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Direttos exclusives da Difusio Buropéia do Livro ‘Rua Bento Freitas, 362 ¢ Rua Margués de Itu, 79 ‘So Paulo UMA POKTICA DA RADICALIDADE Hanoro pe Campos Se quisermos caracterizar de um modo significa- tivo a poesia de Oswald de Andrade no panorama de nosso Modernismo, diremos que esta poesia responde a uma poética da radicalidade. & uma poesia radical. Que quer dizer "ser radical”? Num texto famoso, Marx escreveu: “Ser radical é tomar as coisas pela raiz. Ea raiz, para 0 homem, io home”. Como entender, nesse senti- do, a radicalidade da poesia oswaldiana? Novamente Marx rnos fornece um ponto de partida: “A linguagem é tio velha como a consciéncia, — a linguagem é a consciéncia real, pré- tica, que existe tam>ém para outros homens, que existe entio igualmente para mim mesmo pela primeira vez, e, assim como 2 conscidnela, a linguagem nio aparece senao com o impe- rativo, a necessidade do coméreio com outros homens. Onde quer que exista uma relagio, ela existe para mim, O animal ndo estdé em relagao com nada, nio conhece, afinal de contas, nenhuma relacio. Para o animal, suas relagées com os outros no existem como relagées. A consciéneia 6, portanto, desde ogo um produto social ¢ assim permanece enquanto existam Tpsnerd/onafexall A rabealicersdapoeal iceweidicoates afere, portanto, no campo especifico- da linguagem, na-medi- da em que esta poesia afeta, na raiz, aquela conseiéncia-pré- ‘Ser radicat ©) 08 toxtos ellados encontram-se em Sur ta littérature et art, Raitions Sociales, Paris, 1954, pp. 188 © 142. © segundo excerto €-de Marx e Engels. tica, real, que & a linguagem. Sendo a linguagem, como a cconseiéncia, um produto social, um produto do homem como ser em relagio, & bom que situemos a emprésa_ oswaldiana no quadro do sea tempo. Qual a linguagem literdria vigente quando se aprontou e desfechou a revolucio poética oswal- diana? O -Brasil. intelectual das primeiras déeadas deste séeulo, em t8mo A Semana de 22, era ainda um Brasil trabalha- do pelos “mitos do bem dizer” (Mério da Silva Brito), no qual imperava 0 “patriotismo ornamental” (AntOnio Cindi- do), da retérica tribunicia, contraparte de um regime oligét quico-patriarcal, que persiste Repiiblica a dentro. Rui Barbo- sa, "a 4guia de Haia”; Coelho Neto, “o tiltimo heleno”; Ola- Wo Bilac, "o prineipe dos poetas”, eram os deuses incontestes de um Olimpo oficial, no qual 0 Pégaso parnasiano arras- tava seu pesado caparizao metrifcante ¢ a fiqueza vocabular (entendida num sentido meramente cumulativo) era uma ¢s- pécie de termémetro da consciéncia “ilustrada”. Evidente- mente que a Kinguagem literdria funcionava, nesse contexto, como um jargio de casta, um diploma de nobiliarquia inte- Jectual; entre a linguagem escrita com pruridos de escorrei- ‘gio pelos convivas do festim literario ea linguagem desletxa- damente falada pelo povo (mormente em Sio Paulo, para ‘onde acudiam as correntes migratérias com as suas deforma- {goes orais peculiares), rasgava-se um abismo.aparentemente intranspontvel. A poesia “pau brasil” de Oswald de Andra- de representou, como é facil de imaginar, uma guinada de 180° nesse status quo, onde — a expresso & do préprio Os- wald = “os valéres estivels da mais atrasada Meratura do mundo impediam qualquer renovagio”. Repds tudo em ques- to em inatera, de poesia sendo radical na Hguagem, fot encontrar, na ponta de sua perfuratriz, dos estratos sedimenta- dos da convencio, a inquietagao do homem brasileiro, nbvo, {que se forjava falando uma lingua sacudida pela “contribuicio miliondria de todos os erros” num pais que iniciava — preci- samente em Sio Paulo — um processo de industrializagio que The acarretaria fundas repercussoes estruturais. "Se procurar- mos a explicagio do porque o fendmeno modemista se pro- ceessou em Sao Paulo e nao em qualquer outra parte do Brasil veremos que éle foi uma conseqiiéncia da nossa mentalidade 8 \dustrial. So Paulo era de hi muito batido por todos os entos da cultura. Nao s6 a economia cafecira promovia 03 recursos, mas a indéstria com a sua ansiedade do n6vo, a sua estimulagio do progresso, fazia com que a competi¢io inva disse todos os campos de atividade”. 0 retrospecto de Os- wald, em 19543, A Guerra Mundial de 1914-18 dera gran- de impulso & indiistria brasileira. | "Nio somente a importagéo dos paises belige- rantes, que eram nossos habituais fornecedores de mamufatu- ras, declina e mesmo se interrompe em muitos casos, mas a forte queda do cimbio reduz também considerivelmente a concorréncia estrangeira”*. Comegou a despontar uma "eco- nomia propriamente nacional” (como munca existira antes no Brasil), “condicionata sobretudo pela constituigao. © amy 10 de um mereado interno, isto 6, 0 desenvolvimento do fator consumo, priticamente imponderdvel no conjunto do sistema anterior, €m que prevalece 0 elemento producaio”. A abolicio dos eseravos, a imigracio maciga de trabalhadores europeus, © progresso teenolégico dos transportes e comunicagées, con- tam-se, ainda, entre as causas determinantes dessa nova eco- nomia em germinacio*, Evidentemente que éstes. processos haveriam de reperettir, sob a forma de conflito, na linguagem dessa sociedade em transformacio, e se entenda aqui lingua gem no seu duplo aspecto: de meio técnico, ao nivel da infra- -estrutura_produtiva, sujeito aos progressos da técnica; ¢ — na obra de arte dada — de manifestagio da superestratura ideolégica. Se é verdade, como se extrai de uma recente and- lise sécio-econdmica do problema, que “os estratos mais altos da populagio urbana estavam formados, na sua grande maio- © conflito estruturat © linguagem @ “0 Modernisino, depoimento publicado na revista Anhembi, ano V, n. 49, vol. XVII, dez. 1954, Sao Paulo, pp. 81-32 ©) Caso Pravo poesias. Prefiro antes apresenta-las como anotagbes lirieas de momentos da vida e movimentos subeonseientes aonde val com gOsto ‘o meu sentimento possivelmente paucbrasil e romdntico. Hoje estou Conveneido que a Poesia nfo pode fiear nisso, Tem de ir além", De que data seria a compasigao dos poemas constantes de Pau Brasil? De 1922 em diante? Do biénio 1923/1927 0 preficio de Paulo Prado é de maio de 1924, de 18 de margo do mesmo ano a primel= ta publicagdo do "Manifesto da Poesia Pau Brasil”, no Correio da tania, Tio de Janeiro, Temos em mics, por exemplo, © caderno de exereicias que constitul 0 original do Primetro Caderno do Al- fro de Doetia O. A. “ivre que se seahots de imprimir em 26 de abeil de igor; na capa do eaderno original, hé as seguintes datas expres- fas; "eomegndo om 1925, acabado om 1926", Intervalo andlogo po- detia ter perfeitamente ‘ocarrido, mutatis mutandis, ontre 0 Inicio 4a claboragio © a final publicagdo (em 1925) do Pax Brasil, cujos poemas, ji sallentamos, tém um nexo estilistico Sbvlo com a prosa fstenogrimica do Miramar. Km carta de 1928 2 Aleeu Amoroso ‘Lima (71 Cartas de Mério de Andrade, Livraria Sto José, Rio de Ja- neito, ‘pp. 29-90), Mario di seu depoimento: "...a. respeito de Imanifestos do Osvaldo eu tenho uma infelicidade’ tda particular tom éles, Saem sempre num momento em que fico malgré mot in- corporada néles, Di primeira felta quando 0 Osvaldo andava na Buropa e eu finha resolvide forear a nota do brasilerismo meu, no 13 ‘Assim como Pauilo Prado, Joio Ribeiro perccbeu ‘com acuidade o sentido pioneiro ¢ radical da poética oswaldiana. Seu promunciamento, muito referido depois: — "O Sr. Oswald de Andrade com 9 — Pau Brasil — marcou definitivamente uma época na poesia nacio- nal”, — est formulado num artigo de 1927, dedlicado 4 se- gunda colettinea do poeta". Nesse trabalho, jé escrito com dois anos de perspectiva em relacio ao langamento dos poe- mas de estréia de Oswald, Joo Ribeiro pide avaliar com exa- tidio 0 que féra 0 impacto désse Iangamento: "Ble atacou, Uma estética redutora 86 pra apalpar o problema mais de perto como pra chamar a aten- fo sdbre tle (ae lembre que na Pouttedia eu J4 afirmava falar bra- Sileiro porém ninguém nio pOs reparo nisso) @ Osvaldo me escrevia do 1a “venha pra ed saber 0 que é arte", “aqui € que esti o que Aovemos seguir” ete, Bu, devido minha resolugao, secundava daqui: ‘is5.0 Brasil € que me interessa agora”, "Meti a ‘cara na mata vit~ gem” ete. © Osvaldo vem da Europa, se paubrasiliza, e eu publicando ‘6 entio 0 meu Losango Cagui porque antes os cobres faltavam, virel fpaubrasil pra todos o8 efeltas, “Tanto assim que com eerta smargura froniea, botel aquéle "possivelmente pou brasil” que vem no pre- facinho do livro, Qué que havia de fazer?”. Interessante notar, por ‘0b 0 tom Telvindieativo desta carla, que Marlo parecia considera impossivel o que, para 0 ido Paulo Prado, ‘era simplesmente naturals, “Oswald de Andrade, numa viagem a Paris, do alto de tum atelier da Place Clichy —umbigo do mundo — descobriu des- Humbrado a sua prépria terra. A. volta a pétria confirmou, no fencantamento das. descobertas” manuelinas, a revelagso surpreen- dente de que o Brasil existia. fsse foto, de que alguns jé descon- favam, abriy seus olhos A visio radiosa de um mundo ndvo, inex- plorado e misterioso, Bstava eriada a poesia pau brasil".” " Miirio Fixava-se talvez na’ idéia autojustifieatlva de que esta deseoberta 36 poderia acorror, com autenticidade, numa viagem 4 roda do pré- prio. quarto, convenientemente aprovisionada de livres da. itima Yornada da vanguarda estrangeira.... (basta conferit, nesse sentido, © eclétieg © mesmo tumultudrio clenco bibliogratico de A Escrava). B se recorde agora o easo do erramundo Joyce, que nfo soube ter outro cenavio, sendo Trianda natal, para ct seus eseritos de exilado Voluntirio, "Mas os bastidores eronologicos importam aqui apenas Iateralmente, “O gue conta, abjetivamente, do ponto de vista da and- lise estétiea, € que 0 Paw Brasil fol mais longe na sua postura anti- Giseursiva, de conseqtiénelas paradigmais na evolugéo da poesia bra- Sileia, do que a poesia marioandradina anterior ou posterior a éle, (9) Joko Rimemo, Obras (“Critica — Os Modernos"), edlglo a Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, 1952, pp. 90-96. u com absolute energia, as linhas, os arabescos, os planos, a perspectiva, as cdres ¢ a luz, Teve a intuigio infantil de es~ cangalhar os brinquedos, para ver como eram por dentro. E viu que nio cram coisa alguma, E comegou a idear, sem 0 auxilio das musas, uma arte nova, inconsciente, capaz. da mae xima trivialidade por oposigio ao estilo erguido e a altiloqtién- cia dos mestres. Geometrizon a realidade dando ésse aspecto primevo, assirio ou egipeio da escultura negra, fabrico mani- pansos terrificos, e opds A Ainfora grega a beleza rombéide das igagabas. (...) Assim nasceu uma poesia nacional que, levantando as tarifas de importagio, criow uma indistria bra- sileira, (...) Para mim éle foi o melhor eritico da énfase na- cional; 6 que reduziu_ a complicagio do vestuétio retérico & felha de parreira simples e primitiva e jf de si mesma dema- siada ¢ inedmoda. Chegou & concep¢ao decimal e infantil, que se deve ter do homem: um 8 sobre duas pernas, total dez”. Num outro artigo, de 1928", Joio Ribeiro volta a falar da poesia “pau brasil”, ¢ acrescenta entio: “Ble (Oswald) sen- tia-se, como todos nds, saturado das imitagdes correntes, e pro- eden um pouco & maneira de Descartes, eliminando sucessi- vamente tJdas as idéias recebidas, até chegar ao Brasil ainda meio préhist6rico, revelado pelos conquistadores. A poesia Rane ch Gio Teo, wt seid GSS mxigingl wt & preciso no esquecer O° influxo simultineo do seu colega Mirio de Andrade, o esteta” chave de our POis Miro de Andrade, 0 esteta, nfo avalion eee a ren bem a importincia da’ estética redutora de Oswald. Ja vimos as ressalvas com que edi tou, em 1926, o seu Losango Caqui, onde se descobria um pou- co "pau brasil”. Em carta de 4-10.27 a Manuel Bandeira™, Mério df conta de suas restrigGes & poesia oswaldiana, que deveriam aparecer em artigo destinado ao n. 4 (que afinal no sain) da revista Estética, Pelos argumentos resumidos nessa carta, conchii-se que 0 equivoco de Mario estava em (2) Ob, cit, artigo referente a A Estréla de Absinto, 1 MAuo pe Avonave, Cartes a Manuel Bandeira, Organizagio Simées Baitdra, Rio de Janeiro, 1958, p. 17. Is querer analisar as realizagées de Oswald a partir de esquemas amasianos que Thes ficam nos antipodas. Esereve 0 autor ia Paulicéia:“... 0 Osvaldo sem pensar nisso usa em geral nna poesia déle 9 pior de todos os processos parnasianos: 0 verso de oiro. Pau Brasil esti cheio de poemas escritos iinica- mente por causa do verso de oiro, que no caso, em vez. de ser lindo a parnasiana, é cémico, é ridiculo ete. & Osvaldo”. A cléusula final jé encerra uma contradi¢io, pois, a admitirem-se (65 térmos da. proposigiio marioandradina, tratar-se-ia, entio, mais corretamente, de um verso de ouro para acabar com 0 verso de ouro, de um desmascaramento sistemitico da rotina pamasiana pela exposicio do seu avésso ("S6 mio se inventou ‘uma méquina de fazer versos ~ jé havia 0 poeta parnasiano”, lé-se no "Manifesto da Poesia Pau Brasil”). Mas 0 desenfoca- mento tem razdes mais profundas. Ha uma observacao meto- dolégicn de Henri Lefebvre que nos parece esclarecedora: “Uma teoria nova nio é jamais compreendida se se continua a julgicla através de teorias antigas e de interpretagdes funda- das (a revelia daquele que reflete) sdbre esas teorias an- tigas” "A critica de Mario esbarrava nesse preconceito de visada; Mirio sempre se preocupou a sério com a estética par- nasiana (vejam-se os seus estudos "Mestres do Passado” © 0 que nes ht de impli reveréncia) © mals de wma vex, em iferentes pocas, quis mostrar que sabia fazer sonetos em clave furea ao gésto dessa estética (considere-se, por exem- plo, 0 sonéto “Artista”, incluido quase como aval curricular no “Prefécio Interessantissimo” A Paulicéta, ou 0 “Quarenta Anos”, de A Costela do Grao Cao). Oswald munca pode suhordinar sen espirito a elnones métricos e aos paramentos seminticos que Ihes sio correlatos. Kis por que Mirio — 1s Le Maraieme, Presses Universitaires de France, Paris, 1958, . 28, nota 1; trad, port, Difel, 1963 “Bu nunea ful eapax de contar silabos. A métriea era coisa ‘a que minha inteligéncia nio se adaplava, uma subordinagio a que eu me recusava. terminantemente” (depoimento a Mario da Silva Brito, ob. eit, p, 20). Coisa semelhante dizia Maiacévski: *Falando francamente:" no sei o que sia nem ismbos nem troqucus, jamais 08 distingui e jamais o8 distinguirei, Nao porque isto seja uma coisa dificil, mas sim porque em meu trabalho poctico nunca tive neces- 16 sem ter jamais dessegado inteiramente de sua poesia aquéle ‘mal da elogiiéncia ée que o pamnasianismo apenas constituia mo- digitais parnasianas }, naquela poesia que representava 0 mais duro golpe até entao sofrido pela pom- pa retérica de nos linguagem letrada © seu cerimonial al ante, — a poesia-minuto de Oswald. Ler a sintética poesia “pau brasil” & eata de versos de ouro ou pretender que 0$ poe- mas daquela coletinea inaugural tivessem sido eseritos em témno désse efeito, era um esfOrco de desentendimento: 0 mesmo que aferir os shots, as tomadas de uma edimera cine- ‘matogrifica — 0 camera eye das sinteses oswaldianas: © capoeira — Qué apanhé sordado? — 0 qué? — Qué apanhé? Pernas ¢ cabecas na calgada — pelos trimites da burocracia do sonéto, Nese nivelamento de tudo pela rasoura subjetiva, as diferencas se abolem ¢ té- das as interpretagies ficam licitas, pois desprezam o suporte material e se fiam no vago vislumbrar de improvadas (¢ im- proviveis) intengées ocultas, Foi o érro de Mario, um érro tipico de seu “psicologismo” *. Mério queria 0 incfivel, 0 “mistério”. E censurava, de fundo, na poesia oswaldiana, a auséncia désse “mistério”, 0 emprégo irdnico do, sentimental ™. Numa carta de 21-1-28 a Ascinio Lopes, Oswald e Mallarmé sio aproximados por Mario numa mesma frase de reprovagio: Sidade de ocupar-me dessas trucogens. (...) Quanto at regras mé- trleas, ew nfo cones. nenhuma delas. (...) # dever do poeta, pre- cisamente, desenvolver em si mesmo 0 sentido do ritmo, e no de orar métrleas alhelas” (Como se fazem versos, estudo publicado fem. 1927) (09) Sdbre “O Psicologismo na Poétien de Mirio de Andrade", vor o excelente trabalho de Rossaro Scuwatz em A Sercia ¢ 0 Des- confiado, Eaitéra Clvilizagio Brasiletra, Rio de Janeiro, 1965. (00) Conf, carta de 2649-28 @ Bandeira, ob. cit, pp. 210-211 qr como dados a “invengées desumanas que por desumanas mio podem ir pra diante” #, ana Mas a eritica marioandradina ao Pau Brasil irismo objetivo e ‘Tailitstesiene © 08 permitird apanhar um aspecto impor- tante desta poesia radical. & quando Mirio, na carta-resumo de seu artigo para Estética, comoga xr negar “lirismo objetivo” no “documento & Osvaldo”. jomos nés” — acrescenta — “que devido aos nossos precon- ceitos, aos nossos costumes ete. botamos no documento & Os- valdo aquela dose de ridiculo, de contraste, de inopinado ete. aque prods a fea lirien do documento orwaldiano”: Miro simplesmente registrou aqui (sem The conferir o verdadeiro nificado) 0 cfeito de antiilusionismo, de apélo ao nivel de com- preensfio critica do leitor, que esta implicito no procedimento Diisico da sintaxe oswaldiana — a téenica de montagem —, éste recurso que Oswald hauriu nos seus contatos com as artes plas- ticas eo cinema, Mas, justamente por se tratar de um proce- dimento antiilusério, de uma téenica de objetivacdo, é que a poesin assim restante é objetiva. Ao invés de embatar 0 eitor na cadeia de solucdes previstas e de inebrif-lo nos esteredtipos de uma sensibilidade de reagdes j4 codificadas, esta poesia, em tomadas e cortes répidos, quebra a morosa expectativa désse itor, forca-o a participar do processo criativo, Nao se trata tampouco de um mergulho exclamativo no irracional, do con- juro oracular do “mistério” (éte sim subjetivo, catirtico), ‘mas de uma poesia de postura critica, de tomada de cons- ciéneia e de objetivacio da conscitn e na linguagem. Dai por que, sob critérios mais tradieionais, ela pudesse pa- cer “nio linda”, no reverente para com o “sentimental”, lesumana”. fo efeito que se encontra também nos poemas Iacbnicos da fase madura de Bertolt Brecht, a fase que come- ‘ga em 1939 com os poemas escritos no exilio (em basic German, segundo 0 préprio Brecht): Hollywood ‘Téda manhé, para ganhar meu pao ) T1 Carlas de Mério de Andrade, cit, p. 63 Vou ao mercado, onde se compram mentiras. Cheio de esperanca Alinho-me entre os vendedores Walter Jens observa que, em composigées dessa natureza, 0 poeta “trabalha preferentemente com redugées, com rarefa- ‘goes ¢ abreviaturas estilisticas, de uma tal audécia que 0 con- texto omitido compensa a dimensio escrita do texto”; seu mé- todo consistiria em “enfileirar frases justapostas, entre as qu © leitor, para compreender 0 texto, deve inserir articulagSes”. E Anatol Rosenfeld, deserevendo essa poesia A luz do Ver fremdungseffekt (“eteito de alienagio" ), earacteristico do tea~ tro brechtiano, diz: "O choque alienador 6 suscitado pela omissio sarcéstica de téda uma série de clos légicos, fato que leva & confrontagio de situagées aparentemente desconexas ¢ mesmo absurdas. Ao leitor assim provocado cabe a tarefa de restabelecer 0 nex”, Pois 05 poemas-comprimidos de Os- wald, na década de 20, dio um exemplo extremamente vivo e cficaz dessa poesia e'iptica de visada critica, euja sintaxe nas- ce nao do ordenamento Tigico do diseurso, mas da montagem de pecas que parecem sOltas. Pense-se em poemas como “Nova Iguacu” ou “Biblioteca Nacional”, meras enumeragées de no- mes de lojes,do interior ou de titulos de livros numa estante cascira, a engendrar, por sobreposigio, penetrantes ideogramas lirico-satiricos da realidade nacional e das condigées alienadas em que ela se manifesta. A continua transliteragio do cliché idiomitico, através de uma operagio de estranhamento, por forca da qual “os lugares comuns_ se transformam em lugares incomuns”", participa também déste process (assim “Agen- te", “Miisica de Manivela”, “Ideal Bandeirante”, “O Gind~ io", “Reclame”, “Aproximagéo da Capital”, “Antincio de Sio (G5 Brmozn Bisenr, Ueber Lyrik, Suhrkamp Verlag, Frank- tort, 1964, pp. 1-115, —- Watt Jeas, posticto aos Ausgewaehtie Gedichte '(Poemas Escothidos) de Brecht, idem, 3960, — AnaroL Rosexrera, posticio A edigio brasileira dal Cruzada de Criancas de Brecht, Ealtdra Bresiliense, S. Paulo, 1982 9) Expresso de Dicio Pronaras em “Marco Zero de An- rade”, Suplemento Literitio de O Estado de Sdo Paulo, 24-10-1908. 19 Paulo”, entre outros; no que toca 4 “reificagio” das relagies amorosas, emparethadas com um “excelente jantar” ou con- vertidas num “deve/haver” mercantil, mas. sempre embalsa- madas do viscoso sentimentalismo pequeno-burgues, eufemis- tico ¢ tutelar, basta que se leia o admirivel “Secretirio dos Amantes”, com seu epistolério de receita, ou entio o poema- -bilhete “Passionéria”). ‘A primeira frase do “Manifesto da Poesia Pau Brasil” é “A poesia existe nos fatos". Frase que se desdobra em outras como: “A, Poesia ppara os poetas, Alegria dos que nao sabem e descobrem” (...) “Nenhuma férmula para a contemporinea expressio do mun- do. Ver com olhos livres” (...) "O contrapéso da origina- lidade nativa para inutilizar a adesio académica” (...) “Pride ticos. Experimentais. Poetas” (...) “Leitores de jornais”. E esta definigéo: “A poesia Pau Brasil é uma sala de jantar domingueira, com passarinhos cantando na mata resumida das gaiolas, um. sujeito magro compondo uma valsa para flauta © a Maricota Iendo o jomal. No joral anda todo o presente”. © que af esta & um programa de dessacralizacao_da_poesia, Seaver ao" dexpopimelte aa “aura” de-obfelo tnico Gua a cundava a concepe%o podtien tradicional. Essa “aura”, que nimbava a aparigio radiante da poesia como um produto para a contemplagio, foi posta em xeque, mostra-nos Walter Ben- jamin, com o desenvolvimento dos meios de reprodugio pré- pprios da civilizagio industrial (téenicas de impressio, fotogra- e sobretudo o cinema). Para Benjamin, as manifestacoes Dada (que explodiram em Zurique, em 1916, no “Cabaret Vol- taire”), visavam no fundo “a produzir, com os meios da pin- tura (ou da literatura) aquéles mesmos efeitos que 0 ptiblico agora reelama do cinema”. E prossegue: "Um de seus recursos mais usuais para atingir ésse fim foi o aviltamento sistemd- tico da matéria mesma de suas obras. Seus poemas sio saladas de palavras, contém obscenidades e todos os detritos. verbais imaginaveis, Assim também seus quadros, nos quais coloca- A “aura” do objeto G%) “LOcuvre d'Art au ‘Temps de ses Techniques de Repro- @uetion’, em Oeuvres Choisies, tradugéo francesa, Julliard, Pa- is, 1959! vam botdes ou tickets, Dessn mancira,conseguiram privar ra: dicalmente de téda aura as produgoes As quais infligiam o tstigma da reprodvgio". Diante de um poema Dadi nio se tem, como diante de um poema de Rilke, “o lazer para 0 reco- Ihimento e para a formagio do julgamento”, essa “retirada para dentro de si mesmo”, convertida por uma "burguesia degene- rada” em “escola de comportamento a-social”. Dadé se torna tum “exercicio de comportamento social”, através de uma vio- lenta mudanga de atitude: a obra de arte vir objeto de es- cindalo. "De espeticulo atraente pata o dlho ou de sonorida- de sedutora para o ouvido, a obra de arte, com 0 dadaismo, se fez choque. Feri o espectador © 0 ouvinte. Adquiriu um poder traumatizante”, Assim, conclui 0 ensaista alemio, fa- Voreceu-se 0 gosto pelo cinema, que, a0 invés de convidar & contemplagio proveca um efeito de choque na assisténcia pelas continuas mudangas de lugares e cenas, pela ripida sucessio de imagens que interdita 9 abandono A interioridade © exige tum maior © mais continuado esfdrco de atengio. Ao mesmo tempo, sustenta Benjamin que a imagem do real fornecida pelo cinema era muito mais significativa para 0 homem contem- poriineo do que aqucla dada pelo teatro ou pela pintura (en- tendidos ambos, devemos ressalvar, em seus térmos tradicio- nais). Em lugar do hic et nune da obra de arte, daquilo que se chamava de “cutenticidade”, 0 cinema abandonava tida dia de “ilusio da realidade": ‘sua imagem do real era pro- Guzida em “segundo grau”, em “modo operatério”, através da montagem de um grande mimero de imagens parciais, sujeitas a leis proprias. Em lugar de propor-se uma “ilusio da rea- lidade” ou de guardar diante do real uma distincia de con- templacio, 0 cinema penetrava da maneira a mais intensa no coragao mesmo disse real, como um cirurgiio na came de seu paciente, erinir «A andlise de Walter Benjamin, que, ackma remo Desirit © immo, 6 ica e instigante, mas lunitada no que se refere 4 pintura ou a literatura. Ela nos ex- plica a fungio eritica do movimento Dad, que, como 0 Futu- iso eo Cubism, influin sdbre a poética ¢ a poesia de O: wald, Porém estaca na consideragio dos aspectos de negagio, destrutivos, désse movimento, $6 no cinema reconhece Ben- 1 jamin a elaboragio de uma sintaxe peculiar, de uma nova lin- guagem comensurada aos novos tempos e capaz de “dar uma representagiio artistica do real”. Nisto sua visio é afetada de tradicionalismo, pois se recusa a admitir 0 que parece dbvio, isto é que, paralelamente ao cinema e por sua vez sob 0 in- fluxo déle, profundas alteragGes também se processaram nas otras artes, exigindo-thes a reorganizagio dos respectivos sis- temas de signos em moldes mais adequados & realidade da civilizagio técnica, Do caos, da “idiotia pura” pregada por Dadé como profilaxia contra a sacralizacao da arte, emergiam 65 elementos de uma nova constragio. Artistas tio caracteris- ticamente marcados pela rebeliio Dad, como 0 pocta-pintor- -escultor Kurt Schwitters, por exemplo, j4 nos primeiros anos da década de 20 comecariam a ligar-se aos neoplasticistas ho- Tandeses ¢ aos construtivistas russos, numa evidente demons- tragio de que evoluiam para um enderégo comum, No "Ma- nifesto da Poesia Pau Brasil”, observa-se claramente ésse mo- viento pendular destruigdo/construcdo, Dai o éro dos que imaginam que 0 nosso Modernismo tenha sido “essencialmen- te demolidor” De fato, 1ése no “Manifesto” oswaldiano: “O trabalho da geracio futurista foi ciclépico. Acertar 0 re- @)_ Brro J4 refutado por Outvema Basros no artigo “Vinte ¢ dois ¢ forma”, Didrio Carioca, 1-4-1956, Para. assinalar a vocagéo eonstrutiva do Modernismo, Bastos lembra que Oswald definira-se a i prdprio © a seus companheiros como “um restrito bando de formalistas ‘negados ¢ negadores” (diseurto proferido no Trianon fm 9-1-1921 ¢ que vale por um pré-manifesto modemista). No ano jubllar do Pau Brasil, Oswald dirla, também em diseurso! *... set ue no fundo de um auténtico revolucionsrio esté sempre um iega- Ista” (Suplemento “Literatura e Arte", Jomnat de. Sao. Paulo, 25-2-1950). Mario de Andrade, em artigo de 1025 sdbre 0 Miramar. fopina qué, embora. as intengGas de" Oswald tivessem sido “franca” ‘mente ‘construtivas”, o livro satra "a mais alegre das destruigdes. Quase dada"; mais adiante porém, no mesmo trabalho, reconhece: “Bostret sobtetudo @ acentuada formacio destrutiva das Memérias Sentimentais. Apesar de seu esperto fracionamento eplsédico 0 = mance ‘esti excelentemente construfdo, Movimento e intensa vida” (Revista do Brasil”, n. 105, 8. Paulo, pp, 26/33). Mario tangia assim a dialética desiruigdo/eonstrugdoj4 no pioneiro romanee-in- Yeneso de Oswald, onde, como vimos, encontram-se as matrizes da poesia “pau brasil” 2 gio Império da literatura nacional”, E também; "... a coin- cidéncia da primeita construgio brasileira no movimento de reconstrugio geral. Pau Brasil”. Esta dialética ressoa no pre~ fiicio de Paulo Prado: “Um perfodo de construcéo eriadora sucede agora as lutas da época de destruigio revolucionéria, das palacras em liberdade”. © tracado que Oswald faz da evolugio das artes sob o signo da era industrial é de uma admirivel pertinéncia. Vai éle direto a0 miolo do problema, percebendo que, com as técnicas de reprodugio (pirogra- vyura, maquina fotogrifica, piano de manivela, objetos fabri- cados em série) houve um Fendmeno de “democratizagio es- teética nas cinco partes do mundo". Era a “aura” do objeto tinico que entrava em provesso de faléncia. “As meninas de todos os lareés ficaram artistas”. E, numa curiosa situagio- -limite, querendo manter a “aura” mas sémente a conseguin- do conservar sob forma caricatural, surge, com a miquina fologrifica, 0 “artista fotdgrafo”, “com todas as prerrogativas do cabelo grande, da caspa e da misteriosa genialidade de lho virado” do pintor romantico. Isto deflagrou um processo inverso: "Ora, a revoluefo indicon apenas que a arte voltava para as elites. E as elites comecaram desmmanchando, Duas fases: 1.8, a deformagio através do impressionismo, a fragmen- taco, 6 caos voluntiri. De Cézanne e Mallarmé, Rodin © Debussy até agora. 2 o lirismo, a apresentacio no templo, ‘os materiais, a inocéncia construtiva”. Eo que, em recentis- simo trabalho, 0 critico ¢ Filésofo da estética Umberto Keo repara, a0 estabelecer uma dialética entre “Kitsch” (ou arte de massa, ou arte dos “efeitos”) © vanguarda (on arte das “causas”): “quando a fotografia se revel utilissima para absorver as fungées celebrativas ¢ priticas de das pela pintura, 6 entio que a arte comeca a elaborar 0 projeto de uma vanguarda”; (...) “quando Nadar conse- gue, de manera respeitivel e com étimos resultados, satisfa- zer um burgués desejoso de eternizar suas préprias feigées para uso de seus descendentes, 0 pintor impressionista pode aventurar-se A experiéneia en plein air, pintando nfo aquilo que, com percepeao limitada, eremos ver, mas 0 préprio processo perceptivo para o qual, interagindo com os fendmenos 3 fisicos da luz ¢ da matéria, desenvolvemos o ato da visio” *. Esta relagio vanguarda/"Kitsch” é bastante complexa © nfo apenas no sentido indicado por Eco, de que a arte de con- sumo, desfrutando continuamente das descobertas da van- ‘guarda, a obriga a formular sempre novas propostas eversi- Yas, mes ainda naquele do quo, a um certo momento. do. po- eess0 (como em Dada, como na atual "pop-art"), 0 circuito se fecha, se torna reversivel, a serpente morde sua prépria cauda, e’a vanguarda passa a encontrar pretextos eriativos na prépria cultura de massa, ou nos detritos e emblemas dessa cul- tura. A nova arte & uma arte no horizonte do precério, que se despe dos nobres e exclusivos implementos do etemo, para incorporar a categoria do contingente, As duas fases em que Oswald desdobra a resposta da arte indiistria em seu "Ma nifesto” sio extremamente elucidativas a ésse respeito: di pois da fragmentacdo, a axticulacio dos fragmentos por uma nova sintaxe — a apresentacdo dos materiais, a inocéncia cons- trutiva, O poeta “pau brasil” se reclama’ de Mallarmé e (DKitseh e cultura ai massa”, no Almanaceo Letterario Bom- pplani, Milo, 1965, pp. 31/32. (2) © comportsmento de Oswald ¢ de Mério perante Mallarmé merece ser controntads, Enquanto Oswald parece ter compreendido fem toda a sia importinela — via futurismo e cublsmo — o sleance fds, revolugdo mallarmaiea (ea passage transerita de seu "Ma nifesto” o atesta, como mais tarde o testemunharfo referéneias em feu comiinieada ao T Congresso Brasileiro de Filosofia — “Um As- pecto Antropofégico daCultura Brasileira", Antis, vol. 1 TBF, S. Paulo, 1950, © nas paginas de. seu Didrio Confessional, 1948/1949, revista Invencio, n. 4, 8. Paulo, dez, 1964), Mario, como Ja vimes, repalo.cm A Escrava o mestre da rue de Rome, Primelro, Dara salt fem defesa da cloqiiéneia (0b. eit, p. 220). Depois, porque em sua mancira de ver “Mallarmé desenvolvia friamente, intelectualmente, f analogia primeira produzida pela sensacio” (idem, p. 282), Entre Mallarmé Cocteau, opta por éste ultimo: “Ninguém negaré que fa majoria das obras de Mallarmé é fria como um livro parnasiano sip ate no quer dizer que thdas as obras parnasianas sejam tras. Mallarmé eaminha por associagdes de kdias conscientes, provocadas. Cocteau deixa-se levar elsmativamente por associacdes.alucinatérias friginadas da imagem produzida pela primeira sensacio” (idem, p. 283), No “Posficio” a A Eseraya, datado de novembro de 1924, ‘Mario etifien sua coneepeso inicial de um “liismo subconsciente” fundado na “bancarrota da inteligeneia", para proclamar: “Nos By se confraterniza ccm o leitor de jornais. Sabe que a eseri- tura desborda dos livros para 0 reclame urbano, “produzindo letras maiores que térres". Apela para Cézanne e para as ebres de nossa visualidade popular (“Os casebres de agafraio fe de ocre nos verdes da Favela, sob 0 azul cabralino, sio fatos estéticos”). Ao invés da oposi¢io dualista sentimento x inteligéncia, que atravessa A Bscrava de Mario, a premo- nigio dialética de am racionalismo sensivel numa nova ordem que fésse a0 mesmo tempo “sentimental, intelectual, irdnica, ingénua". © roteiro dessa nova construcio, que, a partir da demoligio © da dessacralizacio do edificio artistico tradicio- nal;-buscava retoviar 6 sentido puro (“puro” niio como." pu- rismo”, mas na acepgio fenomenologica de disposi¢io inau- ural; "O.estado de inocéncia substituindo 0 estado de grax a que pode ser uma atitude do espfrito”), esta agudamente Formulado em outros t6picos do "Manifesto": "Como a época & miraculosa, as leis nasceram do_préprio_rotamento_dind- mico dos fatdres destrutivos” (...) "O trabalho contra 0 detalhe naturalista — pela sintese; contra a morbidez, romén- tica — pelo equilibrio gedmetra e pelo acabamento téenico ("Engenheitos em vez de jurisconsultos", propunha Oswald, preparando o solo para Joao Cabral); contra a edpia — pela inoengao © pela surprésa”. Ou: Aprendi com meu filho de dex anos Que a poesia 6 a descoberta Das coisas que eu nunca vi ‘A poesia de Oswald de Andrade acusa assim ambas as vertentes: a destrutiva, dessacrali- zante, € a construtica, que rearticula os mate- riais preliminarmente desierarquizados, KE, ambas interligadas, Uma poesia “ready made” ‘igeursos atuais, rapazes, 38 6 de ndvo a Inteligéncia que pronuncia 6 tenho-dito” (ours vex uma esquematizagio néo-dialética do pro- ‘bem, como reparou Roberto Schwarz no seu estudo antes men~ lonado sobre 0 “pseologisma” nia postion marioandradina), Mas é {Go mesmo ano uma carta a Manuel Bandeira (ob. eit. pp. 66/67), nna qual o aulor da Paulleéia afirma o Seu pouco interésse pela “inka. Mallarmé” 25, permedveis, como verso e reverso da mesma medalha, naque- Ie atualissimo horizonte do precério a que aludimos, onde perimem as certezas da estética clissica, De um lado, os poemas-parddia, em que pegas obrigatérias dos florilégios na~ cionais, como a “Cangio do Exilio” de Gongalves Dias ou “Meus Oito Anos” de Casimiro de Abreu, sio reescritas com uma sem-cerimonia Tustal ("Canto do Regresso, 3 Patria", em Pau Brasil ¢ “Meus Oito Anos”, precedido de "Meus Sete ‘Anos", em Primeiro Caderno). De outro, 0s poemas cons- trufdos sdbre a lingua “natural e neolégica”, imantados pelo ‘érro" eriativo: bonde © transatléntico. mesclado Dlendiena ¢ esguicha lus Postretutas ¢ famias sacolejam Ou, ainda mais, os poemas de abertura do Pau Brasil, ver~ dadeiros desvendamentos da espontanefdade inventiva da linguagem dos primeiros cronistas e relatores das terras ¢ gentes do Brasil, onde, por um mero expediente de recorte © remontagem, textos de Pero Vaz Caminha, de Gandavo, do Claude «Abbeville, de Frei Vieente do Salvador etc., se convertem em cipsulas de poesia viva, dotadas de alta vol- tagem lirica ou saboroso tempéro irdnico. Dai a impor- tineia que tem, para 0 poeta, o “ready made” lingiiistic fa frase pré-moldada do repert6rio coloquial ou da prateleira Titerdria, dos rituais quotidianos, dos anGncios, da cultura codificada em almanaques. “A. riqueza dos bailes e das_fra- ses-feitas", como esti no “Manifesto Pau Brasil”. O “ready made” contém em si, a0 mesmo tempo, elementos de des- ttuigio e de construgio, de desordem e de nova ordem. O “ready made” plistico, é sabido, foi criado pelo pré-dadais- ta Marcel Duchamp nos primeiros anos da década de 10: um porta-garrafa (1912), uma roda de bicicleta (1913) ¢ © famoso urinol batizado com o titulo de Fonte (1917). Du- champ estabelecia uma diferenca entre o “ready made” ¢ 0 “already found", ¢ esclarecia que intervinha em modo ope- 28 rativo para separar aquéle déste™. Ai se colocaria, podemos dizer, 0 momento da construcéo. Roger Caillois observa: “A audicia de Marcel Duchamp signifiea que 0 essencial reside na responsabilidade assumida pelo artista ao apor sua assina- ura sbre nao importa que objeto, executado ou mio por ale, mas do que éle soberanamente se apropria, fazendo-o ser visto como obra eapaz de provocar, ao mesmo titulo que ‘© quadro de um mestre, a emogio artistica”®, Ou como © exprimia Kurt Schwitters: “Tudo 0 que ew cuspo é arte pois eu sou artista”, resumindo no aparente paradoxo a sub- versio do objeto “aureolado”, privilegiado, da estética tra- dicional ¢ 0 nOvo sentido de arte (também de certa maneira € conforme o Angulo de enfoque uma antiarte) dai emer~ gente. Décio Pignatari, que definiu percucientemente a poc- sia oswaldiana como “uma poesia ready made”, extraiu desta verificagio notas que earacterizam com muita nitidez, 0 pro- ccess0 postico do autor do Pau Brasil: “A poesia de Oswald de Andrade é a poesia da posse contra a propriedade. Poe- sia por contato direto. Sem_explicacoes, sem andaimes, sem preiimbulos ou prenineios, sem poetizagies. Com versos que cram versos. oesia em “versus”, pondo em crise 0 ver- so: um prosaismo deliberado que é uma sitira continua a0 proprio verso, livre ou préso. (...) Sua poesia & um rea- lismo auto-expositivo. (...) A coisa, nao a idéia da coisa. © fim da arte de representagao. Realism sem tema ou te- mitica realista: apenas transplante do existente” *, E Pigna- Hi aponta 0 que hi nesta poesia do fato pottico bruto de renovadamente atual como precursio do problema da cha- mada “arte de mau gésto”, da “pop art” ou “arte popular” (também conhecida ‘como’ “neo-Dadé”) dos dias que _cor- rem. F. lembra um depoimento de Oswald a Hericlio Sales que realmente pod> ser entendido nesse sentido premonité- rio: “Abrimos caminho para uma coisa que nao existia até 9 CL The Data Painters and Poets: An Anthology, organi- ago de Rowers Morumawett, Wittenborn, N. Torque, 1951, p. 350. (3) _Apud Neiseence d'un Arte Nouveau, Mew Racow, Albin ‘Michel, Paris, 1963, p. 134 ©) Artigo eit, aa nota 19. entéo entre nés: uma literatura de pobres. Nunca tivemos juma literatura de pobres”. Agora, vemos o critico Pierre Restany, o jovem tedrico do “folclore urbano”, escrever em seu Manifeste du Nouveau Réalisme (1960): “O que nds estamos descobrindo, tanto na Europa como nos KUA, é um névo sentido da natureza, de nossa natureza contempor’- nea, industrial, mectinica, ‘publicitiria (...) Certos ar fas atuais sio naturalistas de um geaero especial, bem mais que de representacio, deverfamos falar de presentacio da natureza moderna ( ‘© lugir-comum, 0 elemento de refugo ¢ 0 objeto de série sio arrancados ao nada da con- tingéncia ou a0 reino do inerte; 0 artista os fez seus, © assu- mindo esta responsabilidade possessiva, éle thes confere ple- na vocacio significante”*. Pois estas’ palavras so gua re- circulando para 0 moinho de Oswald. Do Oswald que, no Danquete “antropofigico” com que se cclebrou o jubileu do Pau Brasil recapitalava: “Nosso problema_central foi a_ten- io entre 0 cologuial ¢ a voragem (...) ramos a tradugio da cidade”. pevoraggo preciso assinalar a esta altura que, nos seus critieg _contatos com a vanguarda européia, Oswald por- tose sempre com atitude de devoracio critica ide antropofégiea proclamada no "Manifesto" de 1928 f que jf esté presente, embrioniriamente, no “Manifesto da Poesia Pau Brasil” (“Apenas Brasileiros de nossa época. 0 necessirio de quimica, de mecfinica, de economia ¢ de ba- listica. Tudo digeride, Sem meeting cultural. Priticos. Ex- imentais. Poetas”). Esta postura — que comparamos uma vex A “atitude redutora” do sociélogo Cucrreiro Ramos ante- ipada em modo estético, permitiv-lhe assimilar sob espécie ©) Apud Mace Racox, ob. elt, pp, 136/151 9) Toe. elt, na nota 21, 2) Hanotwo ne Cantos, “A poesia conereta ea realidade na- clonal”, revista Tendéncia, m. 4, B. Horizonte, 1962, pp. 98/80, | Re- fumimés entao da seguinte maneira a tese de GUrimeio Tantos (A Re- ‘ugio Soctoldgiea, 1950 —2* ed. 1965, Editdra ‘Tempo Brasileiro, TRio de Janeiro): “Forma-se em dadas eireunstineias uma “eonseién- cia eritiea”, que 48 nao mais se satisfax com a “importaeao de objetos 8 Drasileima a experiéncia estrangeira © reinventi-la em térmos nossos, com qualidades locais ineludiveis que davam ao pro- duto resultante um caréter auténomo ¢ Ihe conferiam, em prinefpio, a possibilidade de passar a funcionar por sua vez, num confronto internacional, como produto de exportagio ("A ‘munea exportagao de poesia (...) Uma tinica Iuta — a Tuta pelo caminho, "Dividamos: poesia de importagio. Ea poesia Pau Brasil, de exportacio"). A “poesia de importagio” da teoria oswaldiana ere naturalmente a cultivada pelos repetido- es pomposos, referendada pelos sodalicios, passivamente atre~ Jada ao carrogéo perempto do parnasianismo francés (Iem- bre-se que o epigorismo parnasiano produzia ainda os seus frutos serddios: de 1923 e 1925 respectivamente sio, por exem- plo, Atalanta e A Frauta de Pa de Cassiano Ricardo). Para a eficdeia da atitude redutora do antropéfago Oswald contri- buiu, sem diivida, a congenialidade do Modernismo brasileiro, ia tese levantada por Anténio Candido: em nosso pais, onde “as culturas primitivas se misturam & vida quotidiana ow sto reminiscéneias ainda vivas de um passado recente”, se dava, com mais naturalidade do que na Europa, a implantagio dos processos da vanguarda artistica. Os nossos modernistas, as similando com “descecalque localista” as téenicas européias, que no velho continente encontravam resisténcias profundas ino meio e nas tradigées, tinham aqui condigdes propicias para criar “um tipo ao mesmo tempo local ¢ universal de expres- sio, reencontrando a influéneia européia por um mergulho no detalhe brasileiro” *. coonat e Quando so 1 no “Man cena en Brasil”: “Ser regional puro em sua época”, nio se deve imaginar que estamos diante de uma proclamagio "regionalista”. Ja vimos 0 que significava no programa estético oswaldiano a “volta ao sentido puro". Ago- ra podemos acrescertar que esta se deveria processar ha ten- cculturais acabadas”, mas cuida de “produzir outros objetos nas for- mas e com as fungde: adequadas is novas exigénclas historicas"; essa produedo nfo € apenas de “coisas”, mas ainda de “idéi (0) Literatura e Sociedade, Cia, Editdra Nacional, S. Paulo, 1965, pp. 144/148, 9 so dialética do regional com 0 universal, na inflexio do “ser regional” com 0 “ser contemporineo”. Ou: “Apenas brasi- Teiros de nossa época”. Muito ao contririo do regionalismo ingénuo em que tantos se embaragam, Oswald Micidamente ‘soube inscrever seu pensamento na perspectiva carregada de vidéncia histérica que nos oferecem coincidentemente estas observagdes de Marx e Engels (datadas de 1847-48): “Em ugar do antigo isolamento das provincias ¢ das mages bas- tando-se a si proprias, desenvolvem-se relagées universais, uma interdependéncia universal das nagdes. FE 0 que & verdadeiro quanto A produgio material, o é também no tocante as pro- Gugdes do espirito, As obras intelectuais de uma nagio tor- nam-se a propriedade comum de todas. A estreiteza ¢ 0 ex- Glusivismo nacionais tornam-se dia a dia mais impossiveis; e da multiplicidade das literaturas nacionais e locais nasce uma literatura universal”. Se, por exemplo, num contexto euro- peu as manifestacdes Dadé tinham uma fungio eritica dessa~ tralizante, de contestagio do objeto privilegiado ¢ reservado da estética tradicional pela triunfante civilizacéo teenolégica, no caso brasileiro — no contexto de um pafs em formagio transitando da oligarquia Intifundidria para uma incipiente in- diistria, ¢ onde ésse processo de trinsito se desenrolava, in- clusive, A sombra de medidas de protecio aos interésses agei- colas — aquela fungio critica se desdobrava em uma contes- tagio segunda: a da consciéncia letrada dos grémios fétuos € das tertilias inécuas pela despontante consciéncia nova, que ‘se elaborava no cadinho da espontancidade oral, dos barba- rismos irreverentes, dos aportes migratérios. Tnstigava_ assim uma revisio , de contomos intransferivelmente locais, das im- posturas estratifieadas nos refolhos privados duma linguagem onde o bem falar e o bem escrever representavam senbas para © acesso social © para a partilha das benesses da classe domi- nante, A figura edulcorada do beletrista de salio ("é tio dis- tinto / ser menestrel"); 0 mimetismo do semiletrado pernés- tico, aspirante ao jargéo da intelligentsia (“Dé-me um. cigar- 10 / Diz. a gramitiea / Do professor e do aluno / ¥ do mu- Ob, eit, na nota 1, p. 220. 30 lato sabido”); os formuldrios pelos quais se coavam os ideais da burguesia nas suas rotinas Bo benrestar e do bem parecer (Na dura labuta de todos os dias / Nao deve ninguém quo se preze / Descuidar dos prazeres da alma / Discos a todos 0s progos), tudo so deslarva do qundro do allenngées enera- vado na linguagem, perde a solide reificada, aflora ao dlho critico, & matéria viva de palavras, palpitante, marcada Jo calor contingente dos comportamentos © compromissos humanos, nfo velando, mas desvelando agora — e surpreen- dentemente vivida por isso mesmo — ésses_comportamentos € compromissos. De senhas coaguladas na linguagem passam a poemas-sinais-fisicos. Materiais simplesmente apresentados. Desmistificados e desmistificantes. Nisto a poesia oswaldiana realiza 0 seu projeto: é brasileira e de stia época. ‘Oswald i i ee Propugnava uma atitude brasileira de cnatear’ —devoragio ritual dos valdres curopeus, a fim de superar a civilizagao patriarcal e capitalista, com fas suas normas rigidas, no plano social, e os scus recalques impostos, no plano psicolégico”, escrevem Anténio Candido ¢ Aderaldo Castello, para assim caracterizar 0 que véem como “uma verdadeira filosofia embrionéria da cultura”, Com preensivel, portanto, que a essa filosofia correspondesse uma literatura exercida como atividade eminentemente critica, na qual a poesia “pau brasil” marca um momento de singular icin. E tanto mais autenticidade ganha esta literatura ex{- tica, quando se verifica que 0 seu autor 6 a0 mesmo tempo sujeito © objeto do processo, observador e protagonista da realidade observada. Em nenhum momento Oswald se ex lui sobranceiramente do contexto em observaciio, para re- servar-se uma sede arbitral, neutra ¢ nao afetada pelos acon- tecimentos. Antes, de 6 o analista analisado. Daf 0 compro~ metimento autocritieo — traduzido as vézes em conivéncia ird- nica, em suspensio desconfiada (ou até comovida) de julga- mento — que repassa muitas de suas sinteses satiricas. Kis como 0 poeta — 0 pocta urbano, do maior centro industrial (G2 Presence da Literatura Brasileira, vol, 11, Difusio Européia o Livro, Sio Paulo, 1964, pp. 16/1. 31 brasileiro — explica o estado de espirito e de coisas que o le- you a escrever “Escola Berlites", um dos pocmas mais carac~ teristicos de sua primeira coletinea, poema no qual (como farin mais tarde Tonesco em A Cantora Careca, de 1980) ex: "Ge anu o absurdo wittgensteiniano dos mecanismos grama- Bic. Taralado na, sutoentizagio mercantilist do convo didrio: “... vivemos muitas vézes, como bons paulistas, na angistia do colapso, 0 pelotao invisivel apontando o peito, a morte a sessenta dias, a intimativa ululante do devido, pago, fgasto, voado, Da casa e da familia, Antigamente vinha pre- Sunto ¢ manteiga da Dinamarca, hoje vem angistia. A nossa porém nio é essa. F angtistia bancéria, Por isso perdemos fieilmente o verbo postico e limitamo-nos muitas yézes 20 vocabulirio oligofrénico da cidade, Pingentes do capitalismo, Tanceiros dos estribos, donde nos arriseamos a desabar a qual- mer momento, surpreendemo-nos a produzir com 0 vizinho le ocasiao aquéles prodigios do léxico Berlitz, — Com prazer! Que honra! E bonito o pavao? Onde esta a toilete?” *. Aqui 6 0 momento para examinarmos, ainda {que brevemente, as relagdes entre a poesia de Oswald de Andrade e'a do globetrotter ¢ escritor_suigo. de expressiio francesa Blaise Cendrars, ativo vanguardeiro das primeiras décadas do século, com sede prin- cipal de operagdes em Paris. Embora reconhegamos, com 0 critico Pierre Furter**, que a posigio de Cendrars perante 0 Brasil nio deva ser avaliada limitadamente “ em térmos de influencias reccbidas ou dadas", no ambito deste trabalho é relevante 0 estabelecimento do’ tragado recfproco_dessas_in- fluéneias, por configurarem 0 caso concreto do bindmio im- portacao/exportagao no roteiro poctico oswaldiano, Em 1049, rememorando a génese do Pau Brasil, Oswald declarava; “O rimitivismo que na Franca aparecia como exotismo era para és, no Brasil, primitivismo mesmo. Pensei, entao, em fazer uma poesia de exportagio © nio de importagio, baseada em / Oswald & Blaise Cendrars (9) Discurso no jubileu do Paw Brasil, eit. ©. “Homenagem a Blaise Cendrars", Suplemento Literério de © Bstado de Sao Paulo, 11-6 0 7-8-1965 a TV). 32 nossa ambiéncia geogrifica, histérica e social. Como o pau-bra- sil foi a primeira riqueza brasileira exportada, denominei 0 mo- nto Pau-Brasil. Sua feicio estética coincidia com o exo- tismo e 0 modemismo 100% de Cendrass, que, de resto, tam- én. escreveu conscientemente poesia pau-brasil”®. Defla- grada a “Semana” em 22, Oswald viaja a Paris, “Em 22” — explica o poeta, tomando como exemplo o caso do inconfidente José Joaquim de Mais que, na Europa, procurara obter 0 apoio de Jefferson para a sublevagio mineira — “o mesmo contato subversive com a Europa se estabeleceu para dar forca ¢ di regio a0s anseios subjetivos nacionais, autorizados agora pela primeira indiistria, como o outro o fora pela primeira mine- ragio” ®, E Mario de Andrade nos permite completar a in- formagio: “Sabes do Oswaldo? Esti em Paris amigo de Cen- drars, Romains, Picasso, Cocteau ete. Féz uma conferéncia na Sorbonne, em que falou de néslll Nao 6 engracadissi- Em 1924, Cendrars est no Brasil, em contato com 65 nossos modernistas. Sob a impressio do Brasil, esereve 0s poemas que figura sob o titulo “Feuilles de Route” na edigao de 1957 de sua poesia, Bstes poemas vieram & Inz entre 1924 e 1928 (parte na coletinea Le Formose, edigies ‘Au Sans Pareil, Paris, 1924, com ilustracbes de Tarsila; parte no catélogo da’exposigio Tarsila, Paris, Galerie Percier, 1926; parte, finalmente, nos ns. 49 ¢ 51, de 1927 ¢ 1928 respectiva- mente, da revista parisiense Montparnasse). Em margo de 1924 era Iangado 0 manifesto poético oswaldiano © de maio do mesmo ano data o preficio de Paulo Prado, o que permite supor que os poemas do Pau Brasil j& estivessem claborados Aquela altura, Assim, embora o livro de Oswald 56 viesse a aparecer em 1925, em Paris, pela mesma editora de Cendrars, (©) Importante cepoimento prestado a Péricles Eugenio da Silva Ramos (Correlo Paulistano, 6-0-1049), excerto transcrito em ‘A Literatura no Bras, ob. eit, na nota 7, p. 494. (@0) “0 Caminho Perearrido”, em Ponta de Lanea, Baitéra Mar- fins, S, Paulo, 6/ data (9452), p. 118. (@7) Carta de 192 ou 1923 a Manuel Bandoira, ob. city p. 16 ©) Du monde entier au coeur du monde, Paris, ‘ditions Deno’, 2 33 tudo parece indicar que o poeta sulgo (que nfo ignorava 0 portugués, diga-se de passagem) teria tido conhecimento das Produgées inéditas de Oswald, por intermédio do préprio autor, contagiando-se por elas ou por seu espirito, Edgard Braga, a propdsito, afirma: “Oswald de Andrade teve ainda tempo de ver assimilada nfo s6 a sua temética paisagistica antéctone, como @ estrutura usada em seus préprios poemas” ®. E cita como exemplo 0 poema “Fernando de Noronha, publi- cado por Cendrars em 1928: De loin on dirait une eathédrale engloutie De pres Crest une ile aux couleurs si intenses que le vert de Therbe est tout. doré muito semelhante a outro, homdnimo, do Paw Brasil. Nio se deve esquecer, também, que 0 Le Formose é dedicado nomi- nalmente por Gendrars aos scus amigos brasileiros (entre os qnais Oswald), ¢ que 0 poeta paulista, por sua vez, dedica 0 Pau Brasil a Blaise Cendrars, acrescentando significativamen- te: “por ocasiio da descoberta do Brasil”. Alias, no poema “Départ” (publicado em 1927), Cendrars menciona Oswald, depois de ter sido por éste referido no “Manifesto”, em “Fa- lagio” e em “Versos de Dona Carrie”, Isto no que toca & influencia de Oswald sobre Cendrars. Mas hi o reverso da medalha. Quando Oswald assegura que stia poesia coinc com a de Gendrars, esté revelando 0 influxo que dela xece- bera.Nio pripramente do que é ness poesia de hausto ongo, de andadura retérica (poemas como “La Prose du Trans- sibérion ot de la Petite Jeanne de France”, de 1913), mas, tes, das pecas curtas, ripidas, tipo haicai, de assunto exético, que o poeta suigo comecara a publicar em 1922 (“Les Grands Fétiches", revista Disque Vert, Bruxclas, n. 1) © que conti- am depois a aparecer nas segées “Iles” ¢ “Menus”, de Kodak, livro que sai em Paris em 1924, quando Oswald lan- ava no Brasil o sew Miramar, Apenas, a cimera portitil dos (©) “Kodak”, Didrio de So Paulo. 19-1-1964. 3 poemas oswaldianos tinha um dispositive a mais, que faltava A kodak excursionista com que Cendrars fixou suas “fotogra- fias verbais” pau-bresileiras: a visada critica. Cendrars ficava no exético e no paisagistico, na cbr local; Oswald dirigia sua objetiva para além déstes aspectos, colhendo nela as contradi- ‘eGes da realidade nossa, que escapavam A faiscante inspecao de superficie, Poemas tipo “Biblioteca Nacional” ou “Ideal Bandeirante” no se encontram nas Feuilles de Route. Cen- drars descobria 0 Brasil, pela mao de Oswald ¢ seus compa- mheiros modernistas, como um momento ndvo, excitante, no seu roteiro de peregrino sensivel A cata da pureza selvagem. "Por exceléncia um ser de mediagio”, como 0 classificou Wierre Furter ®, éle era também, irremediivelmente, um des- paisado, um homem sem um possivel contexto de situagio. Diz Furter: le foi, como ereio, um dos primeiros europeus ser um verdadeiro elo entre 0 névo € 0 velho mundo, a con- ieao de mediagio prejudicou a tomada de conseiéncia da sua propria posicio. Nao é mais um sufco, nunca foi um brasi- Jeiro, ea Franca s6 & um ponto de partida, uma solugao pre- dria”. J& Oswald, na congenialidade dos elementos primi- tivos qué convocave para sua poética — e sob cujas espécies deglutia as apuradas técnicas estrangeiras —, estava redesco- brindo a realidade brasileira de uma perspectiva original ¢ sitando-se nela, Assumia o mapa diacrOnico dos varios Brasis coexistentes, em tempos (estigios) diversos, num mesmo espago de linguagem, e assumia-o inscrevendo-se néle, observador observado de um contexto de conflito, ‘A poesia de Oswald de Andrade poe um Bm ndoo coneeto slo conceito. de livre. Seus poemias dif critério da pega antols Funcionam como poemas em sé rie, Como partes menores de um bloco maior: 0 livro. © livro de ideogramas. Dai que, desde o Pau Brasil, pasando pelo Primeiro Caderno do Aluno de Poesia Oswald de Andrade, até as Poesias Reunidas O, Andrade (titulo que parodia certa sigh de Indiistrias Reunidas...), 0 lay-out tipografico (42) Loe, eit. na nota 34

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