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1

Agradecimentos e Dedicatória

Este ensaio que lhes apresento funciona como síntese de meus estudos e, apesar de ter
conhecido previamente as formulações da cabala, revisitei os livros e investi em novas
reflexões. Portanto, serve como guia de estudos e exemplifica através de minhas pessoais
interpretações algumas possibilidades analíticas. Busquei interpretar a cabala como mito e
utilizando-me de seus símbolos entender seus significados como representantes do
inconsciente coletivo. Assim, também funciona como um convite para os interessados em
psicanálise, hermenêutica ou judaísmo em geral. Para aqueles que tentarão compreender o
real significado de cada verso das escrituras cabalísticas, desejo-lhes a boa sorte.
Pela sugestão do tópico, agradeço a Caio Luan Cruz Holanda e desejo todo o sucesso
para seu grupo de estudos em psicologia na Universidade Federal do Ceará. Agradeço aos
meus pais pelo suporte e incentivo e em especial à minha mãe, por ter suportado minhas
divagações mais que qualquer um deveria. E por fim, agradeço aos meus bons amigos pelas
sugestões e críticas que fizeram ou farão.

2
Sumário

Introdução Error! Bookmark not defined.


Sessão 0: O Alfabeto e a Pronúncia 8
Sessão 0,5: Os Principais Textos Cabalísticos 11
Sessão 0,9: A Importância da História 13

Sessão 1: História da Cabala 13

Sessão 2: Sêfer Yetzirá ou Livro da Criação 16


Sessão 2,7: Apêndices do Livro da Criação 20

Sessão 3: Livro do Esplendor 21


Sessão 3,1: Introdução ao Livro do Esplendor 21
Sessão 3,3: Zohar: Bereshit, Noach e Lech Lecha 28

Sessão 4: O Bahir ou O Livro da Iluminação 30

Sessão 5: Merkabah 34

Sessão 6: Etz Chayim 37

Conclusão 39
Zog nit keyn mol 41

Bibliografia 47

3
Introdução

"Então eu vi a foz de todos os rios da terra e a foz do profundo." Enoque 17:81

Quando comecei a escrever este ensaio, me perguntei diversas vezes a qual gênero
esta discussão pertenceria. Um livro religioso? Não sou religioso. Um livro acadêmico?
Ainda não pertenço à academia. Foi então que escolhi por um guia de estudos e um ensaio
opinativo.

A Escolha Do Tema

A cabala foi escolhida, entre tantas outras possibilidades temáticas, por motivos
diversos. Desde a adolescência senti grande interesse pela cultura oriental, o que hoje me
parece estúpido, pela diversidade do significado do termo, mas o que me pareceu sensato na
época, promoveu a dedicação de horas de minha juventude à compreensão do meu
interessado e de meu interesse2. E tendo Carl Jung feito a análise da alquimia, estudo baseado
na gnosis, senti a proximidade dos assuntos, que era parte de minha premissa, tomar o
inconsciente coletivo como objeto de estudo. Existe, ainda, uma grande quantidade de autores
modernos ou contemporâneos que se inspiraram em termos cabalísticos ou para composição
de teorias hermenêuticas3 ou para composição literária4. Por último, observei as implicações
filosóficas de Martin Buber e outros, que através da abstração dos temas presentes nos textos
cabalísticos formularam novas conceituações.
O último motivo, talvez de maior interesse, é fenômeno que pode ser observado em
outros autores enquanto utilizam-se de variadas tradições simbólicas. Na tricotomia perciana,
como exemplo, apesar da origem da escolha numérica5 ser irrelevante para o seu
desenvolvimento teórico, questiono em que medida as estruturações mentais contribuem para
a rápida abstração e assimilação dos símbolos. E se esta origem do termo possui qualquer
relação com uma corruptela, através da abstração, de originais significados.

1
Versión Reina-Valera de la Biblia, 1909. Tradução Livre
2
Pelo objeto de meu interesse e pelo porquê de minha motivação
3
Harold Bloom
4
Jorge Luis Borges
5
Refiro-me ao número três da tricotomia

4
E Qual Foi A Foz Que Eu Vi?

Essa passagem do livro de Enoque, que não somente inicia a introdução, mas também
dá nome ao livro, chamou-me a atenção justamente pelo uso dos complementos nominais “de
todos os rios” e “do profundo”, ligados pela conjunção “e”.
No verbete do dicionário Aurélio, encontrei as seguintes definições para “foz”:
1. Ponto em que o rio se lança no mar ou noutro rio;
2. Garganta, desfiladeiro.
Definições não surpreendentes, contudo, ao serem comparadas ao dizer de Enoque,
pergunto-me o que será uma foz do profundo? Fora de todo contexto do livro, ou longe de
qualquer definição do Merkabah, entendo essa como a foz de um rio profundo ou a foz que
deságua em um mar profundo. Essa seria a definição que atribuiria caso não houvesse
anteriormente visto o caráter metafórico do início do verso: “foz de todos os rios”. O primeiro
elemento semântico da sentença induz o sentido conotativo da sentença em geral.
Associo, assim, à oitava classe de Charles S. Peirce, símbolo remática6 e como tal,
forneço um argumento, que corresponde à segunda classe de Peirce, sin-signo icônico
remática7. É dessa forma, que ambas, a sentença original e minha argumentação, agem como
vossos signos, caros leitores.
Retomo a questão: qual foi a foz que eu vi?
Do profundo: dos signos e de seus objetos.

A Ansiedade Criativa

O tema ainda parece-me um pouco alheio e citar Terêncio seria saída fácil. Por outra
via, citarei Albert Camus: “Um jovem encara o mundo face a face. Ele não teve tempo para
polir as ideias (...)8”.

6
“Uma possibilidade de conexão entre o símbolo e seu objeto”. Peirce, Charles S. 1931–1958, parágrafo 2.261
7
“O Argumento é um símbolo”. Peirce, Charles S. 1931–1958, parágrafo 2252
8
Noces: suivi de l’Été pp. 29-30 1959. Gallimard. Albert Camus

5
Ortodoxia Libertária

A primeira vez que deparei-me com essa misteriosa concepção foi em meu primeiro
estudo de anarco-pacifismo, procurei um livro de Thoreau e comprei por engano alguns
ensaios de Emerson9.
Do cristianismo, Emerson desenvolveu seu transcendentalismo, que em Thoreau
tornou-se o pacifismo. No oriente aconteceu algo semelhante, do hinduísmo, surgiu Gandhi e
do judaísmo, surgiu Martin Buber. Buber caça pela cabala um pacifismo que esteja no Velho
Testamento, revira os versos, estuda os rabinos do passado e então finalmente encontra sua
filosofia. Consegue resgatar alguns conceitos e os subverte. Redireciona os mesmos signos a
novos objetos. A sua ortodoxia não é conservadora, pois é ortodoxo em um judaísmo
reinterpretado.

Paz Pelo Mundo

Buber era sionista, mas acreditava em um Estado secular e religioso. Um paradoxo


apenas resoluto em sua ortodoxia libertária. Acreditava na criação de um Estado binacional,
em que o transcendentalismo de ambas as nações permitiria o bom convívio. Era um sionismo
utópico ou humanista, como gostava de chamar. Hannah Arendt, apenas por natureza
humanista, concordava com Buber, também concordavam Gershom Scholem, Albert Einstein
e outros. Assim, criou-se o movimento Brit Shalom.
Iniciaram-se as guerras e a utopia ficou difícil de se sustentar. Martin Buber faleceu,
Gershom Scholem moderou-se, mas Hannah Arendt não cessou esforços para a defesa da
solução do Estado único. Mesmo com os contra-argumentos, acreditava que somente o
federalismo e a formação de uma liga regional cooperativa poderiam evitar a balcanização do
Oriente Próximo10.
As atividades do Brit Shalom foram encerradas, do outro lado da mesa, o Quarteto11
seguia com suas negociações. Propuseram a solução dos dois Estados. Falharam em 1993, em
1995, em Camp David em 2000, em 2013-2014, enfim, houveram impasses, a solução dos
dois Estados parece mais distante e a solução do Estado único ainda possui grande resistência.

9
Ralph Waldo Emerson
10
Arendt, Hannah. Peace or Armistice in the Near East?
11
União Europeia, Rússia, Estados Unidos e Nações Unidas

6
Resta A Esperança

A compatibilidade da democracia com um Estado multicultural é incerta, o sistema de


opressão dos israelenses para com os palestinos poderia ser invertido e tornar-se não menos
terrível. Resta a esperança da compreensão das partes e o entendimento que os muçulmanos e
judeus podem modelar suas culturas às novas necessidades éticas12. No final, como diriam os
membros do Brit Shalom, A.D. Gordon e o cabalista contemporâneo Michael Laitman: “a paz
partirá dos palestinos e dos judeus.”

12
Não conhecemos a melhor ética, mas podemos buscar uma ética melhor

7
Sessão 0: O Alfabeto e a Pronúncia

‫א‬ Alef A pronúncia depende dos 1


pontos vocálicos (niqqud).
Pode ser lido como todas
as vogais, sendo rara a
leitura como ‘u’;
Como consoante atua
como letra muda

‫ב‬ Beit ‘b’ como em boi 2


‘v’ como em vinho

‫ג‬ Ghimel ‘g’ como em gato 3


‘r’ como em porta

‫ד‬ Dalet ‘d’ como em data 4

‫ה‬ Hey ‘r’ como em rato 5


Além disso pode atuar
como as vogais ‘a’, ‘o’ ou
muda

‫ו‬ Vav ‘v’ como em vinho 6


Pode também ser usada
como as vogais ‘o’ e ‘u’

‫ז‬ Zain ‘z’ como em zebra 7

‫ח‬ Cheit ‘ch’ mudo como em Bach 8

‫ט‬ Tet ‘t’ como em touro 9

‫י‬ Yod ‘i’ como em índio 10

‫כ‬ Khaf ‘q’ como em quilo 20


Khaf ‘c’ como em casa 20
‫כ‬

8
‫ל‬ Lamed ‘l’ como em lado 30

‫מ‬ Mem ‘m’ como em mar 40

‫נ‬ Nun ‘n’ como em navio 50

‫ס‬ Samekh ‘s’ como em sábado 60

‫ע‬ ‘Ain Letra muda 70

‫פ‬ Peh ‘p’ como em parque 80


‘f’ como em faca

‫צ‬ Tzadde ‘ts’ como na música 90


eletrônica tuts tuts

‫ק‬ Qof ‘k’ como em skate; 100


Costuma ser mais
silenciosa que Kaf

‫ר‬ Resh ‘rr’ como em amarra 200

‫ש‬ Shin ‘s’ como em sapo 300


‘ch’ como em chuva

‫ת‬ Tav ‘t’ como em teia 400

‫ך‬ Khaf final - 500

‫ם‬ Mem Final - 600

‫ן‬ Nun Final - 700

‫ף‬ Peh Final - 800

9
‫ץ‬ Tzadde Final - 900

‫א׳‬ - - 1000

‫ א׳י‬- - 10.000

10
Sessão 0,5: Os Principais Textos Cabalísticos
Os textos cabalísticos surgem como uma resposta interpretativa para os antigos textos
da tradição judaica. Essas místicas interpretações, não bastasse o misticismo intrínseco da
bíblia, constituem o chamado judaísmo esotérico e formam a cosmogonia judaica.
Sendo a cabala uma interpretação da antiga tradição judaica pelos rabinos, faz-se
necessário o entendimento dos antigos textos hebreus. São eles:
1. O Tanakh ou Antigo Testamento13
2. O Midrash14
3. A Halachá15
Apesar da cabala ser conhecida como a parte mística do judaísmo, isso não deve ser
interpretado como se o misticismo já não fizesse parte dos antigos textos hebraicos. Assim
sendo, a cabala é a interpretação das já existentes partes esotéricas dos escritos ancestrais. É
importante ressaltar que a cabala não corresponde ao conjunto dos textos cabalísticos, mas
sim, ao próprio ato da exegese.16 Dito isso, o papel de primeiro cabalista é atribuído ao
próprio Abraão.
Sobre os textos da cabala propriamente dita, temos:

1. Sêfer Yetzirá ou Livro da Criação

Dos principais escritos cabalísticos esse é o mais conciso. Em suas poucas páginas,
tratará sobre a criação do universo e dos “32 caminhos maravilhosos da sabedoria”, que
também serão conhecidos como os 32 caminhos da árvore da vida

2. Zohar ou Livro do Esplendor

É um conjunto de livros sobre interpretações da Torá e são separados em três volumes.


A cabala luriânica17 surge da interpretação desse livro pelo rabi Isaac Luria.

13
As três partes do Antigo Testamento são: A Torá, o Neviim e o Ketuvim. Dessas partes a mais importante é a
Torá ou Pentateuco.
14
Comentários da Torá escrita e da Torá Oral ou Mishná (parte do Talmude).
15
Conjunto de leis e costumes judaicos.
16
Interpretação
17
Considero a vertente mais interessante para realização de paralelos com a psicologia

11
3. Bahir ou Livro da Iluminação

É uma série de perguntas entre mestre e discípulo registradas em um dos livros


cabalísticos mais difíceis de se interpretar, se concentra nos livros Gênesis, Salmos e Êxodo,
fazendo muitas referências ao Livro da Criação.

4. Etz Chayim ou Árvore da Vida

Estes ensinamentos de Isaac Luria18 dão origem a cabala luriânica.19 É dividido em


oito partes ou também conhecidos como os oito portões, são eles:
1. Portão da Introdução
2. Portão das Palavras do Rabi Simeon bar Yochai20
3. Portão das Palavras de Nossos Sábios
4. Portão da Mitzvá21
5. Portão dos Versos
6. Portão de Kavanah22
7. Portão do Espírito Profético
8. Portão de Gilgul23

5. Ginat egoz e Sêfer ha-Orah

Escritos por Joseph Gikatilla discutem questões como: os nomes de Deus, o alfabeto
hebraico e as sefirot.

18
Os ensinamentos foram registrados pelos seus discípulos. Sendo o rabino Hayyim ben Joseph Vital o principal
discípulo
19
Publicado no século XVI
20
Suposto escritor do Zohar
21
Os 613 mandamentos da Torá
22
Sentimento de sinceridade, dito necessário para as rezas
23
Reencarnação

12
Sessão 0,9: A Importância da História

O estudo da história da Cabala é de vital importância no sentido em que estrutura o


desenvolvimento do pensamento cabalístico e informa sobre seus principais contribuidores.
Quando estudamos as relações entre cabalistas e a dinâmica de seus pensamentos, nas suas
relações dialéticas, compreendemos a formação holística do conteúdo simbólico.

Sessão 1: História da Cabala

Apesar de Abrãao ser considerado o primeiro cabalista, foi somente depois da


destruição do Segundo Templo de Jerusalém24 que o estudo sistemático25 do Talmude tomou
conotações mais esotéricas. Dos rabinos dessa época, podemos citar os tanaítas26 Rabi Akiva,
Nehunya ben HaKanah27 e o discípulo do Rabi Akiva e também tanaíta Simeon bar Yochai28.
Nesta mesma época, temos a finalização do Livro de Enoque e o início da literatura
Merkabah, importantes núcleos para o futuro do estudo cabalístico. A escrita do livro Sêfer
Yetzirá também iniciou-se por volta desse período. Se Sêfer Yetzirá anuncia o formalismo
cabalista, o Livro de Enoque e Merkabah anunciam seu conteúdo.
No entanto, foi na Baixa Idade Média29 que a Cabala, no sentido em que estamos
habituados, surgiu. Moisés Maimônides, um médico judeu fugitivo da invasão moura na
Península Ibérica, apesar de não ter contribuído diretamente com a construção da Cabala, a
concentração de seus esforços na sistematização do Talmude através da lógica, impulsionou
justamente o movimento contrário. Enquanto Maimônides baseou seus estudos da Torá em
Aristóteles, os cabalistas voltaram sua atenção a Platão. Foi a grande cisão judaica.
Foi então que um outro Moisés, Moisés de León, estudou largamente o Rabi Simeon
bar Yochai e, talvez, tenha sintetizado seus estudos no Zohar. Digo talvez, pois, apesar do
Zohar ser geralmente atribuído ao Rabi Simeon bar Yochai, existem críticos que o
consideram fruto da escrita do próprio Rabi Moisés de León. Como discutido por Yehudah
Aryeh Mi-modena em seu livro Ari Nohem. Vale aqui também ressaltar uma cabalista por

24
Destruição pelos romanos no século 1 d.C
25
Midrash
26
Rabinos com registros na Mishná
27
Suposto escritor do Bahir
28
Suposto escritor do Zohar
29
Principalmente a partir do século XII

13
vezes esquecida, Fioretta de Modena, tia de Aryeh Mi-modena e também grande
contribuidora da cabala.
O Zohar, mesmo em meio a polêmicas, teve grande valor para o renascimento
cabalista. De qualquer forma, criticando-o ou elogiando-o, o Zohar foi e ainda é um núcleo de
estudos da Cabala.
Entre os principais críticos do Zohar, classificando-o como obra vil, estava o cabalista
Joseph Gikatilla, contemporâneo e conhecido de Moisés de León e escritor do livro Ginat
egoz. Apesar da aparente contradição, Joseph era um grande admirador de Maimônides e
acreditava, portanto, tanto no uso da lógica para o estudo da Torá, como em sua análise
simbólica. Joseph Gikatilla também foi estudado por Chaim Vital e Moisés Cordovero (um
terceiro Moisés). Do outro lado, os favoráveis ao Zohar, eram justamente Isaac Luria30 e
Chaim Vital, que aprofundaram os estudos do Zohar e futuramente tiveram seus estudos
compilados por Chaim Vital no livro Etz Chayim.
Depois do renascimento cabalista da Baixa Idade Média e começo da Idade Moderna,
ocorrerá a criação de um novo movimento judaico esotérico. Este movimento, o judaísmo
chassídico, será dominante nos meios cabalistas entre o fim da Idade Moderna e início da
Idade Contemporânea.
No contexto da popularização da Cabala do século XVIII31, o movimento chassídico,
iniciado por Israel ben Eliezer, atuará como uma revalidação da cabala luriânica. Tendo Israel
ben Eliezer deixado nenhum livro de própria autoria, foi tarefa de seus discípulos divulgar sua
doutrina. Foram então escritos os livros Toldos Yaacov Yosef32, Magid Devarav L'Yaakov33 e
Noam Elimelech34. Entre os principais conteúdos de suas obras encontramos o estudo dos
tzaddik35 e dos termos Ayin36 e Yesh37.
Entre os grandes chassídicos não tão estudados, cito Hannah Rachel Verbermacher,
que apesar de não ter deixado grandes obras cabalísticas, foi uma grande advogada do
movimento chassídico.

30
Também conhecido como Ari
31
BAUMGARTEN, Jean. Yiddish ethical texts and the diffusion of the Kabbalah in the 17th and 18th centuries,
2005.
32
Escrito por Yaakov Yossef Hakohen e publicado em 1780
33
Escrito pelo Rabi Dov Ber de Mezeritch e publicado em 1781
34
Escrito pelo Rabi Elimelech Weissblum e publicado em 1788
35
As pessoas virtuosas, santas ou sábias
36
O nada.
37
O algo.

14
Por fim, no século XX, é criado o mais recente movimento cabalístico. O neo-
chassídico. Esse movimento, criado por Martin Buber, foca em assuntos de ainda grande
interesse, como o existencialismo e o igualitarismo38.

38
Chavurá

15
Sessão 2: Sêfer Yetzirá ou Livro da Criação

“A quem você se comparou assim na glória e na grandeza entre as árvores do Éden?”.


Ezequiel 31:1839

Não começarei o estudo dos textos cabalísticos com o Sêfer Yetzirá simplesmente por
ser um dos primeiros livros do gênero, mas sim pela a sua originalidade de estrutura e por sua
grande carga simbólica.
Nos primeiros dois versos do Sêfer Yetzirá são anunciados alguns números. Os trinta
e dois caminhos “ocultos e maravilhosos” da sabedoria, “fundamento de todas as coisas”, que
serão formados pela junção das dez sefirot com as vinte e duas letras do alfabeto hebraico. E
em seguida, a natureza linguística do texto é apresentada pelo número três. Sendo, assim, a
criação do Universo arquitetada pelos numerais, pela escrita40 e pela fala.
A continuidade do estudo linguístico segue quanto à classificação das letras hebraicas.
Três letras “mães”, sete “duplas” e doze “simples”. Lembrando que a classificação das letras
corresponde a uma classificação dos caminhos.
As dez sefirot seriam formadas do nada41, infinitas e comandadas por Deus. No verso
1:6 aparece o conceito de retorno42, referindo-se ao retorno das palavras de Deus. No verso
1:8 a mesma palavra aparece, referindo-se ao retorno das criaturas. Esboço quatro paralelos: o
retorno das criaturas estando relacionado ao gilgul; o ciclo das reencarnações no misticismo
judaico; o eterno retorno como enunciado por Nietzsche; o retorno do próprio universo, o seu
ciclo de criação e destruição.
O terceiro paralelo, nietzschiano, pode ser interpretado como uma visão cosmológica,
como sustentado por Paul Loeb43. (Porém, o eterno retorno em Nietzsche não deve ser
pensado como algo alheio a vida humana, a cosmologia nietzschiana profere o eterno retorno
na vida em si44); Em continuidade à segunda interpretação faço uma outra, o retorno
existencialista em Albert Camus e a condição da vida humana de ser um incansável e
condenado labor.

39
Versión Reina-Valera de la Biblia, 1909. Tradução Livre
40
‫ בספר‬como em Sêfer de Sêfer Yetzirá
41
‫ בלימה‬seria o estado do universo antes da criação
42
‫ושוב‬
43
Loeb, P. Eternal Recurrence. The Oxford Handbook of Nietzsche. Oxford University Press, 2013
44
“und Alles in der selben Reihe und Folge”. Nietzsche, F. Die fröhliche Wissenschaft, 1887.

16
Nos próximos versos do primeiro capítulo são expressas as dez emanações dos
numerais, também expressas como as dez existências inefáveis.
A primeira emanação é o “Deus Vivente”, representado pelo número três, mesmo
número da criação do universo, mas aqui, esse número representará a Voz, o Espírito e a
Palavra de Deus. A segunda emanação é provinda de seu Espírito, é o “elemento” ar. Assim,
o ar foi formado para fazer possível a propagação das vinte e duas letras. Em terceiro, vêm a
“Água Primitiva”, criada através de seu Espírito, do vazio e da lama. Essa mesma construção
semântica de criar “algo” do “nada”, conhecido como Yesh me-Ayin, será de grande
importância no Zohar.
“Pelo sopro de Deus, fez-se o gelo, e as vastas águas foram confrangidas.”45 Jó 37:10
A quarta emanação será o fogo, criado a partir da água. E do fogo serão criados os
seres celestiais. Em seguida será proclamado o nome de Deus, formado pelas letras “simples”
Yod, Hey e Vav.46 Letras formadoras da palavra, em língua portuguesa, Javé ou Jeová. Com a
permutação dessas três letras surgem as próximas seis emanações. São elas, respectivamente,
“Altura” e “Profundidade”, “Leste” e “Oeste” e “Norte” e “Sul. É finalizada a emanação do
espaço tridimensionalℜ3 . Pode ser feito também mais um paralelo aristotélico, quando no
livro “Do Céu”, Aristóteles discute a composição dos cosmos através dos quatro elementos
clássicos.47
O segundo capítulo será dedicado ao estudo fonético das primeiras três letras das vinte
e duas. As três letras mães recebem esse título por representarem os três elementos
fundamentais (ar, água e fogo) e além disso, o espaço, o tempo e o ser humano. As pronúncias
das letras, como foram apresentadas na sessão 0, são comparadas com as qualias de cada
elemento. Os elementos emanados seriam propagados pela fala humana. Alef (água) é muda,
Shin (fogo) chia como o fogo (sibilante) e Mem (ar) é o equilíbrio (aspirado) entre os outros
dois elementos. Mais à frente, a fonética é separada em cinco casos: guturais, palatais,
linguais, dentais e labiais. E desse modo, através das combinações das vinte e duas letras é
concluída a criação do universo.
“E disse Deus: faça-se luz: e fez-se luz.” Gênesis 1:348

45
Versión Reina-Valera de la Biblia, 1909. Tradução Livre
46
‫יהוה‬
47
Água, fogo, terra e ar
48
Ver nota 34

17
A seguir, no capítulo terceiro, explana-se sobre os gêneros49 do ponto de vista
cosmogônico. Quando se fala masculino e feminino ao longo da capítulo, não deve ser
interpretado exclusivamente de maneira literal. Em seu aspecto microcósmico pode ser
entendido como as forças mentais Animus e Anima compondo o ser em uma natureza
andrógina. Isso é evidenciado no quinto verso em que as três letras “mães” são ditas atuantes
nos seres humanos de duas maneiras: Masculina, representada por Alef-Mem-Shin e
feminina, por Shin-Mem-Alef.
No capítulo quarto ocorre discussão semelhante a anterior; porém, desta vez sobre as
sete letras “duplas”. São elas: Beit, Ghimel, Dalet, Kaf, Peh, Resh e Tav. O significado do
termo duplicidade das letras é explicado. São duplas no sentido em que possuem duas
pronúncias, uma oral oclusiva e uma consoante fricativa. Em sua duplicidade também
representam o dualismo, como em “corpo” e “mente”. Até o encerramento deste capítulo são
feitas comparações entre as sete letras, os sete corpos celestes, os sete dias da semana e as sete
partes do corpo. O último verso deixa claro que essa sistematização das coisas, com o número
sete, pode ser estendida a muitos outros casos.

‫ב‬ Sabedoria Lua Olho direito

‫ג‬ Saúde Marte Orelha direita

‫ד‬ Fertilidade Sol Narina direita

‫כ‬ Vida Venus Olho esquerdo

‫פ‬ Poder Mercúrio Orelha esquerda

‫ר‬ Paz Saturno Narina esquerda

‫ת‬ Beleza Júpiter Boca

49
Esta ideia, dos gêneros como componentes de uma cosmogonia, é originária do gnosticismo medieval e,
portanto, influenciou tanto a alquimia, que influenciou Carl Jung, quanto a Cabala. O sentido literal e
qualificador dos gêneros (masculino - racional e feminino - sentimental) me pareceu ridícula e assumi apenas o
sentido figurado, em que a binaridade é representante de possíveis forças psíquicas

18
O penúltimo capítulo tratará das doze letras simples: Hey, Vav, Zain, Cheit, Tet, Yod,
Lamed, Nun, Samekh, ‘Ain, Tzadde e Qof. De maneira análoga aos dois capítulos anteriores,
cada uma das letras recebe propriedades e funções cosmogônicas.
No último capítulo aparece mais um importante elemento simbólico do livro, o
Dragão Theli50. A palavra que se segue após Theli é “galgal”51, possuindo a mesma raiz da
palavra “gilgul”, que pode ser traduzido como roda ou esfera. O dragão envolveria o universo
de maneira circular, reforçando a ideia do eterno retorno52. Uma palavra semelhante, que
aparece anteriormente no Sêfer Yetzirá, é Ofanim53 e corresponde a uma classe de seres
celestiais, como Querubim ou Seraphim. Sendo Ofanim também traduzido como esfera ou
roda. Em Ezequiel, constantemente aparecerá essa mesma visão da roda:
“Entra em meio às rodas debaixo dos querubins” Ezequiel 10:254
Nesse verso, “roda” aparecerá com a grafia “galgal”;
“E olhei, e eis aqui quatro rodas junto aos querubins, junto a um querubim, uma
roda;” Ezequiel 10:955
“Às rodas, ouvindo eu, se lhes gritava: Roda!” Ezequiel 10:1356
Nesses versos, “roda” aparecerá com a grafia “ofanim”.
Provavelmente Sêfer Yetzirá ao citar a circularidade do Dragão Theli referencia
diretamente o Merkabah e suas interpretações do livro de Ezequiel.
Nos últimos dois versos do sexto capítulo nos é apresentado a aliança entre Deus e
Abraão em uma descrição similar a forma na qual Adam Kadmon intermedia Kether e Ain
Soph.

50
‫תלי‬
51
‫גלגל‬
52
Assemelha-se a imagem de Ouroboros
53
‫אופנים‬
54
Versión Reina-Valera de la Biblia, 1909. Tradução Livre
55
Ver nota 42
56
Ver nota 43

19
Sessão 2,7: Apêndices do Livro da Criação

Existem dois apêndices adicionados ao texto original: um de Johann Stephan


Rittangel, nomeando cada um dos trinta e dois caminhos e os inter-relacionando, e um
segundo, adicionado por Peter Davidson, sobre os cinquenta portões da inteligência.
A inter-relação dos trinta e dois caminhos se dá em dois planos:
No primeiro, é a conexão entre as dez sefirot. Essa conexão pode também ser vista
em duas instâncias: Nas responsabilidades segmentadas de cada esfera e como as
responsabilidades se unem em uma unidade; na comunicação entre cada sefirot. Observando a
palavra “unidade”, que aparece nos caminhos segundo, quinto e nono, percebemos as
diferentes manifestações da “unidade” e como os três caminhos que as contém se relacionam;
E em um segundo plano, é a sintonia não somente das vinte e duas letras, mas também
das vinte e duas letras com as dez sefirot. Os caminhos guiados pelas letras, não devem ser
vistos como apenas passagens entre uma sefirot e outra, pois como indicado no apêndice são
partes importantes na conciliação cosmogônica. Por exemplo, o caminho trinta e dois é
indicado como responsável pelo movimento dos sete planetas. Assim, as “rodovias
cosmogônicas” não são apenas meios virtuais para a navegação entre as “cidades”, são
espaços por si.
Os cinquenta portões da inteligência estruturam uma hierarquia entre os elementos das
seis ordens e uma hierarquia entre as próprias ordens. Pelas lendas que circundam esses
portões, eles podem ser vistos como etapas a serem conquistadas.
Por fim, volto a atenção à palavra “chasmal”57 que aparece no caminho quatorze e no
portão quarenta e quatro, pois é uma palavra perdida em seu sentido original, provavelmente
significando luz. E às palavras Elohim e Ain Soph, respectivamente nos portões quarenta e
sete e cinquenta, que serão amplamente discutidas no Zohar.

57
‫חשמל‬

20
Sessão 3: Livro do Esplendor
“Está escrito, como uma rosa entre espinhos.” Zohar 1:1

O livro de Cabala mais debatido, ou simplesmente o Livro do Esplendor, pode ser


dividido em três volumes. O primeiro volume, debate sobre o livro Gênesis, o segundo, sobre
o Êxodo e o terceiro, sobre o restante do pentateuco

Sessão 3,1 - Introdução ao Livro do Esplendor

Em seu primeiro verso, a alegoria da rosa é introduzida. A rosa entre espinhos


representa a união das tribos de Israel e a união das tribos de Israel representa a humanidade.
É proclamado um livro universal.
Ainda no capítulo primeiro da introdução, desenvolve-se uma discussão entre o rabi
Shimon e o rabi Eleazar. A questão é sobre a natureza divina. Eleazar diz que Deus se
esconde entre os dois pronomes interrogativos “Quem”58 e “O que”59. Rabi Shimon
argumenta que Deus queria ser revelado, senão nada havia de ter sido criado. Deus, então, em
sua primeira manifestação, criou o primeiro pensamento e dentro do pensamento escreveu:
“Quem”. Nesse caso, o pronome interrogativo “quem” é substantivado. Em seguida, criou o
restante do universo, que pode ser representado pelo pronome demonstrativo “Estes”60 (Este
céu, este mar, estas estrelas). Da junção de ELEH (Estes) e MI (Quem) nasceu Elohim.
Rabi Shimon transita sua discussão da natureza divina para a Luz divina61. A luz
desceria pelas sefirot e Elohim percorreria de Binah até Malkhut. MA (O que) perde o “A”
(Hey) e em seu lugar é acrescentado o “I” (Yod) de forma que Malchut62 agora será chamada
MI (Quem), e também Binah, e também Elohim. Assim, mais uma vez, “Quem” e “O que”
delimitam a criação. A alegoria criada é a de uma mãe doando suas vestes para a sua filha.
Quando Binah descende até Malchut e a reveste com a sua luz, Malkhut se torna Binah.
"O que está em cima é como o que está embaixo. O que está embaixo é como o que está em
cima." Tábua de Esmeralda63

58
‫ מי‬- MI
59
‫ מה‬- MA
60
‫ אלה‬- ELEH
61
‫ אור‬- Ohr
62
As dez sefirot são, em ordem crescente: Kether, Chokmah, Binah, Chesed, Geburah, Tiphareth, Netzach, Hod,
Yesod, Malkuth
63
Translation and transcription of the Tabula Smaragdina of 'Hermes Trismegistus', with notes (early 1680s-
1690s). Tradução para o Inglês por Sir Isaac Newton em 1680. Tradução Livre para o português

21
A ideia da emanação divina através das vinte e duas letras é retomada do Sêfer
Yetzirá. Alegoriza-se que cada uma das vinte e duas letras ao encontrarem o criador pediram
para fazer parte da criação do mundo64. As letras apresentadas estão em ordem inversa.
Começa-se em Tav e termina-se em Alef (ET65). A inversão proposital da ordem cria uma
tensão entre as letras, que é a tensão da criação do mundo. Cada vez que uma letra se prostra
ao criador e pede por sua utilização, as letras que ainda virão caminham um passo na fila da
criação, revelando a parte do criador que ocultavam. Isso fica claro no verso 31 quando a letra
Khaf desce do trono do criador (caminha na fila) e o mundo colapsa (o criador é revelado). O
criador está entre “Quem” e “O que”, assim como o mundo está entre “Tav” e “Alef”.
A última letra a aparecer (Alef), em sua humildade, não pede para fazer parte da
criação do mundo, e em seu ato de caridade, permite a Beit que tenha essa função. O criador
sabendo de suas qualidades, nomeia Alef a unidade de toda criação.
A partir do verso 40 a cosmogonia judaica revela sua real complexidade e por isso é
necessária a introdução de alguns conceitos.
Segundo o Zohar, no momento em que Deus iniciou sua criação, todo o universo foi
preenchido pelos seus pensamentos. E para Deus, fazer-se presente em sua própria criação
(onipresença), foi preciso a constrição de sua natureza primordial. Um famoso paradoxo
surge, pois, a constrição divina (Tzimtzum) implica na limitação de seus poderes, todavia, ao
mesmo tempo, se Deus não se limitasse e não fizesse presente em sua própria criação,
também implicaria em um limite. O estado divino antes da primeira manifestação é Ain Soph
e depois de Tzimtzum, Elohim.
O filósofo Martin Buber, em contato com o conceito de Tzimtzum, teoriza o
relacionamento dialógico.66 Somente ao se confranger, Deus permite a díade Eu-Tu.67 Se a
díade nunca tivesse sido formada, Deus estaria alheio ao nosso mundo. E então, sua Luz
primordial pré-manifestada (Ohr Ain Soph) refrata nos mundos (Olam)68 em seis
propriedades (VAK). Essa propagação da luz de Arich Anpin69, dividida em Binah, é fonte

64
‫ עולם‬- Olam ou ‫עָ ְל ָמא‬
65
‫את‬
66
Koren, Israel. The Mystery of the Earth: Mysticism and Hasidism in the Thought of Martin Buber. BRILL,
2010. pp. 277-304
67
Buber, Martin. I and Thou. Tradução por Ronald Gregor Smith. T. & T. Clark, 1959
68
Os Quatro Mundos cabalísticos são: Atzilut, Beria, Yetzirah e Assiah. Juntos formam o acrônimo ABYA
69
Representa Kether (primeira parcela) em cada um dos Quatro Mundos

22
luminosa para Zeir Anpin.70 O dialogismo é estendido aos homens por sua luz. E no
microprosopo (Zeir Anpin), os seres ao buscarem a semelhança divina, mimetizam o
princípio dialógico. É o princípio de não violência (ahinsa71) na filosofia judaica.72
Bem como o criador em seu ato de bondade restringe-se através de Tzimtzum para
manifestar-se nos mundos, nos mundos criados existem duas formas similares de Tzimtzum.
Tzimtzum alef é a primeira restrição e atua no Partzuf Atik Yomin. Como Partzuf Atik
recebe contato com a luz infinita de Adam Kadmon, esse não sofre de uma segunda restrição.
A segunda restrição (Tzimtzum Beit) atua em todos os outros Partzufim de todos os outros
mundos. Essas duas restrições possuem a função de espalhar a luz divina73 em todas as
instâncias dos mundos.
Na cosmogonia judaica cada mundo é dividido em cinco Partzufim74 e cada Partzufim
em mais cinco sefirot. Se contabilizarmos um quinto mundo, o chamado Adam Kadmon ou O
Ser Arquetípico, temos então entre Deus e o nosso mundo 125 degraus75.
Os 125 degraus compõem conjuntamente uma escada (Sulam) que deverá ser
conquistada por cada indivíduo. A conquista de cada degrau é realizada pelo ato de Zivug
(Cópula), a união espiritual entre duas sefirot. O erotismo na Cabala possui sentido figurado,
assim como feminino ou masculino, mas além disso, a Cabala assume que todo o Pentateuco
possui sentido figurado. E apesar de alguns fatos relatados possivelmente possuírem relações
históricas reais, prioriza-se pelo sentido oculto das passagens.
A Cabala luriânica informa-nos sobre a original união das sefirot e a completa
harmonia da Árvore da Vida em Tohu va-bohu.76 Após Deus preencher todo o cosmos com a
sua luz, pela grande intensidade luminosa, todas as sefirot foram quebradas. Cada sefira
carrega consigo um Kli (vaso) responsável por receber a luz do criador. Shevirat ha-Kelim é o
fraturamento de todos Kelim (plural de Kli), por isso Zeir Anpin, as seis sefirot mais
atingidas, será tratada como um conjunto e não por suas partes. Reshimot (reminiscência) é o
que restou de nosso estado antes da desunião sefirótica e a retomada dessa integração é o
propósito cabalista.

70
Zeir Anpin é o conjunto de seis sefirot: Chesed, Geburah, Tiphareth, Netzach, Hod, Yesod. Representando a
quarta parcela em cada um dos Quatro Mundos. LAITMAN, Michael. O Zohar. IMAGO, 2012. pp. 208
71
Terminologia hindu
72
Raveh, Daniel. Thinking Dialogically about Dialogue with Martin Buber and Daya Krishna, Journal of World
Philosophies vol. 4, 2016
73
NRNHY, acrônimo de Nefesh-Ruach-Neshama-Chaya-Yechida
74
Kether, Chokmah, Binah, Zeir Anpin e Malkhut
75
(5 mundos) x (5 Partzufim) x (5 sefirot) = 125 degraus de existências
76
O estado do cosmos antes de Deus deferir: faça-se luz

23
Como percebido por Sanford L. Drob77, a fragmentação cabalística das sefirot pode
ser interpretada em paralelo com a ideia de clivagem do ego. Desenvolvido por Ronald
Fairbairn em seu livro Estudos Psicanalíticos da Personalidade, a clivagem ocorre quando o
indivíduo não consegue integrar em um único objeto os seus aspectos opostos. Na
esquizofrenia, o divórcio ocorreria no próprio sujeito, entre o seu ego superficial e suas partes
mais profundas e libidinosas.78 Fairbairn propõe uma escala de integração do ego. A
integração total de um lado e uma completa falha de integração do outro.79 O processo de
integração de Fairbairn seria o correspondente na Cabala a reunião das sefirot através dos
corretos Zivugim (plural de Zivug).
O processo de integração também será presente na obra de Carl Jung em dois
momentos: no Liber Novus, será a integração entre Eros (Shin-Mem-Alef) e Logos (Alef-
Mem-Shin)80; e nos Sete Sermões aos Mortos, será apresentado como Abraxas, o ser
resultante do processo integrativo. Abraxas possui nesta obra, o mesmo sentido que Adam
Kadmon na Cabala, ou seja, uma pessoa com grande proximidade à divindade (Devekut)81.
A última acepção que discutirei antes de voltarmos ao Zohar será sobre o desejo.
Imagino que o caminho mais seguro para a análise de conceitos psicológicos citados nos
livros cabalístico é usar de fórmula semelhante ao Buberismo82. A elegância nos livros de
Martin Buber se deve justamente a sua sutileza hermenêutica. A díade Eu-Tu, que será tratada
por Buber na esfera existencial humana, parte da extrapolação ou se me permitirem o
neologismo, uma intrapolação da Cabala. No âmbito em que a interpretação da relação
cabalística “Nós-Deus” é refigurada nas relações cotidianas.
O ato de desejar partiria primeiramente de Deus, que deseja criar o Universo e
espalhar sua luz pelo mesmo. Em seguida, o desejo partiria dos seres criados, que desejam se
equivaler ao criador e também contribuir para a propagação da luz. O ato de desejar nos seres
criados é, na Cabala, a similitude entre Deus e os seres.
E então, ao desejar assemelhar-se ao criador, os seres desejantes ganham
características divinas. É o princípio de transcendentalismo. Contudo, os rabinos advertem

77
S. Drob, “This is Gold”: Freud, Psychotherapy and the Lurianic Kabbalah. 1998-2006
78
Fairbairn, William R.D. Psychoanalytical Studies of Personality. Taylor & Francis, 2001. pp. 21
79
Fairbairn, William R.D. Psychoanalytical Studies of Personality. Taylor & Francis, 2001. pp. 09
80
Jung, Carl. Liber Novus. Philemon Series & W.W. Norton & Co., 2009. pp. 351
81
Jung, Carl. Septem Sermones ad Mortuos. 1916.
82
Referente a Martin Buber

24
que não basta um objet a petit a de natureza transcendental, existe a preocupação das
intenções do desejar. Desejar, mas desejar para que?
Imagine a seguinte situação: Uma mãe dá ao seu filho um presente de Natal, no ano
seguinte, o filho recebe um novo presente. De modo que, no próximo ano, o filho começa a se
sentir desconfortável por conta da evidente assimetria. Passam-se os anos, e o filho presenteia
a mãe e assim segue a tradição. É possível se pensar em dois motivos para o presentear do
filho. Presenteia, pois deseja continuar sendo presenteado e sabe que um dia a assimetria deve
ser resolvida ou a mãe não o presenteará novamente, ou presenteia, pois deseja que sua mãe
sinta a mesma satisfação que sente, de ser presenteado.
Segundo a Cabala, deve-se presentear o amor a todos os seres, devendo-se desejar a
todos a satisfação de ser presenteado, assim como seríamos presenteados por Ohr. Sublima-se
o objet petit a.
O aparelho refletor de Ohr, Masach (tela), representa o desejo de espargir os
sentimentos de Ain Soph pelos mundos. Esse aparelho é dito como situado em Malchut e
funciona da seguinte forma: Conforme fortalecemos nossa vontade de dadivar e quanto mais
altruísta essa vontade se torna, mais ofertamos ao mundo a luz criadora, assemelhando-nos à
própria função criadora, a de espalhar dádivas pelo mundo.
E o que ocorre caso não desenvolvamos Masach? Ao negar-se doar dádivas
receberemos então toda a luz divina?
Os rabinos negam tal lógica. Explicam que na falta de Masach surge Machsom.
Masach rejeita a absorção da luz para nosso ego, enquanto Machsom rejeita a luz para nosso
mundo.
Retornando ao Zohar, Zivug é a função que reintegra as sefirot,
e portanto, fortalece Masach. No entanto, as duas partes de nosso ego (Eros e Logos) recusam
a Zivug. Logos não possui a intenção doadora, crê que doar a luz recebida é um desperdício
de esforços; Eros, por outro lado, possui a intenção doadora, porém, apenas quer doar para
resolver a assimetria. Eros convencida da necessidade de um Zivug para satisfazer-se, tenta
convencer Logos de realizar um pseudozivug, as duas partes se juntam e formam Nukva de
Klipá. Eva convence Adão de comer o fruto proibido, ambos são exilados do paraíso e ainda
sem compreender o próprio pecado, convencidos que realizaram Zivug, vivem na ilusão de
um falso altruísmo.

25
Quando o Zohar afirma que as 12 Tribos de Israel representam a toda a humanidade,
implicitamente é anunciado a crença na universalidade do Shabos, o resguardamento do
sétimo dia da semana.
A restauração da fragmentação de Zeir Anpin, a integração do ser, corresponde aos
seis dias de trabalho. O último da semana, o dia de descanso, corresponde a correção final, o
Zivug entre Malchut e Zeir Anpin. O ritual do Shabos é tratado de forma figurada, os dias são
apenas metáforas para períodos de nossa vida e o descanso final é o repouso de Malchut nos
braços de Zeir Anpin restaurado.
Por isso o Sabá (Shabbos) é dividido em duas partes: À noite, recebemos do criador
Ohr Yashar e de dia, doamos a luz transformada, Ohr Hozer. À noite, aceitamos o presente de
nossos pais e de dia, retribuímos a doação.
E como podemos todos caminhar para este estado de altruísmo? Como pode Shabos
pertencer a todos? Os cabalistas acreditam que todos possuem remanescências divinas ou
reshimot. No íntimo humano, existiria inatamente o princípio de sublimação de nossos
desejos.
Seguindo agora para o verso 97, nos deparamos com a parábola do leão. A curta
narrativa brinca de maneira simbólica com as ideias sobre a integração. Em resumo, a
sociedade observa um altar de sacrifícios ser devorado por um leão. O leão é morto e lançado
a uma cova, que agora é apresentada ao leitor. Da cova surgem cães, que com a morte do
leão, podem comer os sacrifícios em seu lugar. A cova é objeto personificado e representa o
íntimo dos seres, o leão é nossa vontade de aproveitarmos de nossos próprios sacrifícios, o ato
de jogar o leão a cova pode significar o recalque de nosso conhecimento sobre nossa natureza
aproveitadora e por fim, os cães demonstram que mesmo ao recalcar, nossa cova irá mostrar
suas verdadeiras intenções.
O próximo verso, que reforçará as ideias anteriormente apresentadas, também será
apresentado em parábola. O verso 122 discute a primeira palavra da Torá (Bereshet83), a
palavra inicia-se com a letra Beit, que representa o número 2, assim, logo na primeira palavra
bíblica existe a dualidade que aparecerá em todas as passagens subsequentes. Não surpreende
a parábola da Árvore do Bem e do Mal, verso 123, representar mais uma vez a dualidade
(bem/mal).

83
No começo

26
O Zohar incita que a dualidade de Bereshet implica nas duas moradas divinas: a oculta
e a revelada. Mas também incita que ambas as moradas são encontradas em Malchut.
Malchut, sendo a primeira sefira, é o portão para toda a bondade, é o instrumento primeiro da
sublimação. O portão, apesar de ocultar todos os mundos anteriores, é em si revelado.
Malchut oculta todas as sefirot, mas apresentando-se como ocultadora da árvore, revela a
existência da mesma.
A terceira importante parábola estudada na Introdução para o Zohar é retirada do
Segundo Livro de Samuel. Do verso 125 ao 150 ocorre nova discussão quanto ao caráter do
processo de integração. A traição do Rei Davi com Betsabá e o assassinato de Urias, como
relação entre as sefirot, representam os dois Zivugim já discutidos. O zivug maior entre Eros
de Malchut e Zeir Anpin, sendo a relação entre Betsabá e Urias e o zivug menor entre Eros de
Malchut e Logos de Malchut, sendo a relação entre Betsabá e o Rei Davi. Eros de Malchut
ascende a posição de Zeir Anpin para receber a luz de Binah e descende a posição de Logos
de Malchut para entregar a luz em sua cuia.
Enxergo alguns problemas com essa minha análise baseada em Sulam. O assassinato
de Urias parece completamente desnecessário, também desnecessária foi a maneira violenta
com que o Rei David possivelmente tratou Betsabá e a parábola do profeta Natã84 pouco
entendo fora do escopo de um ensinamento moral.
Considerando que os cabalistas mais uma vez não acreditam nas biografias dos
personagens bíblicos em sentido literal85, sugiro a resolução da problemática da seguinte
forma: A passagem foi escrita em dois planos hermenêuticos, um plano moral e um cabalista.
No plano moral, assim como em outros inúmeros textos religiosos, haveria uma
metalinguagem hierárquica em que há duas narrativas, a principal referindo-se a vida do Rei
David e a secundária, referindo-se a parábola de Natã. A narrativa secundária, portanto,
corrobora com a principal.
No plano cabalístico, a narrativa secundária mais uma vez corrobora com a principal,
no entanto, ao invés de reexplicar a narrativa principal evidenciando o ensinamento moral, a
segunda narrativa, de ordem hierárquica superior (ordem mais abstrata)86, caracteriza as
propriedades de Logos e Eros de Malchut. O Rei David é impulsivo e autoritário e Betsabá,
por consequência do contraste, altruísta.

84
2 Samuel 12:1-6
85
LAITMAN, Michael. O Zohar. IMAGO, 2012. pp. 347
86
Refiro-me a metalinguagem

27
No verso 190, os três tipos de temores indicam a relatividade dos benefícios dos
mitzvot (mandamentos), somente por temor de punições, nesta ou na pós-vida, não há o
regozijo no “princípio da sabedoria”87. A intenção da ação é tão importante quanto a ação per
se.
Assim, o temor a Deus não representa a punição divina à espreita e os infernais
círculos, ao contrário, retrata o medo de decepcionar aqueles a que amamos.
Encerro a primeira parte do Zohar comentando um dos últimos e mais pertinentes
assuntos da introdução, a circuncisão. Até aqui, espero ter evidenciado a importância da
interpretação cabalística como figura de linguagem, logo, não poderia deixar de esclarecer
mais um ato simbólico apresentado.
A circuncisão é o décimo sétimo Mitzva e deve ser realizada no oitavo dia após o
nascimento.88 Considerando todo o simbolismo já exposto acima, deve ficar claro que o
número oito será considerado tão simbólico quanto o próprio ato de circuncidar. Sete são os
dias da criação, oitavo é o dia da reforma. Circuncidar é remover todo excesso, restando
apenas Adam Kadmon.

Sessão 3,3: Zohar: Bereshit, Noach e Lech Lecha

Terminada a introdução, sobram alguns capítulos para estudarmos, porém, antes que
possamos continuar, gostaria de informar-lhes que os escolhi por livre arbítrio e por ter os
julgados de maior facilidade, não para o vosso entendimento, que não vos subestimo, mas
maior facilidade para minha própria capacidade de comentar. Dessa forma, comentarei aos
pulos.
Comecemos pelo décimo primeiro capítulo. Chamo a vossa atenção a esse capítulo
por um motivo principal e um comentário passageiro. O principal motivo é a passagem que,
para aqueles que estavam confusos, Rabi Shimon diferencia a Árvore da Vida da Árvore do
Bem e do Mal. A Árvore do Bem e do Mal representa as duas possibilidades de atuação das
sefirot, uma positiva e outra negativa, enquanto que a Árvore da Vida é formada por vida
(nephesh), espírito (rauch) e alma (neschamah) e que juntos produzem os seres. É fascinante
imaginar uma árvore de possibilidades e considero um dos mais curiosos símbolos do livro.

87
‫ ראשית‬- Resheet
88
Genêsis 17:12

28
O comentário passageiro é complementar ao principal: o décimo primeiro capítulo é
uma continuação do capítulo anterior, são tentativas de reconstruir os seres com o uso dos
conceitos das sefirot.
No decorrer dos comentários ao gênesis, o Zohar segue a mesma fórmula da
introdução, cria diálogos entre rabinos, geralmente focados nas passagens bíblicas, os
diálogos muitas vezes modificam ou criam novos versículos e por fim os comenta de forma
direta.
Será no sexagésimo primeiro capítulo que haverá uma pequena mudança de estrutura.
Em sua pequena extensão e situado entre dois capítulos sobre Noé, insere um interlúdio
narrativo. Relativo a luz divina e sua propriedade, compara-a com as cores do arco irís, mas
que em verdade muito mais me lembra dos fractais. Não fico surpreso com o conteúdo
dissertado pois já havia sido exposto na introdução, contudo, me surpreende a naturalidade do
autor ao dizer “simbolismo” e novamente clamar pela interpretação da Torá e dessa vez, de
forma direta.
Por fim, no capítulo 66, o Zohar faz uma tentativa de explicação do processo
comunicativo. Em seus termos, tenta estabelecer a hierarquização de Pensamento, Fala e
Logos ou Palavra. A tríade forma o princípio de manifestação dos seres no mundo. Logos
segue da Fala que segue do Pensamento, porém, apesar do encadeado processo, o Zohar os
considera uma trina unidade e para esclarecer esse conceito utiliza-se de um caso clássico: os
elementos.
Diz-se assim que os elementos primordiais e a tríade da manifestação dos seres atuam
semelhantemente, mas não necessariamente são correspondentes. Este afastamento entre o
significante e o significado permite a múltipla leitura dos símbolos cabalistas. Os elementos
primordiais acabam por afirmar tantas coisas e tão pouco correlatas que talvez eles pudessem
ser substituídos pelo simples numeral “três”.
Afinal, qual é o limite da interpretação? E quanto podemos abstrair destes antigos
escritos? Vemos que o Zohar não pondera essas questões, se utiliza de todo recurso possível
para que a interpretação seja validada em termos dos preceitos judaicos. No final, as
interpretações são conclusões pessoais embebidas de fontes textuais e mesmo ao parecerem
esticar demasiadamente os signos originalmente apresentados, são válidas criações,
perpetuadoras e atualizadoras dos conteúdos.
Como diria Charles S. Peirce, a busca por um real significado, acaba por criar novos
significantes, de um novo intérprete.

29
Sessão 4: O Bahir ou O Livro da Iluminação
Escrito no século XIII, de autor desconhecido, o Bahir traz elementos novos, não
apresentados no Sêfer Yetzirá e, por conseguinte, funciona como prelúdio ao Zohar.
Os novos elementos são muito associados ao Sêfer Yetzirá e os antigos são
desenvolvidos em novas discussões, mais tarde, estas mesmas discussões serão usadas no
Zohar. Dos velhos elementos, temos as constantes referências às rodas (Merkabah), que
fazem seu retorno do Livro da Criação.
No primeiro verso temos a justificativa do nome “Bahir”, provém de Jó 37:21. Tendo
por base o próprio verso, o Livro da Iluminação tratará da luz divina revelada ou ocultada. A
dualidade tão presente no Zohar, quando esse falou-nos sobre a Árvore do Bem e do Mal ou
da Árvore da Vida e da Morte, encontra no Bahir o seu prenúncio.
O livro, então, anuncia a conciliação entre o oculto e o revelado. O alicerce do
concílio está em Salmos 139:12. Parafraseando a passagem:
“Nem a noite é tão oculta, brilha como o dia. O oculto e o revelado são o mesmo.”89
E o que está oculto? A resposta parece surgir no próximo verso. Está oculto aquilo que
não é ou aquilo que um dia foi. No segundo verso, Tohu e Bohu, termos retirados do gênesis,
responderão, sem força de conectivos, que antes do revelado existe o início.
Agora, fica evidente que para entender a Cabala não deve-se olhar por versos
isolados, a formulação da estrutura, mesmo que em passagens por vezes desconexas, está
organizada a propósito de um continuum lógico. A maneira com que é possível formular um
pensamento único, não pelo uso de conectivos, mas pela simples ordem de pensamentos
isolados, valida a complexidade hermenêutica.
Partamos ao décimo terceiro verso, em que a dualidade é retomada. O revelado é
“formado”, quer dizer, aquilo que se revela possui algo a ser revelado, portanto, os “algos”
reveladores são aglomerados em uma entidade revelada, enquanto que, o oculto nada há de
substância, não é um conjunto das coisas que são, é o conjunto das coisas que não são. Uma
“não-pera” é todo conjunto de peras conjuntamente excluído. Entendemos assim que apenas o
revelado pode ser formado, o oculto deve ser criado. E essa é a explicação dada para Isaías
45:7.
Nos versos 14,15,27,28,34,36,61,83,84 e note o ritmo que se segue, o Bahir
esclarecerá quanto aos significados dos ideogramas do alfabeto hebraico. Não considero as

89
Versión Reina-Valera de la Biblia, 1909.

30
lacunas entre as explicações dos ideogramas despropositadas. Assumo que entre os versos,
utilizando-se de organização sistemática, encontram-se explicações ainda tratando dos
ideogramas.
Veja mais um exemplo dessa organização:
O décimo quarto verso elege Bet como a primeira letra do alfabeto hebraico a ser
exposta, justamente a letra representante da dualidade tratada no verso 13.
A correlação entre o verso 13 e 14 não será tão evidente quanto fiz parecer, já que a
justificativa apresentada no décimo quarto verso é outra. Bet, como já tratado no capítulo do
Zohar, é a primeira letra da Torá e representará o início dos tempos. Por que ocultar partes do
raciocínio na estrutura do texto? O que se esconde entre um verso e outro?
Se não por uma escolha estética ou por uma conveniente economia de espaço, penso
representar um espaço para a reflexão do leitor. Será esse o fascínio dos cabalistas? Um texto
que dê tanta vazão para a pessoalidade do leitor é um texto que se seculariza e respeita a
individualidade de cada um.
Depois de Bet virá Alef e Alef carregará Bet, depois Yud e Shin formarão “Jeová”.
Dalet, Heh, Gimel e as outras também se seguem. A concepção dos ideogramas assemelha-se
a lógica que mais tarde será apresentada no Zohar e a qual já vimos.
Não posso deixar de comparar as Sete Vozes do verso 45 com Os Sete Sermões aos
Mortos de Carl Jung, provavelmente por ambos beberem do gnosticismo90. Jung, bem como o
Bahir, escreverá da dualidade, no caso, sobre o cheio e o vazio. A proximidade de “cheio”
com o “revelado” e vazio com o “oculto” fica clara quando Jung descreve “pleroma”.
Pleroma representa justamente aquilo que está revelado e oculto, ambos simultaneamente.
Utilizando-me um pouco do texto de Carl Jung percebo o quão evidente fica a tese
apresentada da união da dualidade. O conjunto de todas as coisas que existem é o conjunto de
todas as coisas que há somado à todas as coisas que não há. A matemática nos diz: o conjunto
vazio está contido no conjunto universo.
O nada angustiante de Heidegger e de Sartre (um nada para cada um) faz-se presente
sem se apresentar. E aqui estamos. Estou realmente surpreso que entrarei nesse tópico, ainda
mais por exigir-nos tantos e tantos livros de discussão, mas como poderia eu ignorá-lo?
Retomando, de outro modo, o nada se contém no tudo da mesma forma em que o
oculto se oculta no revelado.

90
The Early Kabbalah pp. 62

31
Mas eis aí uma contradição desta obra, quando subverti sutilmente os conceitos de
revelado e oculto, juntamente subverti o objeto da ocultação e/ou revelação. Demonstrei o
pensamento teológico, comparei com o ateísmo.
O nada é a ocultação, mas é seu próprio objeto ocultado. O nada é objeto sofredor da
nadificação. No caso de Deus, Deus quando assumido oculto, está oculto as alegadas
propriedades que o pertencem. O nada a nada oculta a não ser a si, que é nada, de todo modo,
o nada apenas se oculta.
Serei sincero, não me importando com a existência ou não de Deus (e me perdoem
este momento de intrusa confissão), desenvolvi um interesse muito mais profundo nas
implicações existenciais da Cabala. E daí se segue:
Para Carl Jung, ainda nos sermões citados, mesmo que pleroma esteja em todos os
seres, não corresponde ao ser-em-si (être-en-soi). O ser-em-si, o ser feito de apenas positivas
é chamado de creatura. Assim, Jung continua, Deus é a primeira manifestação do nada, é
creatura e é pleroma.
Tudo bem, ignore um pouco a concepção teológica do parágrafo anterior, pois Sartre
dirá algo muito parecido em seu livro O Ser e o Nada.
“Segue-se que deve existir (…) um ser pelo qual o nada se manifesta.”91
E não estou implicando que Deus seja esse ser, por mais que a Cabala e Jung o
impliquem. E, então, quem seria esse ser?
Nós somos esse ser. Não quando somos em nós mesmos (ser-em-si), somos esse ser
quando, como seres livres, praticamos a nossa liberdade através de nossas escolhas.
Escolhemos uma coisa ou outra. Escolhemos uma coisa e não outra. “E não outra”. O
nada está manifesto.
Em seguida, na manifestação do nada é carregada uma implicação psicológica, a
angústia. Sartre construirá dois exemplos em seu livro, a angústia do passado e a angústia do
futuro. Em todo caso, a angústia mostra-se na liberdade que possuímos.
Escolher algo sempre implica em não escolher outro algo e o que separa as nossas
escolhas? Nada. Estamos em um alto prédio, inclinamos ao parapeito e sentimos vertigem.
Escolhemos não nos jogarmos, a negação se manifesta. E além disso, o que separa a
afirmação da negação? Nada.
Findo o inesperado entreato, prossigamos ao Bahir.

91
Sartre, Jean-Paul. Being and Nothingness. Traduzido por Hazel E. Barnes. Washington Square Press, 1993. p.
22

32
O conceito de circularidade será muito recorrente nos próximos versículos. No Sêfer
Yetzirá o conceito parecia pouco desenvolto e até contraditório, mas ao estudarmos os outros
textos cabalistas elucidamos parte da problemática.
Após Tzimtzum, os mundos criados formam, entre variações de espaços (Halal) e
linhas (Kav), uma composição listrada e redonda. Na sessão segunda deste ensaio, comparei a
roda de Merkabah ao eterno retorno e à outras formulações ocidentais. Depois de avaliado os
outros textos podemos aproximarmos a mais uma formulação: caso a existência surja de um
ponto, o círculo será a forma mais uniforme com que o ponto se propagará ao seu entorno.
Podemos comparar à propagação de onda com uma fonte pontual.
A ligação entre estes dois conceitos, circularidade e dualidade, pode ser explorada
através de Machsom. Machsom representa a barreira entre o nada e o algo, a barreira é a linha
limitadora de Olam. Logo, limitamos a nossa liberdade por barreiras psicológicas, na Cabala,
essas são representadas por círculos, para Sartre, é a má fé.
No verso 172, Anima e Animus também se antecipam ao Zohar. Adam Kadmon é
proclamado como gênero neutro, andrógeno. O fim do processo integrativo neutraliza dos
seres a sua polaridade.
Pelo contrário, Zeir Anpin atinge o gênero neutro por estar muito fragmentado. Adam
Kadmon une seus polos e se estabiliza, enquanto, Zeir Anpin, em seu mosaico, mistura-se por
completo e atinge de estado semelhante. Por isso Zeir Anpin não pode ser restaurado por suas
partes, mas apenas unido ao conjunto sefirótico. Reformar as suas sefirot individuais
significaria um período de instabilidade em que o ser estaria novamente duplicado.
Por fim, nos últimos versos do Bahir, concluindo de Tzimtzum, Galgal e da dualidade,
sintetiza-se o conceito cabalístico shekhinah92. Shekhinah é a presença divina e é a luz que
penetra em todos os mundos. Se os mundos estão representados por um conjunto de círculos
concêntricos, shekinah é um canal retilíneo e diametral que atravessa esses mundos. Seria o
canal para a solução da má fé (em um momento de especulação comparo-o à boa escolha.
Bem escolher é escolher com a consciência que uma escolha deve ser feita e de que somos
nós o agente destas escolhas).

92

33
Sessão 5: Merkabah
Assim como nos livros anteriores, “Merkabah” é uma palavra hebraica destacada de
uma passagem do Velho Testamento, no caso, foi retirada do Livro de Ezequiel e significa
“carruagem”. Evidentemente, os livros desenvolvidos que compõem o misticismo ao entorno
de Merkabah se referem as interpretações da visão de Ezequiel.
Em suas visões93, Ezequiel se depara com uma nuvem incendiária, criaturas
quadrifacetadas e outras imagens para o deleite “psicoanalítico”. Então, um ser divino,
nomeado pelo sacerdote como a glória de Jeová, dos céus, o comanda a realizar tarefas
diversas: ser amarrado por 40 anos; assar pão com estrume de boi; ser zombado por todas as
nações; e outros trabalhos hercúleos.
Inclusive, até aqui, pudemos interpretar os textos confrontando os horizontes e
utilizar-nos de nossa própria cognição para estruturar novos significados. No entanto, no
Merkabah, devemos mudar nosso modus de análise, o Livro de Ezequiel nos fala com o
mesmo peso: da psique de “Ezequiel” e dos clássicos entendimentos judaicos.
Imagino que não causaria espanto se eu dissesse a qualquer um que a Torá e
provavelmente todas as outras escrituras foram profundamente alteradas ao longo dos
milênios. Contudo, o que talvez surpreendesse é que muito antes do Concílio de Niceia, estes
antigos textos já eram frutos de diversas edições.
Quanto a forma com que estas edições se deram, possuímos diversas hipóteses as
quais podemos escolher acreditar. Mas se acreditas na Hipótese Documental ou na Hipótese
Suplementar ou na Hipótese Fragmentária, não importa.94 As escrituras não possuem um
corpo original por não possuírem um autor único, desse modo, as edições atuam como
insertos e são partes fundamentais da composição final.
Em nosso caso atual, Ezequiel provavelmente não foi composto apenas por Ezequiel,
mas por diversos sacerdotes futuros ao primeiro autor que modificaram e complementaram a
primeira conjectura. Normalmente, a autoria não compromete a interpretação do texto e eu
fico feliz em ignorar tais detalhes, desta vez, pelo contrário, ter em mente o mosaico autoral
permite-nos uma conclusão.
Concluímos assim que os sonhos de Ezequiel não nos falam apenas da psique de
Ezequiel, pois é impraticável separar os insertos e modificações textuais por autoria ou
temporalmente. Assumindo esta composição como nos é apresentada, há um retalho

93
Caso não se ofendam, também podemos chamar de sonho
94
Hipóteses sobre a confecção da Torá

34
psicológico cujas partes são componentes de uma única lição sacerdotal. A lição carrega o
peso de todos os seus autores, mas em especial do último, pois como leitor final da cadeia
interpretativa, atua como signo e intérprete de sua própria composição e assim compõe de
modo com que forneça a sua compreensão. Quando recebemos um texto a ser alterado,
alteramos-o até que esse fique compreensível a nós mesmos.
Portanto, o inconsciente de Ezequiel ao ser analisado e editado por múltiplos autores
(inclusive por ele próprio) é suprimido, pois priorizando-se pela mensagem reconciliadora das
imagens oníricas, a interpretação exige a racionalidade.
A racionalidade, ao assumir um real significado universal, ignora o inconsciente de
Ezequiel e generaliza o seu conteúdo, de forma a transformá-lo em mito.
O sonho de Ezequiel migra da esfera privada para a esfera pública e, como “sonho” do
inconsciente coletivo, recria o antigo desejo do povo judaico.
Faço algumas comparações que talvez deixem evidente toda esta mitológica:

1. Como bem notado por David J. Halperin95 há a alteração da palavra berum


para barukh entre as versões massorética e septuaginta de Ezequiel, em
Ezequiel 3:12.

Ainda como notado pelo autor, a alteração, provavelmente de modo inconsciente, cria
uma aproximação entre a visão de Ezequiel e de Isaías.96 Mesmo como erro não intencional,
acredito que a simples troca de palavras fortalece o sonho de Ezequiel como mito popular. A
aproximação das passagens poderia ser interpretada como uma sincronicidade entre os autores
e legitimaria ambas as visões. Uma visão atuaria como comprovação da outra.

2. A proximidade entre a visão de Ezequiel e o Mito de Er de


Platão também é notável.97

Ambas as narrativas são estruturadas após o encontro com o divino e possuem


natureza surrealista. Além disso, Platão faz referência a um esboço cosmológico e descreve
um domo circular de círculos concêntricos, similar a tantos textos cabalísticos, inclusive em

95
The Faces of the Chariot: Early Jewish Responses to Ezekiel's Vision. Mohr Siebeck, 1988. pp. 44-45
96
Isaías 6:1–8
97
Plato’s “Myth of Er” and Ezekiel’s “Throne Vision”: A Common Paradigm?

35
Ezequiel. Esta visão cosmológica também pode ser vista no Bahir e na Divina Comédia de
Dante Alighieri. Contribuindo para minha hipótese de atuação do inconsciente coletivo no
mito presente no Livro de Ezequiel.

3. Após a divulgação do Livro de Ezequiel e sua aceitação na


comunidade judaica, novos artigos foram compostos com
outras visões de Merkabah (da carruagem).

Com o surgimento da literatura Hekhalot98, percebemos que experienciar Merkabah


tornou-se uma tradição cultural99, penetrando ainda mais na comunidade hebraica e
sofisticando o seu simbolismo.

98
Palácios
99
The Faces of the Chariot: Early Jewish Responses to Ezekiel's Vision. Mohr Siebeck, 1988. pp. 7

36
Sessão 6: Etz Chayim
Em Córdoba nasceu Maimônides, no Cairo redigiu seu Guia dos Perplexos, em
Provença foi traduzido e em Safed foi estudado.100
Foi também em Provença que o Bahir foi publicado pela primeira vez, contemporâneo
a Maimônides. Não coincidentemente, Provença nessa época era o núcleo de estudos
cabalísticos, que somente mais tarde dividiria foco com Gerona, na Espanha.101
A inquisição se intensifica e em 1492 os judeus são expulsos do reino espanhol. A
expulsão é recebida pelos judeus como uma calamidade, imaginam as profecias do
apocalipse, a queda dos reinos, acreditam que desgraças ainda maiores virão e buscando a
justificativa para a nova perseguição nas suas escrituras, reinterpretam a Torá de maneira a
qual os versos indiquem um novo caminho para a redenção e justifiquem os atuais
infortúnios. As pressões inquisitórias tornaram a cabala necessária.102
Com a dissolução do centro de estudos em Gerona, Safed toma seu posto. Maimônides
e suas ideias aristotélicas influenciam Cordovero, aplica o racionalismo ao estudo do Zohar,
publicado no final do século XIII, quase um século depois do Bahir.
A morte de Cordovero no final do século XVI permite o florescimento da cabala
luriânica, Isaac Luria, também residente de Safed, é altamente influenciado por Cordovero,
porém, diferentemente de seu predecessor, não cria um estudo sistematizado da Cabala.
Será o discípulo de Luria, Chaim Vital, que compilará seu pensamento em oito
volumes. Os ensinamentos de Luria terão forte influência na formação do movimento
chassídico e por consequência, no movimento neo-chassídico.103
Dos novos conceitos criados pelo movimento luriânico, a maioria já discutimos neste
presente ensaio durante as examinações dos antigos textos cabalísticos. Isso demonstra a sua
forte presença entre os estudiosos da Cabala, principalmente aqueles mais divulgados no
Ocidente, como Baal Hasulam e Michael Laitman.
Tzimtzum, Adam Kadmon e Ain Soph são termos recorrentes nos volumes de Chaim
Vital. Sua cabala, fortemente influenciada pelo gnosticismo, é cheia de misticismo. Por
exemplo, “Galgal” ou “Igulim”, os conceitos desenvolvidos em Merkabah (rodas), Sêfer

100
The Cultures of Maimonideanism: New Approaches to the History of Jewish Thought pp. 95 & pp. 237
Robinson, James T., "Samuel Ibn Tibbon", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Summer 2014 Edition),
Edward N. Zalta (ed.), URL = <https://plato.stanford.edu/archives/sum2014/entries/tibbon/>.
101
Para saber mais, veja Origins of the Kabbalah de Gershom Scholem
102
Major Trends in Jewish Mysticism. Seventh Lecture.
103
Para maiores informações reveja a Seção 1 deste ensaio

37
Yetzirá (dragão Theli), Bahir e no Zohar, é compreendido pelo viés da metempsicose104, o
eterno retorno nietzscheano, porém com a sua conotação mística. E referente a ortodoxia de
sua cabala, observamos-a através de “Kavanah”, tratamos-a no Zohar, mas sem nomeá-la, é a
necessidade de agir “corretamente”105 pela “correta” motivação.
Apesar de seu sistema não sistêmico, vimos que seus sucessores, utilizando de suas
interpretações, conseguiram completar o que lhe era faltoso, um outro esforço de seus
herdeiros foi o de transformar seu conservadorismo em um inovador ativismo político.

104
Transmigração da alma. Shaar HaGilgulim
105
Seguir as mitzvot

38
Conclusão
Caminhemos para as despedidas e conclusivas.
As análises deste ensaio foram criadas comparando o meu livre pensar106 às
interpretações já existentes das escrituras. A proposta não era elaborar algo sistemático, mas
apresentar alguns conceitos e problemáticas e discutir, quando possível, a sistemática em si,
em uma meta-interpretação107.
O meu interesse na análise dos mitos partiu da psicanálise Jungiana e mais ao fim da
obra desenvolvi grande interesse na elaboração cognitiva. As duas perspectivas, Jungiana e
cognitiva, não são necessariamente excludentes. Os objetos de estudo de Jung são
independentes de sua analítica e, dessa forma, outros métodos podem ser aplicados.
A semiótica existencialista, também não necessariamente confronta a poética
cognitiva, a ciência cognitiva atua como método e o existencialismo, por meios
fenomenológicos108, como objeto simbólico. O sujeito, o outro e a transcendência, assumem
possibilidades de significados; os esquemas, a percepção, a cognição são influências na
relação símbolo-objeto e abstrato-concreto e, ao mesmo tempo, são definidores de modelos
analíticos.
Os existencialistas perguntariam:
Como minha existência influencia a minha análise?
A poética cognitiva perguntaria:
Por quais mecanismos mentais o significado é produzido?
E a pergunta Jungiana seria:
Na mitologia, é possível objetos simbólicos assumirem caracteres universais?

Os domínios dessas três perguntas não são tão claros, elas se fundem e se confundem. Nesta
fronteira, situa-se o neokantiano Ernst Cassirer. Crê que há uma forte relação entre mito e
linguagem. A mente humana confunde os símbolos em uma “patologia discursiva”109, porém,
Ernst se preocupa com as consequências ao se assumir que todo o significado é feito de má-
interpretações e na não existência de certas regras mentais para a formação do significado.110

106
Impressionista
107
Interpretação da minha interpretação
108
Michael Wheeler and Ezequiel Di Paolo. Existentialism and Cognitive Science.
109
Cassirer,Ernst. Language And Myth. pp. 6
110
Cassirer,Ernst. Language And Myth. pp. 8

39
O significado é tão livre quanto as nossas rédeas mentais nos permitem, consolidam a
existência de verdades e significados. Os mecanismos mentais estruturantes da linguagem,
sustentam a mitologia e as suas interpretações.
É nessa medida que creio que o objeto concreto primordial111 na formação do mito
talvez não carregue a mesma importância do processo de abstração do objeto, da natureza
pela qual o objeto foi abstraído e do procedimento para a sua interpretação.

111
O objeto da original produção do mito

40
Zog nit keyn mol112

A Hirsch Glick, Ilse Weber e muito outros

Nunca diga que a morte está a espera,


Quando os céus anunciam a nova era.
Se ansiamos, da guerra, a ausência,
Cantaremos pela nossa permanência.

Alcançaremos planície sempre farta


Em que detritos não nos fazem falta.
Cruzaremos trincheiras desmanteladas
E chegaremos à palmeiras abastadas.

Não cantamos numa hora muito altiva.


Cantamos com o sangue na saliva.
É uma canção perdida e sem-terra,
Dos que cantam pela paz em meio à guerra.

Cremos na liberdade de nossos passos.


Sonhamos conforto enquanto descalços.
Caminhamos, juntos, ao nosso anseio.
Do soberano, quebraremos o seu reio.

Então nunca diga que a morte está a espera,


Mesmo que os céus escondam a nova era.
Ao orvalho que esperou em paciência,
Cantaremos sorrisos de vivência.

112
‫ זאָ ג ניט קײןמאָ ל‬- Nunca Diga

41
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teatro-coliseo-buenos-aires-2271977/ Acesso em: 20/01/2018

Raveh, Daniel. Thinking Dialogically about Dialogue with Martin Buber and
Daya Krishna, Journal of World Philosophies vol. 4, 2016

Pappé, Ilan, Noam Chomsky, and Frank Barat. Gaza in Crisis: Reflections on
Israel's War against the Palestinians. Chicago, Ill: Haymarket Books, 2010.

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