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Ensaio Final.

Disciplina: FSL0531- Prisão na Sociedade Moderna


Docente: Laurindo Dias Minhoto
Discente: Caio Filipe Ribeiro Freitas, noturno, NUSP: 9335876

O otimismo impossível.
Abertura- De 40 a 18.
“A tradição dos oprimidos nos ensina que o "estado de exceção" em que vivemos é na verdade a regra
geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade. Nesse momento,
perceberemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro estado de exceção; com isso, nossa posição ficará
mais forte na luta contra o fascismo. Este se beneficia da circunstância de que seus adversários o enfrentam em
nome do progresso, considerado como uma norma histórica. O assombro com o fato de que os episódios que
vivemos no séculos XX "ainda" sejam possíveis, não é um assombro filosófico. Ele não gera nenhum
conhecimento, a não ser o conhecimento de que a concepção de história da qual emana semelhante assombro é
insustentável. “ - Walter Bejamin, Teses sobre o conceito de história- fragmento 8, 1940.
Tradução de Sérgio Paulo Rouanet.

Introdução- O futuro é na realidade um retorno ao passado.


A revolução industrial trouxe grandes avanços econômicos para a sociedade, os países
ficaram mais ricos, os indicadores de bem-estar mudaram positivamente e em poucos séculos
o mundo tornou-se algo que nossos ancestrais mais distantes jamais poderiam imaginar. O
mundo muda cada vez mais rápido, a cada ano que se passa novos aparatos tecnológicos são
lançados e os modelos anteriores tornam-se quase que obsoletos.
Para onde a sociedade humana caminha é algo de difícil previsão. É fácil errar quando
as mudanças são tão rápidas, se imaginarmos o mundo 20 ou 30 anos atrás pareceria coisa de
ficção científica o que vivemos hoje, não chegamos colonizamos Marte, mas a tecnologia
tornou possível coisas inimagináveis, como por exemplo o avançado sistema de vigilância
chinês vigente nos dias atuais, onde os cidadãos são identificados pela biometria facial (aonde
quer que estejam o sistema de segurança sabe onde as pessoas estão e o que estão fazendo e
inclusive há um sistema de pontos que se assemelha a jogos de rpg, onde os cidadão podem
ser punidos ou recompensados de acordo com suas atitudes), ou mesmo os smartphones que
mantém as pessoas conectadas a internet todo o tempo, captando informações delas e
traçando suas preferências e hábitos, ou que as pessoas aceitariam abrir sua privacidade de
forma voluntária (redes sociais).
Todas essas evoluções tecnológicas trazem consigo mudanças na organização do
trabalho. Um dia, lá entre o śeculo XIX e XX, máquinas gigantescas assumiram os postos de
trabalho e tomaram o lugar de seres humanos, porém essas máquinas ainda eram operadas
por alguns seres humanos. Hoje já temos o caso de máquinas que operam máquinas: através
de um software com algoritmo bem desenvolvido os CLPs controlam a sinalização do
trânsito, robôs e computadores substituem os humanos nas linhas de produção.
Nos dias atuais temos visto pelo mundo afora essa expansão atingir postos de trabalho
não apenas nas áreas de produção, mas também nas áreas de serviços, como é o caso de
shopping centers em que o pagamento do estacionamento é feito para uma máquina, ou as
redes de fast food que disponibilizam máquinas onde se pode realizar os pedidos, portarias
tem sido automatizadas, a caixa do mercado e por aí vai… os computadores são até capazes
de tomar decisões complexas, ou de pilotar carros (recentemente nos EUA, a Uber vem
testando essa modalidade). E a promessa é de que no futuro até consciência e humor terão so
robôs.

I- A visão de uma realidade-ficção. Os ciborgues entre nós.


O capitalismo se reinventa visando diminuir custos para aumentar ou não perder
lucro. Não tenho uma estimativa de quanto as empresas têm ganhado com a automatização,
mas a intuição diz que obviamente os empresários não estão perdendo dinheiro. O lucro é
sempre egoísta, não leva-se em conta o impacto que o lucro pode ter no meio-ambiente como
um todo (pessoas, outros seres vivos e coisas) e muito menos na sociedade. Para onde vão as
pessoas que perdem seus empregos para máquinas?
Quando eu era mais jovem li “Admirável Mundo novo”, ao terminar o livro tive a
sensação de ter visto ali uma descrição precisa do que era o mundo em que vivia e do que ele
viria ser. Porém havia uma falha, Huxley não pensou na máquina trabalhando para a espécie
humana, ao invés disso ele pensou numa casta de humanos feita exclusivamente para o
trabalho, incapazes de raciocínio complexos, ou de sentimentos sofisticados, o que fazia um
extremo sentido para a época em que o livro havia sido escrito (nos anos 30), porém aqui no
século XXI isso perde o sentido como uma visão para o futuro (talvez diga bastante sobre a
situação presente), então criei a minha utopia (até porque eu era otimista demais para pensar
em distopias tal qual Huxley), numa tentativa de ter esperança de que algo melhor pudesse
acontecer: um dia o trabalho não seria mais necessário porque a máquinas iriam trabalhar
pelos seres humanos e com isso as desigualdades econômicas iriam desaparecer e poderíamos
enfim partilhar a todos do mesmo bem-estar, sem classes sociais ou divisões sociais tão
grandes, e a espécie humana poderia dedicar seu tempo mais para si do que à tentativa
desesperada de “sub-existir” num regime capitalista.
Hoje eu vejo que na verdade a automatização do trabalho é sinal de uma nova
distopia: os ciborgues chegaram e paulatinamente tem tomado todos os postos de trabalho
(ver o anexo no fim do ensaio), as pessoas que estão sendo demitidas são lançadas num limbo
de trabalho precário e desemprego, passando miséria, abandonados por um Estado cada mais
mais neoliberal (presente para punir, ausente para cuidar) que ao mesmo tempo diz que “só
depende de você”, mas te dá uma rasteira sempre que possível e te chicoteia vorazmente a
cada “erro”.
A minha hipótese é que daqui para frente quanto mais o trabalho for automatizado
mais pobres teremos, ou seja, a base da pirâmide tende a alargar-se e o topo a ficar mais fino.
Mas não só isso, o Estado neoconservador e neoliberal com suas políticas e políticas públicas
( Three strikes and you are out) tendem a manter as pessoas pobres onde estão, sem
perspectivas de mudar de vida ou de reinserção no caso de um eventual crime cometido. Ou
seja, um Estado de pouca mobilidade social, que encarcera, extermina e expulsa os
marginalizados.

II- Um Breve Parênteses. A responsabilidade de todos


A governabilidade entendida como a ação articulada entre empresários, sociedade
civil e Estado (LES GALÉS, 2015) pode lançar luz para compreendermos como a sociedade
tem lidado com os miseráveis e estigmatizados. É preciso ter em mente que não existe um
indivíduo ou um grupo tome todas as decisões sozinhos, todos que compõe a sociedade tem
um grau de participação, seja de forma mais ativa ou passiva (aceitação). A criação de
políticas públicas inevitavelmente tem participação dessas três esferas citadas no início do
parágrafo, no entanto grupos articulados acabam por se sobressair: as ideias são lançadas e
encontram apoiadores, evidentemente que um nicho tenha mais aliados ou poder de
convencimento do que um outro, como é o caso da mídia de massas, que tem o poder de
causar uma enorme sensação de insegurança nas pessoas (programas policiais, notícias de
crimes) fazendo com que a exceção pareça a regra, vai ter uma maior influência, mas não está
sozinha, pois afinal de contas a mídia de massa sozinha não poderia nada, mas ela associada
com outros nichos conseguem fazer absurdos parecerem bons para toda a população, como
por exemplo a ação violenta da polícia. A mídia de massa serve como mecanismo de
aceitação de como, por exemplo, o Estado lida com os pobres, ou na criação de desejos (e
nesse ponto influenciar na produção de subjetividades). Em suma a mídia cria terreno fértil
para aceitação dos valores que esteja de acordo com os desejos dela e reforça estereótipos ou
os cria, por exemplo a relação entre negritude - pobreza - crime - punição/impunidade.

III-Retomando, o destino dos mais vulneráveis: expulsão e extermínio


E qual a solução que a sociedade vem encontrando para lidar majoritariamente com as
pessoas em estado de vulnerabilidade social que já existem e às que tendem e virão a existir
com o aumento da automatização e precarização do trabalho? Eu vejo duas estratégias
vigentes operando uma em complementação da outra: i)expulsão (SASSEN, 2014) e
ii)extermínio (exemplo mais evidente desse mecanismo pode ser vista no documentário 13ª
Emenda). O Estado não está sozinho aqui, a gente privados querem ter segurança para
expandir e ter garantias do seu lucro, a população deseja que essas empresas tenham sucesso,
pois assim podem conseguir um bom emprego. As estatísticas estão à vista, o cotidiano tem
nos dado exemplos contundentes das maldades feitas contra os oprimidos, nas entrelinhas e
descaradamente também, e no entanto, as pessoas conseguem não só conviver numa boa com
isso, mas dizer que está certo e que deveria ser até pior.
Tem sido prática comum em diversas cidades do mundo a criação de espaços voltados
para a população mais pobre (geralmente as penitenciárias, favelas, moradia popular e
cortiços) para que eles não invadam o espaço dos mais ricos. Essa metodologia pode assumir
diversas formas, algumas mais sutis, outras mais estapafúrdias (como as remoções que de
tempos em tempos acontecem na “cracolândia”).
Para além de uma idéia de camarotização da sociedade ou de gentrificação, um
primeiro modo de expulsar os pobres de um região é tornar inviável a sua chegada até lá, por
exemplo um shopping localizado numa região em que é praticamente inacessível por
transporte público, só é possível chegar lá com carro, para estacionar é caro e do lado de fora
do shopping sempre há guardas de trânsito que atentos para multar as pessoas que estacionam
em local proibido, que no caso é o quarteirão inteiro donde situa-se o shopping. Isso não se
limita só a shoppings, mas a bairros inteiros que se isolam do resto da cidade, que são hostis a
pessoas que não morem lá (ou tem dispositivos de segurança, como o vizinhança solidária,
que espanta as pessoas por constrangimento, pois de repente pode soar um alarme avisando
que há um “estranho no ninho”).
Outras vezes essas expulsões são mais violentas, sem tocar no óbvio da violência
policial, não espanta ninguém se o Shopping JK Iguatemi tiver uma nova denúncia de
racismo, também não é nenhuma novidade de que se você entrar “mal vestido” para os
padrões de um dado lugar você será constrangido ou com os olhares ou com o segurança que
insiste descaradamente te vigiar. Tais práticas induzem as pessoas a desistirem de frequentar
tais ambientes e que procurem pelo “seu lugar”.
É também possível criar leis, legitimadas por supostamente garantirem a segurança e
a ordem, que atingem diretamente as populações mais pobres, como é o caso da guerra às
drogas ou das punições por sanção (BECKETT and HEBERT, 2008) que permitem prender
pessoas que tenham sido pegas dormindo em parques mais de uma vez, ou que não podem
circular em uma área específica da cidade ou até mesmo serem retiradas a força de um
Starbucks porque o dono quer (transpass).
Os EUA são na verdade um bom exemplo para se pensar como a segurança
nacional serve para justificar ataques contra os direitos humanos e fazem dos EUA não o país
mais democrático ou livre (eles adoram fazer autopropaganda dizendo isso), mas em
realidade uma república fascista. Po de ser forte dizer isso, “república fascista”, mas há uma
outra interpretação possível para explicar pessoas detidas por tempo indeterminado
(BUTLER, 2004), ou sendo presas por serem muçulmanas (caso dos Khan relatado em
HACOURT, 2018) , ou de negros sendo assassinados por policiais e por cidadãos que têm
seu ato protegido por leis, como é mostrado no documentário da diretora Ava DuVernay “13ª
emenda”(disponível no Netflix)? E aqui já não é mais um caso de expulsão, mas
escancaradamente de extermínio e tendo como subgrupo o encarceramento (que pertence
tanto a expulsão quanto ao extermínio).
As estratégia de extermínio são amplas e às vezes se misturam com a expulsão, pois,
por exemplo, reduzir o acesso a saúde é uma tática de expulsão e de extermínio, colocar 100
pessoas em uma sala projetada para 20 é uma tática de expulsão e extermínio, até porque (não
trago números exatos) a maioria dos presos está na prisão por tráfico ou por algum crime
contra a propriedade, a maioria deles é pobre e com baixa escolaridade. È mais fácil encontrar
táticas para enjaular e exterminar os mais pobres do que construir políticas públicas para
cuidar deles, afinal o Estado que lida com números e resultados acaba por esquecer de que
cuida das pessoas, e num economicismo exacerbado pensa que cada miserável a menos é
também um custo a menos.
Não importa se a polícia brasileira é a que mais mata e morre no mundo
(​Levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2015) ​, ou se que a maioria dos
inquéritos abertos contra PMs sejam arquivados mesmo com evidências fortes de ilegalidade,
o movimento de mudança é lento e na verdade evidencia que não só o governo, mas boa parte
da sociedade civil está de acordo com essas ações. Não tenho dados para afirmar
categoricamente, mas é um diagnóstico que faço a partir da conexão entre uma situação
absurda e a aceitação dela. O que parece é que enquanto as mortes acontecerem no Irajá (
onde atua o 41º batalhão da PM do RJ) e não em Copacabana o estado de normalidade está
mantido. No fundo parece ser essa a intenção, porque quem vai morar no Irajá são aqueles
que estão excluídos do ciclo de produção, que perderam o posto de trabalho para um
ciborgue, para uma máquina inteligente e extremamente sofisticada que não exige direitos e
está pronta para ser sugada pelo patrão.
O que as pessoas precisam para se sentirem bem é inventar uma justificativa
plausível e ela se encontra no fetichismo da segurança (NEOCLEOUS, 2007) e da lei da
ordem, porque no limite a ação policial é para a segurança das pessoas que já se encontram
confinadas em seus carros e condomínios, protegidas de todo contato social que poderia lhes
gerar um pouco de empatia (inclusive os lugares inacessíveis para os pobres são oportunos
para este tópico).

IV- Conclusão- Nem apocalipse, nem paraíso: o futuro pertence a indiferença.


O quadro dos tempos atuais é que o capitalismo precisa de pobres, ele precisa que
tenha alguém desesperado por um emprego qualquer, ele precisa de uma taxa desemprego
mínima, e ao mesmo tempo ele extermina os pobres que são desnecessários e isso no limite
até melhora a imagem do país capitalista. Seria preciso uma análise de dados cuidadosa, mas
se os pobres morrem eles deixam de ser parte dessas estatísticas de classificação dos países.
A redução de taxa de pobreza e pobreza extrema no mundo deve ser analisada juntamente
com as taxas de mortalidade da população, então poderíamos de fato ver se o número de
pobres diminuiu porque os pobres são os que mais morrem (ou são deixados para morrer). E
também fiquemos atentos a outras estratégias desumanas de redução da pobreza, como o
controle de natalidade, a castração feita pelo SUS (hoje a lei obriga que os pacientes tenho
pelo menos 2 filhos).
Desse modo eu imagino que no futuro talvez não tenhamos pobreza na mesma
proporção e número de hoje, pois as políticas majoritárias de combata a pobreza são na
verdade de extermínio dos pobres, mascarado por jargões neoliberais do tipo “não dar a vara,
mas ensinar a pescar”. A tendência é que as pessoas diminuam o contato com o diferente e
com isso crie uma indiferença em relação ao bem estar do outro, ou torne o outro um monstro
a ser combatido. Ao invés de políticas que busquem uma equidade, o mainstream tem sido as
políticas da diferença, como as de meritocracia. Enquanto egoísmo e a ganância forem os
componentes centrais do espírito capitalista, as máquinas não trabalharam para a raça
humana, mas para os capitalistas.

Anexos.

Máquina de autoatendimento no Burger King, esquina da brigadeiro com a paulista.

Bibliografia:

Buttler, J. Indefinite Detention in. Precarius Life The Powers of Mourning and Violence,
2005
Le Galés, P. (2015). Quem governa quando o Estado não governa? Entrevista a Carolina
Requena e Telma Hoyer. Novos Estudos Cebrap, 102.

Hacourt, B. The Counterrevolution How Our Government Went to War Against Its Own
Citizens, 2018.

Huxley, A. Admirável Mundo Novo. Tradução. Vidal Serrano, Editora Globo, 2014.

Neocleous, Mark (2007) 'Security, Commodity, Fetishism', Critique, 35:3, 339 - 355.

Walter Benjamin - Obras escolhidas. Vol. 1. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre
literatura e história da cultura. Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense,
1987, p. 222-232.

Sassen, S. Shrinking Economies, Growing Expulsions in. EXPULSIONS Brutality and


Complexity in the Global Economy. 2014

Sites:
https://www.newyorker.com/magazine/2015/09/21/the-imams-curse​ (sobre o caso do Kahn),
ultimo acesso em 16/06/18

Filmes:

A Décima Terceira Emenda. Dirigido por Ava DuVernay. Ano 2016. Disponível no Netflix.

PS: Por se tratar de um trabalho que não vai ter divulgação e por falta de tempo, não pude
realizar uma verificação bibliográfica mais acurada, porém devo informar que muito
provavelmente trabalhei com ideias de outros autores que não foram citados, mas que
foram trabalhados ao longos deste curso e de outros cursos também. Por exemplo a
governabilidade pensada por Foucault não é exatamente a governabilidade a que me refiro,
mas seria importante ter feito o paralelo.

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