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Resumo
A sexualidade é um dos grandes temas na vida dos seres humanos, porém muitos
educadores apresentam dificuldades para trabalhá-lo. Essas dificuldades podem ser vistas
claramente nas escolas, pois uma significativa parcela dos professores não possui formação
adequada para tratar dessa temática, ou não se sentem a vontade para discuti-la, por diversos
fatores. Atualmente, os professores/pesquisadores dessa área vêm desenvolvendo práticas
inovadoras para abordar esse assunto, considerado um dos mais envolventes para os
estudantes. Além de utilizar novas formas de abordagem é necessário realizar reflexões com o
objetivo de (re)avaliar tais intervenções, aspecto que possibilitará a construção de práticas
pedagógicas mais fundamentadas, nos campos da sexualidade.
Introdução
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sexualidade?”; “O que você gostaria de saber sobre sexo?”, com o objetivo identificar o
conhecimento prévio dos estudantes sobre o tema e, também, suas dúvidas e anseios. Nesta
atividade, os alunos escrevem as respostas referentes às perguntas mencionadas
anteriormente, sem se identificar, e as depositam em uma caixa, que posteriormente é aberta
pelo professor/pesquisador para a análise das respostas.
Outro tipo de abordagem, que considera os interesses dos estudantes, foi utilizada por
Barreto (2009), em uma pesquisa com o objetivo de saber o que adolescentes de uma escola
municipal de Aracaju querem ou não saber sobre sexualidade. A autora optou por aplicar um
questionário contendo os seguintes temas: abuso sexual, DST/AIDS, gravidez na
adolescência, homossexualidade, masturbação, menstruação, métodos contraceptivos,
namoro, prazer, relações de gênero, relações sexuais e sistemas reprodutores. Anonimamente,
os estudantes classificariam os temas anteriores de acordo com o seu grau de interesse, em
quatro níveis, que permitem identificar quais temas os estudantes gostariam, ou não, de
trabalhar (BARRETO, 2009).
Além da questão do diagnóstico, Oliveira e Faria (2011) consideram que é de inteira
responsabilidade do professor, que lida com educação sexual, organizar suas aulas de modo
que elas sejam estimulantes e que promovam o aprendizado dos alunos. Nesta perspectiva,
serão apresentadas algumas propostas que pretenderam promover práticas em educação
alinhadas com esses ideais.
Magalhães (2011) propõe uma dinâmica de grupo denominada Batata quente sobre os
tipos de relação sexual. Essa prática consiste em organizar a turma em uma roda e passar uma
sacola com algumas perguntas enquanto é tocada uma música, quando essa para, o aluno que
estiver com a sacola em mãos deve responder uma questão. Outras estratégias, apontadas no
estudo de Oliveira e Faria (2011), seriam: (1) discussões referentes a vídeos didáticos
relacionados aos sistemas reprodutores/gestação e (2) trabalhos com reportagens e textos
voltados a temática homossexualidade.
O Professor Reflexivo
O ensino tradicional, com aulas centradas na figura do professor, ainda se faz muito
presente nos dias atuais, em todos os níveis de ensino, contribuindo para a reduzida
participação do aluno no processo de ensino e aprendizagem, o que reverbera, também, na
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formação de professores. Tal processo formativo é um elemento que está diretamente ligado a
esse paradigma de ensino, já que a educação a qual eles foram submetidos é responsável por
formar profissionais tecnicistas acostumados a seguir com rigor normas e regras oriundas de
um suposto conhecimento científico (FARIAS e CASAGRANDE, 2004).
Esse quadro começou a mudar a partir do momento em que a relevância sobre o ato de
pensar acerca das ações desenvolvidas em sala de aula e a sua eficácia na aprendizagem dos
estudantes foi levado em consideração pelos pesquisadores da área. Zeichner (2002) afirma
que, devido ao surgimento de novas concepções de educação, nas últimas décadas, houve um
grande aumento nos trabalhos relacionados à questão do pensamento reflexivo na carreira
docente. Por conta das reformas educacionais que aconteceram nesse período, foi exigida uma
mudança de postura por parte dos professores, que precisaram adotar uma postura
pesquisadora e reflexiva para atender a demanda das novas concepções de educação (SILVA
e LOVISOLO, 2011).
Essa nova forma de pensar o ensino é pautada em conceitos que transferem o papel
central do educador no processo de ensino/aprendizagem, direcionando-o para o educando.
Para isso, são considerados aspectos relacionados ao cotidiano dos alunos e que são realmente
relevantes para eles, possibilitando assim a sua participação ativa na construção do
conhecimento (JÚNIOR, 2010).
Essa inversão de papéis não minimiza a importância do professor em sala de aula,
porém, é necessário o entendimento de que o ato de educar não é apenas passar o
conhecimento para o estudante. De acordo com Mendes (2005), o professor precisa perceber
que educar está muito mais além do que transmitir o conhecimento, deve-se considerar o seu
papel como orientador consciente da função social de sua profissão, que é responsável por
formar, acima de tudo, cidadãos bem esclarecidos, política e tecnicamente.
Farias e Casagrande (2004) apontam que os professores reflexivos devem ser capazes
de ministrar suas aulas sob a luz de uma perspectiva construtivista, fato que favorece o
processo de ensino/aprendizagem dos estudantes, pensando novas formas de atuar a partir da
análise de suas ações anteriores. Esses autores partem do pressuposto de que o ato de refletir
sobre a prática possibilita ao professor adquirir novos saberes e competências que irão
favorecê-lo na sua formação profissional.
A princípio, entender a reflexão como uma forma transformadora e construtivista na
educação, e propor esse tipo de abordagem dos professores, parece uma tarefa fácil, porém
muitas barreiras são encontradas pelos docentes para que eles possam desenvolver esse tipo
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novembro de 2013. Este horário foi cedido pela coordenadora pedagógica da instituição com
o objetivo de suprir a falta do professor da disciplina Espanhol, nesta unidade escolar. Os
encontros caracterizavam-se pela realização de oficinas sobre sexualidades, com recurso a
dialogicidade, dentro de uma perspectiva construtivista de aprendizagem (SOLÉ e COLL,
1998). Nesses encontros as informações foram registradas, sendo em seguida realizada uma
análise reflexiva.
oficinas sobre sexualidades envolventes, tais como: (1) minha inexperiência como professor,
pois me encontrava no sexto semestre do curso de Licenciatura em Biologia, e,
consequentemente, no início do meu desenvolvimento profissional (2) o real interesse dos
estudantes em participar das oficinas, já que as mesmas aconteciam em um horário vago, em
virtude da ausência de um professor de espanhol e (3) a presença de fatores externos a escola
que poderiam estar atraindo mais os estudantes do que as aulas sobre sexualidades.
Retomando os argumentos de Lima e Vasconcelos (2006), sobre o potencial
envolvente da aula sobre sexualidade, podemos afirmar que a temática atrai a atenção dos
alunos, sendo até mais envolvente do que outras disciplinas do currículo escolar, mas também
se deve pensar, neste caso, que os estudantes podem considerar outras coisas mais
interessantes do que aprender determinado assunto ou, até mesmo, ir à escola.
Iniciei uma “nova fase”, apresentando um vídeo sobre a fisiologia da reprodução
humana, levando-se em consideração que relação sexual foi o segundo tema mais votado
pelos estudantes, no diagnóstico inicial. Esse vídeo retrata o comportamento do corpo humano
durante o ato sexual e os aspectos relacionados à fecundação e gestação. Diante de toda
inquietação anterior, fiquei surpreso quando eles permaneceram atentos e demonstraram
muito interesse, fato que me incentivou a utilizar esse tipo de estratégia em outros encontros.
Outra metodologia que estimulou os alunos a participar da aula foi a exposição de
materiais produzidos por eles. Dando continuidade as atividades sobre os sistemas
reprodutores, pedi que os alunos desenhassem em um papel os órgãos sexuais masculinos e
femininos. Em seguida, recolhi os desenhos, escaneei alguns e utilizei-os no encontro
subsequente. Nesse encontro, os estudantes foram bastante participativos e ajudaram a fazer
as correções nos desenhos, quando necessário. Essa estratégia foi utilizada como forma de
valorizar o conhecimento do aluno, motivando-o a participar da atividade.
Quando comecei a trabalhar os temas menstruação e DSTs os meninos logo ficaram
inquietos e quiseram sair, em contrapartida, as meninas ficaram na sala até o final e se
interessaram bastante quando falei das DSTs que afetam mais mulheres do que homens, como
o HPV. A questão das doenças pode não ser tão interessante para os garotos, como reflexo do
não uso do preservativo e o sentimento de impunidade frente a esse fato. Por outro lado, as
meninas sentiram-se ouvidas e respeitadas, participando da aula e demonstrando interesse,
aspecto comprovado pela fala de uma aluna ao final da atividade “essa é a aula mais legal”.
Para Geluda et al. (2006), o uso do preservativo nem sempre pode ser negociado pelo casal
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antes da relação sexual, fazendo com que a mulher seja obrigada a solicitar o sexo seguro,
sendo sujeita à atitudes preconceituosas e até mesmo agressivas, por parte dos seus parceiros.
Em outro encontro, os alunos também se mostraram muito interessados e
participativos quando recorri a uma dinâmica de grupo chamada “Batata quente sobre os tipos
de relação sexual” (MAGALHÃES, 2011). Através das respostas obtidas durante a atividade,
pude perceber que os meninos pouco sabiam sobre os “caminhos” necessários para que a
mulher atinja o prazer, reforçando um dos objetivos da dinâmica - valorizar o orgasmo
feminino. Nas falas das meninas identifiquei que elas são muito mais preocupadas em fazer o
seu parceiro sentir prazer, como exposto nesta resposta: “tem que fazer boquete, fazer
gostoso”.
Em uma das atividades sobre o tema namoro, pedi que os alunos escrevessem em um
papel quais as vantagens e desvantagens de namorar, ficando evidente a relação que alguns
alunos estabelecem entre essa palavra e o sofrimento, decorrente de traição, gravidez ou até
dos maus tratos, como observado na fala de uma das alunas: “pode engravidar, ou você toma
um corno ou o cara te bate”. Meninos e meninas, em geral, disseram que namorar é bom pelo
fato de ter um companheiro do seu lado para lhe apoiar, para se sentir amado, mas também
grande parte dos estudantes associou o namoro à falta de liberdade. Muitos também acreditam
que namorar está diretamente ligado a autodesvalorização como mostra a fala de um aluno “A
pessoa se preocupa muito com o outro e acaba se esquecendo de si mesmo”, em outra fala um
aluno relata “Se escolher a pessoa errada pode sofrer por vários motivos”.
Durante o período de convivência com os estudantes me deparei com alguns
problemas que favoreceram a minha formação, como professor e pesquisador. Por exemplo, a
falta de estrutura oferecida pela instituição me obrigou a cancelar alguns encontros semanais,
por conta de um aparelho de DVD que estava com defeito ou até mesmo pela demanda dos
recursos audiovisuais como datashow, TV, etc. Esse fato me levou a refletir sobre a
necessidade de me preparar para situações adversas. Outro ponto importante é a experiência
de estar inserido naquele meio, vivendo um pouco do universo daqueles estudantes - meu
futuro campo profissional - e tentando compreender o que se passava, através dos seus gestos,
frases e produções.
Considerações Finais
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Referências
GELUDA, K.; BOSI, M. L. M.; CUNHA, A. J. L. A.; TRAJMAN, A. "Quando um não quer,
dois não brigam": um estudo sobre o não uso constante de preservativo masculino por
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adolescentes do Município do Rio de Janeiro, Brasil. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro,
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OLIVEIRA, L. C.; LIMA, J. O.; PAGAN, A. A. Uso de sequências didáticas para discutir
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