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Ciclo da Prata.

5 Livros de Poesia
de

Maria Toscano

Coimbra | 2017
Título: Ciclo da Prata. 5 Livros de Poesia de Maria Toscano
Autor: Maria Toscano
© 2017 Maria Toscano e Terra Ocre, Lda.
direitos reservados por Terra Ocre – unip. lda
Apartado 10032
3031-601 Coimbra
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www.palimage.pt
Data de edição: Dezembro de 2017
ISBN: 978-989-703-190-8
Depósito Legal n.º 434452/17
Execução Gráfica: Liberis.

Palimage é uma marca editorial da Terra Ocre – edições


Ciclo da Prata.
5 Livros de Poesia
de

Maria Toscano
porto de prata.
Livro Primeiro.
venho oferecer-te o poema aguado e liso
povoado de horizontes de sul e sol
recheado de correntes vagas e ondas
alagado de parcimoniosos oceanos
no ir e vir do sal e das marés.
oceanos aquosos de heróis e piratas
hipnotizados por cabelos sorrisos
e os lábios carnudos de morango e azul
de encantadoras deusas e heroínas.

venho oferecer-te o poema mais platinado/


o mais gozoso poema da claridade/
entre os clarões fundadores da poesia./
ofereço-te uma inscrição no olhar/
um verso desenhado passo-a-passo, devagar/
irrequieto no andamento. delicado no estar./
insaciável no arco do desejo, no gesto de abarcar/
continuadamente constante, contínuo/
no ir e vir das marés de amor e sal/
esse oceano amoroso embutido de diamantes/
e letrinhas prateadas com que te entrego este
[ poema/

hipnotizado pelos teus lábios carnudos/


de morango, cereja e horizontes de sol./

Figueira da Foz. Emanha. 30 Maio /2015.

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trago um fado de luz e sal prateado no côncavo mais doce de meu
peito./

trago um limiar de limites por abrir, uma malga de sustento por


aceder/

um horizonte sem grades, eventos para perder o pé a consciência


e a emoção. /

trago uma pitada de sais finos salgados, os mesmos a darem sabor


a alimentos/

os mesmos a darem cor aos condimentos felizes do sonho e da


imaginação./

é de alimento o fado que carrego. é de sustento o fado de que


falo./

é prateado o sal ou ânimo das gentes acostumadas à negritude e à


sombra./

o fado este, o que trago e me cativa, sabe bem de agonias e


estertores/
conhece a fundo, tristeza angústia e servidão mas arranca de asa
branca aberta/

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sobre a amplidão prateada do oceano, arranca sobe e plana.
precioso./

precioso é seu voo e seu alcance. desafogado o âmbito de seu


abraço./

o fado que trago e me cativa será intangível na dimensão


quotidiana/

que tanto se apraz em destruir a luminosidade dos encantamentos


e dos gestos./

este fado sabe bem como urge iluminar o pó das horas e a rotação
dos astros./

talvez seja, pois, intangível e utópico na dimensão dominada pela


prosa/
mas vive incólume e habita na orla dos sacrifícios suaves subtis,
desígnios intensos que nos afagam as entranhas apesar de
ignorados à distância./

o fado que trago e me cativa é-me leal ao ponto de morrer


comigo e eu por ele/

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– ao ponto de nos erguermos fundidos mas sós
à hora certa da despedida./
o fado que me cativa e vem comigo comove-se com a inocência
que somos./

possa o tempo suportar nossa passagem: a minha e a do fado de


luz e sal prateado/
no côncavo mais doce de meu peito onde se aloja
o sempre terno coração.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 15 Julho/2015.

12
janela de maré

sou mais uma entrega da maré


ancorada na berma do sal de prata.

sou mais uma entrega da maré


acariciando os vales do silêncio.

sou mais uma entrega da maré


amparando ninhos e penas luzidias,
bicos ávidos de voo solto e peito aberto.

sou mais uma entrega da maré


atordoada pelas bátegas da espera.

sou mais uma entrega da maré


armadilhada pelos liames do medo
que é sempre uma reles e rasa ondulação
ameaçadora de rios e outros caudais,
cobiçosa de fluxos e moveres livres,
raivosa da amplitude do entre margens
por onde o mar de águas livres, pleno, se afirma.
o medo – esse reverso das marés,
seu inimigo mais vil e dissimulado –
é governado pela voz insegura

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pelos incertos passos onde a hesitação
vai buscar embalo certo e acalento.
– pois só se dá à vida o que de vida se habite
e o habitáculo do vivente respira corajoso.

sou mais uma entrega da maré


e porque venho pela mão do oceano
liberto, logo à chegada, a resistência,
força contrária ao rumo do desapego
– pois só se dá à vida o que de vida se habite
e o habitáculo do vivente desliza vagaroso
pelo líquido amniótico da entrega.

sou mais uma entrega da maré


e porque chego pelo mover das vagas
abdico de todo o gesto oponente
ou rival da delicada oscilação
– pois só se dá à vida o que de vida se habite
e o movimento do vivente germina cuidadoso
pelo líquido amniótico da entrega.

sou mais uma entrega da maré.


diluída entre pedras, conchinhas
vasos de plástico, troncos partidos e algas
vogo ao ritmo do presente a devir passado

– pois se o tempo não existe e tudo existe no agora


o difícil desapego devém mais suave

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na desencruzilhada dos nós em certos laços
degeneram ou derivam suas feridas.

sou mais uma entrega da maré.

e entrego os medos e as hesitações


os planos convencionais, os pressupostos
e, sobretudo, a vertigem e o engodo
dos mitos de perfeição e soberania
do esforço em nome de um tempo que nunca chega
da ilusão de um onde que nunca é
e da promessa de um modo que nunca vem.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 14 e 22 Novembro /2015.

15
da impossibilidade da morte para as âncoras

1.
sabemos ambos da impossibilidade da morte para as âncoras.

nascem, as âncoras, de raras raízes esbeltas exigentes


e comprometidas com os astros rosa e esverdeados.

nascem, as âncoras, por entre o riso de crianças de alongados


olhos suspeitos
olhos meigos e inquietos e abertos à cintilação da maré vagarosa
dos dias.

nascem, as âncoras, de mãos inefáveis, de dedos inadiáveis


e, repare-se,
de cabelos lisos avermelhados ou acobreados pela espera
pela demora que leva esperar dentro de água
pela vaga rasa,
pela seca e evaporada linha de iodo, algas, azul e sal
que é o mesmo que dizer: esperar no fogo
que acende o amor.

sabemos ambos de seus caprichos. e quesitos.


esse mesmo é o segredo da nossa vaga
de iodo e algas

da nossa linha de doces sais

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num horizonte onde ainda sobrevive esse beijo inocente na hora
azul
pelos seres reservados e luminosos
«que se vão da lei da morte libertando».

2.
sabemos ambos da impossibilidade da morte para as âncoras.

com pés de barro crispado e dedos que apontam aos céus


avançam –
encandeadas pelo brilho do sol-pôr, quando é o caso de haver sol
e, não havendo, sob a estaladiça aura da lua ou ao luar
esplendente de brancos –
avançam, as âncoras, com uma discrição e candura improváveis
de superar
mesmo pelas figuras de Gabriela L. ou pelos personagens míticos
do país de uma tal menina arrojada conhecida como alice
– avançam, as âncoras, ao ritmo ternário, ao ritmo do pousar
arrastado
dos seus ganchos ou grampos ou ferros firmes na crosta de pedras
e areia
e fundos do mais fundo do fundo do mar.
estrelas e cavalos marinhos circundam-nas.

líquenes e franjas coloridas de raros seres raros luminosos


deslizam ondeiam e oscilam à roda dos seus ganchos ou grampos
ou ferros.

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assim confirmam a mutabilidade dos viventes
a transitoriedade dos desejos e a intemporal sede do movimento.
as âncoras, discretas no seu peso fundido, deslizam avançam e
permanecem
com os pés de barro crispado e os dedos a apontar aos céus,
encandeadas pelo brilho do sol-pôr, quando é o caso de haver sol,
ou
sob a estaladiça aura da lua, ou sob o esplendente luar de brancos
espelhismos.

assim o amor – como ambos sabemos – o amor e as âncoras


esses seres reservados e luminosos
«que se vão da lei da morte libertando».

3.
por entre algas rochedos e asas fluorescentes
voar ao encontro da raiz do mundo.
buscar-lhe o pulso, o pulsar, o timbre
contornar os impulsos, atiçar o risco
e desaguar, liquidamente, à beira do melhor que há em ti.
por entre algas rochedos e asas exuberantes
alinhar os caracóis morenos e a franja revoltada

de vermelhos e brilhos ruidosos de luz


e encontrar, comovidamente, a vertigem de impossíveis em si
na demora no esperar dentro de água na vaga rasa,

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na seca e evaporada linha de iodo, algas, azul e sal
que o mesmo é dizer: por dentro do fogo incendiar o amor sem
[fim.

4.
de raras raízes, as âncoras ensinam a esperar no fogo que acende o
amor.
de cabelos lisos avermelhados ou acobreados pela espera
escoram a nossa linha de doces sais,
um horizonte onde ainda sobrevive
esse beijo inocente
na hora azul.
na seca e evaporada linha de iodo, algas, azul e sal
que o mesmo é dizer: por dentro do fogo, incendiar o fervor sem
fim.
assim o amor – como ambos sabemos – o amor e as âncoras
esses seres reservados e luminosos
«que se vão da lei da morte libertando».

5.
do rodopio das ondas sabem as âncoras e as marés.
distintas e, mesmo, opostas, precisam umas das outras

umas não vivem não existem sem as outras.


às marés cumpre o movimento sedutor da evasiva,
tão cansativo ao cabo de certos tempos

19
quanto a parada fila de pedras num cais.
às âncoras cabe a dança fugidia e exigente desde a superfície,
frouxa,
até à sublime profundidade dos escuros fundos
surpreendentes nos corpos em movimento de cores e luz.

toda a gente sabe que as marés amam as âncoras desde sempre


– embora possam nunca o vir a saber ou nunca o admitir.

as marés são os únicos amores dedicados das âncoras


já que vogam entre a despedida e o regresso
habitam a subtil eternidade indo estando e sendo.

as âncoras – ah poucos conhecem a verdade desses sólidos


braços ligados a resistentes cabos sebosos
cabos e ferros e ganchos persistentes,
serenamente fortes ali, sempre, focados,
despertos e disponíveis para o rebentamento errático
como para o sossego ou a espiral da vaga
vertiginosa vaga repentina e voraz –

as âncoras, lembre-se, são as ferramentas mais infiéis


porque se treinam e habituam à incansável futilidade

das idas e vindas gratuitas, desgastantes boçais.


treinadas, só as sobreviventes ao rodopio devêm âncoras.
só as sobreviventes ao desgaste se assumem, fortes

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firmemente erectas em cada gancho e cabo castanho
avermelhado pelos rubores da intimidade com o mar.

tal força e elegância torna as âncoras alvo de cobiça ou


[ difamação
por parte das insatisfeitas marés.
até ao dia em que, por instantes,
o mar suspende a refega gratuita e para si mesmo declara
que só se habita de marés porque as âncoras o protegem do ar.

com as suas carícias entre o sal e as algas


as gotas e gotículas que se unem, resistentes
defendem o mar de evaporação e nuvens condensadas
gotículas e gotas que, enamoradas, permanecem ligadas
mesmo no roçar das areias
mesmo no embate com as rochas
mesmo na evaporação do ar.

âncoras e marés coexistem, milagrosas


unidas na tarefa amorosa de salvar o mar.

Figueira da Foz. Casa do Caes, Agosto, 25-26 Novembro /2015.


Coimbra. 11 Janeiro /2016.

21
Oferenda

toma este sorriso verdadeiro:


nele se abrigam milénios seculares
de sapiência que eu mesma desconheço,
sabendo embora do segredo que a guarda. Toma
toma este sorriso e o cansaço
que as rugas com que se ri também denotam
pois por baixo de todo o traço esforçado
podem dormir outros retratos ou esboços
do inimitável coração das próprias coisas.
Toma este sorriso e o esboço, toma.
Toma o rascunho de perfeição tão grosseiro
que ele aborda ou indicia mas não esgota
como nem gasta a solidez de cada passo
ou cada gesto engrandecido pelo fervor
que já espreitava na madrugada de ontem
sem que eu soubesse o porquê dessa aparição.
Toma o sorriso, metáfora do fervor
símbolo da esperança e da luta irrevogável pelo bem.
Toma o estremecer dos lábios e das pálpebras
toma a hesitação entre riso e lágrima rebelde
pois das lágrimas muitos sorrisos são ante-câmara
ou resguardo ou repasto ou vão banir.
Toma a ponta da corda juvenil e salta logo

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acata a mão dos amigos a embalar teu jogo
teu momento de transição entre o chão e o ar
tua oportunidade de redenção, e emoção
tão ansiada mas temida por tua sombra
pois tua sombra te encaminha tantas vezes
ainda que não seja esse o lado que mais anseias.
Por isso mesmo toma esse sorriso sincero
arrepia-te sem dó, grita e esbraceja
enquanto o tempo ainda te é favorável ou leal
enquanto a marca de água te deixa o rosto liso
e os cabelos pestanejam, luminosos,
por entre ambas as mãos forçadas na tua nuca
– amparo que ainda não tens porque não estás.
Toma o sorriso, a alegria, os lábios e o encantamento.
E que o zunido da mágoa abrande a pouco pouco
até à hora da tua redenção no amor, ámen.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 21 Janeiro /2016.

23
para quem se amar
“Só sabemos, seguramente, de uma amizade ou de um amor,
o que temos pelos outros.
De que os outros nos amem nunca poderemos estar certos.
E é por isso, talvez, que a grande amizade e o grande amor
são aqueles que dão sem pedir, que fazem e não esperam ser feitos;
que são sempre voz activa, não passiva.”
Agostinho da Silva, Sete Cartas a um Jovem Filósofo.

que a mesma serenidade te habite e cerque.

que tão cuidadosa calma te invada.

a pequenez e a textura dos bagos da romã


para tua sensível mão ao acariciar ternuras.

frágil e cioso carinho de entrega


para teu braço no enlace do ombro audaz.

o travo e a cor das cerejas para teus lábios.

alguns vestígios de infância. muitos traços de esperança.


a imensa força da constância que acompanha a funda turbação.

a turbação em si, ela mesma, intensa e arrebatada


eternamente presente no inexplicável olhar
no brilho e espanto pelo que sente se desconhece
e se não consegue verbalizar esconder explicar.

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a surpresa da comoção. a inaudita e rubra face aliada do coração
ali, descaradamente, a negarem ordens da mente
e a libertarem-se, de vez, do espelho frio e inseguro
na sua imagem muda e voraz.

da rouquidão na voz sem frio


nem febre outros que os da imensa comunhão.
do sorriso, ah, do sorriso idiota
do tom de pele agustino em plena noite de natal
do avanço das entradas na testa alta
do repouso da cintura no sentar suave
do peito a palpitar sem motivo nem jus
outros que a recordação de aquela frase, aquele olhar.

da total consciência da inutilidade de todos os esforços e gestos


da clara consciência da impossibilidade de converter ou mover
afectos.

e, contudo, guardar, intacto o arrepio da alma


ante o imprevisto e radical encontro amoroso.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 26 Dezembro /2015.


mar de prata.
Livro Segundo.
exercícios com o mar

1.
o mar liberta-nos quando nos cativa.

o mar cativa-nos quando nos liberta.

o mar só nos quando nos.

o mar só nos quando só.

2.
escuto a tua onda, mar.
escuto-a desde o remoinho distante
a erguer-se metodicamente
a aproximar-se da superfície dos dias e desta noite
agora ventos, outrora amena
noite de inverno bem situada e viva.

escuto a tua onda, mar.

percebo as nervuras rugosas ao longo do tempo.

sinto a ebulição de algas e ramas entornados


juntamente com os lixos desleixados das multidões.

29
escuto a tua onda, mar.

e esse exercício atento guia-me ao mais íntimo


de todos os mapas interiores.

sonho ao ouvir-te, mar.

e já nem sei se o que escuto é a tua onda ou promessa


ou o teu desfecho desistência rebentar.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 8 Janeiro /2016 .

30
poema em estilo passadista a condizer com a matéria em causa

1.
que faço agora, ó mar, com os meus mortos
em cada ida à terra da sepultura,
em cada oxigénio durante a visita,
em cada instante fragmentado de memórias,
em cada vestígio, saudade, e sei lá que mais?
que lhes digo?, caso me acariciem o ombro
que lhes posso relatar que eles não saibam já?
que lhes contar dos actuais ventos contrários
rondando a europa, acossando a humanidade?
que rendas de bilros invento para a brancura
dos dentes dos contínuos povos famintos?
mãos rugosas de temperança, agora apeadas
do circuito de criar belezas ou produzir vida,
mãos acusadas de ser reles sua paga e improdutiva,
enxovalhadas com o apelido da incompetência e
da preguiça – imagina!, tão robustas mãos! –
com que palavras as situo assim e explico?
quais os códigos para delimitar o vazio
da dignidade de quem persevera e trabalha?
com que etiquetas embelezo a etiqueta
da vingança destes poderosos corroendo
a caminhada das lutas e o sol brilhante
as conquistas de nome, voz, e lugar?

31
como evitar que os meus queridos mortos leais
percebam o cinzentismo, agora vigilante?
a quem convoco com urgência e confiança
para apoiar-me neste piquete da esperança?
neste insistir e resistir onde fervilha a vida
e, desse modo, se adia o fracasso e a derrota
da História e seus eméritos combatentes
de digna partilha, de mãos honradas
da alegria de honrar nome, lugar e a hora
onde nascer é abrir um novo caminho
onde o único destino que se herda e antecipa
é o de fazer, abrir e refazer caminhos novos?

2.
que faço agora, ó mar, com os meus mortos
vivos na memória e no exemplo de resistir?
como lhes abro os braços sem vacilar?
como lhes ouço as falas sem nostalgia?
como lhes sigo os passos sem hesitar
novas passadas e direcções originais?
como, dos limites superados, não transparecer
o espanto com a similitude de hoje em dia?
como respirar sem sentir a poluição baça?
como cantar sem assumir a rouquidão que fica
entalada entre o absurdo e a impotência
tão presentes no arco-íris da actualidade?

32
pouso as pálpebras. em silêncio, inspiro / e recobro forças nas
lições da sua memória:
haja instantes destes em nome da liberdade.
possa o tempo suportar nossa passagem: a minha e a do fado de
luz e sal prateado
no côncavo mais doce de meu peito onde se aloja o sempre terno
coração.

Figueira da Foz. Caes da Alfândega. 18 e 25 de Agosto /2015.

33
regresso ao mar
que o teu pulso incita e alimenta.
desse mar de estranhas madrugadas por morrer
madrugadas alvas e iluminadas pelo arco e a flecha
do deus mais amoroso de que há notícia,
tão amoroso que dedica a sua eternidade a unir e reunir
os seres que ainda não descobriram a cristalina divindade que os
habita,
aí pelo mesmo rio por onde desagua a serenidade e a compaixão.
amor, chama-se, mas com maiúscula,
letra raramente empregue nos desdobráveis da propaganda
a esmifrar-se na mutação de cada ser num yô-yô sem graça
formatado e hegemonizado pelo corte de cabelo e a pose da
[mão.

regresso ao mar azul e branco e transparente. salgado e doce


demente nas inúmeras convulsões mas calmo, por dentro,
profundamente calmo nos contornos que importam,
os de dentro, os do amor.
regresso sem nunca me ter ido embora, aliás.
só parece, pela larga caminhada a que vim, pareço ser domada
por abandono i indiferença maligna. mas nunca
nunca o meu braço se ausentou. nunca a minha voz calou

34
o rugido ou o sinuoso silvo do encantamento com que me
[ brinda
amorosa, a tua mão de navegante. pois é de um regresso à pátria
mais dorida e antiga que se trata. é de um encontro com a mais
[ velha
e fresca memória de todos nós, meu amor de pulsos suaves e
[firmes
como firme e suave sopra a maré habitada pelo amor.
regresso, portanto, à pátria,
com todas as letras e figuras herdadas
com todas as palavras e frases aprendidas estudadas e a fluir.
regresso à minha pátria amada, esta que é a orla do oceano
que o teu pulso incita e alimenta «até à hora da nossa morte,
ámen.»

Figueira da Foz. 27 Junho /2015.

35
“Nasço amanhã, não chorem por mim ...”
Zé Manél (Fotógrafo)

Nasço amanhã, não chorem por mim durante esta passagem meio
ansiosa e ternurenta como sofrida, insuportável maravilhosa e
indizível.

Nasço amanhã na borda de beiral num ninho de andorinha, no


alto de um poste de electricidade com outros cegonhinhos, no
ermo de um descampado onde o leão esfomeado não descubra a
minha cauda juvenil.

Nasço amanhã de verde vestida e vegetal, espumando bolhinhas


no fundo oceânico, chispando rugidos na mata invernosa ou
no deserto seco rastejando, malhada ou lisa, silenciosa ou com
chocalhos pequenos, pois não é carnavalesco o tempo da passagem
da cascavel.

Nasço amanhã no coito da égua e seu macho, no choque do louva­


‑a-deus saciado, na brutalidade pura da espera do urubu-rei pela
reciclagem.

Nasço amanhã de cores suaves estilizadas e transparentes apenas


visíveis no encontro de uma gota de água com um raio do astro-rei.

Nasço amanhã no rodopio da borboleta azul que conheci no Parque


Iguaçu com minha irmã Piccinni e as cataratas.

36
Nasço amanhã na crina loura do cavalo islandês castanho e roxo.
Nasço amanhã nesta terra de fogo e gelo e pedra pomes, onde a
lava se lava nas águas dos mares para se secar ao frio a seguir – lava
a devir terra.
Nasço amanhã por deuses e deusas desejada e gerada, pois sou o
lado mais antigo e o mais eterno lugar.

Nasço amanhã pela mão do que desenha da que esculpe da que


rega do que lavra da que ara do que sacha da que planta do que
ceifa da que apanha do que mata da que cata da que mata do que
ataca da que embala do que agarra da que agarra do que embala da
que beija do que beija do que entrega e da que entrega – cada um
pelos tempos dos tempos diferenciado e em seu caminho unido
e irmanado.

Nasço amanhã; portanto, não morri nem morro – que a morte é a


presunção de paragem e sombra para os seres eternos e maravilhosos
da luz.
Nasço amanhã; portanto, não me serve de nada usar abusar
explorar espoliar manipular nem viciar seja a que ente mínimo for
– que a ilusão de poder e submissão é altivez do ente incompleto e
miseravelmente infeliz.

Nasço amanhã; portanto, não perco – que perder é soberba do que


acumula em sua infinita incompletude.

Nasço amanhã; portanto, não parto – que a partida é ilusão para o


que ainda acredita na espartilhada partição do cosmos.

37
Nasço amanhã; portanto, não desisto – que a fraqueza ou a força são
armas arrogantes dos que se reduzem ao que distorcidamente lhes
sinalizam os sentidos ou a razão que é um sentido mais enganador
por se alcandorar à perfeição imbatível.

Nasço amanhã, não chorem por mim mas, sim, contemplem-me, a


mim, em vós e sintam-se, vocês, em mim.

É o rito da fusão que nos liberta do agora e nos devolve à


condição de vivente na eterna e plena vida de mar.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 18 Fevereiro /2015.

38
entre as colunas da casa interior/
e as bordas do oceano mais atlântico/
corre este rio que amo e vem de longe/
e fala ao rubro e usa flores no cabelo/
e salera como nenhum amante sabe/
a menos que sejamos nós os dois, meu amor./
meu amor encantado pela maior voz /
que nem o fado agora rasgado alcança/.
meu amor iluminando o caos da passagem/
alumbrando os passos da antiga espera /
‘é preciso perder... acreditar’ canta o vento/
‘a noite sempre se tornará dia’/
neste cais do caos aberto ao que será/
a escrita por minha mão na tua/
a sílaba salteada entre o canto/
que amanho guardo e às vezes solto/
e um dia irei depor em teu peito/
como um dia já depus sal puríssimo/
conservado pelo espanto de meus olhos, /
sal de cristais levíssimos e apurados/
no ninho da utopia que me habita/
e, a uns, parece tontice ou desacato/
mas aos seres, como tu, amos da fala/

39
se configura na dobra da coragem/
que me ergue de cada armadilha, queda/
e me aligeira a dor e o traço das rugas/
sem outro mistério outro que este segredo/
que é tratar a vida com amor e alegria./

Lisboa. Cais das Colunas. 24 Setembro/2017.

40
já falei de marés vagas pontões/
da borda musgosa das ondas
da maravilhosa incerteza da partida/
antes do regresso das algas dos troncos despojos /
e restos e sonhos e outros detritos como o lixo /
mais grave que é o que não se viveu./
já. já falei da solidão do farol, /
necessária e inerente ao cumprimento da serena fidelidade/
acompanhada pelo que importa e se espera pois se sabe que
voltará./
já falei do cais, dos cais e dos guindastes. e do embarque./
dos soldados morrendo de medo abraçados às noivas antes da
[comissão no, dito, ultramar/

como se o mar não fosse sempre esse ultra magnífico


[continente/
espraiado entre terras de gentes e distintos bairros e barros./
já falei do sal – ah e lágrimas salgadas e doces/
e do escorrer de rios de espanto ou desespero/
do caudal desses rios pelo rosto ou pelas mãos /
até aos lábios onde guardo esse beijo /
ao contrário da poeta, também alentejana,/

41
depositado na minha boca e /
recordado para sempre por minhas mãos /
quando aqui venho à janela das marés /
nesta casa da voz /
gritar, despedaçada /
pela tua partida sem glórias nem farda /
meu amor tão antigo e sempre novo
que me morre ainda, devagar, neste vagar que é o amar.

Porto. Casa da Voz. 9 Setembro/2017.

42
Bendições

Bendita esta cavalgada de espumas.

Bendita esta amurada de águas.

Bendito o forte sabor do ar de iodo.

Bendito o azul espelhismo transparente.

Bendita a tua voz, ó maré alta!

Bendita a tua entroncada presença


de vibrações mágicas e sal, ó mar!

Bendito quem te visita e contempla.


Bendito quem te lavra e semeia.

Benditos, tu e eu e todos vós/


mirones comovidos da prata líquida,
desta costa de pratas e áureos amores.

Figueira da Foz. 20 Abril /2015.

43
mãos de prata.
Livro Terceiro.
a faina do suor e da mão

depois da faina do despeito entrego-me a tua paciente mão.

vive cuidando distâncias e direcção que teu passo solitário hesite.

depois da violência dos olhares vidrados


que outro paraíso ?

aconchego-me ao espaço entre nós.

alheada de pregas da idade, rugas de pobreza


e baços esgares da cobiça
entrelaço-me dedo a dedo, devenho laço.

haja silêncio e um ténue e húmido nevoeiro


a encorajar o ombro a ombro do primeiro beijo.
haja saliva e sussurros de emoção.

as curvas das letras orais alimentam nossas línguas.

bendita a escrita mansa na pele manuscrita


bendita a avidez da corrida pela humidade, para a unidade.

47
depois da fogueira de teu peito solto faúlhas da rebentação.
não fora a tua paciente mão
que outra arrojada loucura,
que outra insensatez nesta baía
sem samba do fado português?

Figueira da Foz. Casa do Caes. 10 Abril /2015.

48
oferendas incondicionais

na extensão de mar que se me oferece/


ali à frente/
recebo a cor,/
o planar de gaivotas,/
o voo picado das ondas,/
listas cinza e lume no céu do sol-pôr,/
e o marítimo cheiro de tua nuca/
ali à frente,/
vogando entre os passos peregrinos na areia/
e as memórias e as saudades enroladas na toalha de quem vai
para casa./
recebo e guardo sem saber bem/
a que servem nem a que vêm tais oferendas/
para além do alto ofício da poesia/
a que tenho de fazer jus e vénia/
por se tratar de trilho incrustado – mesmo intrusivo –/
que nunca posso evitar, e já nem quero./
recebo estas oferendas incondicionais/
e o tempero do também pleno amor/
há-de conservá-las e apurá-las até à hora/
do merecido entendimento./

Figueira da Foz. Nahida. 21 Julho /2015.

49
um dia ainda vou escrever o devido poema
sobre o cortejo das traineiras frente a essa janela.

direi do invisível ronco bem audível de motor e águas


movidas pelo deslizar leve, ainda, do casco pronto
a receber a febra semeada por sereias e homens
por homens e rapazes e aventureiros de uma só noite.
direi, pois, do espaço livre de convés redes e mãos
a aguardar a colheita a volta a paga de sulcos e ondas
a retribuição pela dádiva das noites claras de amantes
ao roteiro de febra colheita e saga da pescaria.

direi do contorno cada vez mais nítido da traineira


a assomar por entre névoa chuva ou sono
a assomar e a desenhar, uma após outra,
a solene comitiva da saga da nobre pescaria
a comitiva em arco desenhando-se no estuário
até alcançar a entrada ou saída (conforme a volta)
do molhe de cimento e rocha – saga também
de muitas horas de amantes doadas em esforço à pedra
doadas no esforço de homens rapazes e aventureiros
para converter a pedra em sonho em projecto e em obra.

direi do rodopio das águas a fluir em mil refegos em vê.

direi da estrada líquida paralela à via de semáforos e cimento.

50
direi do estandarte festivo em cada safra prateada.

direi das olheiras morenas de regresso à morna concha.

direi dos roteiros salteados entre a turbulência e a planura do sal.


direi do arquejar de ombros e dorsos na dança forçada
de lançar içar guardar e alcançar a lograda paga.

direi dos caracóis do bébé já nascido


e ao colo resguardado da mulher, na casa.

direi da força e do cheiro fortes de faxina e faina.

direi da vertigem e do tacto fortes do regresso ao corpo


esplendente da mulher esmerada sempre.

um dia ainda vou escrever o poema devido


ao cortejo das traineiras frente a esta janela.
fica o lembrete o desejo dessa fala
que te confio até que o poema se esmere
e vá desaguar no restolho prateado da faina da febra
ao largo do molhe de muitas horas de amantes doadas à pedra

doadas no esforço de homens rapazes e aventureiros:


concretizar a pedra em sonho, torná-la projecto e
com a ajuda sábia do teu traço e do teu braço
converter o projecto na obra e a obra no gesto de consolação.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 3 Julho /2015.

51
o meu coração

fica assim apertadinho entre os cotovelos e o colarinho


entre a cabeça e o estômago, pequenino mas contido.
calado. silenciado. escondido e ignorado
pelas piadas e frases ditas em alta voz
a animar companheiros e amigos de mesa ou café.
o meu coração de homem, sim, fica apertadinho,
nas vezes em que a humidade dos olhos de tanto reinar
se confunde ou funde mesmo com a comoção de uma memória,
ou a lembrança de alguém trazida por certa voz, saia,
ou aquelas pernas ou estes lábios. de coração apertadinho, sofro.
por isso, às vezes, levanto-me de-repente e vou lá fora
apanhar ar, dar uma volta, arejar os sapatos,
ver as vistas, lavar os olhos ou, só, espairecer.
fica assim: apertadinho. como notaste há pouco e logo desviei o
olhar
não fosse confirmar-te e abrir flancos neste paredão
o que sempre é temido e prevenido pela trupe de mesa ou café
pois os flancos numa amurada podem contagiar outras
muralhas,
flancos amuradas paredões ou paredes de outros
e, isto de abrir o coração ainda nos assusta muito muito,
até porque está agora na moda as mulheres fingirem-se fortes
e menos emotivas. ora, se assim é, como há-de um gaijo

52
reconhecer que é e sente o que elas já não admitem?
sim, fica assim apertadinho, o meu coração de homem.
e bate acelerado.
e fica encarniçado.
e bombeia depressa.
e sofre de espasmos.
e regurgita até ficar rente à boca.
e foge pela barriga das pernas.
e escorre pelas costas abaixo.
o meu coração de homem bom e forte fica, assim, apertadinho,
sempre que sinto e sei que sou forte porque sou bom
porque a minha força está no que sou capaz de sentir
mesmo que o não admita a mim nem a mais ninguém.

há pouco podia ouvir-se, apressando-se cada vez mais


numa rotina desfeita, assim, sem mãos a medir
sem travão nem cinto de segurança que lhe valessem.
semi-cerrei os olhos para observar a sala à-vontade
sem ter de dar contas a mais ninguém,
assim meio puto, meio conquistador destemido
sem mãos a medir e de coração, assim, destravado
como o olhar e os sonhos incansáveis e contínuos
que se me soltavam por entre as pálpebras, há pouco.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 1-2 de Maio /2015.

53
dos guindastes, esses actos amorosos
“O auto-conhecimento é filho de actos amorosos”
Helena Blavatsky.
1.
por mais que mude a direcção do olhar
é sempre da imensidão do azul – o horizonte.

os braços robustos de aço e metais coloridos estão em pausa,


repousam também eles da carga pesada para que foram
construídos.

o destino é essa massa criativa por onde nos vamos encontrando e


desencontrando, amor meu.

os braços robustos estão, em pausa.


indicam o azul de cima. emergem do azul de baixo.

há um ponto no horizonte ou na perspectiva onde os azuis devêm


apenas um.
são apenas um os dois azuis que o nosso limitado olhar alcança.

por isso é que, por mais que mude a posição de rosto ou a


direcção do olhar
é sempre azul e imenso o profundo horizonte.

amo-te, amor, com todos esses limites da visão e do olhar.

54
quando alcançar a perfeição não teremos mais este laço,
meu amor, pois já seremos só um,
meu amor iluminado quando ri, alucinado quando sofre,
sempre infante e fugaz como a fragilidade faz.

o destino é essa linha a tracejado que vamos corrigindo ou


renegando ao respirar.
o ritmo da respiração e a abertura de ar e luz são os utensílios do
destino.

caminho ao ritmo da ilusão consciente, pois sinto a tua mão na


minha, fulminante.

caminho ao som da balada interior, pois oiço o teu encanto em


cada urro silenciado
marcado na ruga e no rasgo espantado de teus olhos, às vezes,
meu amor.

amo-te, amor, com todos estes sinais de loucura e encantamento


figurativo e realista.

o amor é, por definição impossível, a alma do utensílio que é a


realidade,
digo, da plena utopia que alaga o presente a devir magma.

o amor é a alma do magma, a acha do vulcão.

e tudo o mais? é, amor, pura ficção.

55
2.
agora, os braços trabalham em turnos durante noite e dia,/

para encher os depósitos de mel ou os cargueiros de sal ou os


contentores de cargas que só os guindastes elevam.

os guindastes fizeram-se para erguer tudo o que os humanos não


[ suportam: /
aros de aço, tampas de metal fundido, escadas de betão,
litros de combustíveis líquidos ou de todos os leites de todas as
cores/ escorrendo
de frutos redondos como as uvas os seios ou as conchas / ou as
barrigas doces
em cascos de nogueira também conhecidas por barris pipas e
tonéis/
tudo isto que os humanos não aguentam às costas aos ombros,/
tudo isto e muito mais como sejam cargas impalpáveis e
invisíveis/
a saber: pesadas ideias de culpa, invenções de pecado,
sentimentos de tristeza ou impotência,
ideias de desistência ou abandono,
corações fraquejando na batida, na corrida ao sangue,
mãos tremendo de dor saudade ou medo,
olhos aguados de todos os sais sisudos,
lábios molhados pelo húmus da distância e da hesitação,

colos ciosos e ocos de futuro e aconchego/


pois os guindastes fizeram-se para elevar tudo isto e muito mais

56
matérias materiais e elementos
que os humanos não aguentam às costas,
nem nos rins nem aos ombros e nem sequer
na memória lembrança ou na imaginação/
motivos, agora, para os turnos de braços em toda a noite e em
todo o dia/

para encher depósitos de mel cargueiros de sal ou contentores de


pesadíssimas
cargas que só os guindastes suportam /
que só os guindastes aguentam, elevam, transportam e mudam,
de vez, de lugar;/

assim, agora, enquanto uns braços trabalham,


outros abraçam a nocturna transição para o outono,
e outros braços apenas abraçam/
a pele do vulcão desejado a seu lado em repouso
entre lavas e ondas de fogosa entrega;/
agora, neste entrecortado silêncio pelas gaivotas a adejar gritos e
silvos ruidosos/
agora, neste assumido contorno dos afectos sem outro destino
que a dádiva/

agora, neste assustado recanto da alma perturbada, saudosa do


espírito amado e seus ansiados passo dorso lábio e braço/
agora, neste interior espelho da confirmação a reflectir contenções
sonhos e gestos partilhados.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 6 e 16 de Setembro/2015.

57
Pousar a meia vida

impossível de ignorar o rumor nas docas


as vozes gritantes das gaivotas
cordas de mastros ressoando nos mastros
ondas suaves firmes constantes
e, ao longe, o mar.

impossível de conter suster esconder.

acorda, a pouco e pouco, a madrugada.

possas esta noite pousar a meia vida.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 15 de Maio /2015.

58
entrega

entrego a palma e as costas desta minha mão morena.


entrego-a ao astro sol e ao lunar, a estrelas réstias e poeiras.
entrego-a aberta e limpa de restos de pão, uvas ou pão-de-ló.
entrego-a silenciosamente aberta, exposta e dedicada ao fulgor
do horizonte que venha a desenhar-se, devagar,
por outras mãos e dedos tão acalorados como os dela.
entrego a mão ao infinito azulão onde me debruço comovida.
E só.
entrego a mão ao vasto mistério da entrega
entrego nesse modo de entrega que é universal
do mesmo modo que é único e intangível
só transmissível por gestos de doação e entrega
assim feitos, eles também, mão a mão.\

guarda a minha mão, amor, guarda,


no mais doce mel de prata do teu coração.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 2 Agosto /2015.

59
no rosto o riso o sorriso e a ruga aliados da rama a balançar lá
[ fora,
trago.

no peito o cuidado o aroma e o suave roçar das horas da


[ rendição.

nas mãos? nada trago – chego ciosa e confiante das tuas. mãos.

Figueira da Foz. 15 Fevereiro /2015.

60
porque

porque eu vim a este mundo para que eu tivesse a vida


em doçura
abundância festa justiça
ternura e alegria.

porque eu vim a este mundo para que o mundo


me tivesse a mim
em tudo o que faço
com tudo o que meço
e por tudo o que sou.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 29 Abril /2015.

61
tudo desde sempre te habita, meu ocluso amor,/
nessa imensa dimensão que é teu franco pulso/
teu pulsar continuada e certeiramente/
encadeado com os elos do coração/.

tudo o que vens até ao aqui descobrir /


– oh meu amor melódico!,
oh meu mais interior /
sentido, voz que canta, parceiro silencioso/
do suspiro calado
silencioso e discreto /
silencioso amante de timbre verso e rima/
encantados pela precisão de teu toque/
e teu tocar, oh criatura graciosa! –/
tudo o que vens a descobrir é imanente a teu passo/
aloja-se em teu olhar e habita o que resiste/
do futuro na séria e colorida trova/
de onde te ergues, majestoso e crucial/
tu, quem nomeia o segredo e a anunciação/
de cada vez em que transpiras melodia/
que acolhemos, serenos e fiéis, sinceramente/
tão fiéis como jamais ousámos viver em lealdade/
e generosa dádiva de cânticos e sílabas./

sim, talvez ela saiba desta odisseia impossível/


talvez ela lembre cada vez que transpirámos/

62
em uníssono e em segredo, saudosos/
da chispa de outrora que nos coube, amansar agora,/
ou traduzir noutra veia ou desafio fogoso/
noutros timbres e repercussões audíveis/
enquanto enterramos, literalmente, dentro da terra/
reminiscências do fogo da consumação/
dos corpos pois, sabendo que somos um/

agora, não tem mais lugar a individualidade do cosmos/


agora, não faz mais sentido a sofreguidão dos sentidos/
nem apropriar-se, alegadamente, o que já se tem/
pois o que se tem nada nada é, de facto/
nesta roda viva de ser-se e devir eternidade./

talvez a tua alma saiba de todo o território/


onde pousa teu mais afinado acorde./

tudo ao que vens o que anseias desejas e esperas /


já te habita intimamente vibra alojado/
entre a possibilidade de inspirar e a de expirar /
entre o governo das cores de nostalgia /
e as alegrias do crepúsculo solar./
tudo permanece e, no entanto, se esfuma:
se desvanece ao ecoar da palavra/

esmorece o ruído excessivo grito e agonia/


esboços do atropelo e da hesitação/

63
desaparecem ao contacto da saliva/
guardadora da fala e da palavra./

tudo, meu amor resguardado./


tudo, meu amor destemido./
há-de dar-se a ver a madrugada calma/
a calma maturação do mundo esquivo/
do agora e do aqui expandidos /
e alinhados desde a raiz, teu pulso farto/
encadeado com os elos do coração./

estação de caminhos-de-ferro Coimbra-B; comboio suburbano Coimbra-Figueira da


Foz. 3-4 de Junho/2015.

64
mel de prata.
Livro Quarto.
há uma chuva de mel, uma rasa maré dourada, digo, de prata
dourada, pois todo o sal
aqui se converte à prata e mais nenhum outro travo sobrevive

2015.

67
bica

organicisticamente


naturalmente


caeiramente


o pulsar gaiato do meu peito com a proximidade do teu café da


tua boca.


Figueira da Foz. Casa do Caes. 8 Abril /2015.

68
abraça-me

abraça-me com o teu pé


com esse irrequieto pé tremelicando enquanto falo
esmigalhando o lado interior do sapato, devagar mas com
firmeza
toda a firmeza que encontras ao reciclar o medo e a estranheza
do meu respirar.
abraça-me, pois, com esse gesto cativante de tão inseguro
e puro.
depois, abraça-me com o joelho, arqueado, pulsando
de encontro ao outro joelho, dois joelhos nervosos e ansiosos
face ao meu estar.
depois, é claro, podes abraçar-me com o jeito de encovar
o cotovelo
o gesto de afastar em meia-lua para o prender de novo à cinta
– abraça-me, sim, com essa dança esquisita e involuntária.
e com as madeixas pendentes na testa
a ajudar-te na tarefa da dissimulação da distracção de aparentar
a indiferença a distância e o desinteresse – abraça-me com essa
melena com idade, aí mesmo pousada entre o íman divino e
a humaníssima hesitação.
abraça-me com os dois olhos de que ainda nem consigo lembrar
a cor
com as cintilantes meninas dos teus olhos meninos – abraça-me

69
devagar, pousando por mais tempo o brilho e o carinho dos teus
nos meus olhos.
abraça-me em silêncio, já agora, suspendendo a voz o tom
o canto e a espera entre falas – abraça-me com o silêncio,
envolve-me no silêncio
durante toda a madrugada até ao altar mais alto da luz,
rente à linha do oceano morno e dócil
nesta costa portuguesa pois, noutra costa, dinamarquesa
este oceano tem poiso para a sua rebeldia e insensatez.
abraça-me com a insensatez e o imprevisto, com o inesperado e
o inadiável, o mais temido e desejado de todos os contos ou
histórias ou, mesmo, vidas: abraça-me com a ternura imensa
de teus sonhos
teus pensamentos e desejos ocultos à espera da estação
das colheitas que demora e magoa nessa espera.
assim, depois de tantos amplexos saciados, consinto, por fim
que me abraces com teu braço preciso e tenso
e, repara, até admito o leve roçar dos meus por teus lábios
carnudos destemidos e tão sós.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 28-30 Junho /2015.

70
culturas do mel

as culturas do mel variam com as emoções mais do que com as


estações.

as culturas do mel espraiam-se por todos os 7 continentes


se juntarmos o silêncio e o maravilhamento aos outros 5
já situados.

as culturas do mel espelham todas as auroras boreais todos os


pôr-de-sóis
todas as rondas de lua e de amantes espavilados na madrugada
do desejo.

as culturas do mel vertem cera sedosa por todos os tecidos


musgosos aveludados
incluindo as peles de mulheres as peles de homens e, sobretudo,
as respectivas mãos.

as culturas de mel são avessas a micro-ondas e frigoríficos, como


a batedeiras
ou aspiradores ainda que silenciosos e inteligentes para se
desviarem das coisas
porque as culturas de mel só vingam e florescem no contacto
perfeito de corpos almas e sonhos.

as culturas do mel são frágeis e irrepetíveis.

71
as culturas do mel rejuvenescem com a idade e alcançam seus
melhores brotos
na esquina da vida a meio caminho entre o passado e o futuro
derramando-se na colheita gourmet conhecida por mel de prata.

as colheitas do mel são suaves e tangíveis. mas rarefazem-se por


feliz timidez.

as colheitas do mel perduram mesmo quando há guerras e


temporais
pois encontram na humidade e no susto as suas mais perfeitas
sementes.

por fim, resta dizer que as culturas do mel variam com as


emoções mais do que com as estações.

Figueira da Foz. Casa do Caes.1 Setembro /2015.

72
memória azul em mãos de veludo ou mel de prata

1.
trazias-me no ar, assim, ao de leve, enlevada desde as pestanas ao
arrepio na nuca e nos ombros
trazias-me, fazias-me estar sentir e sonhar azul
um azul musgoso, macio, táctil à vista 
como nunca o céu que amo o conseguiria 
pois o céu que amo eleva-me para o cosmos e este azul enraíza-me
no meu corpo e no corpo da terra.

sagrados, ambos os azuis, seguramente.

enraízas-me, pois, ao de leve e pela impossibilidade de voar e


pousar no teu tronco, enlevada
desde as pestanas aos arremessos do colo dos colos dos corpos dos
húmidos corpos que nos distinguem e vibram em carne e sangue
pulsando pulsando até ao serenar da respiração.

trazias-me. fazias-me. enraízas-me.

e pulsas.
aluviões de tons sombras reflexos claridade aqui e ali
espreitando, claridade aqui e ali deleitando-se com as tuas mãos
a desenhar da luz ao perfil, da sombra ao volume – pulsas.

é uma fantástica incoerência, esta pulsão. este pulsar.


por ser isso mesmo: fantástica pulsão, modo de pulsar ou vibrar

73
em carne e sangue
até ao serenar da respiração.

e ainda há o cheiro.

para além dos clarões.


para além do susto e do punhal no peito quando parti
ficou comigo o odor de mãos napa lápis e homem.

nunca te disse que o que mais me fascinava era o homem


possível em ti?

e o improviso. o rasgo repentino de silêncio, o romper


impulsivo de um registo – o possível
o imaginário, um rasto de odor e corpo de homem permanece
em mim.

voltar atrás é probabilidade dos contos e da física quântica


embora nunca seja exactamente no mesmo lugar nem pessoa
que o regresso se faça.
aliás, tenho-me treinado para olhar para os telhados e para o
horizonte

de modo a focar o presente e a não desperdiçar caminhos


desconhecidos.
por isso duvido muito dos regressos.

74
mas há o cheiro. para além dos clarões
ficou comigo o odor de mãos napa lápis e homem.

enraízas-me, pois, ao de leve e pela impossibilidade de voar e


pousar no teu tronco, enlevada.

para além dos clarões: fantástica pulsão,


modo de vibrar em carne e sangue até a respiração serenar.

esta a memória azul em mãos de veludo.


– de ti.
–.

2.
as mãos tremiam, húmidas, ao contacto do ar
da tua boca.
as mãos desfaziam rugas num morno bálsamo ou leite
morno leito de anos sem amos
leito do amor.
as mãos libertavam vapores e bolhinhas estranhas
raras doces e mornas
alongando uma curvatura afastando um pé alisando uma ruga
disfarçada de risco escondido

– uma marca do tempo recuada morna e doce, calidamente


aberta para se vir depositar nas mãos de veludo
no azul das mãos – sagradas, ambas as mãos, seguramente.

75
3.
as nossas bocas morriam com falta de ar.

ao contacto do ar da minha boca a tua boca devinha minha a


minha boca devinha tua
e as nossas bocas serviam-se em principescas salvas de saudades e
ardor.

sagradas, ambas as bocas, seguramente.

4.
ah mas era enlevada desde as pestanas ao arrepio na nuca e nos
ombros
que tu me trazias.

sonharmos, fazermos azul.

e eu devinha um tecido musgoso, macio, táctil à vista.

eu, o veludo.
tuas, as mãos.

memória viva do bailado de nossos corpos em versos azuis.

76
5.
perguntar as horas à tua mão às tuas mãos, dos segundos dos
instantes das subdivisões dos tempos em minutos imensos pelas
tuas mãos. perguntar sem fala sem ruídos outros que o dos
batimentos nas tuas mãos.
melhor do que perguntar, saber.
melhor do que perguntar, sentir.
as horas nas tuas mãos.
nas tuas morenas mãos de veludo pousadas em meu coração.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 7-11 Fevereiro /2015.

77
dar a mais bondosa, a mais carinhosa mão.
estender os dedos de mel, frutos do bosque, luares azuis 
e
dourados
poisos do astro diurno no friso do anoitecer.

doar sem mágoa o memorável.



doar sem medo o impossível.

e partir na volta de uma maré, até que a maré os regresse aos dois.


Figueira da Foz. Caes da Alfândega. 24 Julho /2015.

78
guardar as mãos

1.
guarda a minha mão, terno amor, guarda,
no mais doce mel de prata do teu coração.

2.
primeiro, fechada dentro do lenço carmim de rosas brancas
e rosadas
lenço onde o meu sonho já repouso junto de ombros, húmidos
da noite
fria de um inverno de que te não disse nada, ainda, nem direi
porque falar do inverno em pleno estio é desconcertante
e nós habitamos o pólo apolíneo sem restrições outras
que a batida de cada um dos nossos fogosos corações.

olho-te e vejo-te, bem, cristalinamente.


olho-te e leio-te até ao cristal a bordar-te o peito
passando pela chaga dorida e também vadia que acalentas
até a batida do teu coração fogoso to permitir.
olho-te a embalar-me a mão, colo estranho e tão macio me dás
às vezes, por erro distração ou desconsolo dos dias frios
para nós,
nós que habitamos o pólo apolíneo sem outras restrições
que a batida do coração de cada coração de cada um de nós,
fogosos – os corações como tu e tu como eu e nós.

79
olho-te e vejo-te, à distância. só. monumentalmente só.
e por isso digo: leva no lenço das rosas a minha mão morena,
amor,
primeiro, leva-a amor, resguardada pelos espinhos no lenço
carmim
até poderes pousar a invernia nalgum patamar desta passagem
gélida, às vezes, torrencialmente gélida e monumentalmente só.

primeiro, amor, leva a minha mão fechada,


até para que ninguém lhe possa ver nem ler as linhas
da vida e do amor, nem ler nem vaticinar as gretas
da vida e do amor, monumentalmente gravadas
ali onde é suposto ninguém olhar nem saber ler
linhas dobras traços nem rugas traduzidas em sentidos
alheios aos maternos como aos concubinos ou laborais.
primeiro, amor, leva a minha mão pousada no lenço das rosas
lenço onde o meu beijo já se abandonou à ternura
como os meus ombros húmidos da noite da tua voz.
passa agora um vento frio pela marina.
um inverno de que te não disse nada, ainda, nem direi
por estes dias tão próximos, dedicados ao fulgor.
é que, sabes?, para além do desejo do sal do pão e do mel,
identifico ainda outros elementos magistrais,
outros materiais a gemer águas e a tiritar
na esperança de que alguém páre para os ver e acondicionar
porque, sabemos, este inverno em pleno estio é desconcertante

80
e nós habitamos o pólo apolíneo sem restrições outras
que a batida de cada um dos nossos fogosos corações.

guarda a minha mão – terno amor, guarda, no mais doce mel de


prata do teu coração.

olha: tudo o que estremece na alma tem uma leveza estranha


por dentro.

a idade, avançada, guarda a infância e os pézinhos tremendo


inseguros, tacteando o solo e as pedras e areias.

os cabelos, prateados, guardam a ondulação poderosa da


juventude
soltam-se, ainda graciosos – talvez só agora graciosos –
e encantam, nesse risco teimoso a dividir a madeixa
que recai sobre o teu olhar
maduro
a guardar o brilho da juventude, irreverente, sofrida, até.

o sorriso enquadra outras rugas de que agora te não quero ouvir


falar.

os lábios – ah os lábios guardam o recorte e o sabor,


o sabor e o recorte e o sabor – ah meu amor,
o teu sabor pois não duvides que o sei bem.

81
enfim, podíamos explicar o peito, o dorso, a cinta mesmo
os ombros
os membros mais frenéticos e os mais recônditos,
até pousarmos nas tuas mãos ou nos teus pés.

apenas me detenho um pouco mais, amor, nas mãos.


guardam-nos da falta do amor quando, fervorosamente,
as pomos lado a lado ou as abrimos em entrega erigida aos céus.
as mãos, meu amor, são o grande resguardo do corpo,
da alma e do espírito eterno que assoma no amor.
por isso mesmo te retiro a minha mão rapidamente tocada
pela tua
para, com o tempo da eternidade, poderes tomá-la, depois,
para, com o tempo da eternidade, poder tomar a tua
na minha mão.

tudo o que estremece na alma tem uma leveza estranha.


tudo o que estremece na alma invade a dádiva das mãos
por dentro.

a incandescência de algumas mãos nota-se logo à chegada/


pelo ar de abandono a que são votadas –só ar– /
prevenindo incêndios indesejados /
e, sobretudo, maremotos de inesperados vulcões./
a incandescência de algumas mãos
– e, de entre estas, as mais jubilosas – /

82
é uma assombrosa maneira de cumprimentar o cosmos/
atiçando sinais de luz e claridade /
em forma de arco pois dessa forma se forma cada abraço/
cada laço a envolver um desejo, o céu e o seu ensejo /
de trazer à terra o magma poderoso dos deuses /
o ensejo de ser-se, por fim, deus em causa própria ./
até logo, minha amorosa e incandescente mão. /
até logo, mãos de quem escolhi para nos atearmos em nossos
fogos sagrados.

a varanda das noites


suado corpo
copo fresco
a varanda, essa
da casa verde onde a tua mão descobriu em primeira
a minha
a varanda, a sacada, a pausa, o repouso, a sesta,
essa
resguardou-se há pouco entre portas
essas.
a varanda começou, entretanto, o
seu novo destino
a varanda resguardou-se.
não a tua mão.

Coimbra, Casa Verde; Figueira da Foz, Casa do Caes.


5 Outubro /2009; 25 Julho-27 Agosto /2015.

83
há uma névoa a ligar teu pulso a meus dedos a unir meus dedos a
teu pulso a juntar esta mão, até há pouco minha, a essa mão, até
há pouco tua.
há um raso laivo a maresia, uma brisa ou bruma cálida, vagabun­
deando pelo verão, anunciando a lua cheia e o fulgor da brasa do
sol, digo, dos sóis que são nossos corações, abrasados de mel.

porque há uma chuva de mel, uma rasa maré dourada, digo, de


prata dourada, pois se todo o sal aqui se converte à prata, mais
nenhum outro travo sobrevive sem o mel, o teu mel, o meu mel,
o mel, esse, que até há pouco era pobre e tristonho, de tão só.

porque a lua nova me aconchega.


porque a lua nova te resguarda.
há uma memória única e nova – disse, memória nova, pois tudo
o que sei e recordo nada é comparado com o lume e o raspar da
dança de nossos dedos, até aqui meus, até aqui, teus.

porque a lua é nova eu nasço.

há um perfume, apenas um perfume eivado de energia


e vibração.

84
podia fechar os olhos e reconheceria o teu doce enlace com ar com
oxigénio entre as polpas dos nossos dedos.
há uma descoberta, um sentimento de alerta e curiosidade intensas,
um misto de distância objectiva e fusão irracional sem travão.

há um gesto a descompor o gesto prisioneiro dos dias.

pode morrer todo o movimento.

deste luar – deste tocar –


nunca mais serei desprovida.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 18-19 Junho /2015.

85
sal de prata.
Livro Quinto.
Escrevo, finalmente, com mão de luz.

Escrevo, finalmente, com pé de areia,


passada de algas e fartas espumas.

Escrevo, finalmente, cega pelo sol


ou amor – que é o mesmo astro.

Escrevo, finalmente, ensandecida


pela vertigem de ondas e marés.

Afinal, e por fim, escrevo escrevo


e inscrevo-me no aqui do sim.

Figueira da Foz. 20 Abril/2015

89
Metáfora da prata

a difícil relação entre as matérias faz duvidar da coesão ou rejeição


das mesmas.

há uma certa margem, uma margem certa, aonde rebentam


formas redondas para devirem lisas,
de lisura horizontal coberta por finíssimas areias de renda amadas
ao vento.

há. certa espuma despojada pelas bainhas do oceano deste sal de


prata.

as gentes continuamente voltam para comungar de horizontes e


iodo
para habitarem de esperança a utopia indomável.
e é da difícil relação entre as matérias que nasce a fusão em laço
esse encantamento impensável e nada oportuno
de que se lhe sabe o nome amar

Figueira da Foz. Casa do Caes. 5 Maio /2015.

90
da silenciosa vaga branca

haja silêncio e serenidade


bastantes para olhar devagar sem estar a mastigar
nem sopa nem entradas nem pastilha elástica,
para olhar devagar e manter o olhar atento, pousado
no holograma na mentira na boçalidade e
nos miseráveis alinhavos com que nos servem o medo
quotidiano.
haja serenidade e atenção, calma prudência e compaixão
silenciosas
para ouvir o impacto interno do holograma externo
para sentir o malfeitor mundo mediático
para perceber a gangrena no braço que a mentira do medo nos
estende.

haja silêncio, repita-se.

haja serenidade, diga-se.

haja sentidos convocados e focados em expor a miserável


narrativa do medo
pois esses são os desígnios ocultos da vida verdadeira –
pois só esses alimentam a artéria-mor, o olhar brilhante
a vaga branca

91
do amor incondicional:
– maré onde vogamos sem vertigem nem hesitação.

haja silêncio e serenidade, reatados.


haja silêncio e serenidade, reconciliados.

haja silêncio e serenidade


para olhar e ver e, ao ver, escolher
outra paisagem outro fundo ou apoio para a vista cintilante e
ciosa
do grande templo a pulsar em cada um e em todos –
o grande templo dos sábios sentidos sábios na desinvenção do
medo.

levanto o olhar do papel, inspiro e oiço


a batida do sangue no íntimo da rosa verde.

liberto o olhar dos recortes desfocados, dolorosos


dos relatos sofredores de relatos de culpa dor e ira.

liberto as pálpebras do peso da prestidigitação.

liberto a sobrancelha do risco em til do desencanto.

liberto a face da expressão através de rugas magoadas e


chorosas.

92
todo o meu rosto se ilumina no gozo do olhar luminoso
no poderoso gesto de ver
silencioso vagaroso
modo de respirar e sorver delicadamente a mudança da maré
onde vogamos sem vertigem nem hesitação.

sem mastigar nem mascar, ver o poderoso palpitar


da vaga.
fazer a desinvenção do medo.
ser a vaga no solene momento da íntima reconciliação.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 8 Janeiro /2015.

93
o exercício de libertar

o exercício de libertar
é de fina dificuldade e estável desequilíbrio
é de forte exigência e equilíbrio instável.

o exercício de libertar começa-se pelo começo


o início embaraçado da meada que não é um modo de organizar
a vida
mas apenas uma forma temporária de conter o emaranhado dos
fios.

o exercício de libertar começa-se pelo começo


para dar-se-lhe continuidade e seguimento
nos gestos, redondos o mais possível;
nos actos, de alerta o mais constante
mente, nos modos de erguer tamanho e ganhar corpo.
o exercício de libertar começa-se.
muito. e tarda na conclusão.

o exercício de libertar é um silogismo


em que a erva verde é alucinógena
e a vaca é vegetariana a preto e branco.

o exercício de libertar é a dialéctica

94
antitética na saída e sintética à chegada
devido à timidez de grandes eventos e multidões.

o exercício de libertar é anti-social


dados os mediáticos modelos corruptores e de rapina
e os aparentemente diáfanos como a forca.

o exercício de libertar é mal-visto,


socialmente evitado adiado e indesejado
por não ser falsificável nos termos de Karl Popper.

o exercício do libertar é lento.


começa-se, sempre, por dentro.
e tarda na mente e no coração.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 1-2 de Maio /2015.

95
uma semana é muito na adulação do horizonte./

muito o tempo. muita a cor e a claridade./


muita a surpresa e a novidade contidas/
em cada rebento de árvore broto de nidificação./
uma semana é muito para a sedução e o encanto/
para o trabalho de encantamento gozoso/
de olheiro virtuoso, cúmplice de refegos frescos/
cúmplice, íntimo de rebentos viçosos/
das novas linhas erigidas desde a raiz/
novas linhas e feltros garridos, verdes/
erguidos na subida. pela raiz./

uma semana é muito no amigar-se com o horizonte./

uma crescente confiança impõe-se no alongar pálpebras/


gestos e sentires cada vez mais particulares/
modos. mirada. o alcance. a distância./
a presença esvaída por todas as ocorrências do aqui/
por todas as presenças que configuram o horizonte/
desalinhando cómodos veios da paisagem, o aqui./

uma semana é muito: adensa-se, agiganta-se/


como a trovoada de Março ou a nortada na Tocha./

96
muita imagem alagada pelo novo/
muita folhagem roçada pelo ar atrevido./
muita vida refeita a irromper do colo da mão./

uma semana é muita afinidade perdida/


muita ternura esvaída ou adiada./
uma semana é muito do aqui./

uma semana é muito de tudo isso /


que ainda simboliza o meu amor /
– ó meu amor – o meu amor por ti./

Comboio inter-regional Figueira da Foz-Coimbra. 19 Maio /2015.

97
da redenção pelo sal
existo eu / suspensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.
Natália Correia

para os dias em que a morte altiva se intromete entre as coisas


dos viventes
reserva de silêncio ternurento,
alguma lágrima temperada de sal branco e mel dourado
trago.

para os dias em que o desconsolo provoca a coluna vertebral


dos lutadores
carinhos de antes
de hoje de ontem e de antes de tudo
tenho.

para os dias em que a coragem quase rasteja


o olhar se apequena e a voz enrouquece sem frio nem ventos
causais
um ombro cálido e sensível, como sensíveis as mãos e os dedos de
décadas
resistentes na ternura na dádiva e na doce comoção
guardo.

uma palavra intocada transparente e vestal


trago tenho e guardo entre os lábios
carnudos de todo o amor que sei

98
pois nunca vi nem senti esse tão tristonho e arrasador modo
menor
de esventrar a alegria e de adiar saborear a verdade a luz.

renego a sombra gratuita que nenhum raio alcançará nem


vislumbra poisar.

recuso o doble-face dos empurrões e das quedas


desgraçadamente vãs.

trago tenho e guardo uma palavra, nem sei bem o seu nome mas
é ela
a mais luminosa e extremosa carícia infanta e duradoura.
dou-ta. ainda. pois ainda persisto no vão da subida,
onde todos encaram a escada atroz da desilusão.

percorro o corrimão adivinho degraus e patamares da veloz


queda.
permanecer é acto inusitado, bem sei; mas assim sucede.

tudo isso e mais uma onda de maré azul anilada existe.


tudo isso existe. e uma vertigem agoniada que tem de ser
chorada.

tudo isso e uma mágoa sem perdão que tem de ser coada, existe.

99
E existo eu suspensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.

tudo isso existe no caminho do sal


e há-de servir à redenção. em nome do amor.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 21 Janeiro /2016.

100
que fala, aqui e agora, na hora da morte do Poeta?

à velocidade a que respira a pele da rosa voam também os cardos


na marginal.

sumptuosos de tão frágeis


consagram-se como flores de pétalas fugidias, aéreas.
pétalas voadoras entre as aves,
agora que de outras pétalas se fazem as asas dos inocentes.
agora, ó mestre, quando começas a repousar a sobrancelha e o
ardor
agora, ó fala-dor, quando iniciado na era do grande silêncio
amado.

à velocidade a que suspiram as mães que amam chiam também os


mastros
na marina.

ameaçados pelo ripar do vento


afirmam-se como listras de luz no horizonte da escuridão.
listras de clarões dourados ou prateados
aqui, no reflexo em distorção do voo.
aqui, ó poeta-ave, no ângulo mais recôndito da oralidade.
aqui, ó mestre devoto do contínuo aplainar.

a pele da rosa. as mães que amam.


e cardos. e mastros à beira-sal.

Figueira-da-Foz. Casa do Caes. 26 Março /2015.

101
a morte do sal
Espelho
Que rompam as águas / é de um corpo que falo.
É de um rio que falo;/ desta margem onde soam ainda,
leves, / umas sandálias de oiro e de ternura.
Aqui moram as palavras;/ (...)
Aqui conheci o desejo / mais sombrio, / mais luminoso;
a boca / onde nasce o sol, / onde nasce a lua.
(...)
E tudo era água, / água, / desejo só
de um pequeno charco de luz.
Um corpo amei;/ um corpo, um rio / (...)
Quem não amou / assim? Quem não amou?
Quem?/ Quem não amou / está morto.
(...).
Eugénio de Andrade

1.
a redenção da vida exige longos caudais de água doce.

a manifestação da vida compõe-se, nos tempos certos,


da vertiginosa subida do leito dos rios.

a pulsação do vivente desenha novas margens


no transbordo dos limites antigos pelas novas correntes.

2.
pede, a pulsação da vida, a ilimitude das fronteiras.

pede, a vibração do vivo, a infinitude dos horizontes.

102
3.
pode, a redenção da vida, assumir o curso incontrolável das cheias
rumo seguro da libertação de apneias da ternura
vãs promessas, hesitações de ar e muros desencantados.

pode, a floração da vida, descartar o caminho de aparente sentido


e entregar-se à farta desfilada das águas na enxurrada.

4.
esse é o sentido das cheias invernosas ou de estio
– repare-se da indiferença face à temperatura ambiente
já que o importante é o fluxo aguado, o mover em torrente
já que o vital é o derrame abundante do líquido vital.

5.
a salvação da vida está nas gotinhas de água doce
irmanadas nos ribeiros e rios do planeta.

ao contrário do que se pensa


por mais fortes e atractivas,
as marés dos mares destinam-se a receber o desaguar dos rios.

a continuada dedicação das águas doces


consagra a redenção da vida.

103
6.
toda a foz é foz de rios.

nenhum oceano tem direito a foz.

na morte do sal
toda a foz consagra a vida.

7.
que morra o sal! – é desde as asas que falo.

Figueira da Foz. Casa do Caes. 7-9 Fevereiro /2016.


Índice

porto de prata. Livro Primeiro.....................................................................................................7

mar de prata. Livro Segundo......................................................................................................27

mãos de prata. Livro Terceiro....................................................................................................45

mel de prata. Livro Quarto...........................................................................................................65

sal de prata. Livro Quinto..............................................................................................................87


Obras literárias de Maria Toscano em Nov./2017

I – Editadas

Livros de Poesia editados:


1997 do vagar e da memória (Nota Introdutória de José Carlos Seabra
Pereira). Palimage ed.
1998 as palavras contidas (Apresentação por José Ribeiro Ferreira).
Palimage ed.
Para além das coisas (Apresentação por Amadeu Carvalho Homem).
Palimage ed.
1999 a Utopia da Coragem (Apresentação por José Carlos Seabra Pereira).
Palimage ed.
2002 a madre da casa da avó/os Nomes Infinitos do Ser (livro duplo).
(Recensão de Graça Capinha). Pé-de-Página ed.
Portugalito (Apresentação por José Manuel Pureza e Amadeu
Carvalho Homem). Palimage ed.
2003 A Artesã do Desengano (Apresentação por Rui Grácio). Pé-de-Página ed.
2009 os lobos (Prefácio de Victor de Oliveira Mateus). Pé-de-Página ed.

Livros de Poesia editados pela autora


2014a. Dos Musgos. [2010-2011] In Canto I – Da Terra (poesia). Primeiro
volume da Obra “Poemas do Sul em Cinco Cantos” [Projecto
Bienal de edição da autora de 21 Livros Inéditos seus [Maio/ 2014
a Dezembro/2015]. Coimbra. Maio. edições SulMoura [Maria
Toscano edição de autor].
2014b. Nesse magnífico tempo de habitar o Amor. [2012] In Canto I – Da
Terra (poesia).... Coimbra. Maio. edições SulMoura [...].
2014c. Poema de 6 raízes [2011] In Canto I – Da Terra (poesia). ... Coimbra.
Maio. edições SulMoura [...].
2014d. e tudo o mais que é o Alentejo a ser. [2012] In Canto I — Da Terra
(poesia). ... Coimbra. Maio. edições SulMoura [...].
2014e. Fala do Sul virada a Norte. [2002]. In Canto II – Das Marés (poesia).
Segundo volume da Obra “Poemas do Sul em Cinco Cantos”. ...
Coimbra. Nov. edições SulMoura [...].
2014f. à flor do sal. [2013]. In Canto II – Das Marés (poesia). Segundo
volume da Obra “Poemas do Sul em Cinco Cantos”. ... Coimbra.
Nov. edições SulMoura [...].
2014g. ser farol é ser só. [213]. In Canto II – Das Marés (poesia). Segundo
volume da Obra “Poemas do Sul em Cinco Cantos”. ... Coimbra.
Nov. edições SulMoura [...].
2014h. A Ser do Mar. [2014]. In Canto II – Das Marés (poesia). Segundo
volume da Obra “Poemas do Sul em Cinco Cantos”. ... Coimbra.
Nov. edições SulMoura [...].
2014i. Parábola da Maré. [2002]. In Canto II – Das Marés (poesia). Versão
em CD, apenas integrando os 13 exemplares de Coleccionador do
segundo volume da Obra “Poemas do Sul em Cinco Cantos”. ...
Coimbra. Nov. edições SulMoura [...].

Livros ‘de Artista’ / ‘de Autor’


2013a. eu vou com as árvores.
É um poema-narrativa-evocação das memórias de lisura ética e de
honra de um pai, através de uma trajectória simbólica que nasce
na cultura popular alentejana e depressa extravasa para a História
da Revolução dos Cravos, ou para a moral dos, ditos, ‘brandos
costumes’ portuguezinhos.
Ficha do Livro:
Suporte de Papel, Cartonado. Formato A4. 15 páginas.
Imagem original pintada na capa – 1 volume. Imagem original
digitalizada e impressa na 1.ª página – 1 volume.
Miolo: impressão digital em papel reciclado; encadernado
artesanalmente com ilhós e cordel.
Cores dominantes: cor-de-tijolo, cor de areia, preto e branco.
Acessórios: botinha de bébé em crochet (branca).
Ilustração da Capa © Carlos Gomes – Imagem Fixa. Impressão e
Acabamentos – Imagem Fixa.
Consultoria: © Carlos Gomes – Imagem Fixa.
Edição de Coleccionador 2 +1.
Possibilidade de edição sumária (fora de Colecção) ‘print-on­
‑demand’.
Edição de Autor: Maria Toscano / Sulmoura – ISBN: 978-989-
98756-2-3
2013b. escreve-me.
É um apelo erótico, numa carta nunca enviada onde a sensualidade
resiste apesar de comprimida por um atilho – revisitando, este, o
tradicional hábito de guardar a correspondência em maços apertados
com cordéis, elásticos ou atilhos de outro tipo.
Ficha do Livro:
Suporte de Papel, Brochado.
Formato: envelope 18x13 cm, composto por um conjunto de cerca
de 30 envelopes manualmente articulados e decorados com fita e
atilho feito de tecidos tradicionais; manuscrito).
Cores dominantes: branco, preto e tecido estampado tradicional
português dos anos 50.
Consultoria: © Carlos Gomes – Imagem Fixa.
Edição de Coleccionador 2 +1.
Possibilidade de edição sumária (fora de Colecção) ‘print-on-
demand’.
Edição de Autor: Maria Toscano / Sulmoura – ISBN: 978-989-
98756-0-9
2013c. de Febres.
Em “de Febres” o desejo e o prazer insinuam-se, logo, no estojo­
‑caixa rubra e dourada, decorado com brilhantes e plumas; quando
aberta a caixa acedemos ao intimismo e ao júbilo da poesia, livre e
arrojada, como só a escrita do desejo pode ser.
Ficha do Livro:
Suporte de Papel, Brochado. Formato A5. 42 páginas.
Cores dominantes: preto, vermelho e dourado. Miolo: impressão
digital;
Acessórios: estojo em caixa de cartão de 25x21x8,5 cm forrada a
papel; manipulação manual e artesanal com tecidos e materiais
variados (plumas, fitas, brilhantes...)
Impressão do Miolo – Imagem Fixa.
Edição de Coleccionador 4 +1. Preço.
Possibilidade de edição sumária (fora de Colecção) ‘print-on-
demand’. Preço.
Edição de Autor: Maria Toscano / Sulmoura – ISBN: 978-989-
98756-1-6
https://www.facebook.com/emetoscano/media_set?set=a.6977943
26906861.1073741859.100000289002606&type=3

Romance
2012 Da viagem das casas. Grácio editor.

II – Por editar

Livros de Poesia no prelo: edição de autora de 12 Livros:


2015a a 2015d. Canto III — Dos Sóis (poesia). Terceiro volume da Obra
“Poemas do Sul em Cinco Cantos”. (Inclui 4 livros inéditos)...
2015e a 2015h. Canto IV — Da Lua (poesia). Quarto volume da Obra
“Poemas do Sul em Cinco Cantos”. (Inclui 4 livros inéditos)...
2015i a 2015l. Canto V — Do Branco (poesia). Quinto volume da Obra
“Poemas do Sul em Cinco Cantos”. (Inclui 4 livros inéditos)...

Livro de Contos no prelo:


aluga-se quartos e vende-se garagens.

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