Você está na página 1de 5
Cultura escolar brasileira Um programa de pesquisas José Mario Pires Azanha A crise atual da educaco brasileira é demasiadamente visfvel para que possa ser ne- gada até mesmo pelo leigo, pelo homem comum, Essa excessiva visibilidade, como nia Podia deixar de acontecer, é, contudo, um poderoso fator de obscurecimento quando se quer compreender em profundidade as rafzes da crise c as perspectivas de sua supera- So. Até mesmo o especialista, envolvido na angiistia que acompanha as 6pocas de cri se, parte da obviedade da crise para a estereotipia das andlises e para o acodamento das solugées. No caso brasileiro, todos sabemos que a crise educacional atual € apenas parte de uma ctise muito mais ampla, que € inegavelmente politica, na qual anos de sombra per~ mitiram que os interesses coletivos fossem tratados sem'a indispensdvel publicidade. Daf vivermos hoje uma situagio politica em que as exigéncias de discussdio, consenso © transparéncia transformaram-se, de modo exacerbado, no critério tinico para viabilizar ‘qualquer solugo. Sem discutir a completa razoabilidade desse quadro, pode-se com in- teira propriedade examinar posstveis efeitos da extrapolagéo para a crise educacional de ‘uma exigéncia inteiramente justificével na vida politica, A legitimidade polttica da reivindicacio por uma maior participagéo na discussio 1o encaminhamento dos interesses coletivos conduziu os educadores, muitas vezes sem. maior anélise, a exigirem também que as questées educacionais, muitas das quais embo- ra estritamente técnicas, passassem a ser discutidas e resolvidas por assembléias e con selhos no apenas de educadores ¢ de pais, mas até mesmo de alunos. Nao se poe em diivida que incentivar as comunidades a se interessarem pelas escolas que as servem e pressiond-las a serem boas escolas ¢ inteiramente defensével. Daf a admitir que a situa- sao pedagégica nio requer nenhuma qualificagdo profissional para a sta condugio 6 até mesmo uma desvalorizacéo da formacdo do professor. Quais so as perspectivas de que esse encaminhamento seja razodvel e contribua efetivamente para'a solucio da crise ‘educacional em que vivemos? Nao é fécil responder a essa questio. Um mfnimo de reflexéo nos lembraré que, historicamente, 0 aparecimento de escolas representou a institucionalizagao de préticas que, pela sua crescente complexidade, exi- giam a liberacdo parcial das familias do esforgo educativo. Esta transferéncia de res. Ponsabilidades foi um proceso muito complexo e envolvet, em cada sociedade e em cada momento histérico, as cambiantes e probleméticas relagdes entre o piiblico e 0 pri- vado. Nesse quadro, néo € Gbvio que a interpenetrago méxima entre escola e comuni: dade seja indiscutivelmente um beneficio para a educagiio das criangas. Aliés, como ob- servou H. Arendt, a propésito da crise educacional americana, esse procedimento signi- fica até mesmo o retorno a uma concepeao ultrapassada da inffncia e da juventude que ignorava a especificidade dessas fases da vida bummana’), ‘Segundo a autora, no affi de “modernizar”’ a educagio, os educadores poderso estar simplesmente trazendo para 0 seu Ambito “jufzos e preconceitos acerca da natureza da vida privada e do mundo publico ¢ sua relagdo mitua, caracterfsticos da sociedade mo- La Dezeréxo ‘laneo Fevereio 1900-1891 JOSE MARIO PIRES AZANHA 6 soecomeny eereacate sachet seams Ravoegfo E autor de, entre outros, Seer Sneha ate eecuneno, eo abjatvo 4 0 ma: bean cult cao, fl labor [Esvom serntato de snk parc de ‘ios a Fealdede ow Edvatso a {Brochure megracto te {ire ara toner coe BOLUSP. Neste sno, gure rniie ‘ee ffam opaon pol igs rupee certs ji sasoarem dacorarcs ‘Snaidid i 89 dainemnert Sos ‘pa ia eta sue mas sere ‘velnet, Wade mals do que om porto do Fao ori oni xcs Se © Semen Seti sear peter iota eee Paeaeote ae Sede mals ge oso eae ae oe Lees AEE derma”, mas que poderio revelar-se retrégrados € até mesmo pemiciosos no ambiente escolar porque “a escola nfo é de modo algum o mundo e nao deve fingir s6-lo; ela 6, ‘em vez disso, a instituiggo que interpomos catre o dominio privado do lar ¢ 0 mundo, ‘com 0 fito dé fazer que seja poss{vel a transicao, de alguma forma, da familia para o munéo”®), Também, para Alain, nfo se deve fundir 0 mundo da escola e o mundo do lar, Sdo instituigées diferentes e indispensdveis, na sua diferenciagZ0, para o desenvol- vimento da crianga, Na primeira, prevalecem 0s afetos doados e 0$ lacos de sangue, na segunda, as relagées jé tm um mais forte componente de regulaco social. Integrar es- ses mundos diferentes pode, eventualmente, representar 2 sonegagio de importantes ‘oportunidades educativas as criangas ¢ aos jovens que poderiam encontrar na escola um cespaco socialmente diferente daquele propiciado no confinamento familiar, Contudo, 0 nosso propdsito ndo € discutir o tema da integragdo lar-escola, mas apenas tomé-lo como exemplo de que @ banalidade da crise escolar tem um forte poder de banalizagao de nossas respostas a essa crise. No caso, age-se como se o simples fato de aproximar instituigées, interessadas ambas na educagio da crianga, contribufsse para superar as deficiéncias que atribuimos a uma delas. A exceléncia pedagégica dessa aproximacéo € ainda um pressuposto que, como vimos, & pelo menos discutfvel em al- guns aspectos. A integracdo larescola é um exemplo paradigmético de que, no obs- tante seja politicamente defensdvel, a aproximagio lar-escola, do ponto de vista peda- g6gico, néo se fundamenta de modo convincente numa andlise da situaco escolar. Os beneficios educativos dessa integracdo no esto demonstrados, ¢ eventuais prejufzos so possiveis. Mas 0 nosso interesse pelo assunto, no momento, € apenas ilustrativo. Na verdade, 0 simples reconhecimento da existéneia de uma crise na instituigao da escola deveria antes nos conduzir a rever nossas idéias sobre ela do que, apressada- ‘mente, levar a esforgos para reformé-la. Nem mesmo somos capazes, atualmente, de responder, de modo interessante, & questi: “‘o que é a escola?” Nao nos iludamos com ‘© mimero infindével de respostas que a pesquisa educacional tem dado para uma ques- to que parece to simples. Os nossos vez0s ideoldgicos € os nossos cacoetes pretensa- mente cientificos j nos brindaram com uma multidao de esquemas classificatérios © de conrelagées estatisticas, mas desconhecemos inteiramente as relagdes efetivamente pra- ticadas na escola, Por exemplo, dizer que na escola o professor ensina e 0 aluno apren- de ¢, depois, partir para ayaliar 0 ensino ou a aprendizagem & deter-se no vestibulo de uma auténtica descricao. E tentar descrever condutas pelos objetivos que a norma legal Ihes prescreve. E claro que © professor na sua prética busca alcangar certos objetivos ¢ a conformar-se com certas regras, mas é claro também que, s¢ nos ativermos a descrever fa atuago do professor pelo alcance ou no de objetivos prescritos ¢ pela observancia cou nfo de normas estabelecidas, a nossa descri¢a0 seré abstrata e no méximo poder nos permitir chegar a uma contabilidade pedagégica que néo serve sendo para produzir estatisticas escolares. Nessa contabilidade, o altuno — na sua realidade social e psicol6- ‘gica — desaparece. A sua atividade, para nenhum efeito, consiste numa “‘prética esco- lar”, € apenas alvo dela ¢ 6 conta para fornecer um némero nas estatisticas. Do mesmo modo, so abstratas as descrigées disponfveis sobre a administracdo da escola, do livro escolar, etc, 'No fundo, 0 professor, 0 aluno, o livro e outros componentes do ambiente escolar sio “falsos objetos”, como diria Paul Veyne. Sob essas expresses, mascaramos 0 que € fundamental: o jogo das complexas relagGes sociais que ocorrem no proceso institu- cional da educasio. Muitas vezes, a descrigtio que fazemos desses objetos, ao invés de revelar esse jogo, obscurece 0 essencial. Nao que por trés da realidade visfvel haja uma outra que no percebemos, mas porque somos incapazes de fazer incidir 0 esforco de descrico nos pontos de interesse. Que € 0 “‘aluno reprovado”? Esta entidade (cuja pre~ senga macica nas estatisticas constitui evidéncia da crise escolar) € fruto de “préticas escolares” cuja formagio, transformagio e correlatos podem passar despercebidos. “Ser reprovado” néo & a mesma coisa que “ter oito anos”. Contudo, se tivéssemos que ex- plicar a um marciano o que significa “ter oito anos”, recorrerfamos & descrigio de como esse estado € fruto de sucessivos estados anteriores e de detetminados correlatos sem 03 guais “ter oito anos” seria uma expresso vazia. Sem fazer algo semethante, como atri- buir significado A expresso “ser reprovado"”? O predicado “ser reprovado” nao existe a ndo ser pelas priticas que 0 produziram, Nessa perspectiva, descrever a escola € des- cerever a formacéo dessas préticas e dos seus correlatos. Nao s¢ trata, simplesmente, de caracterizar os protagonistas que atuam no espaco escolar € relacioné-los a condigoes sociais, politicas econémicas, procedimento que poderia sugerir relagies de causa € —_ Dezemtro saneito Fevereiro 1990-1901 No fundo, professor, aluno, livro e outros componentes do ambiente escolar so “falsos objetos", como diria Paul Veyne. Sob essas expressées mascaramos 0 fundamental: 0 jogo das complexas relacées sociais ocorridas no processo institucional da educacéo. efeito que, muitas vezes, implicam pressupostos obscures e simplistas. O que interesse 6 | descrever ‘as “‘préticas escolares” © os seus correlates (objetivados ‘em mentalidades, | contflitos, discursos, procedimentos, hébitos, atitudes, regulamentacées, “resultados es colares” ‘etc.). Somente o actimulo’sistemstico dessas descrigdes permitiré compor um quadro compreensivo da situacgo escolar, ponto de partida para wm esforco de explica- co © de refonmulagio. Esse quadro permitiré, provavelmente, que a expresso “ms qualidade do ensino", que 6 nuclear nas descrigbes da crise da escola, apareca nfo mais como 0 “feito objetivo” e inexorével dessa crise mas como o correlato de uma menta- | Tidade pedagégica com profundas raizes em determinadas condigGes sociais. Somente um positivismo tosco nos impede de observar que “md qualidade do ensino” nao é uma. | entidade real mas lingiifstica. Mudando o discurso, pode-se eliminar a entidade, Quais sio, no entanto, as préticas escolares que favorecem 0 aparecimento dessa expresso discursiva? Que interesses objetivos (mas nem sempre explicitados) se associam & for- magfo e persisténcia dessas priticas? ‘Talvez.o caminho para responder @ questio sobre o que € a escola seja mais sinuoso e ramificado do que até hoje a pesquisa educacional tem imaginado. A nossa idéia de" escola tem sido, muitas vezes, excessivamente simplificada. Isso se revela, por exem- plo, na prépria nogio de crise educacional que circula amplamente. E comum apontar- 52 como evidéncias da crise alguns resultados escolares como a reprovacio e a evasto rmacigas no 1° grau, a desarticulaco dos diferentes graus de ensino, a prevaléncia tum ensino verbalista que no prepara para o trabalho, etc. Se realmente esses “fatos’ sii evidéncias da crise, a nossa concepgio da escola é, inegavelmente, fabril,taylorista, porque apenas leva em conta os “resultados” da empresa escolar. B, para sermos coe Tentes, a8 nossas “solugées” também tém seguido a mesma linha; clamam-se por pro- ess08 avaliativos que nos habilitem a detectar pontos de improdutividade para que a sua eliminagio permita redugio de custos ©, conseqiientemente, ebtenglo de maior ren- | tabilidade do sistema escolar. Sem divida, essa visio empresarial da escola tem um significado e pode ser até ‘mesmo muito importante para os que destinam ou manipulam os recursos financeiros para a educagao. Mas, indiscutivelmente, essa visio € muito parcial e muito simplista | Porque se atém aos “fesultados” da instituigo escolar. Ora, como j4 indicamos antes, esses resultados nao tém a objetividade que se pretende, isto é, eles so simples corre latos das maneiras como a vida escolar & praticada, Sem descrigSes razoavelmente con- fiveis dessa vida escolar, os resultados que pingamos dela sfo ficgSes destiufdas de qualquer significado empitico interessante. Esses resultados so fruto de uma visio abstraia¢ exterior da escola como insttugo social, como se esta devese ser desert © avaliada por alguns resultados, « exemplo de empresas. Embora nio se aplique a escola 0 conceito de “instituiglo total” utilizado por Goff- man, € inegével que ela uma instituigo que possui uma cultura espectfiea com um certo grau de autonomia e, além do mais, esse cultura (ou subcultura) é um “precipitado da histéria”. Nesses termos, € invivel compreender a crise da escola pelos seus “re- sultados objetivos” sem um esforgo preliminar de adentramento da cultura prépria que i \ historicamente se desenvolveu. Esse esforgo 36 serd poss{vel por meio de tum amplo conjunto de investigagées (multi « interdisciplinares) capazes de cobrir 0 amplo espectro das manifestagées culturais que ocorrem no ambiente escolar e que se objetivam em determinadas préticas, Esses est- dos deveriam no apenas deserever essas priticas mum certo momento como também ee ee Dezerbro ‘Janeiro Fevereiro 1990-1991 + tenes png sno suas mmerene Seto ee 4 setarsgtr, N.Woeaa inte 1 oe nina Goa ce ‘Nova Teanga deine Satsoo Sov Pulo tars Franco Aves, Severn 5 A conse soil 6 teatanee, bss identificar e deslindar os processos de sua formacio, transformacio e permanéncis. Do conjunto desses estudos, cujo propésito seria um “mapeamento cultural da escola”, te- rfamos 2 possibilidade de chegar a hip6teses interessantes sobre a crise educacional que nao se limitem a referi-la a esta ou Aquela variével, mas que busquem compreendé-la na sua dimensio hist6rico-social. E claro que um propésito tio amplo, como 0 do mapea- ‘mento cultural da escola, precisaré desdobrar-sc muma pluralidade de projetos que loca- lizem pontos interessantes a serem estrategicamente estudados. Essa é uma tarefa que desafia a sensibilidade e 0 tirocinio dos pesquisadores a se envolverem num amplo pro- grama de investigacao. No entanto, ‘a titulo de ilustrago", podemos destacar algumes freas de pesquisa cujo estudo, seguramente, contribuiria para um conhecimento da cul- fra escolar: 1. A funcio cultural da escola em face da diversidade cultural da clientela Bourdieu, num de seus estudos, disse que a sociologia do conhecimento ¢ da educa- ‘slo nio tem prestado a devida atencao a relevante fungio de integragéo cultural da es- cola. A transmissio cultural efetuada pela escola € a mesmo tempo uma rocriacéo cul- tural ¢, por isso, “parece ingénuo querer ignorar que a escola, pela propria Iégica de seu funcionamento, modifica 0 contexido e o espfrito da cultura que transmite e, sobre- tudo, cumpre a fungio expressa de transformar o legado coletivo em um inconsciente individual e comum’®. Colocada nesses termos, a fungio cultural da escola ganha uma extraordinéria im- portincia numa cidade como Sao Paulo onde a escola paiblica da periferia quase sempre aatua em grupos sociais culturalmente deslocados. E uma situagao na qual a simples ago escolar, mesmo em condigdes materiais © pedagégicas satisfatdries, € potencialmente geradora das tenses e dos conflitos usuais num processo de aculturago, pois, segundo N, Wachtek, 0 “campo de aculturago néo se limitaria ao encontro de culturas hetero- g6neas no espaco, mas se estenderia também & coexisténcia, numa mesma sociedade, de diferentes estratos temporais: aos desnivelamentos, aos conflitos e a8 modificagées de sentido que resultam da pluralidade das duragées histsricas"™, 2, Relagées entre saber tedrico e saber escolar Todos sabemos que a formagio do professor também o seu aperfeigoamento €, na sua estrutura basica, processo de transmissGo de teorias pedagégicas ou de disciplinas afins, Contado, é evidente que, mesmo no caso de uma tina assimilacéo desses ele- mentos te6ricos, 0 professor nao tem, apenas a partir deles, as condigées de uma atua- do no Ambito da escola. A atuago docente na sua efetiva complexidade s6 precaria- mente poderd ser balizada pelas eventuais teorias assimiladas. Nessas condicdes, 0 en- sino seria invariavelmente um malogro s¢ néo fosse a existéncia no Ambito da escola de um “saber” ndo codificado nem expresso numa linguagem tedrica mas que no fundo constitui a base da atuacdo docente. Na verdade, a formacdo do professor € © seu pré- prio aperfeicoamento completam-se com 0 éxito que ele tenha na assimilagao desse sa- ber difuso ¢ historicamente sedimentado no ambiente escolar e que tem apenas tnues relagdes com teorias pedagégicas. Alids, nesse sentido, 0 que se passa na escola 6 ape- nas parte de um fenémeno muito mais amplo que est muito bem descrito na seguinte passagem de Berger e Luckmann: “O pensamento tedrico, as ‘idéias’, Weltanschauungen néo so to impor tantes assim na sociedade. Embora todas as sociedades contenham estes fe- némenos, s4o apenas parte da soma total daquilo que é considerado “conhe- cimento’. Em qualquer sociedade somente um grupo muito limitado de pes- soas se empentiam em produzir teorias, em ocupar-se de ‘idéias’ e constituir Weltanschauungen, mas todos os homens na sociedade participam, de uma maneira ou outra, do ‘“conhecimento’ por ela possufdo”®), s, no obstante a fungdo central desse saber, que compée essenciaimente a cultura escolar ¢ que “implica obviamente procedimentos de controle ¢ legitimagSo" sanciona~ dos pela sociedade mais ampla, ele € sistematicamente ignorado ou nem mesmo perce- bido pela investigacao educacional. 3. Vida escolar, politicas e reformas educacionais Os estudos sobre politicas ¢ reformas educacionais brasileiras tém sido, sobretudo, Dezertro nei Foversio 1990-1991 monotonamente polémicas ou até mesmo julgamentos ideolégicos. Desde o grande de- bate sobre a escola piblica na década de 50 até hoje as discusses sobre a reforma da ‘escola tim sido muito mais tomadas de posi¢ao com motivagées politicas do que andli- ses cientfficas sobre o sistema escolar. Até certo ponto, € inevitével o encaminhamento politico do debate educacional, pois educaco, no seu sentido amplo, € um tema essen- cialmente potftico. Porém, nas sucessivas reformas da educagio brasileira, quando chegamos a0 mo- mento de uma nova reforma, invariavelmente, nfo se dispée de estudos sobre a reper- cussio de reformas anteriores sobre a vida escolar. Quase sempre, os estudos disponf- veis sdo antes julgamentos ideol6gicos do que descrigées confidveis sobre as alteragdes da vida escolar provocadas pelos movimentos reformistas. No entanto, sabe-se que € no interior das salas de aula que s¢ decide 0 destino de polficas ¢ reformas educacionais. Até mesmo a decisao politica de democratizar 0 ensino de 1® grau, pela abertura ampla ‘de vagas, acabou muito comprometida, nas duas tiltimas décadas, pela resisténcia ofere- cida pelo magistério ao ingresso macico de uma clientela até entéo afastada da escola. Essa resisténcia, que muitas vezes se traduciu numa elevacio das taxas de reprovagao, € tum exemplo de como hé necessidade de estudos sobre os modos pelos quais reformas € politicas educacionais modificam padrdes de trabalho vigentes nas escolas ou so anu- ladas por eles. A trajetdria das reformas desde as decisGes polfticas que as instituem legalmente, passando pelas providéncias técnico-administrativas de vérios nfveis que as regulamen- tam, até as préticas escolares que deveriam implanté-las, é ainda um territério no de- -vassado pela pesquisa educacional. Com a previsio desta area no Programa de Pesquisa (USP-BLD) o que se pretende & ‘4 criagdo de oportunidades para que estudos inter e multidisciplinares estabelegam um conjunto de informagdes ¢ hipétescs sobre como s¢ relacionam decisées extra-escolares ‘com mentalidades e priticas escolares. © realce desses trés pontos, a merecerem projetos especificos de investigaco, ape- nas se prendeu & conveniéncia de exemplificar a fecundidade potencial de um programa de pesquisa voliado para o mapeamento da cultura escolar. De igual modo seria possi- vel destacar outros, cuja simples enunciacao sugeriria imimeras linhas de pesquisa que, nna sua variedade, poderiam criar oportunidades de investigacio em Hist6ria, Filosofia, Psicologia, Sociologia, Administragio, Didética, etc. Na verdade, delineia-se com este programa uma possibilidade de atuaco integrada na érea de pesquisa de toda a FE, sem que essa integracdo seja incompativel com 0 conveniente pluralismo te6rico © metodo- 6gico dos estudos humanos. Dezembro/Janeiro/Fevereiro 1990-91 Nomero 8 Revista (LS H Prof. José Mario Pires Azanha

Você também pode gostar