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01/09/2015 A irracionalidade na política | Dissidência Analítica

Dissidência Analítica

A irracionalidade na política
Publicado em 1 de setembro de 2015

Escrito por Michael Huemer*

Tradução: Hélio S. C. Carneiro

1.  Introdução: o problema da discordância política

Talvez a característica mais marcante no que se refere à política é o quão ela é suscetível à discordância – apenas
religião e ética competem com a política enquanto fonte de desacordo. Há três principais características das
discordâncias políticas que eu quero apontar: (i) elas são muito amplas. Não se trata apenas de algumas pessoas
discordando sobre alguns assuntos; em vez disso, quaisquer duas pessoas escolhidas aleatoriamente
provavelmente discordarão sobre vários temas políticos. (ii) Elas são fortes, ou seja, as partes discordantes estão
normalmente muito convencidas de suas próprias posições, que não são de maneira alguma provisórias. (iii) Elas
são persistentes, ou seja, é extremamente difícil resolvê­las. Várias horas de discussão normalmente não
conseguem fazer progresso. Algumas disputas têm persistido por décadas (tanto com os mesmos personagens ou
com diferentes partes ao longo de múltiplas gerações).

Essa situação deveria nos parecer muito estranha. A maioria dos outros assuntos – por exemplo, geologia,
linguística ou álgebra – não está de maneira alguma suscetível a discordâncias desse tipo; suas disputas são muito
menores em número e tomam lugar em um pano de fundo de acordo substancial acerca da teoria básica; e tais
discordâncias tendem a ser mais provisórias e mais facilmente resolvidas. Por que é a política sujeita a
discordâncias tão amplas, fortes e persistentes? Considere­se quatro explicações gerais para a prevalência de
desacordo político:

A. Teoria do Engano: Questões políticas são sujeitas a muitas disputas porque elas são questões
muito difíceis; como tal, muitas pessoas simplesmente cometem erros – análogos a enganos
cometidos ao trabalhar com problemas matemáticos difíceis –, o que as leva a discordar de outras
pessoas que não cometeram erros ou que cometeram erros diferentes, levando­as a conclusões
diferentes.

B. Teoria da Ignorância: Em vez de serem inerentemente difíceis (devido à sua complexidade ou
abstração, por exemplo), questões políticas são difíceis para resolvermos devido a informação
insuficiente e/ou porque diferentes pessoas têm diferentes informações disponíveis para si. Se todos
tivessem o conhecimento factual adequado, maioria das disputas políticas seria resolvida.

C. Teoria dos Valores Divergentes: As pessoas discordam em questões políticas principalmente
porque tais questões dependem de questões morais/valorativas, e as pessoas possuem valores
fundamentais divergentes.

D. Teoria da Irracionalidade: As pessoas discordam em questões políticas principalmente porque
maioria das pessoas é irracional quando se trata de política.

Discordâncias políticas indubitavelmente possuem mais do que uma causa contributiva. Ainda assim, eu
mantenho que a explicação (D), a da irracionalidade, é o fator mais importante, e que as explicações de (A) a (C),
na ausência da irracionalidade, não conseguem explicar quase nenhuma das características mais notáveis da
discordância política.

2.  Disputas políticas não são explicadas por engano ou ignorância

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Começaremos com as duas explicações cognitivas – ou seja, com teorias que procuram explicar disputas políticas
em termos do funcionamento normal das nossas faculdades cognitivas. Esse é o tipo mais natural de explicação ao
qual se voltar na ausência de evidência específica contra uma explicação cognitiva.

Explicações cognitivas, contudo, não conseguem explicar as seguintes características relevantes das crenças e
disputas políticas:

a. A força das crenças políticas

Se questões políticas são apenas muito difíceis, então deveríamos esperar que maioria das pessoas defendesse, no
máximo, posições provisórias, ou então que suspendesse o juízo de uma vez. É isso o que acontece com outras
questões que são intrinsecamente difíceis. Se acabamos de resolver um problema matemático muito complicado,
tendemos a manter no máximo uma crença provisória na resposta a que chegamos. Se uma outra pessoa
inteligente diz ter solucionado o mesmo problema e chegado a uma resposta diferente, isso abala a nossa
confiança na nossa resposta; encaramos isso como uma evidência forte de que podemos estar em erro. Mas em
questões políticas as pessoas tendem a defender suas posições com grande confiança, e a trata­las como não sendo
muito difíceis de verificar, ou seja, como sendo óbvias. E nem a mera presença de outra pessoa com uma crença
política oposta tipicamente abala nossa confiança.

A Teoria da Ignorância se sai um pouco melhor, visto que se as pessoas forem ignorantes não só dos fatos acerca
de uma questão política, mas também da sua própria ignorância, sua confiança nas próprias crenças políticas
seria compreensível. No entanto, ainda é misterioso o motivo pelo qual as pessoas seriam ignorantes do seu
próprio nível de ignorância – isso, por si só, necessita de maior explicação. Além disso, a Teoria da Ignorância tem
dificuldade de explicar a seguinte característica de disputas políticas.

b. A persistência das disputas políticas

Se as disputas políticas tivessem uma explicação puramente cognitiva, esperaríamos que elas fossem mais
facilmente resolvíveis. Uma parte poderia apontar para a outra onde foi cometido um erro no raciocínio – um erro
de cálculo –, caso em que a segunda pessoa poderia corrigir seu erro. Ou, no caso de as duas partes terem
informações diferentes disponíveis a elas, elas poderiam simplesmente se encontrar, compartilhar suas
informações e então chegar a um acordo. Apesar de as partes nas disputas políticas normalmente de fato
compartilharem suas razões e evidências umas com as outras, as disputas persistem.

c. A correlação de crenças políticas com traços não­cognitivos

As crenças políticas das pessoas tendem a se correlacionar fortemente com sua raça, seu sexo, seu status
econômico, sua ocupação e seus traços de personalidade. Membros das minorias [políticas] têm maior
probabilidade de apoiar ações afirmativas que homens brancos. Membros da indústria de entretenimento têm
muito mais probabilidade de serem progressistas do que conservadores [nos EUA, o termo “progressistas” tem o
mesmo sentido de “esquerdistas” no Brasil; o termo “conservadores”, por sua vez, tem o mesmo sentido de
“direitistas”]. Pessoas que gostam de ternos têm maior probabilidade de serem conservadores que pessoas que
gostam de camisetas tye­die. E assim por diante. Nenhuma dessas correlações seria esperada se crenças políticas
tivessem uma origem inteiramente cognitiva. Esses fatos sugerem que vieses, em vez de mero erro de cálculo, têm
um papel central na explicação de enganos políticos.

d. O agrupamento de crenças políticas

Duas crenças são “não relacionadas logicamente” se nenhuma delas, ainda que verdadeiras, constituiria evidência
contra ou a favor a outra. Diversas crenças logicamente não­relacionadas estão correlacionadas – ou seja, é
frequentemente possível prever a crença de alguém sobre um assunto baseando­se na sua opinião sobre uma
outra questão sem relação alguma com a primeira. Por exemplo, pessoas que apoiam o controle de armas têm
muito mais probabilidade de apoiar programas de bem­estar social e o direito ao aborto. Visto que esses temas

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não se relacionam logicamente uns com os outros, em uma teoria puramente cognitiva das crenças políticas das
pessoas esperaríamos que não houvesse tal tipo de correlação.

Às vezes as correlações observadas são o oposto do que se esperaria apenas com base na razão – ou seja, às vezes
pessoas que sustentam uma crença têm menor probabilidade de sustentar outras crenças que são apoiadas pela
primeira crença. Por exemplo, alguém poderia ingenuamente esperar que aqueles que defendem direitos animais
tenham maior probabilidade de se opor ao aborto que aqueles que rejeitam a noção de direitos animais; de
maneira oposta, aqueles que se opõem ao aborto deveriam ter maior probabilidade de aceitar direitos animais.
Isso é assim porque para aceitar direitos animais (ou direitos dos fetos) uma pessoa deve ter uma concepção mais
expansiva de que tipos de seres possuem direitos do que aqueles que rejeitam direitos animais (ou direitos dos
fetos) – e porque fetos e animais parecem compartilhar a maior parte das mesmas propriedades moralmente
relevantes (e.g., são ambos sencientes, mas nenhum deles é inteligente). Não estou dizendo que a existência de
direitos animais implica que fetos têm direitos, ou vice­versa (há algumas diferenças entre fetos e animais); estou
apenas dizendo que se animais possuem direitos, é bem mais provável que fetos também possuam, e vice­versa.
Assim, se as crenças políticas das pessoas têm geralmente explicações cognitivas, deveríamos esperar uma
correlação estatística positiva entre ser pró­vida e ser a favor de direitos animais. De fato, o que observamos é
precisamente o oposto.

Alguns agrupamentos de crenças não relacionadas logicamente poderiam ser explicados cognitivamente – por
exemplo, através da hipótese segundo a qual algumas pessoas tendem a ser boas, no geral, a chegarem à verdade
(talvez porque elas sejam inteligentes, tenham um bom nível de conhecimento etc.). Suponha, então, que é
verdade que ações afirmativas são justas e que o aborto é moralmente permissível. Essas questões não são
logicamente relacionadas uma com a outra; contudo, se algumas pessoas são em geral boas em chegar à verdade,
então aquelas que acreditam em uma dessas proposições muito provavelmente acreditariam na outra.

Mas note que, nessa hipótese, nós não esperaríamos a existência de um agrupamento oposto de crenças. Ou seja,
suponha que as crenças progressistas são, no geral, verdadeiras, e que isso explica porque há tantas pessoas que
geralmente abraçam esse agrupamento de crenças. (Assim, ações afirmativas são justas, o aborto é permissível,
programas de bem­estar social são bons, a pena de morte é ruim, os seres humanos estão seriamente
prejudicando o meio ambiente etc.) Por que haveria um número significativo de pessoas que tendem a abraçar as
crenças opostas em todas essas questões? Não é plausível supor que há algumas pessoas que são em geral atraídas
pela falsidade. Ainda que haja pessoas que não são muito boas em chegar à verdade (talvez elas sejam estúpidas,
ignorantes etc.), suas crenças deveriam ser, no pior dos casos, não­relacionadas à verdade; elas não deveriam ser
sistematicamente direcionadas para longe da verdade. Portanto, mesmo que possa haver um “agrupamento
verdadeiro” de crenças políticas, a consideração presente sugere fortemente que nem o agrupamento conservador
nem o agrupamento progressista o é.

3.  Disputas políticas não são explicadas por valores divergentes

Questões políticas são normativas; elas dizem respeito ao que as pessoas devem fazer: deve o aborto ser
permitido? Devemos cortar os gastos militares? E assim por diante. Talvez as disputas políticas persistem porque
as pessoas partem de diferentes valores fundamentais, e elas então corretamente raciocinam partindo desses
valores para conclusões politicamente divergentes.

Essa hipótese traz à tona a seguinte questão mais ampla: por que as pessoas possuem diferentes valores
fundamentais? Se valores são objetivos, então essa pergunta é tão intrigante quanto a questão inicial (“por que as
pessoas discordam acerca de questões políticas?”). Mas muitos acreditam que questões relativas a valores não têm
resposta objetiva, e que valores são apenas uma questão de sentimentos e preferências pessoais. Isso tenderia a
explicar, ou ao menos a não fazer com que seja surpreendente, porque várias pessoas possuem valores divergentes
e são incapazes de resolver essas diferenças de valor.

Há três razões pelas quais eu discordo dessa explicação. A primeira é que questões de valor são objetivas, sendo o
anti­realismo moral completamente injustificado [1] [2]. A segunda razão é que essa hipótese falha em explicar o

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agrupamento de crenças descrito acima. Na Teoria de Valores Divergentes, deveríamos esperar que os
agrupamentos de crenças políticas prevalentes correspondessem a diferentes teorias morais básicas. Assim,
deveria haver alguma posição moral central que unisse todas ou a maior parte das crenças políticas
“progressistas”, e uma posição moral diferente que unisse todas ou a maior parte das crenças políticas
“conservadoras”. Que tese moral subjacente sustenta as visões de acordo com as quais (a) o capitalismo é injusto,
(b) o aborto é permissível, (c) a pena de morte é ruim e (d) as ações afirmativas são justas? Aqui eu não preciso
alegar que essas crenças sempre andam juntas, mas apenas que elas estão correlacionadas (se uma pessoa defende
uma delas, ela provavelmente defenderá alguma outra delas); a hipótese dos Valores Divergentes não consegue
explicar isso. E o exemplo anterior sobre aborto e direitos animais (seção 2d) mostra que em alguns casos os
agrupamentos de crenças políticas que encontramos são o oposto do que esperaríamos de pessoas que estivessem
raciocinando corretamente a partir de teorias morais fundamentais.

O terceiro e maior problema com a teoria dos Valores Divergentes é que disputas políticas envolvem todo o tipo de
disputas não­morais. As pessoas que discordam acerca da justiça da pena de morte também tendem a discordar
acerca dos fatos não­morais sobre a pena de morte. Aqueles que defendem a pena de morte têm muito mais
chance de acreditar que ela tem um efeito dissuasor, e que poucos inocentes foram executados. Aqueles que se
opõem à pena de morte tendem a acreditar que ela não tem um efeito dissuasor, e que vários inocentes foram
executados. Essas são questões factuais, e meus valores morais não deveriam ter nenhum efeito sobre o que eu
penso acerca dessas questões factuais. Se a pena de morte dissuade criminosos ou não é algo a ser determinado
pela análise de evidências estatísticas e de estudos científicos sobre o tema – e não pelo apelo às nossas crenças
sobre a natureza da justiça. É claro que pode ser o caso de meus valores morais afetarem minhas crenças sobre
tais questões factuais porque eu sou irracional – isso seria consistente com a teoria avançada nesse artigo.

Similarmente, as pessoas que defendem o controle de armas geralmente acreditam que as leis de controle de
armas reduzem crimes violentos de maneira significativa. Aqueles que se opõem ao controle de armas geralmente
acreditam que as leis de controle de armas não reduzem crimes violentos de maneira significativa, e até mesmo
que elas aumentam crimes violentos. Essa também é uma questão factual, e não se pode determinar que efeito as
leis de controle de armas têm na ocorrência de crimes apelando para as próprias crenças morais.

Como um exemplo final, socialistas tendem a culpar o capitalismo pela pobreza no terceiro mundo; mas
defensores do capitalismo tipicamente o veem como a solução da pobreza no terceiro mundo. Mais uma vez, essa
é uma questão factual que não pode ser resolvida apelando­se para crenças morais.

Haverá algumas diferenças de valores fundamentais? Provavelmente. Algumas discordâncias políticas se devem a
discordâncias morais? Quase que certamente (as ações afirmativas e o aborto são bons candidatos). Ainda assim,
o ponto é que várias discordâncias políticas são discordâncias factuais e não podem ser explicadas – sem se
invocar uma hipótese da irracionalidade – apelando­se para discordâncias morais.

4.  Ignorância racional e irracionalidade racional

As considerações anteriores fazem um caso à primeira vista favorável à importância da irracionalidade na
explicação de discordâncias políticas – nenhuma das outras explicações parecem ser muito boas. Mas precisamos
saber mais sobre a Teoria da Irracionalidade – como e por que as pessoas são irracionais na política?

Primeiro, vejamos uma teoria relacionada. A teoria da Ignorância Racional diz que as pessoas frequentemente
escolhem – racionalmente – permanecer ignorantes porque os custos de coletar informações são maiores que o
valor esperado das informações [3]. Isso é frequentemente verdadeiro com relação à informação política. Para
ilustrar, em diversas ocasiões eu dei palestras sobre o assunto deste artigo, e eu sempre pergunto às pessoas da
audiência se elas sabem quem é o congressista que elegeram. A maioria não sabe. Entre cidadãos mais velhos,
talvez metade levante suas mãos; entre estudantes de faculdade, talvez um quinto. Em seguida eu pergunto se
alguém sabe qual foi a última votação ocorrida no Congresso. Até agora, de centenas de pessoas a quem perguntei,
nenhuma respondeu afirmativamente. Por quê? Simplesmente não vale a pena perder seu tempo para coletar essa
informação. Se você tentasse se manter atualizado acerca de todo político e burocrata que supostamente estaria te

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representando (ou servindo), você provavelmente passaria toda sua vida fazendo isso. Ainda assim, isso não faria
nenhum bem para você – talvez você viesse a saber em que político votar na próxima eleição, mas os outros
milhares de eleitores no seu distrito ainda vão votar em quem quer que seja que eles iriam votar antes de você
coletar sua informação.

Compare isso com o que ocorre quando você compra um produto no mercado. Se você tira um tempo para ler a
Consumer Reports [revista americana de avaliação de diversos produtos e serviços] para decidir que tipo de carro
comprar, você vai e compra o carro escolhido. Mas se você tira um tempo para pesquisar os registros das
atividades dos políticos para decidir em quem votar, você ainda não consegue [eleger] o candidato que escolheu.
Você vai continuar recebendo o candidato em quem a maioria da população votou (a não ser que o resultado seja
exatamente um empate, o que é uma possibilidade desprezível) [4]. Do ponto de vista do autointeresse,
normalmente é irracional coletar informação política.

Similarmente, a teoria da Irracionalidade Racional diz que as pessoas frequentemente escolhem – racionalmente
– adotar crenças irracionais porque os custos de formar crenças racionais excedem seus benefícios [5]. Para
entender isso, é preciso distinguir dois significados da palavra “racional”:

Racionalidade instrumental (ou “racionalidade meios­fim”): consiste em escolher os meios corretos para se
atingir os reais objetivos de alguém, dadas as reais crenças de alguém. Esse é o tipo de racionalidade que
economistas geralmente assumem ao explicar o comportamento humano.

Racionalidade epistêmica: consiste, grosso modo, em formar crenças de maneiras que conduzem à verdade –
aceitar crenças que são bem sustentadas por evidências, evitar falácias lógicas, evitar contradições, revisar as
próprias crenças à luz de novas evidências contra elas, e assim por diante. Esse é o tipo de racionalidade que livros
de lógica e de pensamento crítico procuram estimular.

A teoria da Irracionalidade Racional diz que frequentemente é instrumentalmente racional ser epistemicamente
irracional. Em termos mais coloquiais (mas menos precisos): as pessoas frequentemente pensam ilogicamente
porque é de seu interesse assim fazer. Isso é particularmente comum em relação a crenças políticas. Considere­se
um dos exemplos de [Bryan] Caplan [6]. Se eu acredito, irracionalmente, que a troca entre mim e outras pessoas é
prejudicial, eu arco com os custos dessa crença. Mas se eu acredito – também irracionalmente – que a troca entre
meu país e outros países é prejudicial, eu não arco com praticamente nenhum dos custos dessa crença. Há uma
chance minúscula de que minha crença vá ter algum efeito sobre as políticas públicas; se for o caso de isso
acontecer, os custos vão ser suportados pela sociedade como um todo; apenas uma porção insignificante disso terá
de ser suportada por mim pessoalmente. Por essa razão, eu tenho um incentivo para ser mais racional acerca dos
efeitos das trocas a nível individual do que acerca dos efeitos gerais das trocas entre nações. Em geral, assim como
eu não recebo quase nenhum benefício na minha coleta de informação política, eu também não recebo quase
nenhum benefício ao pensar racionalmente sobre questões políticas.

A teoria da Irracionalidade Racional faz duas pressuposições centrais. Primeiro, indivíduos possuem preferências
não­epistêmicas de crença (também conhecidas como “vieses”). Ou seja, há certas coisas em que as pessoas
querem acreditar, por razões independentes do valor de verdade de certas proposições ou do quão bem
sustentadas por evidências elas são. Segundo, indivíduos podem exercer algum controle sobre suas crenças. Dada
a primeira pressuposição, há um “custo” em se pensar racionalmente – nomeadamente, o de poder acabar não
acreditando no que se queria acreditar. Dada a segunda pressuposição (e dado que indivíduos são
instrumentalmente racionais), a maioria das pessoas vai aceitar esse custo apenas se elas receberem maiores
benefícios por pensarem racionalmente. Mas visto que indivíduos não recebem quase nenhum benefício por
serem epistemicamente racionais acerca de questões políticas, podemos prever que as pessoas vão
frequentemente escolher ser epistemicamente irracionais acerca de questões políticas.

Pode ser o caso de haver pessoas para as quais ser epistemicamente racional é, em si mesmo, um valor
suficientemente grande para superar quaisquer outras preferências que elas podem ter relativas às suas próprias
crenças. Tais pessoas continuariam a ser epistemicamente racionais até mesmo em questões políticas. Mas não há

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01/09/2015 A irracionalidade na política | Dissidência Analítica

razão para esperar que todo mundo teria esse tipo de estrutura de preferência. Para explicar por que alguns
adotariam crenças políticas irracionais, precisamos apenas supor que algumas preferências não­epistêmicas de
crenças dos indivíduos são mais fortes que seu desejo (se é que há algum) de ser epistemicamente racional.

Nas duas seções seguintes, discutirei e defenderei as duas pressuposições centrais da Teoria da Irracionalidade
que acabei de mencionar.

5.  Fontes das preferências de crença

Por que as pessoas preferem acreditar em algumas coisas que não são verdadeiras ou não são sustentadas por
evidências? Que tipos de preferências de crença não­epistêmicas nós temos?

Uma resposta razoavelmente detalhada a isso iria requerer um estudo psicológico extensivo. Aqui vou apenas
mencionar alguns fatores que parecem ter um papel acerca do que as pessoas preferem acreditar – sem dúvida,
tais fatores merece uma investigação posterior, e também não há dúvida de que há outros fatores a serem
considerados.

a. Viés de autointeresse

As pessoas tendem a abraçar crenças políticas que, se geralmente aceitas, beneficiariam elas mesmas ou o grupo
com quem elas preferem se identificar. Assim, aqueles que têm chances de se beneficiar com programas de ações
afirmativas têm maior probabilidade de acreditarem na justiça de tais programas, professores de escolas públicas
têm maior probabilidade de apoiar um aumento nos gastos com educação pública, e médicos já existentes têm
maior probabilidade de apoiar exigências mais restritas de licenciamento ocupacional que limitem a oferta de
novos médicos.

A frase em itálico, “o grupo com quem elas preferem se identificar”, é importante para alguns casos. Professores
universitários, por exemplo, preferem se identificar com a classe trabalhadora do que com empresários;
consequentemente, eles apoiam políticas que eles acreditam serem benéficas a trabalhadores de colarinho azul.
Como esse exemplo ilustra, um grupo com o qual alguém se identifica não precisa ser um grupo ao qual alguém de
fato pertence. (Por essa razão, o termo “viés de autointeresse” é levemente enganador.)

b. Crenças como construtoras de autoimagem

As pessoas preferem manter crenças políticas que melhor se encaixam com a imagem de si mesmas que elas
querem adotar e projetar. Por exemplo, uma pessoa pode querer retratar a si mesma (tanto para si própria como
para outras pessoas) como sendo uma pessoa compassiva e generosa. Nesse caso, ela será motivada a endossar a
desejabilidade e a justiça de programas de bem­estar social, e até mesmo a exigir um aumento nesse tipo de gasto
(independentemente de qual seja o nível atual de gasto), retratando­se assim como mais generosa/compassiva
que aqueles que estabeleceram o sistema atual. Uma outra pessoa pode querer ser retratada como durona, caso
em que será motivada a advogar pelo aumento em gastos militares (novamente, independentemente de qual seja o
nível atual de gasto), mostrando­se assim como sendo mais durona que aqueles que estabeleceram o sistema
atual.

Presumivelmente, foi por reconhecimento desse viés que o presidente Bush definiu sua filosofia como
“conservadorismo compassivo” [7]. O grau de compaixão que conservadores experimentam não tem relevância
lógica para os méritos das políticas conservadoras, mas Bush evidentemente percebeu que alguns indivíduos
gravitam ao redor do progressismo a partir de um desejo de ser (ou de ser visto como) compassivo.

c. Crenças como ferramentas de integração social

As pessoas preferem manter crenças políticas de outras pessoas de quem elas gostam e com quem querem se
associar. É improvável que uma pessoa que não gosta da maioria dos conservadores passe a ter crenças
conservadoras. De maneira relacionada, a atratividade física das pessoas influencia a tendência dos outros a

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01/09/2015 A irracionalidade na política | Dissidência Analítica

concordarem com elas politicamente. Um estudo das eleições federais canadenses descobriu que candidatos
atraentes recebiam mais do que duas vezes mais votos que candidatos que não são atraentes – apesar de maioria
dos entrevistados negar nos termos mais fortes possíveis que a atratividade física tenha tido qualquer influência
em seus votos [8].

O papel social de crenças políticas provavelmente segue por um bom caminho na explicação do agrupamento de
crenças não relacionadas logicamente. Pessoas com certas orientações políticas têm maior chance de passarem
mais tempo juntas do que pessoas com orientações políticas divergentes. Uma boa quantidade de evidências
mostra que as pessoas tendem a se conformar às crenças e disposições daqueles ao seu redor, particularmente
daqueles que elas veem como semelhantes a si mesmas [9]. Assim, pessoas com um nível substancial de
concordância política inicial tenderão a convergir mais ao longo do tempo – apesar de a coleção particular de
crenças em que há convergência possa ser largamente uma questão historicamente acidental (por isso a
dificuldade de elaborar um princípio geral que une crenças progressistas ou conservadoras).

d. Viés de coerência

As pessoas são enviesadas acerca de crenças que “caem bem” com suas crenças já existentes. É claro que, em certo
sentido, a tendência para preferir crenças que combinam com um sistema de crenças existente é um
procedimento racional, e não um viés. Mas essa tendência também pode funcionar como um viés. Por exemplo, há
muitas pessoas que acreditam que a pena de morte reduz o crime e muitas pessoas que acreditam que não há tal
redução; há também várias pessoas que acreditam que gente inocente é frequentemente condenada e várias
pessoas que creem que isso não acontece. Mas há relativamente poucas pessoas que ao mesmo tempo pensam que
a pena de morte reduz o crime e que várias pessoas inocentes são condenadas. Da mesma maneira, poucas
pessoas acreditam que a pena de morte não consegue reduzir o crime, mas que pouca gente inocente é condenada.
Em outras palavras, as pessoas tenderão ou a adotar ambas as crenças factuais que tenderiam a fortalecer o caso a
favor da pena de morte, ou a adotar ambas as crenças factuais que tenderiam a enfraquecer o caso a favor da pena
de morte. Em um caso similar, relativamente poucas pessoas acreditam que o uso de drogas é extremamente
prejudicial à sociedade, mas que leis contra as drogas não são e continuarão a não ser efetivas. No entanto, a
priori, não há razão para se pensar que tais posições (i.e., posições nas quais uma razão a favor de uma política
particular e uma razão contra essa política possuem ambas uma base factual sólida) deveriam ser menos
prováveis do que as posições que são de fato prevalentes (i.e., posições segundo as quais todas as considerações
relevantes apontam para a mesma direção).

Em um estudo psicológico, pacientes foram expostos a evidências de estudos sobre o efeito dissuasor da pena de
morte. Um estudo concluiu que a pena de morte tem um efeito dissuasor, e um outro estudo concluiu que esse
efeito não existe. Todos os pacientes experimentais tiveram em mãos resumos dos dois estudos, e foi pedido a eles
que avaliassem qual conclusão era, no geral, melhor sustentada pelas evidências que eles tinham acabado de ver.
O resultado foi que aqueles que inicialmente já apoiavam a pena de morte alegaram que as evidências de que
tiveram contato sustentam, no geral, que a pena de morte possui um efeito dissuasor. Aqueles que inicialmente já
se opunham à pena de morte acharam que essas mesmas evidências sustentam, no geral, a conclusão de que a
pena de morte não possui efeito dissuasor. Em cada caso, os partidários deram razões (ou racionalizações) para
explicar por que o estudo cuja conclusão favorecia sua própria posição era metodologicamente superior ao outro
estudo. Isso aponta para uma razão pela qual as pessoas tendem a ficar polarizadas sobre questões políticas: nós
tendemos a avaliar evidências misturadas como sendo apoiadoras de quaisquer crenças às quais já nos inclinamos
a adotar – caso em que aumentamos nosso grau de crença [10].

6.  Mecanismos de fixação de crença

A teoria defendida nas duas últimas seções pressupõe que as pessoas têm controle sobre suas próprias crenças; ela
explica as crenças das pessoas da mesma maneira que geralmente explicamos as ações das pessoas (apelando­se
aos seus desejos). Mas vários filósofos pensam que não podemos controlar nossas crenças – ao menos não
diretamente [11]. Para mostrar isso, eles costumam dar exemplos de proposições obviamente falsas e então
perguntam se você pode acreditar nelas – por exemplo, você pode, se quiser, acreditar que está neste momento no

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01/09/2015 A irracionalidade na política | Dissidência Analítica

planeta Vênus?

Talvez não possamos acreditar em proposições obviamente falsas por vontade própria. Ainda assim, podemos
exercer um controle substancial sobre nossas crenças políticas. Um “mecanismo de fixação de crenças” é uma
maneira através da qual podemos nos fazer acreditar nas coisas que queremos acreditar. Vejamos alguns desses
mecanismos.

a. Ponderação enviesada de evidências

Um método é simplesmente atribuir um pouco mais de peso do que se merece a cada evidência que suporta a
visão que alguém prefere, e atribuir um pouco menos de peso às evidências que enfraquecem tal visão. Esse
método requer apenas um pequeno desvio da racionalidade perfeita em cada caso, mas pode ter grandes efeitos
quando aplicado consistentemente a uma grande variedade de evidências. A ponderação enviesada não precisa ser
inteiramente consciente; nossos desejos de apoiar uma dada conclusão podem ter o efeito de vermos cada
evidência favorável como tendo um pouco mais de significância. Um fenômeno relacionado é o de que temos
maior facilidade de lembrar de fatos ou experiências que sustentam as nossas crenças, em detrimento do que as
enfraquece.

b. Atenção e energia seletivas

A maioria de nós passa mais tempo pensando em argumentos que apoiam nossas crenças do que em argumentos
que apoiam crenças alternativas. Um resultado natural disso é que os argumentos que sustentam nossas crenças
têm maior impacto psicológico em nós, e tendemos a ficar menos dispostos a ficar atentos a razões para duvidar
de nossas crenças. Quando ouvimos um argumento a favor de uma conclusão na qual não acreditamos, maioria de
nós imediatamente se prepara para descobrir “o que está errado com o argumento”. Mas quando ouvimos um
argumento a favor de uma conclusão na qual acreditamos, estamos muito mais dispostos a aceitar o argumento
como ele está em vez de procurar por algo de errado nele, solidificando assim nossa crença. Isso é ilustrado pelo
experimento acerca da pena de morte mencionado anteriormente (seção 5d): os pacientes colocaram sob
escrutínio minucioso aqueles estudos com os quais eles discordavam, procurando falhas metodológicas, ao passo
que aceitaram sem maiores esforços os estudos com cuja conclusão eles concordavam. Quase todos os estudos
possuem algum tipo de imperfeição epistemológica, e então essa técnica habilita alguém a manter quaisquer
crenças factuais que se quiser sobre a sociedade.

c. Seleção de fontes de evidência

De maneira semelhante à anterior, as pessoas podem selecionar a quem ouvir para obter informações e
argumentos sobre questões políticas. Se você vir alguém sentado no aeroporto lendo o National Review [de
conteúdo tipicamente conservador; possivelmente análogo à Veja no Brasil], você imagina que ele seja um
conservador. Já o homem lendo o New Republic [de conteúdo tipicamente progressista; possivelmente análogo à
Carta Capital no Brasil] é presumivelmente um progressista. Similarmente, conservadores tendem a ter amigos
conservadores, de quem eles ouvem argumentos conservadores, ao passo que progressistas têm amigos
progressistas. Uma razão para isso é que é desagradável ouvir alegações e argumentos partidários (ou, como se
pode chamar também, “enviesados”), a menos que já concordemos com eles. Uma outra razão pode ser que nós
simplesmente não queremos ser expostos a informações que possam enfraquecer nossas crenças desejadas. Se eu
não escuto às pessoas com quem discordo, é praticamente impossível que eu vá mudar minhas crenças.
(Raramente é o caso de um lado do debate ser tão incompetente a ponto de não conseguir vencer tendo 95% do
tempo de fala.)

d. Argumentos subjetivos, especulativos e anedóticos

As pessoas frequentemente se valem de argumentos anedóticos – argumentos que apelam para exemplos
particulares em vez de estatísticas – para sustentar generalizações. Por exemplo, ao dizer que o sistema de justiça
americano é ineficiente, eu posso citar os julgamentos de O. J. Simpson e dos irmãos Menendez. Obviamente, o

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01/09/2015 A irracionalidade na política | Dissidência Analítica

problema é que um único caso, ou até mesmo diversos casos, constitui evidência insuficiente para se fazer
generalizações indutivas. Cito isso como mecanismo de fixação de crença porque, para maioria das questões
sociais controversas, sempre haverá casos que sustentam duas generalizações contrárias quaisquer – certamente
haveria casos que alguém poderia citar em que o sistema de justiça funcionou corretamente, por exemplo. Assim,
o método das anedotas é normalmente capaz de sustentar qualquer crença que queiramos manter.

Uma alegação “subjetiva”, no sentido aqui relevante, é aquela que é difícil de refutar decisivamente por requerer
algum tipo de ultimato subjetivo. Há graus de subjetividade. Por exemplo, a frase “programas americanos de
televisão são muito violentos” é relativamente subjetiva. Uma frase menos subjetiva seria “o número de mortes
retratadas em uma hora média na programação da televisão americana é maior que o número de mortes
retratadas em uma hora média na programação da televisão britânica”. A segunda frase requer menos juízo
subjetivo para sua avaliação. Cientistas têm criado maneiras de reduzir o máximo possível sua dependência em
sentenças subjetivas para avaliar suas teorias – um cientista defendendo uma teoria deve usar alegações
relativamente objetivas como sua evidência. Mas no campo da política alegações subjetivas são abundantes.
Alegações subjetivas são mais facilmente influenciadas por vieses; consequentemente, depender desse tipo de
alegações para avaliar teorias faz com que seja mais fácil acreditar no que queremos acreditar.

Um fenômeno relacionado é depender de juízos especulativos. Esses são juízos que podem ter condições de
verdade claras, mas simplesmente há falta de evidência decisiva contra ou a favor deles. Por exemplo, “a Guerra
Civil foi causada primariamente por motivos econômicos” é uma frase especulativa; “essa mesa tem
aproximadamente 1,5 metro de altura” não é. Nas ciências, fazemos com que nossas teorias dependam o máximo
possível de alegações não­especulativas como a segunda. Na política, frequentemente tratamos especulações como
evidências a favor ou contra teorias políticas. Pessoas com visões políticas iniciais opostas tenderão a achar
especulações opostas plausíveis, habilitando cada um a suportar o que se quer acreditar.

Uma implicação interessante surge a partir da consideração dos mecanismos de fixação de crença. Normalmente,
inteligência e educação auxiliam a aquisição de crenças verdadeiras. Mas quando um indivíduo tem preferências
não­epistêmicas de crença nem sempre esse é o caso; um alto nível de inteligência e os conhecimentos amplos de
um indivíduo podem piorar sua perspectiva de formação de uma crença verdadeira (ver gráfico abaixo) [12]. A
razão disso é que uma pessoa enviesada usa sua inteligência e educação como ferramentas para a racionalização
de crenças. Pessoas muito inteligentes podem pensar em racionalizações para suas crenças em situações onde os
menos inteligentes seriam forçados a desistir e conceder que erraram, e pessoas muito educadas possuem maior
reserva de informações onde se pode seletivamente procurar por informações que apoiam uma crença preferida.
Assim, é quase impossível mudar a cabeça de um acadêmico sobre qualquer assunto importante, especialmente
quando se trata do seu próprio campo de estudo. Isso é particularmente verdadeiro no caso de filósofos (minha
própria ocupação), que são profissionais em argumentação.

Perspectivas para se chegar à verdade com diferentes traços intelectuais

Inteligência                            Viés

1.  +                                        –     (melhor caso)
2.  –                                        –
3.  –                                        +
4.  +                                        +     (pior caso)

7.  O que fazer

O problema da irracionalidade política é o maior problema social que a humanidade enfrenta. É um problema
maior que o crime, que o vício em drogas ou até mesmo que a pobreza mundial, pois se trata de um problema que
nos impede de resolver outros problemas. Antes de podermos resolver o problema da pobreza, devemos antes de
mais nada ter crenças corretas sobre a pobreza: o que a causa, o que a reduz, e quais são os efeitos colaterais de
políticas alternativas. Se nossas crenças sobre essas coisas são guiadas pelo grupo social ao qual queremos

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01/09/2015 A irracionalidade na política | Dissidência Analítica

pertencer, pela autoimagem que queremos manter, pelo desejo de evitar admitir que estivemos errados no
passado, e assim por diante, então seria puro acidente se um número suficiente de nós de fato formasse crenças
verdadeiras para resolver o problema. Uma analogia: suponha que você vai ao médico, se queixando de uma
doença. O médico então tira de uma cartola um procedimento médico para realizar. Você teria sorte se o
procedimento não piorasse sua situação.

O que podemos fazer em relação a esse problema?

Primeiro: Entender a natureza da irracionalidade política é, por si só, um grande passo para combate­la. Em
particular, atenção explícita aos mecanismos discutidos na seção 6 deve fazer com que se evite utiliza­los. Quando
se estiver aprendendo sobre uma questão política, por exemplo, devemos coletar informação de gente de todos os
lados da questão. Devemos passar um tempo pensando sobre objeções aos nossos próprios argumentos. Quando
nos sentirmos inclinados a fazer uma alegação política, devemos parar para nos perguntar que razões temos para
acreditar nela, bem como devemos tentar acessar o caráter subjetivo, especulativo e anedótico dessas razões – e
talvez reduzir nossa confiança nelas de acordo com a variação de tal caráter.

Segundo: Devemos identificar casos em que somos particularmente suscetíveis a estarmos enviesados, e então
hesitar em assentir as crenças que seriam alvo de nosso viés. (Nota à parte: pesquisas indicam que maioria das
pessoas se considera mais inteligente, mais imparcial e menos enviesada que uma pessoa média – mas a maioria
dessas crenças é ela própria enviesada. [13]) Neles inclui­se: (a) Casos em que os nossos próprios interesses estão
envolvidos. (b) Questões sobre as quais temos fortes reações emocionais. Se, por exemplo, você se chateia quando
conversa sobre o aborto, então suas crenças sobre esse tema provavelmente não são confiáveis. (c) Se suas crenças
tendem a se agrupar do jeito tradicional (ver seção 2d), então várias delas provavelmente são produto de viés. (d)
Se suas crenças políticas são no grosso o que seria de se esperar com base na sua raça, no seu sexo, na sua
ocupação e nos seus traços de personalidade, então maioria delas provavelmente é produto de viés. (e) Se você
tem uma opinião sobre uma questão empírica antes de coletar dados empíricos – ou se suas crenças sobre alguma
questão não mudam quando você coleta muito mais dados –, então você provavelmente está enviesado sobre essa
questão. Para citar um exemplo particularmente impressionante, 41% dos americanos acredita que ajuda externa
é uma das duas áreas em que há mais gasto do governo federal [14]. Essa crença poderia ser facilmente conferida
de maneira direta, e qualquer esforço para fazê­lo mostraria como isso é comicamente impreciso; portanto,
aparentemente essa deve ser uma crença que é mantida na ausência de evidência.

Terceiro: Devemos reparar na irracionalidade de terceiros e ajustar nossa confiança na informação passada de
acordo [com o grau de irracionalidade em questão]. Deve­se reconhecer que muito da informação apresentada em
debates políticos é provavelmente (a) falso, (b) altamente capcioso e/ou (c) incompleto. Essa é uma razão do
porquê precisamos ouvir aos dois lados antes de aceitar qualquer argumento. Logicamente, o problema é que, ao
ouvir um indivíduo argumentando em defesa de uma posição específica, estamos selecionando evidência. A
evidência que aquele indivíduo nos apresenta não é uma seleção aleatória das evidências disponíveis; toda
evidência contra a conclusão sendo defendida foi deixada de fora. Se tivermos isso em mente, devemos ficar
muito menos impressionados pelos argumentos de ideólogos políticos. Exemplo: um proponente do controle de
armas nos apresenta estatísticas de assassinato na Inglaterra (que tem um controle estrito de armas) e nos
Estados Unidos (que tem menos controle de armas). Os números parecem ser impressionantes. E então nos
lembramos que Inglaterra e Estados Unidos não foram aleatoriamente selecionados entre os países dos quais
temos dados – eles provavelmente foram escolhidos por serem os casos mais favoráveis à posição sendo
defendida, sendo os casos mais desfavoráveis excluídos.

Quarto: Você deve acusar que os outros estão sendo irracionais, se suspeitar que estão? Há um dilema aqui. Por
um lado, reconhecer a irracionalidade de alguém pode ser necessário para combate­la. Meramente apresentar
evidências sobre a questão em disputa pode não ser suficiente, visto que essas evidências vão continuar a ser
analisadas irracionalmente. A vítima de vieses deve precisar de um esforço consciente para combater isso. Por
outro lado, pessoas que são acusadas de serem irracionais podem encarar a acusação como um ataque pessoal, e
não como um ponto relevante ao debate político, e então podem responder defensivamente. Se isso ocorre, é

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01/09/2015 A irracionalidade na política | Dissidência Analítica

quase impossível que elas mudem sua posição política.

Testemunhei poucas conversões políticas, e então o máximo que posso oferecer é uma especulação de como uma
pode acontecer. Para começar, para que uma pessoa seja persuadida a mudar de posição, ela não deve ver o
debate como uma competição pessoal. Por essa razão, devemos ter cuidado para evitar até mesmo observações
levemente ofensivas no percurso de discussões políticas – sejam elas direcionadas aos indivíduos presentes ou a
terceiros com quem eles possam se identificar.

Uma segunda sugestão é que se deve primeiro tentar levar o interlocutor a suspender o juízo, em vez de tentar
leva­lo a uma posição oposta à própria. Pode­se tentar realizar isso primeiro ao identificar alegações empíricas das
quais sua posição depende. Após assegurar concordância acerca de quais são as questões empíricas relevantes,
pode­se tentar assegurar concordância acerca de qual tipo de evidência seria necessário para resolver tais
questões. Na maioria dos casos, pode­se então apontar que nenhuma das partes da discussão realmente tem esse
tipo de evidência. A linha de raciocínio por trás desse procedimento é a de que a pergunta “que tipo de evidência é
relevante para X?” é normalmente mais fácil de responder do que a perguntar “X é verdadeiro?”. Por exemplo:
suponha que você está discutindo com alguém sobre o porquê de os Estados Unidos ter um alto índice de crimes
violentos. A outra pessoa sugere que isso se deve à violência na TV e nos filmes. Essa é uma alegação empírica.
Como descobriríamos se ela é verdadeira? Aqui estão algumas sugestões: uma série de dados temporais sobre a
quantidade de violência retratada na televisão (por exemplo, o número de assassinatos por cada hora de
entretenimento) durante um período de vários anos; índices de crimes violentos durante o mesmo período de
tempo; dados similares de outros países; estudos psicológicos de criminosos violentos de fato que tenham tirado
conclusões acerca dos motivos pelos quais os crimes foram cometidos; dados sobre a correlação estatística entre
possuir uma televisão e a ocorrência de crimes; dados sobre a correlação estatística entre o número de horas que
indivíduos passam assistindo e seu risco de virem a cometer crimes. Esses são só alguns exemplos. O ponto
importante é que, na maioria dos casos, nenhuma das partes do debate tem qualquer dado desse tipo. Ao se
aperceber isso, ambas as partes devem concordar em suspender o juízo sobre se e o quanto a violência na televisão
contribui para a ocorrência de crimes.

Minha terceira e última sugestão é demonstrar imparcialidade, o que pode induzir um interlocutor a ter confiança
e a demonstrar imparcialidade similar. Pode­se demonstrar imparcialidade (a) ao se qualificar as alegações
apropriadamente – ou seja, reconhecer possíveis limitações no próprio argumento e não fazer alegações mais
fortes do que é assegurado pelas evidências; (b) ao trazer evidência que sabidamente vai contra a própria posição
favorecida; (c) ao reconhecer pontos corretos feitos pelo interlocutor [15].

Eu não sei se essas sugestões seriam bem­sucedidas. Elas parecem entrar em conflito com a prática aceita entre
aqueles que podemos considerar como sendo profissionais no debate político; por outro lado, a prática aceita
parece ser altamente malsucedida em produzir concordância (mas parece ser bem­sucedida em produzir
polarização, i.e., aumentar a confiança daqueles que já mantêm uma posição particular).

8.  Resumo

Baseando­se no nível de discordância, seres humanos são muito pouco confiáveis para identificar alegações
políticas corretas. Isso é extremamente lamentável, visto que significa que temos pouca chance de resolver
problemas sociais e uma boa chance de cria­los ou exacerba­los. A melhor explicação reside na teoria da
Irracionalidade Racional: indivíduos obtêm recompensas psicológicas por manter certas crenças políticas, e já que
cada indivíduo não sofre quase nenhum prejuízo causado por suas próprias crenças políticas falsas,
frequentemente faz sentido (pois dá o que ele quer) adotar tais crenças independentemente de elas serem
verdadeiras ou bem sustentadas.

As crenças que as pessoas querem manter são frequentemente determinadas pelo seu autointeresse, pelo grupo ao
qual se quer pertencer, pela autoimagem que se quer manter, e pelo desejo de querer se manter coerente com as
próprias crenças anteriores. As pessoas podem lançar mão de vários mecanismos para as habilitar a adotar e
manter suas crenças preferidas, incluindo­se aqui fazer uma pesagem enviesada das evidências, focar sua atenção

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01/09/2015 A irracionalidade na política | Dissidência Analítica

e energia em argumentos que favorecem as próprias crenças preferidas, coletar evidência apenas de fontes com as
quais já se concorda, e se valer de alegações subjetivas, especulativas e anedóticas como evidência para teorias
políticas.

A hipótese da irracionalidade é superior às explicações alternativas da discordância política devido à sua
capacidade de tratar de diversas características de crenças políticas e discussões: o fato de as pessoas manterem
suas crenças políticas com um alto grau de confiança, o fato de crenças políticas serem correlacionadas a raça,
sexo, ocupação e outros traços cognitivamente irrelevantes, e o fato de numerosas crenças políticas não
relacionadas logicamente – e até mesmo, em alguns casos, crenças que racionalmente enfraquecem umas às
outras – tenderem a existir em conjunto. Essas características das crenças políticas não são explicadas pelas
hipóteses que dizem que questões políticas são meramente muito difíceis, que nós apenas não coletamos
informação suficiente acerca delas, ou que disputas políticas são causadas primariamente pela divergência de
sistemas de valores fundamentais das pessoas.

Pode ser possível combater a irracionalidade política, primeiro, ao reconhecer nossa própria suscetibilidade a
vieses. Deve­se reconhecer os casos em que há maior probabilidade de se estar enviesado (como questões que
despertam fortes emoções), e deve­se conscientemente evitar usar os mecanismos discutidos acima que servem
para manter crenças irracionais. Sob a luz de viés generalizado, deve­se também tomar uma postura cética acerca
de evidências apresentadas por terceiros, reconhecendo que a evidência provavelmente foi selecionada e de
alguma maneira distorcida. Por último, é possível combater a irracionalidade dos outros ao identificar o tipo de
evidência empírica requerida para testar as alegações feitas, bem como ao fazer uma abordagem imparcial e
cooperativa, em vez de combativa, nas discussões. Ainda é uma questão de especulação saber se essas medidas vão
aliviar significativamente o problema da irracionalidade política ou não.

Notas

[1] Ver Huemer 2005.

[2] http://www.owl232.net/objectiv.htm

[3] Ver Downs 1957.

[4] Friedman (1989, pp. 156­9) faz esse ponto.

[5] A teoria se origina com Caplan (2007).

[6] Caplan 2003, pp. 221­2.

[7] Em um discurso dado em 20 de abril de 2002.

[8] Cialdini 1993, p. 171.

[9] Cialdini 1993, cap. 4.

[10] Resumido em Gilovich 1991, pp. 53­4.

[11] E.g., Hume (1975, seção V.II) e Owens (2000)

[12] Kornblith (1999, p. 182) faz esse ponto.

[13] Gilovich 1991, p. 77.

[14] Caplan 2007, pp. 79­80. Ajuda externa na verdade conta como menos de 1% dos gastos.

[15] Compare com a excelente discussão feita por Feynman (1974) sobre os requisitos da ciência, fazendo um

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01/09/2015 A irracionalidade na política | Dissidência Analítica

paralelo com os pontos (a) e (b).

Referências

Caplan, Bryan. 2003. “The Logic of Collective Belief,” Rationality and Society 15: 218­42.

Caplan, Bryan. 2007. The Myth of the Rational Voter. Princeton, N.J.: Princeton University Press.

Cialdini, Robert B. 1993. Influence: The Psychology of Persuasion. New York: William Morrow & Company.

Downs, Anthony. 1957. An Economic Theory of Democracy. New York: Harper.

Feynman, Richard. 1974. “Cargo Cult Science,” commencement address at Caltech. Reprinted in Richard
Feynman, Surely You’re Joking, Mr. Feynman (New York: Bantam Books, 1989).

Friedman, David. 1989. The Machinery of Freedom. LaSalle, Ill.: Open Court.

Gilovich, Thomas. 1991. How We Know What Isn’t So. New York: Free Press.

Hanson, Robin and Tyler Cowen. 2003. “Are Disagreements Honest?” Unpublished ms.,
http://hanson.gmu.edu/deceive.pdf.

Huemer, Michael. 2005. Ethical Intuitionism. New York: Palgrave Macmillan.

Hume, David. 1975. An Enquiry Concerning Human Understanding in Enquiries Concerning Human
Understanding and Concerning the Principles of Morals, edited by L.A. Selby­Bigge. Oxford: Clarendon.

Kornblith, Hilary. 1999. “Distrusting Reason,” Midwest Studies in Philosophy 23: 181­96.

Owens, David. 2000. Reason without Freedom: The Problem of Epistemic Normativity. London: Routledge.

*Agradeço ao autor por autorizar prontamente a publicação dessa tradução. Artigo original:
http://www.owl232.net/irrationality.htm (Uma versão levemente modificada e resumida da tese desse artigo
pode ser vista no seguinte vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=pjMUMMel­a8)

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