
aminoácido de um destino cruel!).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1) ALBERTS, B. et al. Fundamentos da biologia celular. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.
2) GUYTON, A. C.; HALL, J.E. Tratado de fisiologia médica. 11ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2006.
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4) DOUGLAS, C. R. Tratado de fisiologia aplicada na saúde. 5ª ed. São Paulo: Editora Robe,
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5) NELSON, D. L.; COX, M. M. Lehninger: princípios de bioquímica. 4ª ed. São Paulo, Sarvier,
2006.
6) WIILIAMS, S. R. Fundamentos de nutrição e dietoterapia. 6ª ed. Porto Alegre: Artes
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7) COZZOLINO, S. M. F. Biodisponibilidade de nutrientes. 2ª ed. Barueri: Editora Manole, 2007.
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10) CARNEIRO, J.; JUNQUEIRA, L. C. Histologia básica. 8ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara
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11) KOEPPEN, B. M.; STANTON, B. A. Berne e Levy: Fisiologia. 6ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
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12) KATCH, F. I.; KATCH, V. L.; MCARDLE, W. D. Fisiologia do exercício: energia, nutrição e
desempenho Humano. 6ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008.