Você está na página 1de 11
os sugere ao quebrar grandes pardgrafos em unidades de descr Snagem que sutilmente indicam a distancia da cémera e a composigao. Por INT. SALA DE JANTAR - DIA Jack entra e olha ao redor da sala vazia. Le maleta sobre sua cabeca, ele a joga sobre a & antiga cadeira ao lado da porta, causando um Ele escuta. siléncio. Feliz consigo mesmo, caminha em direcdo a co; quando subitamente algo chama sua atencdo. Um bilhete dobrado com o seu nome apoiado sobre @ de rosas na mesa de jantar. Nervosamente, gira sua alianga. Respirando fundo, caminha, pega o bilhete, abre e Em vez de escrever o que est acima em um bloco tinico de prosa, li branco separam a cena em cinco unidades que sugerem a seguinte ordem: um aberto cobrindo a maioria da sala, um movimento de camera pela sala, um: no bilhete, um close ainda mais fechado no dedo de Jack, e plano médio da A maleta insulta a cadeira antiga de Barbara, ¢ 0 gesto nervoso de Ja sua alianca exptessa uma mudanga de sentimentos. Atot e ditetor estao si vres para improvisar agées diferentes, mas os mini parigrafos levam o olho i do leitor a0 longo de um padrio de aco e reagio entre Jack ¢ a sala, Jack e emogées, Jack e sua mulher como representada no bilhete. Essa é a vida da Agora, diretor e ator devem capturé-la sob a influéncia desse padrio, Como ela exatamente € tarefa criativa deles. Nesse interim, o efeito da técnica Cena Me uma leitura que traduz a sensacio de se assistir um filme. SISTEMAS DE IMAGEM O roteirista como poeta “Pobre do roteirista, pois nfio pode ser um poeta” nfo 6 uma verdade factual. 372 e é um meio magnifico para a alma poética, uma vez que o roteirista entenda a stureza pottica da est6ria e seus funcionamentos dentro do filme. Poético nio quer dizer bonitinho. Imagens decorativas do tipo que faz com © ptiblico saia de um filme decepcionante dizendo “mas é tio bem fotogra- do” niio sio poéticas. O CEU QUE NOS PROTEGE: seu contetido humano 2 aridez, uma insignificdncia desesperadora — 0 que um dia foi chamado de crise ncial, ¢ a ambientacio do romance em um deserto eram uma metifora para a fertilidade da vida dos protagonistas. O filme, contudo, brilhava com o glamour cartéo-postal de uma agéncia de viagens, mas muito pouco ou talvez nada do frimento no coragio da estétia podia ser sentido, Imagens bonitinhas so apro- Gadas se o assunto € bonitinho: A NOVICA REBELDE. Em vez disso, poético quer dizer expressdo aprimorada. Seja 0 conteédo da SStia belo ou grotesco, religioso ou profano, tranquilo ou violento, pastoral ov 10, épico ou intimo, ele exige uma expresso completa. Uma boa est6ria bem atada, bem dirigida e bem encenada, talvez resulte em um bom filme. Tudo isso, s um enriquecimento ¢ um aprofundamento da expressio do trabalho por sua a poética, talvez resulte em um 6timo filme. Para come¢ar, como o piiblico no ritual da estéria, reagimos a cada imagem, al ou sonora, simbolicamente. Nés sentimos instintivamente que cada objeto selecionado pata significar mais do que realmente significa e, portanto, adicio- mos uma conotacio para cada denotagio. Quando um automével aparece na mada, nossa reacio nfo é um pensamento neutro como “veiculo”; damos a ele ma conotacio. Pensamos “ahn, Mercedes... tico”. Ou, “Lamborghini... tolamente ”. “Volkswagen enferrujado... artista”. “Harley-Davidson... perigoso”. “Trans- m vermelho... problemas com a identidade sexual”. O contador de est6rias traba- em cima dessa inclinagio natural do piiblico. O primeiro passo para virar uma est6ria bem contada em um trabalho po- 0 € excluir 90 por cento da realidade. A vasta maioria dos objetos no mundo as conotacées erradas para qualquer filme especifico. Portanto esse espectro imagens possiveis deve ser afunilado aqueles objetos com implicacdes apro- diadas. Na producio, por exemplo, se um diretor quer um vaso em uma tomada, isso uma discussfio que pode durar uma hora, uma discussio critica. Que tipo de 0? Que petfodo? Que formato? Cor? Cerimica, metal, madeira? Com flores? c tipo de flores? Onde coloc4-lo? Primeito plano? Plano intermedirio? Plano de ando? Canto superior esquerdo? Canto inferior direito? Em foco ou desfocado? a iluminé-lo? Serve de amparo pata alguma coisa? Pois niio estamos falando de m vaso, ¢ sim de um objeto de forte carga simbélica ressoando seu significado em edos os outros objetos no plano, e também por todo o filme. Como em todas as 373 obras de arte, um filme é uma unidade na qual todos os objetos se relacion: todas as outras imagens ou objetos. Limitando-se ao que é apropriado, o roteirista d4 poder ao filme ci sistema de imagens, ou sistemas, pois frequentemente existem mais de um. Um SISTEMA DE IMAGENS é uma estratégia de motivos orna- mentais, uma categoria de imagem embebida no filme que se re- pete, em imagem e som, do comego ao fim com grande variagao, mas com igual sutileza, como uma comunicagio subliminar que aumenta a profundidade e a complexidade da emogio estética. “Categoria” significa um assunto retirado do mundo fisico que é a bastante para conter algumas variagdes. Por exemplo, uma dimensio da nat animais, estacdes, luz e escuridao — ou uma dimensio da cultura humana— mAquinas, arte. Essa categoria deve se repetir, pois um ou dois simbolos is fazem pouco efeito. Mas 0 poder de um retorno organizado de imagens é i quando a variedade e a repeticao guiam o sistema de imagens pata que no inconsciente do publico. Ainda assim, ¢ mais importante, a poesia do set manuseada com uma invisibilidade virtual e ser irreconhecivel consci Um sistema de imagens pode ser criado de duas maneiras, via I ternas ou Imagens Intetnas. Imagens externas pegam uma categoria qui filme, j4 tem um significado simbélico, e trazem para dentro da pelicula, tenha o mesmo significado dentro e fora do filme: por exemplo, o uso da nacional — um simbolo do patriotismo ¢ do amor pelo pais — para indicar mo e amor pelo pais. Em ROCKY IV, quando Rocky derrota o boxeador se enrola em uma bandeira norte-americana gigante. Ou usar 0 crucifixo, bolo do amor a Deus ¢ dos sentimentos religiosos, para simbolizar o amor: os sentimentos teligiosos; uma teia de atanha para simbolizar uma arm: lagrima para simbolizar a tristeza. Imagens Externas, devo dizer, é 0 carinnl de um filme amadotr. Imagens internas pegam uma categoria que fora do filme pode ou significado simbélico, mas a traz para dentro do filme para lhe dar um si completamente novo, apropriado para apenas esse trabalho. AS DIABOLICAS: em 1955, o ditetor e roteirista Henti-Georges adaptou 0 romance Celle Qui N’Etait Pas, de Pierre Boileau, para o ciné Christina (Véra Clouzot) é uma jovem atraente, mas muito timida, quieta € vel. Ela sofre de uma cardiopatia desde a infancia e nunca esta muito bem de. Anos atrés, herdou um imével impressionante nos suburbios de Paris, transformado em um colégio interno muito exclusivo. Ela cuida do colégio 374 marido, Michel (Paul Meurisse), um sédico abusivo, maligno e d delicia ao tratar sua esposa como lixo. Ele tem um caso com uma d escola, Nicole (Simone Signoret), ¢ € tio depravado e cruel com: é com sua esposa. Todos sabem desse caso. Na vetdade, as duas mulheres amigas, ambas sofrem nas mios desse bruto, No inicio do fil tinica maneita de escapar dessa situacio € maté-lo. Uma noite, fazem com que Michel va a um ap: distante da escola, onde elas, em segredo, enchem uma ba no apartamento, de terno, e arrogantemente humilha e ins enquanto clas o deixam o mais bébado que podem, ¢ entio nheita. Mas ele nao esta tio bébado assim, ¢ a luta € int sua pobre esposa, mas Nicole corre para a sala e agarra em cerimica da mesa do café. Ela joga essa coisa p © peso da estatua e sua prdépria forca, ela consegue afogar. ‘As mulheres enrolam o corpo em uma lona, uma picape e voltam para o campus no meio da noil usada o inverno inteiro; uma camada de uma po mulheres jogam o corpo na piscina, e ele e rapidamente e esperam pelo proximo dia, para que to, Mas vem o dia seguinte e o corpo nao aparece. P aparece. Finalmente, Nicole, de propésito, derruba a ¢ ¢ pede pata um dos alunos mais velhos pegi-la. O procura e procura e procura. Ele volta, pega um po novo, € procura € procura e procura. Ele volta, p tetceita vez, mergulha e procura e ptocura e procura. Fi a chave do carro. As mulheres decidem entao que é hora de Ii piscina seja esvaziada e esperam na borda, assis e descerem.., pelo talo, Mas 0 corpo no aparece. N lavanderia aparece, vinda de Paris, para entregar o te limpo e passado, As mulheres voam pata Paris, até recibo, e nele o enderego de uma pensio. Elas vio concierge que diz, “sim, sim, havia um homem mor essa manha”. Elas voltam para escola e coisas ainda mais b rece ¢ desapatece nas janelas da escola, Quando 375 da turma de veteranos, ele esté 14, atris dos estudantes, ligeiramente fora d Elas nfo fazem ideia do que acontece. Seria ele um fantasma? Teria sobrey afogamento e agora esti fazendo isso conosco? Alguém achou o corpo? fazendo isso? Chegam as fétias de verdo ¢ todos os estudantes e professores vio € Entio Nicole vai embora. Faz, suas malas, diz que no aguenta mais tudo donando a pobre vitiva. Naquela noite, Christina nio consegue dormir; senta na cama, comple! te acordada, seu coragio batendo forte. De tepente, no meio da noite, ouve de uma maquina de escrever, vindo do esctitério do seu marido, Lentames levanta e caminha na ponta dos pés por um longo corredor, com a mao mas quando ela toca a maganeta da porta do escritorio, o som para. Bla move vagarosamente a porta ¢ 1, do lado da maquina de escre to as luvas de seu marido... como duas maos gigantes. Entio ouve o som aterrorizante que pode ser imaginado: 4gua pingando. Vai até o banheito pes escritério, com 0 coracio acelerado, abre a porta e la esta ele~ com o mesmo submerso em uma banheira cheia d’4gua, a torneira pingando. O corpo se levanta, a Agua forma uma pequena cascata para fora da ban Suas pilpebras se abrem, mas os olhos no estiio lé. Ele tenta agarré-la, ela b mio em seu peito, tem um ataque catdiaco fatal e cai morta no chao. Michel. 4 mio em suas palpebras e retita enxertos brancos de plistico. Nicole sai d armario. Os dois se abracam e sussurtam, “conseguimos!” Os créditos de abertura de AS DIABOLICAS parecem estar sobre tura abstrata em cinza e preto. Mas, subitamente, guando os créditos acab pneu de um caminho molha a tela de cima a baixo, e nos damos conta de que vamos olhando uma poga de lama por cima. A cimera sobe e vemos uma pais chuvosa. Desse momento em diante, o sistema de imagens “Agua” é continua ¢ subliminarmente repetido, Hé garoa e nevoeiro o tempo todo. O orvalhe janelas corre em pequenas gotas para a calha. No jantat, comem peixe, Os pe nagens bebem vinho e ch enquanto Christina toma seu remédio para 0 co Quando os professores conversam sobre as fétias de verio, eles falam sobre it © Sul da Franca “aproveitar o mar”, Piscinas, banheiras... é um dos filmes mais Ihados de todos os tempos. Fora do filme, a 4gua é um simbolo universal Pata diversas coisas posi santificagao, purificagio, o feminino — arquétipo da propria vida. Mas Clouzot. verte esses valores até que a Agua tome o poder da morte, do tettor e do mal, som de uma torneita pingando faca o piblico se encolher em suas cadeiras, CASABLANCA tece trés sistemas de imagem. Seus motivos primarios cris um senso de aprisionamento, enquanto.a cidade de Casablanca vita uma penite 376 cidtia virtual. Personagens sussutram seus planos de “fuga”, como se os policiais fossem guatdas da prisio. O farol na torre do aetoporto se move pelas ruas como um holofote perscrutando a cadeia, enquanto as venezianas das janelas, divis6rias, corrimfos e até as folhas das palmeitas, criam sombtas que lembram as barras das celas da priséo. © segundo sistema constréi uma progtessio do particular para o arqueti- pico. Casablanca comeca como um centro de tefugiados, mas se torna uma ming ONU, tepleta nfo apenas de rostos arabes e europeus, mas também de asisticos africanos. Rick e seu amigo Sam sio as tinicos petsonagens norte-americanos que encontramos. Repetidas imagens, incluindo didlogos que os personagens falam de Rick como se ele fosse um pais, associam Rick @ América até que ele simbolize os proprios BUA e Casablanca, 0 mundo. Como os Estados Unidos em 1941, Rick é firmemente neutro, no querendo tomar parte de outra Guerra Mundial. Sua con- versio pata a luta subliminarmente congratula a América por finalmente levantat-se contra a tirania, O terceito sistema é o de ligacio e separaciio, Numerosas imagens e composi- ces dentro do quadro sio usadas para ligar Rick ¢ Ilsa, afitmando subliminarmente que, apesar de estarem separados, deveriam estar juntos. O contraponto a isso é uma série de imagens e designs de composiciio que separam Ilsa de Laszlo, dando a im- presstio oposta, de que apesar dos dois estarem juntos, eles deveriam estar separados, ATRAVES DE UM ESPELHO € uma multitrama com seis linhas de estoria ~ trés climax positivos devotados ao pai, trés finais negativos para sua filha — em um design em ponto/contraponto que entrelaca nfio menos que quatro sistemas de imagem. As estorias do pai sto marcadas por espagos abertos, luz, intelecto e comu- nicacio verbal; os conflitos da filha so exptessos em espacos fechados, escuridio, imagens animais e sexualidade. CHINATOWN também emprega quatro sistemas, dois de imagem externa ¢ dois de imagem interna. O primeiro sistema internalizado é 0 da “vista cega”, ou visio falsa: janelas; espelhos retrovisores; culos, especialmente armagdes quebra- das; cameras; bindculos; os proprios olhos, e mesmo os olhos cegos ¢ abertos dos mottos, tudo isso junta uma forca tremenda para sugerir que, se nds estamos vendo o mal fora de nosso mundo, estamos olhando na direcao errada. Ele esta aqui den- tro, Dentro de nds. Como disse Mao Tse-Tung, “A histéria é o sintoma, nés somos a doenca”. O segundo sistema internalizado pega a cortupeio politica e transforma-a em cimento social. Conttatos falsos, leis subvertidas e atos de corrup¢ao tornam-se o que mantém a sociedade inteira e cria 0 “progtesso”. Os dois sistemas de imagens externas, 4gua contra a seca e crueldade sexual contra amor sexual, tém conotacg6es convencionais, mas usadas com uma efetividade pontual. a? que acontece. Seria ele um fantasma? Teria sobrevivik afogamento e agora esté fazendo isso conosco? Alguém achou o corpo? Eles fazendo isso? Jevanta e caminha na ponta dos pés por um longo corredor, com a mao no mas quando ela toca a macaneta da Potta do escri Ela move vagarosamente a porta e lé, do | tao as luvas de seu marido... aterrorizante que pode ser im: esctitério, com 0 coracao acel td ele~ como mesmo t submerso em uma banheira cheia d’égua, a torneira pingando, © compo se levanta, a 4gua forma uma pequena cascata para fora da banh Suas pilpebras se abrem, mas os olhos no estio li, Ele tenta agarré-la, ela bota mdo em seu peito, tem um ataque cardiaco fatal e cai morta no chao. Michel p: @ mo em suas palpebras e retira enxertos brancos de plistico. Nicole sai de ‘tio. Os dois se abracam e sussurram, “‘conseguimos!” Os créditos de abertura de AS DIABOLICAS Parecem estar sobre uma pi tura abstrata em cinza e Preto. Mas, subitamente, quando os créditos acabam, neu de‘um camiaho molha a tela de cima a baixo, e nos damos conte de que es tio, 0 som para, lado da maquina de escreves, como duas mios gigantes. Entio ouve 0 som aginado: 4gua pingando. Vai até o banheiro perto letado, abre a porta e la est , eles falam sobre it para €um dos filmes mais mo- cidria virtual. Personagens sussurtam seus planos de “fuga”, como se os policiais fossem guardas da prisio. O farol na torre do aeroporto se move pelas ruas como um holofote perscrutando a cadeia, enquanto as venezianas das janelas, divisorias, cortimaos ¢ até as folhas das palmeiras, criam sombras que lembram as barras das celas da prisio. O segundo sistema constrdi uma progressio do particular para o arqueti- pico. Casablanca comeca como um centro de refugiados, mas se torna uma mini ONU, repleta no apenas de rostos arabes ¢ europeus, mas também de asidticos africanos. Rick e seu amigo Sam sfo as tinicos personagens norte-americanos que encontramos. Repetidas imagens, incluindo didlogos que os personagens falam de Rick como se ele fosse um pais, associam Rick & América até que ele simbolize os proprios EUA e Casablanca, o mundo, Como os Estados Unidos em 1941, Rick é firmemente neutro, no querendo tomar parte de outra Guerra Mundial. Sua con- versio para a luta subliminarmente congratula a América pot finalmente levantar-se contra a titania, O tetceiro sistema é 0 de ligacio e separacio. Numerosas imagens e composi- Ges dentro do quadto sao usadas para ligar Rick e Isa, afirmando subliminarmente que, apesar de estarem separados, deveriam estar juntos. O contraponto a isso é uma série de imagens e designs de composigio que separam Ilsa de Laszlo, dando a im- ptessio oposta, de que apesat dos dois estarem juntos, cles deveriam estar separados. ATRAVES DE UM ESPELHO é uma multitrama com seis linhas de estétia — trés climax positivos devotados ao pai, trés finais negativos para sua filha — em um design em ponto/contraponto que entrelaca nfio menos que quatto sistemas de imagem. As estérias do pai sio marcadas por espacos abertos, luz, intelecto e comu- nicagio verbal; os conflitos da filha sfio expressos em espacos fechados, escutidio, imagens animais e sexualidade. CHINATOWN também emprega quatro sistemas, dois de imagem externa e dois de imagem interna. O ptimeito sistema internalizado é o da “vista cega”, ou visio falsa: janelas; espelhos tetrovisores; Sculos, especialmente atmacdes quebra- das; cameras; bindculos; os prdprios olhos, e mesmo os olhos cegos e abertos dos mortos, tudo isso junta uma forca tremenda para sugerir que, se nds estamos vendo © mal fora de nosso mundo, estamos olhando na diregio errada. Ele esta aqui den- tro. Dentro de nés. Como disse Mao Tse-Tung, “A histéria é 0 sintoma, nés somos a doenca”. O segundo sistema internalizado pega a corrupeio politica e transforma-a em cimento social. Contratos falsos, leis subvertidas e atos de corrup¢ao tornam-se o que mantém a sociedade inteira e ctia 0 “progtesso”. Os dois sistemas de imagens externas, 4gua contra a seca € crueldade sexual contra amor sexual, tém conotages convencionais, mas usadas com uma efetividade pontual. 377 Quando ALIEN — O 8° PASSAGEIRO foi lancado, a revista Time soltow artigo de dez paginas com fotos e ilustraces perguntando o seguinte: Holly foi longe demais? Pois esse filme incorpora um sistema de imagens altamente tico, e contém trés cenas vividas de “estupro”. Quando Gail Anne Hurd ¢ James Cameron fizeram a sequéncia, AL O RESGATE, cles nfo apenas mudaram o género do Terror pata 0 Agao/ A como teinventaram o sistema de imagens, para a maternidade, quando Riph torna a mae sub-rogada de Newt (Cartie Henn), que por sua vez é a mie sub- de sua boneca quebrada. As duas esto juntas contra a mais terrivel “mie” do verso, a gigante rainha monstruosa que coloca seus ovos em um ninho que um titero, Em um didlogo, Ripley nota, “os monstros te engravidam”. DEPOIS DE HORAS trabalha com apenas um refio internalizado, com uma rica vatiedade: arte. Nao como um ornamento da vida, € sim a arte uma arma. A arte ¢ os artistas do distrito de Soho, em Manhattan, constante atacam o protagonista, Paul (Griffin Dunne), até que ele ¢ encapsulado em um balho de atte ¢ roubado por Cheech e Chong, Voltando ao longo das décadas, os Thrillers de Hitchcock combinavam gens de teligiosidade com sexualidade, enquanto os Farvestes de John Ford co: punham a selvageria com a civilizacio. De fato, voltando pelos séculos, percel gue os sistemas de imagem sio tio velhos quanto a préptia estéria. Homero i tou belos motivos para seus épicos, como fizeram Esquilo, Séfocles e Euripides suas pecas. Shakespeare submergiu um sistema de imagens tinico em cada um seus trabalhos, assim como Melville, Poe, Tolstdi, Dickens, Orwell, Hemingway, sen, Tchékhov, Shaw, Beckett — todos os grandes romancistas e dramatutgos caram esse principio. E quem, afinal, inventou o roteiro cinematografico? Romancistas e dr gos que vieram para os betgos de nossa arte em Hollywood, Londres, Paris, Bet Téquio e Moscou para escrever os scenarios! de filmes mudos. Os primeiros gra diretores, como D. W, Griffith, Eisenstein e Murnau, tiveram sua aprendizagem teatro; eles também perceberam que, como uma boa pega, um filme pode ser le pela repeticiio sublime da poesia subliminar. E um sistema de imagens sm de ser subliminar. © piblico nao pode pe ber. Anos atrs, enquanto assistia a VIRIDIANA, de Bufiuel, percebi que ele introduzido um sistema de imagens com cordas: uma crianca pulando corda, homem tico se enforcando com uma corda, um rapaz pobre usando a corda coi cinto. La pela quinta vez que a corda apareceu na tela, o publico gritou em uniss “Simbolo!” O simbolismo € poderoso, mais poderoso do que conseguimos perce! * Scenarios: nome dado aos roteiros de filmes mudos. (N. do) 378 desde que passe intacto pela mente consciente ¢ escorregue para dentro do incons- ciente. E como ele age quando sonhamos. O uso do simbolismo segue 0 mesmo Principio da misica de um filme. © som nfo precisa de cognico, entio a misica Pode nos afetar profundamente quando nfo estamos consciente dela. Da mesma mancia, simbolos nos tocam e nos comovem — desde que nds no 0 reconbegamos como algo simbdliea, A ciéncia do simbolo transforma-o em curiosidade neutra e intelectual, impotente e virtualmente insignificante. Por que, entio, tantos ditetores e roteiristas contemporaneos colocam um TOtulo em seus simbolos? Sobre o tratamento das imagens “simbilicas” a mao pe- sada na tefilmagem de CABO DO MEDO, DRACULA DE BRAM STOCKER ¢ O PIANO, para citar trés dos exemplos mais descarados, penso em duas razdes ptovaveis: primeiro, pata lisonjear o piblico da elite autopercebida como intelectual que assiste ao filme a uma distincia segura, nfio emocional, enquanto coleta muni- Gio para o ritual pés-filme da critica no café, Segundo, para influenciar, se no con- trolar, os criticos e as resenhas que cles escrevem. Simbolismo declarado nao requer genialidade, apenas egoismo inflamado por leituras malfeitas de Jung ¢ Derrida. E uma vaidade que avilta e corrompe a arte. Alguns dizem que o sistema de imagens do filme é trabalho do diretor, ¢ que cle sozinho deveria crié-lo. E eu nio tenho argumentos para conteadizer isso, pois © ditetor é 0 responsével supremo por cada centimetro quadrado de cada plano do filme. Porém... quantos diretores entenderiam 0 que expliquei acima? Poucos. Tal. vez duas diizias no mundo de hoj Apenas os melhores, enquanto, infelizmente, a vasta maijoria nao entende a diferenca entre fotografia decorativa e expressiva. Eu digo que o roteitista deve iniciat o sistema de imagens do filme ¢ o diretor € os designers devem terminé-lo. Eo escritor o primeiro a ver todas as imagens, © mundo fisico e social. Frequentemente, quando escrevemos, descobrimos que ja come¢amos 0 trabalho espontaneamente, que um padrao de imagens j4 encontrou seu caminho para dentro de nossas descticdes e didlogos. Quando nos tornamos Conscientes disso, criamos variagdes ¢ silenciosamente as bordamos na estéria. Se tum sistema de imagens no aparece sozinho, inventamos um. O piiblico nao se im- Porta com o método que usamos; ele apenas quer que a estéria funcione. TITULOS O titulo de um filme é a peca central do marketing que “posiciona” 0 ptiblico, Preparando-o para a experiéncia que vita a seguir. Roteiristas, portanto, nao podem se indultat com titulos literarios que nao dizem nada: TESTAMENT?, por exemplo, * Testament: do inglés, “testamento”, (N. do T) 379 é, na verdade, um filme sobre o holocausto pés-nuclear; LOOKS AND S. retrata vidas desoladas na pobreza. Meu niio titulo favorito € MOMENTO A MENTO. MOMENTO A MOMENTO € o titulo que eu sempre uso ant descobrit 0 titulo verdadeiro. Intitular quet dizet nomear, Um titulo efetivo aponta pata algo sdlido que realmente na estotia — personagem, ambiente, tema ou género. Os melhores ti frequentemente nomeiam dois, trés ou todos os elementos de uma sé vez. JAWS* dé nome a um personagem, ambienta a estétia na selvageria e 6 tema, homem contra a natureza, no género Agao/ Aventura. KRAMER VS. MER nomeia dois personagens, o tema do divétcio ¢ 0 Drama Doméstico. GUI NAS ESTRELAS intitula um conflito épico entre guerteitos galacticos. PEI — QUANDO DUAS MULHERES PECAM sugete um elenco de personagens cologicamente perturbadas ¢ um tema de identidades escondidas. A DOCE nos coloca em um ambiente decadente entre os ticos urbanos, O CAS DO MEU MELHOR AMIGO define personagens, ambiente ¢ Comédia Roi Um titulo, claro, nfo é a tinica consideragiio do marketing. Como o | Harry Cohn uma vez observou, “MOGAMBO € um titulo horrivel. MOG: estrelando Clark Gable e Ava Gardner, é um titulo bom pra c....” 5 Looks And Smiles: do inglés, “olhates e sorrisos” (N. do T) 4 Jaws: do inglés, “mandtbulas”. (N. do T) 380

Você também pode gostar