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ARTE EXTRAMUROS NO BRASIL A confluéncia entre espaco urbano e instituigo cultural na formacao da ver- tente artistica extramuros no Brasil ‘A formagao das vertentes artisticas instaura- das no espago aberto e urbano contemporaneo nos conduz & investigagdo das frestas de pas- sagem geradoras de seus elementos de funda- 80, j4 dispostas pelo Modernismo. 0 encantro reciproco entre 0 artista € a obra, espectador € ambiente iniciados nesse momento histérico © estético cria uma triade dindmica que se revela coma chave de compreensao da organizacio da arte extramuros intensificada pela producto ar- tistica, a partir da década de 1960. Permeada pela questo espacial, essa triade su- ere forte conexao com os valores da expresso artistica tridimensional. A primeira metade do século XX traz 05 primeiros exemplos interna~ cionais conhecidos tais como Corner Relieve de Tatlin (1915); Merzbaw de Kurt Schwitters (1933-1943); dentre outros que, guardarn em comum a condigio tridimensional pautada pele investigag3o de seu espago de apresentagao, Sylvia Furegatti bbem como a relagdo fisica do trabalho conduzi- da pela encontra direto com o espectador, Nesse sentido, a fresta apresentada encontra ‘ermo préximo num trecha de Passages of Mo- dern Sculpture de Rosalind Krauss, no qual a autora nos apresenta uma no¢ao espago-tem- poral que colabora com a atengao dispensada 40s conceitos da passagem e da fresta como vetores das formas de arte construidas a par- tir do espago aberto e urbano, No capitulo que dedica & escultura Surrealista, Krauss disserta sobre a ideia da fenda no espago real do mundo por meio de urna pega de Giacometti'. A fen- fa na realidade continuo do espaco descrita “he are paved espero eal no eto, estar deo una forme ajc ese, x ol suspensa ea mee eements preseres a estlturs de Gigomett de 1990 nue Ela Su penslbuscom evr una sua ra sire cotove do ree ssi a esau ene une expert que asvze tees na vie ‘roc. ur expen c escontiultase eat deere a ‘eat do manda KRAUSS,B Comahos oo exculremasemna SP Foes, 1 og 38 78 Ferol por ela age coma indagagan sobre sua condi- ‘cdo como arte e sobre sua pertenga ao espaco museoldgico. Serve-nos, assim, como elemento para as formulagdes trabalhadas nesse artigo para as novas posturas adotadas pelo eixo da combinasdo estreita de: artista-obra-institui- gdo-espaco-entorno, Na década de 1960, aideia da Possagem que per- rmeia a5 movimentagies do encontro entre Arte Moderna e Contemporénea, revela uma nova di ndmica para o objeto da arte solicitando ao artis- ta, espectador € insttuigdo que assumam novas posturas investigativas, Orientada pela condigao da passagem, 2 expressao artistica tridimensio~ ral encontra nas corredores, além das salas de exposigao, seu navo interesse, Visto como um in- terval fluido € veloz entre dois espacos, o corre- dor simboliza uma sequéncia de escapes, iniciada pelo Modernisma, de todas as convencionalid des para a arte. A importancia da reordenacSo desses paptis também & questo formulada por Krauss nas analses que faz sobre as variantes formas simbélicas ¢ estruturais dos espagos ma produgia escultérica desse period artistica? A presenca intensificada do corredor como forma, estrutura ¢ simbologia nas _manifes- tagdes contempordneas de meados dos anos 1960/1970 interessa-nos como primeiro nivel espacial temporal que reformula o contexto da apresentagdo € da participagao dos espectado- res no trabalho artistico. Entende-se que esses novos espacos de construgSo da experiéncia ar- tistica agem como vetores da conducdo dos pro~ Jetos que deixam 0 espago interno dos museus e, continuando seu sentido de fluxo € movimento, avangam para 0 espaco aberto ¢ urbano. Doe wos seins Kaas arta esa ces: Comba fa exotra mera P= Aang Tora, 808, atic armerte {apse 7)e Acseuturrem Campo Amp in evs Caear.6, FUCA, 1988 p83. Voltando-nos para a produgéo brasileira do pe- riodo, observamos 2 mesma atencéo dispensada as espacialidades encontradas nas proposigGes atisticas estrangeiras.O espaco ¢ condigio dada. Assim, 0 presupostotraz 0s mesmos elementos para qualquer canto do globo: artista, museu, ‘espago © espectador. Porém, encontramos nas proposigdes artisticas nacionais especiicidades importantes que revelam uma condigd0 de proxi- midade da instituigdo museoldgica em vez de seu afastamento, tal qual ccorre no caso internacio- nal, Essa proximidade promove um transborda- mento para a arte elaborada no campo aberto & urbano contemporineo brasileiro, possivel de ser compreendido pelo termo extvamuros A producéo de Hélio Oiticiea, Cildo Meireles € Arthur Barrio nesse periods apresenta em suas idéias construtivas e de ambigncia elementos propulsores para sua relagdo com 0 espago aber to € urbano, Meireles anuncia sua vocagao pela indagago do espaca logo em seus primeiros tra- ‘balhos tais como: Espacos Virtuais; Cantos (1967- 68) ¢ Ocupagées (1968-69). Nessas estruturas a racionalidade minimalista encontra-se claramen- te orientada pelos Corredores de Bruce Nauman — 2 quem Cildo cita diretamente. Recém chegado de um periado em Nova York, Mireles explora imagens derivadas da Geometria Euclidiana na ‘rodugdo em Deseniho, Logo se volta para a forma tridimensional na busca da viabilidade desses es- ppagos, dada por elementos minimos, que intituia de ambientes escuttércos tridimensioncis® Ee consti uma estrutura que replica os cantos cde um ambiente doméstica, © a sobriedade re tratada pela fotografia do trabalno ¢ subvertia pela passagem de um espectador, que oatravessa por um estreito corredor que masce do encontro STVOBOUERA Gerardo etal ees Clie ites Landes: Paidon Press, 199, das paredes. Ali, Cildo estabelece uma fresta in- dicativa de seu interesse pela questao espacial a se figurar no meio urbano em futuros trabalhos, Helio Oiticiea por sua vez, no se detém no ele mento do corredor, mas permite-nos recanhe- é-10 a partir de sua condicao de sistema de Circulag3o dentro dos ambientes que formam seus Nicleos ¢ Penetrdveis. Elaborados para 0 espago interno do museu, esses trabalhos tém como projeto, desenios técnicos feitos & mao, fem papel milimetrado, nos quais as secdes dos rédulos que os constréi evidenciam vetores de deslocamento do espectador dentro de am- bientes ordenados por placas de cor, vasos de plantas, pedregulhos e tecidos, Os Niicleos ¢ os Penetrdveis sto compreendides como campos de ‘agdonos quais 0 artista efetiva sua pesquisa ex perimental da cor, da ambiéncia, da participago do espectador que 0s ativa como obra artistica quando deles participa. Celso Favetto faz impor- tante distingdo entre esses trabalhos, essaltan- do que 05 Nidcleos restringem-se & percencao da cor enquanto que os Penetriveis permitem a total exploragio da sensorialidade, que se firma ‘como uma das principais marcas do trabalho de Oiticiea Movimento e envolvimento slo chaves para o trabalho de Oiticica e seu direcionamen~ to para novas esferas espaciais. Assim também, movimento © envolvimento pressupdem a re- qualiticacdo do estatuto da arte exposta dentro do museu € © préprio aleance que pode tomar 0 projeto artistico a partir de entéo. E certo que Héliaelege olabirinto e no 0 coree~ dor. Contudo, ambos séo indicativos da eamada de localizagao espacial que invoca ¢ implode 0 espago do Museu como promotor exclusive da trabalho contemporsneo. Oiticica realiza essa [TTAVARETTO Cas, Alnvegde de Heo Otc So Fs: tn, ARTE XTRAMIUROS HO BRASIL imploséo seguidas vezes: de dentro da pintura para fora, no ambiente da instalagdo artistica ou de dentro do museu para fora, na condicdo democratica da rua De dentro para fora, certamente, mas, nao para Jonge, 05 arredores dos museus brasieiros. do xo Rio-So Paulo guardam essa premissa de proximidade das agdes inaugurais desses artis- tas. Sera nos arredores da instituigaa museol6~ giea 0 lécus que encontra 0 préximo anel espa~ ‘ializado das intervengBes contempordneas no Brasil. Contudo, a avaliagao dessas frestas aber tas do museu para a rua nos sugere sua andlise 2 partir da condigo transitiva. Distinto da vi- so panoramica mais usual, € preciso empregar um angulo do sobrev6o, que permita mapear as novas proposigdes artisticas a partir do museu como seu nédulo origina. Posicionadas camo se diante de um painel de ra~ dar de voo, formado por multiplaslinhas cruzedas € circulos concéntricas que avangam do centro para as margens a identificar o objeto em transi- to, sua relagdo de disténcia e localizagao dentro Go terreno mapeado, encontramos a condicao de transbordamento promovida pela combinagio de forgas entre artista, museu ¢ espago ursano no Brasil, vivenciada nas décadas de 1960 ¢ 1970. A\ figura dos anéis concéntricos desse radar inscreve nova referéncia visual para 0 grupo atuante a partir do trabalho de Arthur Barto. Nem corredor, nem labirinto, a figura descrita por Barrio apresenta uma trajetéria orbital ao Museu de Arte e suas convengtes. As proposigdes iniciais de Barrio apresen- tam 0s trabalhos: Situacéo.... RHHHHH,..ou- 6.000..E 6M NY nCITYonn( 1969} € Situa~ 0 1/11 iniciados no MAM RJ, no ano de 1969, para 0 Salao da Bissola, 79 80 Farol Nesse periodo, 0 artista elabora o conceito de TIE - Troweas Ensangientodas materalizadas numa série de Situagées tridimensionais e reune 2 participagao piblica, 0 espago interno e exter- rio do museu, além de forte critica 20 sistema attistco. Tal qual ocorre no contexto interna- ional, @ consciéncia sobre os elementos desse sistema € absorvida por varios artistas brasi- leiros @ partir de um contexto politico-cultural mais amplo, que permeia a criaglo de muitos trabalhos para os espagos internos © externos das instituigdes. A triade anunciada esta completa no trabalho de Barrio. Contando com a colaboragao dos visi- tantes, o artista acumula lixo € materials diver sos em determinado esparo do museu, Interessa a cle intervir sobre 05 regulamentos correntes nos saldes de arte do periodo, dessacralizando o objeto da arte. Assim, constrdi seu trabalho a0 longo do periodo expositive no espaco interno & no 0 encerra no prazo do evento. Terminada a ‘exposigdo as TIE sdo levadas para a area externa ‘em uma nova Fase de Trabalho. A primeira ¢ a Fase Interna que, por si, j4 representa intensa renovagdo dos modelos da operagéo artistica vigente. A segunda, chamada de Fase Extema presenta o volume daquela T/E em uma base de conereto pré-existente no museu, destinada ori- ginalmente as esculturas. Esté no espaga exter- ro, mas ainda didloga com a légica do sistema que pretende criticar. A Fase Externa do primeiro trabalho descrito corte nas jardins do MAM-Rl, em citcunstancias ainda conectadas 205 cétigos do museu. Apesar 4iss0, € indice para as frestas que 0 conjunto expositivo e curatorial constraem no periodo. € nos préximos projetos, realizados em areas do tentorno sem a imesiata conexio com a légica museogréfica, que as experimentagdes de Barrio ganham, de fato, 0 contorno inquisitive ampliado para 0s nos fluxos das intervengdes urbana Nessa etapa preliminar do encontro com o meio Urbano, 0s registros dos cadernas e dacumentos prOprios dos projetos destacam 2 reagao de ou- {ros organismos e pessoas do cotidiano externo 20 museu. Para essa "Situagdo" Barrio descreve sua vigiia a trabalho “abandonado" do lada de fora e inclui nesse texto 4 reagaa dos policiais, do museu © da municipalidade, que reagem igualmente 20 objetos Na diregdo da fenda e da fresta anunciadas an teriormente, Adolfo Montejo Navas observa @ ideia da fissura na postura eriativa de Barrio Navas coloca que o artista representa uma es pécie de “falha geolégico-ariistica ma territo- rialidade daquela épaca” e ressalta 0 cardter de profundidade da obra de Barrio como circuns- tancia que ihe confere uma atuago sempre in- cisiva, na qual 0 contexto entra como energia de trabalho$ A fissura provocada por Barto i 5 ESTE TRABALHO POSSUI DUAS FASES: 1)FASE INTER ‘NA: reaizagto no Solio da Bussola, Museu de Arte Mo- deme do Rio de Janeira interferéncia no.regulamento cdo saléo por obstruir meus trabaltas (J, tonsforman- ‘0-05 em lixoe outomaticamente em una Oba (A tuacéo na noite de 6.11.59 transformou os coneeitos petificades, que comumente acomeanham os abras texpastas em saldes, em evolugéa. Apds um més de ex- posipda, em que os visitantes particjparam ativomen te neste trobotho, (J todo 0 material of transportado ‘para 0 parte externa do museu ¢ colocado sobre urna base de concreto (ros jardin), reservada ds escuturas ‘consagradas.2)FASE EXTERNA: tronsport do lisa (meu traboiho), de 1) para 2) (.). Abandono desse trobathio no local As tahs. Mo ela seguint, Ful informodo, 00 voltar co MAM que os guordas do MAM tinham fico- do no maior rebolig, devido és TE. trem provocado © otengto de uma rotio-potrulha que periadicamente possava geo local, (.) sé roa sequinte, ds 12hs,éque © trabatho foi retrado (..) Ver em: CANONGIA, Lita (org) Arthur Baro, Ru: Modo, 2002, p.16e18, NAVAS, A.A canst Ath Soa re CANONGIA, Ui ‘ia (Org). Op. it, 2002, p.207-217 a, dessa forma, 0 antifetiche caracteristico das propostas contemporaneas que se abrem para o dado da cultura ao em vez de se encerrarem no subjetivismo do artista. O contexto a ser venci- do, das categorizagées da arte, o dispdem diante do cotidiano, do meio urbano para o qual passa a orientar boa parte de sua produséo. Essa postura antifetiche reverbera entre os atis- tas desse cenério. Importa por indicar uma con- duta incorporada & linha curatorial das jovens instituigées culturais do Brasil, eeém-nascidas naquele momento. Cildo, Hélio ¢ Barrio, entre ‘outros, sio artistas convidados ou selecionados para exposigSes institucionais quando propéem esses primeiros projetos, seminais para a ver- tente da arte publica ¢ urbana contemporineas ‘no pais. Ha, portanto, uma identificagao entre artista e museu, via curadoria, que descola a fi- dura sisuda e pesada da instituigéo museolégica daqueles museus que thes garantem essa flexi- bilidade de proposigdes. Desse modo, estimulam a elaboragdo de uma érbita no seu entorno, na qual as intervencées tomam forma ¢ reclamam ‘novo espago como linguagem artistica Assim, € com a participagéo do museu que se constrdi a fresta de passagem que possibilita 0 transbordamento dos trabalhos desses artistas para 0 lado externo e urvano. Embalados por projetos que relacionam a atencdo a renovagio estética contempordnea € evidenciam a nova dindmica da triade apresentada inicialmente, ‘os Museus demonstram tolerdncia aos aspectos de marginalidade introduzidos pela Tropicilia atuam preliminarmente como 0s préprios rada~ res de véo das incursbes pelo entorno urbana, Na analise dos programas expositivos aplicados pelos Museus de Arte Moderna e Contempora- rea brasileias situados no eixo Rio de Janeiro- ‘Sio Paulo, nas décadas de 1960 a 1980, em par- -ARTEEXTRAMUROS NO BRASIL ticular 0 MAM-RI € 0 MAC-USP, verifica-se urn panorama no qual essas instituigdes assumem papel fomentador para as aghes artisticas de- senvolvidas em suas margens. € preciso, contu- do, que a questdo seja compreendida para além do contexto vocacional do Museu como Kécus de pesquisa e difusdo cultural @ determinadas co- munidades com as quais estaelece relaséo de- ‘ivaia dos seus acervos. ssa diretri, praticada pele grande majoria dos museus ¢ pauta regu lada pelas convenges do ICOM’, bem nos serve para o estudo aprofundado do papel da insti- tuigdo, mas desperta, nessa pesquisa, atencdo redobrada para o que se configura como cola- bboracdo decisiva para a construgao de uma nova vertente artista, surgida, como tantas outras apresentadas no interior das salas de expasigS0, em meio alardeada necessidade de revisio da ctiagdo artistica na passagem do Modernismo para 0 mundo contemporsneo. E sob tal espirito de renovacdo estética que se en- tende a atuagdo curatorial do MAM-R) eo MA- C-USP como expansionista para o espago aberto, AA propasigéo de projetos como: Arte no Aterro ~um més de Arte Publica (Rl,1968), Domingos da CCriagdo (RI,1969) e Do Corpo a Terra (BH, 1970) ‘organizados por Frederico Morais a frente do MAM Rl, ladeiam outros projetos como 0 “Su- permercado de Arte” de Jackson Ribeiro (RJ); as "Felras de Arte da Praca da Repiiblica’ (SP) e da “Praga General Oz6rlo” (RJ), dentre outros even tos dos quais participaram Oiticica, Lygia Pape, ¢ demais artistas que comungam o desejo da re- insergdo democratica do objeto artistico na rea~ lidade nacional. O tom experimentador irrompe ‘em So Paulo com os projetos expositives cura- 7 Ver em capil oem 6d tual cig de tice do ICOM — Conta niacin de Muses ~ idgo de Ee Ufo a. 23, Sit fei o ICOM Bresi.Dsparvel em: htm, ‘amar boda tec ston. 2009 9H%>>.AcexD. em ‘omar 04 aI 82 Farol dos por Walter Zanini no MAC-USP, que leva, contudo, maior tempo para ocorrer do lado de fora, O destaque est na JAC — Jovem Arte Con- ‘tempordnea criada por Zanini para 0 MAC-USP, ao longo das décadas de 1970 € 1980. Apesar de limitada 20 espago expositivo interno, em suas varias edigdes, 0 redobrado esforgo pela atua- lizagdo © consondncia com @ experimentagdo contemporinea nao apenas projeta artistas im- portantes para a esfera da Arte Pica e Urbana no pais, como sinaliza para outras instituigdes 0s caminhos efémeros © conceitualistas que se anunciavam no escopo da Arte dali em diante. 0 transbordamento das ages do MAC-USP acorre nna década de 1980, «partir ds outdoors elabo- rados para 0 Projeto “Arte na Rus", coardenada por Monica Nadore Luciana Brito. Esses eventos apontados exigem de seus artistas-proponentes postura de produgo que avanga suas investiga oes potticas do trabalho em atelié para o con- texto urbano € o encontro direta com o publica transeunte urbano, Nesse period, Frederico Morais produz varios textos reflexivos nos quais demonstra postura convicta de que a arte que interesso hoje éa que estd fora dos museus, das golerias, des colecdes porticulares, arte selvagem, marginal, némade, anénima. A frente do MAM-RJ, Morais € 0 res~ ponsével por uma série de inovagaes crticas € curatoriais que efetivam a construgéo da préxis 8 Na entrevista ence por Arey Arnal a erica wena» eel etal de Mone Nacor «Lucan Bio nese atalho, bemeorao ness co MAC naqulacaeyora de projet Tame ft tegen cspemerta sire a centatesuahagsa do ar {as stants nas desncns de 1470 ©1350 com relax revsas ‘Stengeras sind pla muse, Cast ates Smo page fae «fa ua as ao eomperiamerta wil manta por es Fans ds aspects posts de suahacee de ntomego arte Srna pes uses com 0 aso aa putiayes, AMARAL, Drag Esta 2lavsoa/2007, entender Sa Free Goria Hote Conor Sates Famborant ‘Treo de entra fete pot Helo Shas Fresece Masi ‘Sha. HS, Hl GAM geagata arte no Bos! evte GAY 1" ‘ited Jaca 1979 p80 7 artistiea nesse novo contomo espacial € urba- no. Para 0 projeto “Do Corpo a Terra®, Morais, ressalta que aquela era a primeira ver que artis ‘as brasileiros eram eonvidados a trabalhar em consondncia com 0 lugar, construindo obras € proposigées em vez de selecionarem trabalhos prontos. Tal como acorrera no projeto “Arte no Aterro", a divulgagdo desse evento de Belo Ho- rizonte € feita com prospectos distribuidos nas ras, nos estidios de futebol, em teatros, ete. Tanto no evento "Do Corpo a Terra", quanto na “Semana de Arte do Aterro’, organizados por Morais, evidencia-se uma preocupacio demo- cratizante com 0 acesso a Arte pela populagéo. Os projetos validam a importancia do artista, do curador € do museu como agentes ajustados a0 corpo social vigente, Para tanto, no Rio, além das agdes artisticas espacializadas que se seguiram, a "Semana de Arte do Aterto" contava com off- cinas artsticas oferecidas & populagdo por Hélio Oiticiea,Lygia Pape, Moriconi, dentre outros Essas ideias alinham-se &s trocas que 0s cura dores brasileros travavam naquele momento com Pierre Restany, critico francés claramente posicionatio contra a vida fechada dos museus € galerias Entre as idas e vindas ao Brasil, bem como em publicagdes de artigos em revistas especializadas, Restany colabora para a solidi- ficago da postura mais aberte e interativa do artista, Entre 1968 € 1976, a revista Domus, que Circulava em certos niicieos ¢ bibliotecas brasi- leiras,traz importantes textos desse critica nos quais ele promove a renovata relagao da arte Tana Erpa om eco isuge conte sa fers seme= sate gatos ene Astor sacar sstenateerna eso Doms Supeaent espeta Bstany prone oft Sst tras deus que ruven ow dee moses Aira le cD tudo € we Aang errata de votre mia.) Ovo ‘martha eo intepete ae prac © ede do afta Hae {orsineraoes peas elves tom un ugar dedestaquercre fsplonoscsamsts Qtere onto venous oes ose vee (0 mes, Aso Seas sages Maa se rica mois bes Fnamsc sive Vere SVK Hp, 1970 pa 6 ‘contempordnea com as instituigdes eulturais. Desse modo ¢ que as acbes orbitals do MAC-USP © MAM-RY extrapolam a revise esperada para a atuagao do muscu e ocupam papel de destaque na formulagio das bases dessa nova vertente ar- tistica. Os artistas que frequentavarn os espacos publicos € os bastidores desses museus tinham acesso as discussées € se mantinham atentos & atualizagdo dos conceitos estéticos da pauta internacional, @ partir da qual discutiam seus referenciais de atuacio. Em 2011, Frederico Morais reconstréi em texto a cexperiéncia "Do Corpa & Terra" apontando para 2 questdo do objeto que, em meados dos anos 1960, ocupava a ordem do dia. Projetos expasi- tivos como a "Nova Objetividade Brasileira” (Fu, 1967) € 0 "4° Saldo de Arte Moderna do Distri- to Federal” (Brasilia, 1967) passam a inclu essa categoria em sua organizagao. Compartihando dos conceitos de Oiticiea, Morais atenta para © avanco necessério a requalificaggo da arte a partir da acio em campo aberto € da situacdo cextra-museoiégico fundamentalmente ligados a0 comportamento experimental. Os artistas passam 2 admitir 0 objeto como ac3o no ambiente, coma sinal, € no coisa ¢, assim, constroem discursos {que ligam elementos tridimensionais e espaciali- zados & condiggo de arte valida em terreno con- temporineo. Morais caloca que as acdes desen- volvidas no period foram, de fato, extensbes do ‘Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, cons cienciosas desse "achado" jd naquele momento’ ‘Sdo muitos os artists, coletivos e grupos, além de projetos curatoriais, que aderem a essa ver= tente pelo seu cardter democratizante, A surpre- sa dessa listagem esti na participagdo crescente TW WORN Frazer Bo ono ¢ Tena I FERREIRA, li. Cites Sede raat TenaticonConeperieas Rid cho Frat, 2200 p38 ARTE XTREMIUROS WO BRASIL do agente, que poderia ser visto como seu rea- agente ~ 0 museu. O ndimero de projetos e euitais, dessas instituigées que estendem sua atuacdo no tempo € no espago para abarcar proposicées de intervengdes artisticas urbanas demonstra que a jovialidade dos projetos iniciais realizados pelo MAM-RJ ¢ pelo MAC-USP possibilita 0 grau investigativo, marginal, experimentador proprio dda concepyao de uma vertente artistica Coma linguagem artistica, essa vertente cons- titu verdadeira canstelagao terminalégica, de carater to vasto © complexo quanto o assum: do pela prapria arte atual, Nem bem assentados, seus perfis nao perduram por tempo prolonga- do, demonstrando coeréncia com @ processo de mutabilidade dos grandes centros urbanos, cuja dindmica precisa ser absorvida pelos artistas teressados nessa envergadura 0 valor dado a0 discurso artistico ganha es- Pessura a0 longo do século XX e, dentro dele, a alternancia dos papé’s no circuito nos leva a acreditar que se tarna ardem de sobrevivéncia de todo o sistema, A necessidade de um discurso que parta das melhores pertinéncias pare esse campo apresenta-nos 0 termo Extromures Sua ligagao a0 contexto artistico brasileiro constréi © raciocinio particularizado por dois pontos po- tenciais: a nogao de transbordamenta dos tra- balhos artisticos de dentro do museu para 0 seu entorno; e 0 caréter marginal, além das mar- gens, amplamente investigative, presente nas primeiras experimentagies nesse terreno, ‘A nogéo de trensbordamento, tanto quanta 0 termo extramuros, indica que o muro ainda est 1a £ elemento instigador necessério, € ndo ofe- Tece nem as amarras, nem o peso reclamado pe- los representantes estrangeiros dessa vertente, posto que, em nossa paisagem, tem outra velo- cidade de formacao, 83 a4 No Brasil,o trabalho artistico extramuros & qua~ lificado pelos textos © depoimentos de artistas, criticos ¢ curadores que parter dos elementos da triade ja destacada: espacialidade, sensoria- lidade dos trabalhos e ativacSo do projeto pela participagao do espectadior. Sua apresentacdo do lado de fora, na rua, em espago urbano convida 0 outro a percepgao das proposigdes do artista num terreno intermedidria, quer interno ou quer ex- termo, de carter extra-musealégico, 0 encontro cam esse interlocutor evita 0 isolamento ¢ ativa © tidlogo com 0 mundo real, em um dos feixes ‘buscados pelo trabalho artistico contemparaneo. os muitos elementos que dispdem em comum, a Arte Contempordnea e as vertentes atuais da Arte Piblica ¢ Urbana, encontramos a busca por um afinamento pratico € discursivo, que nesse territbrio tem como uma de suas prineipais pre~ missas a reorganizacao das nomenclaturas que evitam equivacos ou generalizagdes trazidas pe- los termos publica © urbane frente ao mundo contemporineo, Assim, as indmeras nervuras que estabelecem essa complexa relagdo com a urbanidade sugerem que o tetmo extramuros bem responde & polissemia desse campo, De modo conjugado, 0 espaco e a estética extramu- ros indicam a interesse da arte por uma gama ampliada de elementos alheios, até entio, 20 seu niicleo principal, tornados mais visiveis pela pratica do olhar periférico, algo marginal e in- aquisidor, que € potencializado nessa atualidade das propostas artisticas. Como ordenador do discurso, indica sua gran- de afinidade com ¢ contexto urbano, uma vez que atenta para a questo da transposigio de limites, para o encontro entre as linguagens ar- tisticas e culturais, praticadas por boa parcela dda arte ao longo dos séculos XX e XX. Aberto, © termo extramuros 4 f6lego para compreen- der as distincias a que se langa a arte nesse vetor urbane, confrontada com um conjunto complexo jamais experimentado nas ordens das cidades anteriores. Paralelamente, mantém sua validade perante seus demais antecessores, su- perpando-se a justeza do discurso mais pontual especiaizado que investiga os dados: pablo, Urbano ¢ interventor desses projetos de arte. Plural, aponta para a fexibilidade necesséria na percepgdo dos mUltiplos discursos preocupados com 0 equilbrio (ou a falta dele) nas apresen= tages artistcas que tém construd o historico dessa vertente esiética até 0 momento, Do mesmo modo, @ ideia do transbordamento, presente no conceit extramuros, provoca 0 contrario do isolamento pressuposto no espago cerratlo do museu € revela o entendimento algo pacifico, garantida pela jovialidade ¢ trabalho experimental do artista contempordneo e museu de arte em nosso territéria. Externo ou interno ao espago museolégico, 0 trabalho de arte con ‘temporanea é consciente da dependéncia de sua confirmagao como arte por meio da visibilidade da autoridade conferida por esse agente do rcuito com quem negocia. Assim; a0 em vez de rompimento, prega @ negociagdo. 0 zique- zague se completa; a circularidade, oportuna ou ‘opartunista, constitui-se por todas os elementos do sistema, reconfigurando as relacdes da Arte € seus miltiplos lugares na atualidade. Enquanto co cantexto intramuros valoriza a ideia do centro eda unicidade, o extramuras dinamiza esse con ceito trazendo & tana o valor da concomitancia. 0 terma no & empregada nos discursos iniciais da contemporaneidade, Ganha espago somente nas Gitimas décadas, por meio de contetidos ad~ vindos da Arquitetura, Urbanismo e Artes Visuais, Entre os artistas que bem o representam, logo de Inicio, encontramos em Giticica a consolidagao de termos como ombientogto, orte ambiental € suprasensorialidade. Escostequy usa o termo ‘Arte Publica para validar 0 encontro com valo- res que possam evitar 0 divércio da realdade © gatantira autonomia critica do artista. Frederico Morais, que também 0 emprega no sub-titulo do projeto “Arte no Aterro’, faz uso enfatico desse lécus sociopolitco, clamanda a expressio Arte ‘na Rua como anti-meio desalienador. K amplia- a0 do discurso das vertentes da Nova Arte Pii= btico, da Arte Urbana e das Intervencdes Artis- tieas no Meio Urbana toma lugar, somente nos anos 1990, efetivando-se em paralelo as edges do projeto “Arte Cidade” de Sao Paulo Entre as fontes pesquisadas destacam-se, como referéncias diretas ao termo extramuros, a apresentagao da 7 Biensl de Cuba, que apli- a0 termo para determinado setor de projetos alternativos, composta por agées e performan- ces, Além disso, a pesquisadora Priscila Arantes ‘o emprega em um texto em que disserta sobre o trabalho de Fred Forest, artista que contribui ‘em suas passagens pelo Brasil para a formacao da sensibilidade desse campo, Com Celso Fava~ retto Nelson Brissae, encontramos composi- ¢0es proximas. Nos estudos sobre o trabalho de Oiticica, Favaretto aplica 0 termo extra-espe- ¢0 quando discute a ideia de totolidade-obra elaborada pelo artista, Nelson Brissac aplica o termo extra-compo para burilar os sentidos da indiscemibilidade da paisagem contempordnea dada pelos atuais aparelhos de captagao da imagem, come a maquina fotografica © a fil~ rmadora de video, Tudo esta perto. Este mundo nao tem extra-campo, escreve ele, 20 estudar a afinidade entre o mura e a paisagem. Lisette Lagnado aplica o terma extramuras, com a in tensidade inguisitiva que bem © quatifica, em um texto publicado pela revista eletrénica Trd- pico on fine no qual avalia a condiggo explora- ARTE EXTRAMUROS WO BRASIL da pela 25° Bienal de Sao Paulo em sua secao dedicada 4s “Ieonografias Metropolitanas’ 0 inicio dz experiéncia ambiental brasileira demonstra que, apesar da vastiddo de nosso territério, ndo & a referencia das desmesuras que se comprova por aqui, mas sim a experi- Mentagdo inerente & construgso do trabalho contemporaneo. ‘Ao attibuirmos a0s centros urbanos capitais a localizagso das agdes mais importantes e cons- tantes da arte extramuros encontraros outro tos elementos indicatives do transbordamen= to anunciado. A proximidade desses projetos aos miicleos museoléaicos pode ser lida como resultado caracteristico de sociedades pouco Uniformes e oscilantes na continuidade de seu projeto cult solidada eficdcia dos anéis desse circuit aliada 8 instabilidade na rede de comunicagéo por sua extensa drea geogrifica, definem a importancia 4d0 agente musew na formulagao dessa lingua ‘gem. A nogdo do transbordamento organiza-se, assim, valendo-se do fluxo de ideias © eventos por ele desencadeados, Alm dos organismas de fando cultural ¢ artistico, tradicionalmente en- volvidos na difusao cultural, percebe-se que as rmovimentagbes dirigidas para 0 encontro publi~ 0 estimulam, de modo geral, a anunciada fusio entre espagas © agentes do sistema artstico, adensando as préticas promovidas por institul= Bes dos centros urbanos capitas como a brasileira, A niio con- Compreende-se, assim, que a relagdo vivida por esses dois campos, arte © urbanidade, de- senvolve-se, nas ultimas décadas, em constante processo de revisfo de seu estado de pertenca, permanéncia © legitimidade. Parece-Ihe inte- grante a condigo indeterminada, garantida pela ampliagdo dos tentdeulos que a sustentam Procurar cerear-Ihe o espeetro de sua contigura~ 85 86 Farol ‘520 principal exige, contudo, idéntica dinamica investigativa entre maltiplas areas, mesmo que terminemos tal tarefa sem desferi-thes pontos pacificos ou finals. REFERENCIAS: ARTEEXTRAMURDS NO BRASIL CCANONGIA, Ligia (01g). Arthur Borio, Rio de Janeiro: Mede, 2002, (CODIGO de Ftico Luséfono I Site oficial ICOM Brasil. Disponivel em: Acesso: 1003.20 FAVARETIO, Celso. invengto de Helio Oiticica. So Paulo: Edusp, 2000, FERREIRA, G. Critica de Arte no Brasil Rio de Janeiro: Funarte, 2006, FUREGATTI, Syvia. Are © Meio Urbano. Elementos de formagao da estética extramuros no Bros Faculdade de ‘Arquitetura Urbanism, Tse de Doutorado. Sao Paulo: FAU - USP, 2007. KRAUSS, R.A escutura em Campo Ampliado, Revista Gave. m6, PUC, Rio de Janeiro: 1988, KRAUSS, R. Cominhos do escultura moderna, Sao Paulo: Martins Fontes, 1988, MOSQUERA, Gerardo eto, apres). Clo Meireles. Londres: Phaidon Press, 1999, SILVA, H. GAM pesquiso arte no Busi. Revista GAM.n.22. Rio de Janeiro: 1970. SyWvia Furegatti ¢ Doutorado em Arquitetura¢ Uibanismo pela Universidade de Sin Paulo, dsl [207] « pofessore da Uni- versie Estadual de Campinas, Bras 87

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