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DIREITO ADMINISTRATIVO

DIA 26 DE MARÇO DE 2008


PROFESSOR GUILHERME PEÑA DE MORAES

1 – Normas constitucionais – continuação

1.1 - Vigência, validade e eficácia – continuação

1.1.1 – Validade

Significa compatibilidade com a norma imediatamente superior. Havendo essa


compatibilidade a norma será válida. Validade, portanto, pode ser sinônimo de
constitucionalidade e legalidade – ser uma ou outra dependerá da norma superior imediata.
Sendo esta a Constituição, a norma será constitucional (Constituição Æ Lei). Sendo a Lei, a
norma será dita legal (Lei Æ decreto). Para a ilegalidade ou a inconstitucionalidade vale o
mesmo raciocínio.

Aproveitando o estudo, pergunta-se: qual a distinção entre revogação e declaração de


inconstitucionalidade? A distinção pode ser extraída do parágrafo anterior. A revogação
atinge o campo da vigência da norma, ou seja, norma revogada não existe mais. Por isso a
revogação só ocorre através de outra norma de mesma ou superior estatura àquela
revogada. Já a declaração de inconstitucionalidade atinge a norma no seu campo de
validade, evidentemente com repercussão na sua eficácia, ou seja, norma declarada
inconstitucional continua vigente, porém não produz mais efeitos. Logo, a norma não será
revogada.

A razão disso e as conseqüências práticas são:

i) a causa da perda de eficácia reside no art. 2º da CF, que estabelece a separação de


poderes. É inviável que o poder judiciário retire a vigência de um ato produzido por outro
poder, isto é, que não lhe pertence. Assim, só o poder que criou a norma pode revogá-la,
cessando a sua existência.

“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o


Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

ii) pode haver revogação de uma norma declarada inconstitucional? Sim, sem sombra de
dúvida, a despeito dessa revogação não ter qualquer efeito prático. Pode, contudo, ser
medida de segurança jurídica, evitando a sua aplicação por incautos. Assim o é, pois para a
norma ser revogada basta que ela exista. É o que ocorre com a norma declarada
inconstitucional. Ela perdeu a eficácia, mas não a vigência.

1.1.2 - Eficácia

Eficácia significa a aptidão da norma para a produção de efeitos jurídicos. Não é


por outro motivo que a vacatio legis - espaço de tempo no qual a norma possui vigência,
validade, mas ainda não é eficaz - ou constitucionalis está intimamente ligada à eficácia da
norma. A norma em vacatio não tem eficácia, ou seja, aptidão para produzir efeitos jurídicos.
Superado o prazo, a norma começara a produzir efeitos.

A tradição brasileira costuma usar o termo “essa norma entra em vigor daqui a tantos
dias”. Contudo, a rigor, o correto seria dizer “essa norma começa a produzir efeitos daqui a
tantos dias”.

A grande dúvida hoje acerca da eficácia é saber se houve ou não revogação da LICC
em seus arts. 1º e 2º pela LC95/98, especificamente seus arts. 8º e 9º. Vejamos:

“Art. 1o Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o


país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada. [a vacatio
presumida ocorre quando a lei não diz o prazo]
§ 1o Nos Estados, estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasileira,
quando admitida, se inicia três meses depois de oficialmente publicada.
(Vide Lei 2.145, de 1953)

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§ 2o A vigência das leis, que os Governos Estaduais elaborem por


autorização do Governo Federal, depende da aprovação deste e começa
no prazo que a legislação estadual fixar.
§ 3o Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu
texto, destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos
anteriores começará a correr da nova publicação.
§ 4o As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.

Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que
outra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare
[revogação expressa], quando seja com ela incompatível ou quando
regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior [revogação
tácita].
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par
das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por
ter a lei revogadora perdido a vigência.

Art. 8o A vigência da lei será indicada de forma expressa [a rigor, por


essa expressão, só existiria cláusula de eficácia expressa] e de
modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo
conhecimento, reservada a cláusula "entra em vigor na data de sua
publicação" para as leis de pequena repercussão.
§ 1o A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que
estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da
publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia
subseqüente à sua consumação integral. (Parágrafo incluído pela Lei
Complementar nº 107, de 26.4.2001)
§ 2o As leis que estabeleçam período de vacância deverão utilizar a
cláusula ‘esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de
sua publicação oficial’ .(Parágrafo incluído pela Lei Complementar nº
107, de 26.4.2001)
Art. 9o A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as
leis ou disposições legais revogadas [exige cláusula de revogação
expressa – já a LICC fala em revogação expressa e tácita].
(Redação dada pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001)

Parágrafo único. (VETADO) (Incluído pela Lei Complementar nº 107, de


26.4.2001)

Portanto, continua a existir no Brasil a revogação tácita e vacatio presumida? Já há


divergência aberta.

José Maria Leoni defende que a LICC nos artigos citados não foi revogada pelos
artigos da LC95/98, dizendo que pode haver compatibilização entre as normas. Para fazer
essa compatibilização deve ser aplicada a própria LICC, instrumento criado para tanto.
Assim, se da norma não constar a revogação expressa tácita ou a vacatio expressa,
continuará a valer o disposto na LICC.

O Professor Paulo Rangel diz exatamente o inverso, ou seja, sustenta a revogação da


LICC pela LC95/98, devendo somente esta ser aplicada. Assim, as cláusulas de eficácia e
revogação devem ser expressas. Como a nossa legislação não é de bom nível, se a lei for
obscura no que tange às cláusulas citadas, aplicar-se-á o art. 18 da LC95/98, in verbis:

“Art. 18. Eventual inexatidão formal de norma elaborada mediante


processo legislativo regular não constitui escusa válida para o seu
descumprimento.”

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Entretanto, ainda não há jurisprudência sobre o assunto.

1.1.3 – Aplicabilidade e efetividade

No que tange à aplicabilidade – José Afonso da Silva – trouxe grande luz sobre o
tema. Já efetividade deve ser necessariamente ligada ao Prof. Luis Roberto Barroso.

A rigor ambos os conceitos não formam institutos autônomos, sendo sim qualidades
das quais a eficácia pode dispor. Dessa forma, pode haver norma eficaz, porém não efetiva.

Assim, vejamos;

i) aplicabilidade

É a qualidade da norma que é aplicável a casos concretos. Por exemplo, uma norma
de direito penal não pode ser concretamente aplicada a um caso de direito de família. A
norma não se subsume ao caso concreto.

O prof. José Afonso da Silva resume bem o exposto, dizendo que a rigor a eficácia é
ligada à potencialidade – a eficácia é abstrata. Já a aplicabilidade é ligada à realizabilidade –
a aplicabilidade é concreta. É impossível dizer se a norma é aplicável ou não sem a análise
do caso concreto. Só aí se poderá dizer se a norma se subsume ao caso concreto.

ii) efetividade

Sua raiz deve ser buscada em Kelsen, que desenvolveu a eficácia jurídica – que temos
somente por eficácia nos termos já vistos – e a eficácia social – qualidade de uma norma que
é efetivamente cumprida no meio social. Quando isso ocorre a norma possui eficácia social.

O prof. Luiz Roberto Barroso atrelou o conceito de efetividade ao conceito de eficácia


social de Kelsen, ou seja, eficaz é a norma que recebe o respeito do corpo social. Vejam,
portanto, que a efetividade é uma qualidade da eficácia, vez que a norma pode ser eficaz,
mas não ser efetiva.

2 - Classificações das normas constitucionais quanto à eficácia e à aplicabilidade

2.1 – Classificação tradicional

Não é mais hoje seguida pela jurisprudência. Entretanto, ela é fundamental para o
entendimento da classificação moderna.

Aqui podemos indicar dois professores – Manoel Gonçalves Ferreira Filho (nacional) e
Thomas Cooley (estrangeiro).

Essa classificação divide as normas constitucionais, que é o gênero, em duas


espécies:

i) norma constitucional auto-aplicável ou self-executing;

É a norma constitucional cuja aplicabilidade não depende da produção de norma


legal que a regulamente, ou seja, ela pode ser aplicada aos casos concretos
independentemente da produção de outra norma legal.

Exemplos: art. 1º, parágrafo único, in verbis:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel


dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;

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II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Para que essa norma seja aplicável aos casos concretos é necessária outra norma
legal que a regulamente? Obviamente, não. Ela basta em si.

Outro exemplo, art. 2º, da CF, in verbis:

“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o


Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Para a existência desses poderes é necessária a existência de uma norma legal que os
regulamentem? Também não.

ii) normas constitucionais não auto-aplicáveis ou not self-executing;

É a norma constitucional cuja aplicabilidade depende da produção de norma legal


que a regulamente. Ela só pode ser aplicada a casos concretos a partir da veiculação de uma
norma legal que a regulamente.

É somente a partir dessa norma regulamentadora que a norma constitucional poderá


ser aplicada.

Exemplos: art. 134, §1º, da CF:

“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função


jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa,
em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.)
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do
Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua
organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe
inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus
integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da
advocacia fora das atribuições institucionais. (Renumerado pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)
§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia
funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária
dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e
subordinação ao disposto no art. 99, § 2º. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 45, de 2004)”

Essa norma só se tornou aplicável a partir da edição da LC80/94 – Lei orgânica da


Defensoria Pública.

Outro exemplo: art. 201:

“Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime


geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos
termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de
1998)
[...]”

A rigor, o art. 201 só passou a ser aplicada a partir da edição das leis 8.212/91
(custeio) e 8.213/91 (benefícios).

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Essa classificação é passível de duas críticas que explicam o seu abandono – ao


exagero dos termos, que levam a excessos na classificação:

1) nem toda norma é totalmente auto-aplicável, ainda que assim classificada.

Existem normas constitucionais que podem ter seus efeitos contidos por normas
legais. Assim, estas podem afastar a aplicação da norma constitucional em alguns casos
concretos.

Exemplos: art. 5º, XIII:

“XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,


atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;”

Caso não houvesse a CLT, o trabalho, ofício ou profissão seriam totalmente livres.
Contudo, isso não ocorre, pois a consolidação traz limites ao exercício citado, como, por
exemplo, idade e condições de segurança mínima.

A finalidade da CLT não é tornar a norma constitucional aplicável, mas sim conter os
seus efeitos.

Outro exemplo: art. 93, IX:

“Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal,


disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes
princípios:
[...]
IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e
fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei
limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus
advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do
direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45,
de 2004)”

Se não houvesse lei nenhuma todos os julgamentos do poder judiciário seriam


públicos. Contudo, o CPP e o CPC estabelecem restrições à publicidade, restringido os atos às
partes e aos seus advogados.

Mais uma vez uma norma constitucional teve seus efeitos contidos por uma norma
legal. Uma norma facultativa teve a finalidade de afastar a aplicação da Constituição em
alguns casos concretos.

Portanto, concluí-se que o nome auto-aplicável é excessivo.

2) nem toda norma é totalmente não auto-aplicável, ainda que assim classificada.

Toda norma constitucional possui pelo menos dois efeitos: revogatório – o simples
fato de ela existir revoga a norma anterior. Trata-se de efeito retroativo – e o efeito inibitório
– inibe que o legislador, no futuro, produza normas contrárias à norma constitucional. Trata-
se de um efeito prospectivo, ou seja, voltado para o futuro.

Portanto, não é certo dizer que há norma constitucional não auto-aplicável, pois todas
elas possuem pelo menos dois efeitos. Mais uma vez a crítica é feita ao excesso do nome.

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2.2 – Classificação moderna

No Brasil o principal autor citado a respeito é o prof. José Afonso da Silva 1 . No


estrangeiro o prof. Vezio Crisafulli. Essa doutrina surgiu como resposta às críticas feitas à
teoria anterior.

Temos assim a norma constitucional, gênero, em três espécies:

i) norma constitucional de eficácia plena

Guardadas as devidas proporções, na teoria moderna corresponde à norma auto-


aplicável da teoria antiga. Portanto, possui três características:

a) aplicabilidade direta

A norma constitucional pode ser aplicada a casos concretos independentemente de


norma legal.

b) aplicabilidade integral

A norma constitucional não admite contenção da sua eficácia, pois, caso admitisse
seria de outra espécie, qual seja, de eficácia contida.

c) aplicabilidade imediata.

A norma constitucional pode ser aplicada a casos concretos a partir da sua publicação,
ou seja, sem solução de continuidade.

Os exemplos dessa espécie podem ser os mesmos citados antes para as normas auto-
aplicáveis.

ii) norma constitucional de eficácia contida

Essa norma admite a contenção dos seus efeitos. Portanto, trata-se de uma resposta
à crítica vista anteriormente. A estas falta aplicabilidade integral. Mais uma vez os exemplos
podem ser os mesmos vistos anteriormente.

iii) norma constitucional de eficácia limitada

Guardadas as proporções devidas, na teoria moderna corresponde à norma não auto-


aplicável. É a norma constitucional cuja aplicabilidade depende da produção de norma legal
que a regulamente. Portanto, não tem aplicabilidade direta e imediata. Logo, os exemplos
podem ser os mesmos vistos anteriormente.

Esta última divide-se em:

a) declaratória de princípio institutivo ou organizatório

Institui ou organiza um órgão público. É o caso do art. 134, §1º, visto anteriormente.

b) declaratória de princípio programático

Define programas de atuação do governo que serão colocados em prática no futuro.


Essas normas costumam ser reconhecidas por conter verbos no tempo futuro. É o caso do
art. 201.

1
Em obra chamada aplicabilidade das normas constitucionais.
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Vista essa classificação, que é preponderante, pode-se a ela fazer uma crítica mortal,
que fez com que fosse abandonada pelos autores de vanguarda.

Dizer que a norma é constitucional de eficácia limitada declaratória de princípio


programático e que versa sobre direito fundamental, enquanto não criada a norma legal, se
levada a ferro e fogo a classificação, significa dizer que a norma constitucional não terá
aplicação até o momento no qual o legislador resolver editar a norma regulamentadora.
Como resolver a situação?

A última palavra que existe hoje sobre normas constitucionais é a teoria do


desenvolvimento e efetivação das normas constitucionais, em livro com esse nome do prof.
Sérgio Fernando Moro.

Para resolver o problema vejamos o art. 5º, parágrafo primeiro:

“§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm


aplicação imediata.”

O que se quer dizer com aplicação imediata? Muitos autores dizem que a norma é
constitucional de eficácia plena. Contudo, esse entendimento deve ser desconsiderado, pois
não é isso que o parágrafo quer dizer, pois existem vários direitos fundamentais veiculados
por norma de eficácia limitada e mesmo contida.

A aplicação imediata deve ser entendida à luz da teoria citada. Isso quer dizer que as
normas constitucionais que definam direitos constitucionais independentemente da
classificação abstrata que tenham, dão ensejo à prestação jurisdicional naquilo que elas
comportarem. Logo, sendo de eficácia plena, assim continuam, sendo contida, também. O
que não pode ocorrer é negativa da prestação jurisdicional pelo fato da norma constitucional
não ter recebido norma regulamentadora.

A novidade não está em classificar a norma constitucional de forma diferente. A


solução moderna não se vincula a classificações, mas sim ao fato que sendo a norma de
direito fundamental ela deve receber amparo jurisdicional, ainda que na ausência da norma
regulamentadora.

Dois dos principais exemplos são:

i) direito constitucional federal

O defensor público que atue no núcleo de fazenda pública pode postular ações
judiciais contra os entes políticos. Chega ao defensor um hipossuficiente que não consegue
remédio para tratar sua doença. Há ação cabível? Qual é? Quem seria o demandado?

A solução passa pelo estudo da classificação moderna das normas e da teoria do


desenvolvimento e efetivação das normas constitucionais.

Pela classificação, a pretensão estaria vinculada a uma norma fundamental de eficácia


limitada e programática, qual seja, o art. 196 da CF, para a qual não há norma legal
regulamentando.

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido


mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Não há lei que verse sobre a obrigação de entrega de medicamentos gratuitos a


hipossuficientes. Se fosse aplicável a classificação moderna, nada poderia ser feito, pois o
pedido seria juridicamente impossível em virtude da falta de lei.

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O caso resolve-se pela aplicação do §1º do art. 5º e da teoria do desenvolvimento e


efetivação dos direitos fundamentais. A norma, ainda que limitada, contempla dentro do seu
bojo a distribuição de medicamentos ao hipossuficiente. Portanto, a prestação jurisdicional
não pode ser negada.

Algumas opções para as ações são: mandado de segurança, porém não é a melhor
saída para o caso, pois através dele só será resolvida uma situação e não o problema da não
distribuição de medicamentos para os hipossuficientes. Não haverá reiteração da prestação
devida. Também é cabível o mandado de injunção, contudo, mais uma vez não é a medida
mais adequada, vez que não será possível a obtenção de uma prestação estatal, apenas a
edição de uma norma jurídica erga omnes.

A ação mais adequada é a condenatória em obrigação de fazer com pedido de


antecipação de tutela. Algumas observações são importantes:

1) a obrigação é de fazer, e não de dar.

O que se objetiva com a ação não é apenas a entrega de um medicamente, mas sim a
obtenção de qualquer prestação necessária para recompor a saúde do hipossuficiente, ou
seja, a implementação de uma política pública.

2) O pedido deve ser lastreado no art. 461 que versa sobre obrigações de fazer e não no art.
273 do CPC.

“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de


fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou,
se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o
resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela
Lei nº 8.952, de 13.12.1994)”

3) O STF tem jurisprudência consolidada no sentido que no caso específico do art. 196 da CF
a obrigação é solidária da União, dos Estados e dos Municípios, podendo a ação ser aforada
em litisconsórcio passivo facultativo.

4) quais critérios devem ser levados em consideração pelo MP ao oferecer parecer e, mais
importante, pelo juiz ao fixar o quantum, ou seja, o que deve ser prestado ao
hipossuficiente?

No caso concreto o juiz deverá ponderar o princípio do mínimo existencial e o da


reserva do possível – verificar a ADPF 45. Por conseguinte, não adianta condenar o Estado
em algo que ele não tenha condição financeira de fazer. Por isso se explica algumas
prestações, por exemplo, o pagamento de qualquer medicamento por mais caro que seja,
mas não o pagamento de Home Care. Em sede de ponderação, os juízes costumam decidir
que o fornecimento de qualquer medicamento encontra-se dentro da reserva do possível do
Estado. Já a manutenção de um serviço de Home Care não.

ii) direito constitucional estadual, no caso fluminense.

Outro caso possível: um concursando hipossuficiente que não tem dinheiro suficiente
para o pagamento da taxa de inscrição e o concurso não contempla a isenção do pagamento
dessa taxa. Há ação cabível? Qual é? Quem seria o demandado?

A Constituição do Estado do Rio de Janeiro, em seu art. 72 do ADCT, prevê que é


assegurada a isenção do pagamento de taxas para o hipossuficiente, quando da inscrição em
concursos públicas, na forma da lei. Mais uma vez a norma é limitada de eficácia
programática.

Com as devidas adaptações, o caso é igual ao exposto no exemplo da esfera federal.


O direito de acesso ao cargo público é fundamental. Portanto, pelo fato do caso ser um

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direito fundamental, a prestação jurisdicional não pode ser negada dentro dos limites da
norma constitucional.

Talvez a única diferença seja a medida cabível. Na hipótese não se pretende uma
prestação reiterada do Estado, podendo, portanto, ser utilizado o mandado de segurança
com fundamento na Constituição do Estado e na Constituição Federal, art. 5º, §1º. Para os
outros Estados que não contemplem essa norma específica na Constituição, o fundamento
legal pode ser a Constituição Federal – art. 5º, caput, igualdade e art. 37, §2º, acesso ao
cargo público.

3 – Interpretação das normas constitucionais

Interpretação constitucional significa atividade intelectual de revelação do sentido,


alcance e conteúdo das normas constitucionais.

Essa interpretação se submete aos mesmos princípios da hermenêutica em geral,


salvo seis princípios que são específicos da interpretação constitucional, a saber:

i) princípio da supremacia da Constituição

Quer dizer que a Constituição ocupa uma posição hierárquica superior em relação às
demais espécies normativas que formam a ordem jurídica.

Graficamente, esse princípio pode ser indicado pela pirâmide de Kelsen.

O próprio controle de constitucionalidade parte do princípio da supremacia da


Constituição.

ii) princípio da unidade da Constituição

Significa dizer que a Constituição atribui caráter sistemático à ordem jurídica, visto ser
fundamento de validade comum de toda essa ordem. Aliás, essa também é a idéia que se
extrai do princípio anterior e da pirâmide de Kelsen.

iii) princípio da interpretação conforme a Constituição

Significa dizer que havendo dúvida sobre a validade de uma norma, deve ser preferida
a interpretação que lhe conserve a validade. Portanto, se uma norma tiver mais de uma
interpretação, sendo uma delas constitucional e outras não, deve-se dar preferência ao
sentido que seja constitucional, ou seja, conforme a Constituição.

Esse princípio baseia-se no fato de a declaração de inconstitucionalidade ser uma


situação excepcional, só podendo ser feita quando não houver qualquer tipo de dúvida
acerca desse vício. Isso é assim, pois, conforme visto anteriormente, ficou estabelecida na
Constituição a separação de poderes.

iv) princípio da presunção de constitucionalidade

Sabe-se que as presunções podem ser relativas ou absolutas. Isto posto, o princípio
em tela quer dizer que toda norma possui a presunção relativa de ser válida, ou seja,
produzida conforme a Constituição.

Como dito, a presunção é relativa, podendo ser elidida, isso ocorrendo na hipótese de
declaração de inconstitucionalidade, ou então transformada em absoluta. Esta última
possibilidade estará presente quando se falar em declaração de constitucionalidade, pois, a
rigor, o que existe é a conversão da presunção relativa de constitucionalidade para aquela de
caráter absoluto.

v) princípio da máxima efetividade

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Por esse princípio deve-se atribuir à norma a interpretação que lhe dê maior eficácia,
sendo vedada interpretações que diminuíam ou lhe retirem a eficácia.

Portanto, tem correlação com o art. 5º, §1º. Aliás, esse dispositivo é a
consubstanciação constitucional do princípio em comento.

vi) princípio da razoabilidade

Esse princípio não é exclusivo do direito constitucional, tendo, contudo, nele origem.

Razoabilidade possui três conceitos diferentes:

i) francês

Estabelece uma sinonímia entre razoabilidade e proporcionalidade. Não costuma ser


usado.

ii) americano

Costuma-se falar em razoabilidade externa e interna. Também não interessa para o


nosso caso.

iii) alemão

É o que estudaremos. Tem por base o livro do prof. Konrad Hesse. Em português,
temos o livro do prof. Canotilho e, no Brasil, o prof. Gilmar Ferreira Mendes.

Razoabilidade é um gênero que pode ser decomposto em três vetores. Razoável é


tudo aquilo que se mostre adequado, necessário e proporcional. Duas notas fundamentais:
esses vetores são cumulativos e a análise da sua presença deve ser feita com base nos
meios e nas finalidades. Assim:

a) adequação

O meio escolhido deve ser adequado ao fim visado. Por exemplo, proibir a venda de
álcool durante o carnaval para limitar a transmissão de doenças venéreas demonstra um
meio inadequado para o fim visado. Dessa forma, a norma não é razoável, sendo, portanto,
inconstitucional ou ilegal.

b) necessidade

O meio escolhido deve ser o necessário ao fim visado. Em outras palavras, busca-se
vedar os excessos. Por exemplo, uma indústria despeja detritos químicos em um rio. Há
ação civil pública aforada e a prova pericial acostada demonstra que a instalação de filtros
resolveria o problema. Em seguida surge um ato do poder público, para dar satisfação ao fim
visado, qual seja, redução da poluição ambiental, que enseja o fechamento da indústria.

Pergunta-se: havia um meio menos gravoso para a obtenção do mesmo fim? Sim. Por
isso nesse caso faltará a necessidade, pois o meio escolhido é excessivo em relação ao fim.
Portanto, se não há necessidade não há razoabilidade, logo, há inconstitucionalidade ou
ilegalidade.

c) proporcionalidade

O meio deve ser proporcional em relação ao fim. A aplicação prática da


proporcionalidade é a ponderação. Assim, o meio deve ser ponderado em relação ao fim
almejado. Por exemplo, há uma lei municipal dizendo que todos os monumentos públicos
serão cercados por cercas elétricas que poderão causar a morte humana se tocadas.

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DIREITO ADMINISTRATIVO
DIA 26 DE MARÇO DE 2008
PROFESSOR GUILHERME PEÑA DE MORAES

O meio escolhido foi o possível sacrifício da vida. O fim visado é a proteção do


patrimônio público. É proporcional que para a proteção do patrimônio público haja sacrifício
da vida humana? Não, portanto, o meio é desproporcional ao fim colimado. Dessa forma, se
a norma tiver fundamento de validade na Constituição ela será inconstitucional. Se for na
legislação infralegal ela será ilegal.

Duas observações finais:

1) os exemplos dados foram muito claros acerca dos vetores ausentes. Contudo, a rigor, nos
casos concretos pode haver a falta de todos os vetores ou apenas de um deles.

Portanto, não há necessidade de quantificação de quantos vetores estão ausentes.


Para faltar razoabilidade basta que um dos vetores esteja ausente.

2) esse princípio não é aplicado somente ao direito constitucional, mas sim a todo o direito
brasileiro.

Um exemplo claro é aplicação razoável de atos administrativos punitivos, bem como o


controle judiciário da razoabilidade dos atos administrativos, inclusive os discricionários.
Nesse sentido a súmula 437 do STF, in verbis:

“A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de


vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou
revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os
direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação
judicial.”

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