Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Br
1. INTRODUÇÃO
Nessa esteira, a prisão consiste num sistema social onde predominam as seguintes
características: I) o sistema social carcerário é muito rígido, não permitindo uma fuga do
preso ao comportamento e usos sociais predominantes neste sistema interno, além da
dificuldade em haver mobilização vertical dos papéis exercidos pelos reclusos; II) o recluso
sofre enorme influência do sistema social interno desde o momento em que ingressa na
instituição (1).
--------------------------------------------------------------------------------
A partir de uma análise crítica e realista dos presídios brasileiros, o que se percebe é
a queda acintosa de um modelo estatal, cuja falência já vem sido admitida há tempo, em
virtude de tantas barbáries e mazelas que ainda se fazem presentes no cárcere.
Impera na sociedade uma tolerância absoluta em relação aos direitos dos presos,
mostrando-se indiferente quanto à situação do sistema carcerário. O pensamento que
predomina é que aparentemente a sentença condenatória criminal tem também um segundo
efeito de retirar a personalidade e a dignidade humana do preso.
Em linhas gerais, o Direito Penal do Inimigo se baseia na visão tida como perigoso
inimigo aqueles autores de infrações penais consideradas graves, tais como terroristas,
criminosos econômicos, delinqüentes organizados e outros. Suas principais características e
fundamentos consistem em retirar desses indivíduos o status de pessoa, devendo ser
punidos de acordo com sua periculosidade e sem a incidência dos direitos processuais.
Ademais, a tese de Jakobs, quando eleito o inimigo, propugna pelo "aumento
desproporcional de penas, pela criação artificial de novos delitos (delitos sem bens jurídicos
definidos) e pelo endurecimento sem causa da execução penal" (5).
Por isso mesmo, muita reclamação há tendo como alvo a atitude da polícia, que
caminha no sentido contrário às metas ressocializadoras, pois considera o ex-condenado,
não raras as vezes, como "legítimo representante do mundo do crime e como tal era
tratado" (8).
A esfera pública, por sua vez, não tem conseguido enfrentar efetivamente o
problema carcerário, demonstrando enorme dificuldade em implantar na prática as
disposições contidas na Lei de Execução Penal e demais legislações sobre o tema. Aliás,
muitas vezes é o próprio Estado quem acaba "rasgando" a LEP, gerando verdadeiros
monstros nas prisões e retro-alimentando, desse modo, o retorno do preso ao mundo da
criminalidade (9).
Mais agravante ainda é a omissão dos órgãos incumbidos de realizar a vistoria dos
estabelecimentos prisionais – especificados no art. 61, incisos I a VII, da Lei nº 7.210/1984
–, que, apesar de ser em considerável número, raramente realizam rotineiras inspeções com
o intuito de combater as irregularidades, as quais persistem em continuar sem providência
alguma.
I)superlotação carcerária;
V)ambiente propício à violência sexual e física, sendo esta ocorrida tanto entre os
próprios detentos quanto entre estes e o pessoal carcerário;
Nesse sentido, Loïc Wacquant analisa de perto a situação caótica que a superlotação
ocasiona:
Dessa maneira, é inegável que o alto número de condenados, às vezes maior que o
dobro da capacidade do presídio, se traduz como o pior problema existente no sistema
penitenciário brasileiro, o qual acarreta ainda outros problemas intimamente ligados a essa
superlotação, tais como a falta de higiene, a alimentação precária e a violência física e
sexual.
Todos esses problemas, além da frágil estrutura física dos espaços carcerários e da
disseminação das drogas e dos aparelhos celulares, são realidades facilmente perceptíveis
nos presídios das grandes cidades brasileiras, sem mencionar a caótica situação das
Delegacias de Polícia.
A difusão da tuberculose e do vírus da Síndrome da Imunodeficiência Humana
Adquirida (AIDS) também é constante nas penitenciárias, não havendo sérios trabalhos de
controle ou prevenção de tais doenças entre os presos.
No que diz respeito ao número alto de reincidentes que passam por uma pena
privativa de liberdade, isso só faz reforçar ainda mais a compreensão de que a prisão se
reveste como fator criminógeno. De fato, não é demais lembrar que a cadeia fabrica
delinqüentes, e grande parte da sociedade, quando os presos retornam finalmente à vida
livre, repudia-os e repele-os (15).
Acerca dos problemas psicológicos existentes nas penitenciárias, vale dizer que a
prisionalização, segundo Bitencourt (16), é o efeito mais importante que o cárcere produz
no recluso. Trata-se de uma espécie de aculturação, de normas ou formas de vida que o
interno se adapta, pois não tem alternativa. Normalmente, são formas de vida
diametralmente opostas ao sistema de valores arraigado na sociedade externa, as quais
tendem a dificultar extremamente o alcance do objetivo ressocializador.
Ainda sobre o fator criminógeno da prisão, cabe analisar o que muitos estudiosos do
assunto chamam de "código do recluso", que se trata da elaboração de regras básicas feitas
pela própria sociedade carcerária, constituindo "crenças estereotipadas que aprofundam
mais o antagonismo com a sociedade livre" (17). Com isso, o condenado acaba
aperfeiçoando cada vez mais sua carreira criminosa por meio do profundo contato e das
relações com os outros internos, o que proporciona efeitos negativos para a tentativa de
reinserção social dos mesmos (18).
Essa triste realidade de encarcerar pessoas dos setores sociais menos favorecidos e
de quociente intelectual mais baixo retrata fielmente um outro objetivo pretendido pela
sociedade, de uma forma geral, através da pena privativa de liberdade, que é a chamada
"justiça seletiva", a qual segrega da comunidade esses indivíduos não adaptados à
competição que ela própria impõe (21).
Além disso, a pena de prisão serviria para o propósito de retirar do meio social
pessoas tidas como extremamente perigosas, que não pertencem ao padrão de vida do
"cidadão de bem" e, assim, são qualificadas como bandidos e indigentes, seja por cometer
delito de furto por um pote de manteiga, seja por dormir em praças ou utilizar entorpecentes
para sustentar o vício das drogas.
Sendo assim, já se pode verificar o tamanho caos que assola o sistema prisional e,
principalmente, a fiel e correta execução da pena privativa de liberdade nas penitenciárias
das grandes cidades brasileiras, necessitando, urgentemente, de alternativas e soluções para
a presente problemática. Nesse sentido, faz-se importante aqui colacionar julgado do
Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), no qual se determinou a soltura dos presos de
determinado presídio ante as ilegalidades presentes no mesmo:
--------------------------------------------------------------------------------
3. POSSÍVEIS ALTERNATIVAS E SOLUÇÕES
Outro exemplo de proposta de diretrizes, mas agora para orientar a execução penal,
foi o projeto lançado pela Assembléia Legislativa do Espírito Santo, em 2006, intitulado
"Pacto pela Paz". As conclusões desse projeto foram publicadas em um livro, o qual
apresenta estas diretrizes como as principais: otimizar a utilização de recursos públicos;
estimular a capacidade empreendedora dos reclusos; fixar prazos para a retirada completa
de presos das delegacias; e definir o número máximo de condenados sob a vigilância de
cada agente penitenciário (24).
Assim, não se pode pretender acabar com todos os problemas surgidos no sistema
prisional brasileiro com apenas declarações de comportamentos e condutas que devem
seguir os agentes envolvidos neste contexto. É preciso que se tome consciência da
importância da resolução racional e efetiva da questão referente aos presos, posto que se
refere também à própria sociedade (25).
Ou seja, a busca por soluções somente pode lograr êxito quando o Estado –
considerando todos os Poderes e os entes políticos da Federação – acordar para a questão e
a sociedade se envolver nesse ideal. Tolerar ou minimizar a questão, delegá-la ou reservá-la
aos técnicos, ou, ainda, sustentar o retorno ao retribucionismo puro e absoluto não
resolverão de forma alguma a problemática.
Há que se ressaltar outro importante assunto que diz respeito ao constante propósito
de reformas de presídios, de construção de novas penitenciárias e de criação de mais vagas
para os infratores da lei. Entretanto, essa atitude, sem a racionalização dos custos e da
arquitetura penitenciária, tampouco da tomada de consciência pela sociedade e da
concretização por parte do Governo das disposições expressas na Constituição Federal, nos
tratados internacionais e na LEP, de nada adiantará para a solução da crise em foco.
Maia Neto analisa que o fundamental "não é a construção de mais presídios, mas
sim a de usar a prisão ou a pena privativa de liberdade com mais racionalidade, ou seja,
como ultima ratio das medidas repressivas estatais" (26).
Nessa linha, muitos autores sustentam que hoje o direito penal deve se balizar
sobretudo pelo princípio da mínima intervenção e pelo seu caráter subsidiário, os quais
decorrem do superprincípio da dignidade humana.
I) O juiz deve prescindir da pena ou impô-la abaixo do limite legal quando ela viola
o direito à vida ou à dignidade do indivíduo ou se mostra manifestamente excessiva;
II) Devem descriminalizar-se aquelas condutas previstas nos textos penais que
aparecem opostas a claros mandatos constitucionais;
III) Deve adequar-se – por via obrigatória – a normativa penal aos textos
internacionais incorporados por ratificação ao direito interno;
IV) Deve retirar-se dos textos penais todas as expressões do chamado "direito penal
do autor", nas quais a responsabilidade origina-se nas características pessoais do imputado;
VII) Devem ser excluídas dos códigos penais as condutas para as quais bastam
como meios de controle outros procedimentos menos enérgicos do que as reações penais
(28).
É fato notório que muitas prisões não são boas e úteis para a finalidade
ressocializadora, embora haja algumas piores que outras. No entanto, tendo em vista que a
abolição da instituição prisional é uma utopia e longe de se apresentar efetivamente como
melhor solução para a problemática, deve-se atentar realmente para a adoção de uma séria
política de redução drástica da aplicação da pena de prisão (32).
E nesse ponto aparece como importantes alternativas para a crise a aplicação das
medidas não-privativas de liberdade, tais como as penas restritivas de direitos (também
denominadas de penas alternativas) dispostas no art. 43 do Código Penal brasileiro (CP),
com a redação dada pela Lei nº 9.714/1998 (33).
As penas alternativas também seriam eficazes naqueles casos em que não haveria
necessidade, pelo próprio modo de vida do autor do crime, em segregá-lo da sociedade e
almejar sua reinserção social. Isto porque, um banqueiro, por exemplo, que detém uma boa
condição de vida, não necessitaria da privação de liberdade para que a pena produzisse seus
efeitos, mas sim o melhor seria compeli-lo a ressarcir o dano causado, além de aplicar-lhe
uma multa em seu patamar máximo (art. 60, caput e § 1º, do CP). Além disso, poder-se-ia
imaginar que o melhor seria aplicar-lhe uma pena de prestação pecuniária em favor de
entidade pública filantrópica (art. 45, § 1º, do CP), ou, ainda, uma pena de perda de bens e
valores, na qual o destino dos mesmos será em favor do Fundo Penitenciário Nacional (art.
45, § 3º, do CP).
Além das penas restritivas de direitos, existem outros substitutivos penais, tais como
a suspensão condicional da pena (sursis), prevista nos arts. 77 e seguintes do Código Penal;
o livramento condicional, que dispõe os arts. 83 e seguintes do CP; a pena de multa,
expressa nos arts. 49 e seguintes do CP; e a suspensão condicional do processo, que está
prevista no art. 89 da Lei nº 9.099/1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais). De
fato, todos esses substitutivos penais também apresentam grandes vantagens em relação à
pena de prisão, devendo ser igualmente considerados pelos juízes criminais brasileiros.
Já sobre a abolição do direito penal e de suas instituições, apesar de ser um
pensamento utópico, para os abolicionistas, a batalha pela eliminação da pena privativa de
liberdade não se trata de uma utopia. A insatisfação que a cultura jurídica vem
manifestando sobre esse tipo de pena, a qual vai se tornando cada dia mais obsoleta por
todas as características negativas já expostas, é um demonstrativo claro da luta pelo fim do
sistema penal como resposta para os delitos.
Aliás, se fosse com a severidade das penas que se erradicaria a criminalidade, então
bastaria estabelecer a pena de morte, tal como propõe Augusto Barreto, que os delitos
desapareciam com a só ameaça de sua aplicação (43).
--------------------------------------------------------------------------------
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
--------------------------------------------------------------------------------
NOTAS
20. Assim como definiu Loïc Wacquant em As prisões da miséria, 2001, p. 11.
30. "Penso que a duração máxima da pena privativa de liberdade, qualquer que seja
o delito cometido, poderia muito bem reduzir-se, a curto prazo, a dez anos e, a médio prazo,
a um tempo ainda menor; e que uma norma constitucional deveria sancionar um limite
máximo, digamos, de dez anos" (FERRAJOLI, L. 2002, p. 332). Na mesma linha, Eduardo
Correia analisa que "a pena além dos 10 anos perde a sua eficácia ressocializadora,
abandonando-se o objetivo da pena" (ALBERGARIA, J. 1992, p. 36).
33. Não se pode olvidar também de demais diplomas legais que prevêem e
disciplinam as penas alternativas, principalmente as chamadas "Regras de Tóquio".
42. Assim escreve Augusto Dutra Barreto: "Temos que agir imediatamente e
acionar armas mais fortes. A maioria dos brasileiros, às vezes comovida, outras vezes
voltada pelo sangue dos inocentes, derramado a todo instante, exige a pena de morte"
(ARAUJO JUNIOR, J. M. 1991, p. 73).
43. Nesse sentido: LEAL,C. B. 2001, p. 22-23.
44. Ver: LEMOS, C. E. R. 2007, p. 32.
--------------------------------------------------------------------------------
REFERÊNCIAS
ALBERGARIA, Jason. Das penas e da execução penal. Belo Horizonte: Del Rey,
1992.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal – parte geral. 8. ed. rev. e atual. de acordo
com as Leis n. 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), 10.763/2003, 10.826/2003 e 10.886/2004.
São Paulo: Saraiva, 2005.
DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado. 6. ed. atual. e ampl. Rio de
Janeiro: Renovar, 2002.
______. Direito penal do inimigo (ou inimigo do direito penal). Revista Jurídica
Eletrônica UNICOC. Ribeirão Preto, ano 2, nº 2, 2005. Disponível em:
<http://www.revistajuridicaunicoc.com.br/midia/arquivos/ArquivoID_47.pdf>. Acesso em:
27 set. 2008.
HERKENHOFF, João Batista. Crime: tratamento sem prisão. 2. ed. rev. e atual.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1995.
KUEHNE, Maurício. Lei de execução penal anotada. Vol. 1. 3. ed., 3. tir. Curitiba:
Juruá, 2003.
LEAL, César Barros. Prisão: crepúsculo de uma nova era. 2. ed. rev. e atual. Belo
Horizonte: Del Rey, 2001.
RAMALHO, José Ricardo. O mundo do crime: a ordem pelo avesso. 3. ed. São
Paulo, IBCCRIM, 2002.