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A LEGISLAÇÃO CONCORRENCIAL NO DIREITO AMERICANO:

ANÁLISE DE ASPECTOS RELEVANTES

Luciano Aragão Santos


lucianu_a@hotmail.com
Unidade de Ensino Superior Dom Bosco (UNDB).

Introdução

A análise do Direito da Concorrência1 norte-americano manifesta sua importância no fato


de ter sido naquele país promulgado o primeiro diploma legislativo em matéria concorrencial, e
onde foram desenvolvidos alguns dos mais relevantes princípios concorrenciais, que ainda hoje
orientam a aplicação do Direito Concorrencial de inúmeras legislações 2.
A origem do movimento antitruste americano demonstra os malefícios que a inexistência
de proteção (ou inadequada) da concorrência causa à sociedade, ocasionando prejuízos tanto para
consumidores como para o próprio mercado (SALOMÃO FILHO, 2007, p. 69-70). Como
conseqüência surgiram as primeiras legislações concorrenciais que, segundo o discurso dominante,
representaram uma reação à crescente concentração de poder econômico, considerada uma ameaça
“ao princípio da descentralização do poder social como pressuposto da democracia política”
(SCHUARTZ , 2008, p. 3).
Assim, serão objetos de estudo os fatores determinantes desse movimento, as principais
questões que levaram à proteção da competição e as ideologias que norteiam a aplicação do Direito
da Concorrência, bem como as disposições normativas em matéria concorrencial e os principais
casos que definiram os rumos deste direito, que permitem compreender o modo pelo qual é
realizada a defesa da concorrência.

1 A expressão Direito Concorrencial é sinônimo, no sistema jurídico americano, de direito antitruste.


Essa identificação ocorreu, acima de tudo, devido ao fato de que as mais repudiadas
concentrações estavam estabelecidas na forma de truste, como, a exemplo, a Standard Oil.
Então, como direta conseqüência da aversão a esses trustes, ocorreu a generalização do termo
truste para qualquer tipo de concentração, surgindo a denominação direito antitruste. Apesar
dessa generalização, esse tipo de concentração não era predominante, sendo que somente um
menor número de concentrações ocorria na modalidade de truste (SALOMÃO FILHO, 2007. p. 70).
2 Na realidade, a primeira disposição normativa a versar sobre a proteção à concorrência foi o

Competition Act, promulgado no Canadá em 1889. Esta lei considerava infração os ajustes que
tivessem por finalidade limitar a concorrência de forma indevida. Entretanto, o principal marco
legislativo do surgimento da legislação concorrencial é o Sherman Act, promulgado em 1890 nos
Estados Unidos. A respeito, FONSECA, 2007. p. 42; SALOMÃO FILHO, 2007, p. 68.
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É a esses pontos que se direciona a presente pesquisa, que, para uma maior coerência
sobre o tema, delineará, num primeiro momento, uma breve análise do desenvolvimento histórico
da legislação concorrencial americana, seguindo com o exame dos principais diplomas normativos
em matéria concorrencial e, finalmente, dos casos de maior relevância.

1. Breve histórico da legislação concorrencial americana

A primeira lei concorrencial americana, o Sherman Act, surgiu em 1890, consistindo o


primeiro reconhecimento do Direito da Concorrência por via legislativa. Para uma adequada
compreensão dos objetivos e interesses que protege, é preciso investigar os fatores determinantes
que conduziram a promulgação dessa lei, partindo de uma análise do contexto socioeconômico em
que se encontrava a sociedade americana.3
Àquela época os Estados Unidos vivenciavam um período de forte concentração
econômica, o que ocasionou insatisfação em diversos setores da sociedade (RAMIM, 2005, p. 18).
O setor agrário tinha que se sujeitar aos altos preços cobrados pelo monopólio das estradas de ferro,
nos quais ainda foram estimulados a investir; os consumidores eram alvos de constantes abusos por
parte das grandes empresas e a grande influência política dessas estruturas se manifestava com a
criação de impostos destinados a garantir seus interesses às custas da sociedade (SALOMÃO
FILHO, 2007, p. 69-70).
Nesses diversos fatores encontram-se os principais motivos determinantes do Sherman
Act. A preocupação com a proteção do consumidor contra os abusos por parte das grandes
concentrações é levantada como um deles, contudo, parte da doutrina americana questiona o
argumento do bem estar do consumidor apontando à crescente redução dos preços nos principais
mercados com altos índices de concentração no período que antecede à lei (redução de 61% no
preço do petróleo refinado, 18% nos preços do açúcar), e ainda a aprovação pelo Congresso, no
mesmo exercício legislativo, da McKinley Tariff, um dos impostos mais danosos ao consumidor na
história americana (HOVENKAMP, 2005, p. 51). Em que pesem essas questões, a proteção do
consumidor não pode ser desconsiderada a ponto de negar sua influência nessa lei, pois a redução
de preços nesses mercados não significa a inexistência de abusos ou de preços próximos aos níveis

3 Refere-se ao Sherman Act como o primeiro reconhecimento legislativo ao Direito Concorrencial,


pois as origens da proteção da concorrência no direito americano remetem a Common Law,
principalmente nos casos acerca de ajustes em restrição ao comércio. Um dos casos mais
significativos foi Mitchel v. Reynolds, no qual foi utilizado como parâmetro de decisão a ajustes em
restrição ao comércio à regra da razão, que permanece até os dias atuais como a doutrina
aplicável a essas situações. A respeito, HYLTON, 2003. p. 31 e ss.
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de monopólio, sem mencionar as declarações feitas pelos membros do Congresso em relação ao


Sherman Act, que evidenciam a importância que as preocupações com o consumidor tiveram na sua
elaboração4.
Outra determinante foi a influência política dessas estruturas de mercado, que se
manifestou com criação de impostos (entre elas a mencionada McKinley Tariff) que tinham o
objetivo de trazer vantagens para essas empresas às custas da sociedade americana, fato esse que
gerou imenso descontentamento social, sendo determinante ao Sherman Act. A reação ao poder
político que essas empresas detinham se justificou pelo princípio da descentralização do poder
social como pressuposto da democracia política, pois através desse poder, influenciavam de tal
maneira as decisões políticas a ponto de prejudicar grandemente os interesses dos demais grupos
sociais (SALOMÃO FILHO, 2007, p. 70).
A respeito deste assunto, a Escola de Chicago afirma ser a noção de eficiência uma das
principais razões a influenciarem o Congresso americano na promulgação da primeira legislação
concorrencial, porém, essa posição não demonstra fundamento consistente, seja porque aquele
tempo não se havia definida uma conceituação de eficiência nos moldes traçados por esses teóricos,
seja porque a normatividade dessa legislação se opõe às grandes concentrações com poder sobre o
mercado, pressuposto para a realização das economias de escala em que se funda o conceito de
eficiência5.
Desse modo, o Sherman Act abarcou essa pluralidade de interesses supra, ainda assim,
devido a desagrados produzidos principalmente na decisão do caso Standard Oil Co. v. United
States (1911) foram promulgadas duas novas leis concorrenciais (HOVENKAMP, 2005,p. 56).
Acontece que, no Standard Oil foi desenvolvida a “regra da razão”, que gerou grande
descontentamento, pois enfraquecia a aplicação do Sherman Act (pelo ao menos é esse o argumento

4 Em uma dessas declarações o próprio Senador Sherman afirma que o objeto de tais
combinações (referindo-se as grandes concentrações empresariais) é tornar impossível a
competição, possibilitando o controle sobre os preços, que seriam estabelecidos de acordo com
seus interesses, ou seja, de maneira a maximizar os lucros, desconsiderando os interesses dos
consumidores. Deste modo demonstra como a preocupação com o bem-estar do consumidor foi
um dos fatores que influenciou o Sherman Act. A respeito, SALOMÃO FILHO, 2007, p. 72;
HOVENKAMP, 2005, p.50.
5 A Escola de Chicago nasce com o objetivo de abordar o Direito Concorrencial a partir de uma

perspectiva econômica, e constitui, na atualidade, a principal escola teórica a influenciar esse


ramo do direito nos Estados Unidos. No seu início, no século XX (anos 50), resumia-se à aplicação
da “teoria do preço” no estudo do Direito Concorrencial, todavia, nos anos 60 e 70, embasada
nos trabalhos de R. Bork e R. Posner, defendeu a aplicação da teoria marginalista na análise do
Direito da Concorrência. Uma de suas mais relevantes características é a importância dada à
eficiência produtiva, entendida como redução dos custos na produção do produto final, que,
para seus defensores, tem como conseqüência a diminuição de preços para os consumidores
(aumento do bem-estar do consumidor), objetivo final do Direito Concorrencial. A respeito,
SALOMÃO FILHO, 2007, p. 22; HOVENKAMP, 2005, p. 49-50.
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dos Pro-regulation interest groups)6. Como resultado dessa insatisfação foram promulgados, em
1914, o Federal Trade Comission Act (FTC Act) e o Clayton Act7.
O FTC Act cria a Federal Trade Comission, a autoridade antitruste americana, destinada a
coibir a prática de métodos ilícitos de concorrência; foi dotada de funções de investigação,
informação e repressão à concorrência desleal (FONSECA, 2007, p. 24). Também lhe foram
conferidos poderes para contestar práticas consideradas anticompetitivas, mas que não transgrediam
nenhuma das leis concorrenciais vigentes (HOVENKAMP, 2005, p. 57).
Já o Clayton Act se destinou a proibir práticas consideradas de concorrência desleal,
condenando discriminação de preços e contratos de exclusividade, por exemplo. Não obstante, a
caracterização dessas condutas como ilícitas, só é possível de acordo com a própria lei, quando seus
efeitos puderem substancialmente ser anticompetitivos (HYLTON, 2003, p. 30).
Após a promulgação dessas leis, durante o período da Primeira Guerra Mundial, houve
nos Estados Unidos uma política concorrencial bem moderada, no entanto, nos anos 30 ocorreram
mudanças na proteção da concorrência. Durante o New Deal o presidente Roosevelt criou o Codes
of Fair Competition, como parte da Administração de Recuperação Nacional (National Recovery
Administration), que deixou de coibir várias formas de ajustes anticompetitivos. Contudo, esse
modelo foi logo derrubado pela Suprema Corte e adotou-se então uma rigorosa política antitruste.
Nesse período foi promulgado o Robinson-Patman Act, que alterou o § 2 do Clayton Act
(HOVENKAMP, 2005, p. 58-59). Enfim, nos anos 50 foi criado o Celler-Kefauver Antimerger Act
e em 1976 o Hart-Scott-Rodino Act, ambos alterando o disposto no § 7° do Clayton Act
(FONSECA, 2007, p. 26-27).
Foram essas as principais legislações do Direito da Concorrência nos Estados Unidos, que
até hoje mantém sua aplicação na defesa da concorrência, orientados, acima de tudo, pela regra da
razão, que predomina como parâmetro de decisão na maior parte dos ilícitos concorrenciais.

2. Disposições normativas acerca do Direito da Concorrência nos Estados Unidos

6 A regra da razão definida no caso Standard Oil Co. v. United States, considerava ilícitas, sob a
seção 1 do Sherman Act, apenas as restrições ao comércio não razoáveis verificando-a a partir
do propósito, do poder das partes e dos efeitos da restrição sobre a competição (HYLTON, 2003, p.
101). Antes da aceitação da regra da razão, predominava a regra per se, que consistia na
condenação sem considerar a intenção das partes ou qualquer efeito dos seus atos, bastava que
a conduta se enquadrasse nos tipos definidos pelo Sherman Act (FONSECA, 2007, p 23).
7 O Pro-regulation interest groups (Grupos de interesse pró-regulação) defendia uma abordagem

Antitruste mais rígida, acreditando que a adoção da regra da razão daria margem à
emasculação da regulação concorrencial. Havia ainda, o Pro-business interest groups (Grupos de
interesse pró-negócios) que, também insatisfeitos com a regra da razão, acreditavam estar se
adotando um parâmetro ambíguo, dando ao governo ampla liberdade na interpretação da
legislação antitruste (HYLTON, 2003, p. 39).
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A primeira norma de natureza concorrencial, como mencionado, foi o Sherman Act,


promulgada em 1890. Seu teor normativo de maior importância encontra-se na seção 1, que coíbe
qualquer contrato, combinação, na forma de truste ou outros, ou conspiração em restrição ao
comércio; e na seção 2, que condena a monopolização ou a tentativa de monopolizar. O acusado,
em ambos os casos, será julgado por delito de ofensa, ficando sujeito à condenação em penas de
multa ou de prisão8.
Jurisprudencialmente foram desenvolvidas doutrinas para aplicação tanto da seção 1
(Section 1 doctrine) como da seção 2 (Section 2 doctrine). No desenvolvimento da concernente a
seção 1, a principal questão era se deveria ser aplicada a regra per se ou a regra da razão. A primeira
predominou nas primeiras decisões da Suprema Corte, que julgou não ser necessária qualquer prova
de razoabilidade da restrição ao comércio, recusando o parâmetro de decisão estabelecido pela
Common Law (HYLTON, 2003, p. 91-92). Acreditava a Suprema Corte que a aceitação da regra da
razão significaria assumir função própria do Poder Legislativo (SALOMÃO FILHO, 2007, p. 173).
Entretanto, em decisões posteriores, foi adotada como parâmetro a regra da razão, a partir
da qual era verificado se a restrição ao comércio imposta suprimia ou limitava a competição ou se
era razoável, gerando efeitos pró-competitivos (HYLTON, 2003, p. 104). O grande problema na
aplicação da lei Sherman pela regra per se é a excessiva rigidez que causa, pois se estaria
condenando toda forma de combinação, mesmo aquelas que viessem a trazer benefícios para o
mercado e para os consumidores (FONSECA, 2007, p. 23).
Na aplicação da seção 2, as dúvidas surgiram em relação aos critérios para a definição do
termo monopolização. Não havia certeza se a simples existência do monopólio deveria ser punida
ou se deveria ser punido somente quando fruto de atos que tivessem como objetivo a
monopolização do mercado. Como conseqüência direta dessas incertezas a Suprema Corte entendeu
ser a monopolização um ilícito per se na decisão do caso Standard Oil Co. v. United States.
Posteriormente, todavia, foi reconhecido que a monopolização não pode ser considerada ilícita sem
que o processo que lhe deu causa também seja (SALOMÃO FILHO, 2007, p. 30).
Em 26 de setembro de 1914 foi promulgado o Federal Trade Comission Act, que instituiu
a Federal Trade Comission, definindo suas atribuições e objetivos. Foi assim criada a autoridade
antitruste americana, que deve coibir quaisquer métodos de concorrência desleal, tendo

8 A pena de multa aplicada pela violação das seções 1 e 2 do Sherman Act era, inicialmente, no
valor de até cinco mil dólares e a de prisão máxima era de um ano. Em 1990, todavia, essas penas
foram alteradas, ficando a multa estabelecida em até 10 milhões se o condenado for corporação
e em até 350 mil dólares se o condenado for pessoa física. Já a pena de prisão passou a ser de
até 3 anos (HYLTON, 2003, p. 27).
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competência em todo território nacional. Dentre as suas funções dessa agência destacam-se as de
investigação, informação e persecução de práticas desleais de competição. Também é responsável
pela aplicação do Sherman e Clayton Act. Além disso, protege tanto os direitos dos consumidores
como a existência de competição.
O § 5 do FTC Act permite que essa agência impeça a prática de atos considerados
anticompetitivos, que, todavia, não violem os demais estatutos concorrenciais. Já o § 57 “a” lhe
atribui autoridade para criar regras, através da regulação, que definem especificamente atos ou
práticas ilícitas sob a perspectiva concorrencial.
Em outubro do mesmo ano foi promulgado o Clayton Act, que definiu práticas de
concorrência desleal. Esse estatuto considera ilegais: discriminação de preços (price
discrimination); contratos de exclusividade (exclusive dealing contracts); aquisições de empresas
ou parte delas, que possam resultar em monopólio; e ainda o fato de uma mesma pessoa pertencer
ao conselho administrativo de empresas concorrentes (interlocking directorates). Este mesmo
diploma, no § 4, estabelece que são partes legítimas para ajuizar ação fundada nos estatutos,
qualquer pessoa que se sinta prejudicada nos seus negócios ou propriedade em razão de prática
proibida pelas leis concorrenciais (HYLTON, 2003, p. 30).
Posteriormente, surgiu o Robinson-Patman Act, que alterou o § 2 do Clayton Act,
definindo a Secondary-line Price Discrimination (discriminação de preços que favorece alguns
distribuidores), e a Third-line Price Discrimination (favorecimento de consumidores de
determinado distribuidor, em prejuízo de outros, através de discriminação de preços). Em 1950 foi
criado o Celler-Kefauver Antimerger Act, que alterou o conteúdo do § 7 do Clayton Act,
acrescentando ao ilícito a compra de ações ou parte de ações de sociedades concorrentes (asset
acquisition), que possam causar prejuízos à competição. Enfim, em 1976, foi promulgado o Hart-
Scott-Rodino Act, que também alterou o § 7 do Clayton Act, estabelecendo o dever de notificação
nas operações de compras da totalidade ou parte de ações, conforme regras estabelecidas pela
própria lei (FONSECA, 2007, p. 24;26;27).

3. Casos relevantes

O primeiro grande caso julgado pela Suprema Corte americana foi contra as redes de
estradas de ferro (HOVENKAMP, 2005, p. 57). Ocorria que essas empresas vinham crescendo,
acima de tudo, pela cooperação entre o setor privado e o setor público. Dentre seus investidores
estavam o grupo dos agricultores, que seriam, ao menos teoricamente, beneficiados pelas atividades
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dessas empresas e, por isso, foram fortemente influenciados a comprar suas ações (SALOMÃO
FILHO, 2007, p. 69-70).
Entretanto, essas empresas acabaram por não trazer benefício algum à sociedade, pois
devido a crises financeiras por que passavam, foram criados impostos para cobrir os seus déficits,
visto que era o Estado um de seus maiores investidores. Assim a sociedade via-se obrigada a pagar
impostos que surgiram em decorrência da má administração desses negócios (inclusive os
agricultores que, além de não receber quaisquer dividendos, também eram obrigados a pagar esses
impostos). Além disso, ainda se sujeitava aos altos preços cobrados por essas empresas, que
cobravam o máximo que podiam (SALOMÃO FILHO, 2007, p. 69-70).
Esses fatores causaram grande insatisfação, que se manifestou no caso United States v.
Trans-Missouri Freight Assn, em 1897. Nesse caso, as redes de estrada de ferro entraram em acordo
de preços, estabelecendo taxas fixas a serem cobradas pelos membros da associação. Era um caso
de fixação de preços (price fixing). A Suprema Corte julgou o acordo ilícito, sob a seção 1 do
Sherman Act, adotando ainda, a regra per se como parâmetro de decisão, rejeitando o argumento
das redes de estrada de ferro que afirmavam ser razoável o ajuste (HYLTON, 2003, p. 91).
Essas empresas defendiam que os altos investimentos fixos necessários para a manutenção
desse negócio, tornavam inviável a existência de competição plena, pois não seria possível cobrir
esses custos. A presença de forte competição, portanto, desencadearia um processo de saída de
empresas do mercado, até que restasse apenas uma, que elevaria seus preços a níveis de monopólio.
O acordo, então, garantiria, a longo prazo, a existência de um mercado não monopolizado e, por
isso, era razoável. A Suprema Corte rejeitou esse argumento afirmando que a prova da
razoabilidade do acordo demandaria demais da corte, indo além de suas capacidades, exigindo
revisão do histórico dos negócios e o monitoramento dessas empresas, para assegurar que a prática
continuasse razoável (HYLTON, 2003, p. 92-93).
Outro caso de grande repercussão foi o Standard Oil Co. v. United States, no qual ficaram
evidentes as dúvidas sobre a aplicação da seção 2 do Sherman Act. A família Rockfeller havia
comprado inúmeras ações de companhias de petróleo, concentrando de tal maneira esse mercado
(detinha mais de 90% do mercado), que houve a criação de um truste para administrar essas ações.
Logo depois, essas ações passaram às Standard Oil of New York e New Jersey, para a mesma
função. O mercado de petróleo, então, encontrava-se monopolizado (SALOMÃO FILHO, 2007, p.
72-73).
O grande problema era a possibilidade de dissolução desse monopólio com base na seção
2 do Sherman Act, considerando que o processo que levou a criação do monopólio ocorreu antes da
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vigência desse diploma. Assim a dúvida, como visto, era se a existência do monopólio deveria ser
punida ou somente se este fosse conseqüência de atos que tendessem à monopolização do mercado.
A Suprema Corte entendeu ser ilícito o simples fato da existência do monopólio, dissolvendo a
Standard Oil em diversas companhias (SALOMÃO FILHO, 2007, p. 73).
Nessa mesma decisão a Suprema Corte definiu que o parâmetro de decisão a ser utilizado
na aplicação da seção 1 do Sherman Act seria a regra da razão, modificando o entendimento
anterior. Deste modo, o tribunal entendeu que o Sherman Act só condenava restrições ao comércio
não razoáveis e que a análise dessa razoabilidade dependia do propósito, do poder econômico das
partes, e do efeito da restrição sobre o mercado9.

Considerações Finais

As primeiras legislações concorrenciais surgiram como resposta à crescente concentração


do poder econômico, que ocasionava danos aos consumidores e ao mercado. Não se tinha, quando
dos seus surgimentos, a percepção atual sobre os critérios que definem o ilícito concorrencial de
monopolização, nem sobre a inviabilidade de se adotar unicamente o parâmetro per se como critério
de decisão, por exemplo.
A análise traçada permitiu compreender essas nuances, demonstrando que a primeira
disposição normativa de Direito da Concorrência foi o Sherman Act, e que os principais conceitos e
princípios que orientam a aplicação desse ramo do direito foram desenvolvidos pelas decisões da
Suprema Corte.
Atualmente essas leis continuam a ser os diplomas aplicados em matéria concorrencial e o
parâmetro de decisão que tem predominado na maioria dos ilícitos concorrenciais é a regra da
razão. De tal modo, é o Sherman Act a lei aplicável aos casos de monopolização de mercados e o
Clayton Act aos casos de discriminação preços e contratos de exclusividade. Já a regra da razão se
afirmou pela inviabilidade de uma interpretação literal das leis concorrenciais, dada a rigidez de
seus dispositivos, no qual poderiam se enquadrar acordos necessários ao desenvolvimento do
mercado.

9 A regra da razão teve seu conteúdo melhor definido no caso Chicago Board of Trade v. United
States, no qual ficou estabelecido que não bastava para caracterização do ilícito concorrencial a
configuração de uma restrição ao comércio, pois todo acordo restringe, era necessário o exame
de sua razoabilidade e efeitos. Desta maneira passou-se a analisar se a restrição ao comércio
apenas regulava e, por isso mesmo, incentivava a competição ou se a limitava, gerando efeitos
anticompetitivos. Para determinar a razoabilidade era preciso, ainda, considerar as peculiaridades
do setor sob o qual a restrição produziria seus efeitos (HYLTON, 2003, p.101-104).
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O direito brasileiro, por outro lado, não se desenvolveu desse modo, passando por
sucessivas legislações que, a princípio, vieram proteger a economia popular, e evoluíram para leis
propriamente concorrenciais, até a então em vigor Lei n. 8884 de 1994.

Referências

FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Lei de proteção da concorrência: comentários à


legislação antitruste. 3. ed. rev. atual Rio de Janeiro: Forense, 2007.

HOVENKAMP, Herbert. Federal Antitrust Policy: the law of competition and its practice. 3.ed.
St. Paul (Minn): West Publishing, 2005.

HYLTON, Keith N. Antitrust Law: economic theory and Common Law evolution. Cambridge,
Cambridge University Press, 2003.

RAMIM, Áurea Regina Sócio de Queiroz. As instituições brasileiras de defesa da concorrência.


Brasília: Fortium, 2005.

SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as estruturas. 3. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2007.

SCHUARTZ, Luiz Fernando. Fundamentos do Direito da Concorrência moderno. Disponível


em: <http://www.ie.ufrj.br/grc/>. Acesso em: mar. 2008.

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