Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Na crítica aos efeitos desastrosos do stalinismo sobre o movimento operário terialismo histórico e materialismo dia-
internacional, em geral, e sobre o marxismo, e m particular, é comum a lético, de Josef Stàlin, e a utilização de
referência ao ·•marxismo da Terceira Internacional". Em certa medida, essa decretos governamentais no debate fi.
losófico. Vale lembrar que, em 1931,
generalizaçao é o produto de uma extensão apressada do chamado "marxismo
um decreto estatal identificou o mate-
da Segunda Internacional" a um universo consideravelmente diferente.
rialismo dialético ao marxismo-leninis-
Tal generalização tem como resul- "bolcheviques" ou "internacionalistas", mo, colocando um fim à polêmica que
tado a subestimação da diversidade o grupo de ex-prisioneiros de guerra erwolvia Oeborin e Bukhárin, entre ou-
constitutiva da Terceira Internacional e na Rússia, formado, entre outros, por tros (Marcuse, 1984, p. 148-149).
dos grandes debates que, no seu inte· Béla Kun e Rudyansky, havia a corren- A comparaçao nao é desproposita-
rior, se processavam. Seu resultado te influenciada por Erwin Szabo, de da. Quando da publicação do Ensaio
nào é, senao, reduzir a importância da inspiração anarco-sindicalista e um popular (1921), Nicolai Bukharin era
ruprura que representou para a vida curioso grupo de "engenheiros socia- destacado dirigente do Partido Comu-
interna da Internacional a consolida· listas·•, liderado por Gyula Havesi "cuja nista Russo e da Internacional, aquele
ção da direção stalinista e a burocrati- ideologia era uma anOmala mistura de que lênin considerou, em seu testa·
zação dos partidos comunistas. positivismo tecnocrático e sindicalismo mento, ·•o teórico mais valioso e desta-
A contribuição de Aldo Agosti ao revolucionário" (Agosti, 1988: 52). cado do partido (...) considerado,
estudo desse tema é extremamente As diferentes reaçOes provocadas me.ecidamente, o preferido do parti-
importante. Em seu ensaio publicado pela obra de Nicolai Bukharin, Teoria do". Quando da publicação de seu
na cole~nea Historio da marxismo, do materialismo histórico. Ensaio po- Materialismo histórico e materialismo
organizada por Eric Hobsbawn, Agosti pular de sociologia marxista, ilustra, dialético, como parte de uma obra
sublinha a diversidade dos partidos de maneira muito nítida, essa diversi- chamada História do Partido comunis-
que participam do chamado â consti · dade política e trorica constitutiva da ta russo (bolchevique), em 1938, Stá·
tuição da Internacional Comunista, Internacional Comunista. Também ser- lin ocupava as posições chaves no par-
bem como os diferentes grupos que ve como baliza para avaliar os resulta· tido e na Internacional. Entre os dois
existiam no interior de cada partido. dos do processo de burocratização acontecimentos, entretanto, estavam
Um dos casos mais interessantes é o comparar as vivas polêmicas que se os expurgos e os processos que ha-
do Partido Comunista Húngaro, um seguiram à publicaçao do Ensaio popu- viam silenciado e assassinado toda a
dos signatários da carta de convocaçao lar, ao silêncio que sucedeu, no interior oposiçao.
ao 1° Congresso. Além dos chamados da Internacional, à publicação de Ma· Georg Lukâcs e Antonio Gramsci
~--
Debates Contemporâneos
194 UI-, /V"!O >'JII, ~~~ 30, !L "lhO de 2003 l iNIVt::RSIPADE E SOCI&lADE
Debates Contemporâneos
•'
ção de correntes estranhas ao marxis· um livro 'sagrado'". Gramsci, por sua aqui problem~tica já desenvolvida por
' mo, o que tem como conseqüência a vez, refere-se a correntes e indivíduos. Trotsky em Uteroturo e revolução : a
assimilação do marxismo por outras O húngaro abomina a transfonnação consciência só se modifica completa-
• correntes, ou seja, a subaltemização do marxismo em um "ecletismo"; j~ o mente no totalidade da classe quando
da filosofia da pr<lxis. sardo teme que o marxismo perca seu o proletariado se transfonnou em clas-
Para impedir essa subaltemização, poder de ''vivificar uma organização se dominante, controlando os apare·
é preciso demarcar a distancia que prática integral da sociedade, ou seja, lhos de produção e o poder estatal
separa o marxismo tanto do materia- converter-se em uma total, integral ci- (Idem, p. 54).' A exigência de uma
consciência completa pode, entretan· cia de uma nova consciência, pela uni- de menor resistência para estar em
to, ser exigida de um membro do par- dade entre teoria e prática: condições de atacar nos ponto mais
tido, operário ou nao. O partido pode ''A comprecnsllo critica de si mes- forte, com o máximo de forças dispo-
e deve representar essa consciência mo se produz, pois através de uma nlveis precisamente por ter eliminado
superior. Para isso, deve assimilar o luta de 'hegemonias' políticas, de d~ os auxiliares mais débeis'. Mas no
marxismo em sua forma atual. o leni· reçOes contrastantes, primeiro no fronte ideológico •·a detrota dos auxi-
nismo. camJ>O da ética, a seguir da política, liares e dos seguidores menores tem
Em toda sua critica a Bukhárin. para achegar a uma elaboraçao su- uma importAncia quase desprezível;
Gramsci desenvolve o tema da luta perior da própria conccpcAo do real. neste é necessário combater contra os
ideológica. É preciso libertar as massas A consciência de ser parte d~ uma mais eminentes''. Uma nova ciência, e
de suas antigas concepções de mun· determinada força hegemõnica (ou esse é o caso do marxismo, "alcança a
do. O homem ativo, diz o marxista ita· seja, a consciência polltica) é a pri- prova de sua eficiência e vitalidade fe-
liano, não tem uma clara consciência meira fase para uma uherior e pro- cunda quando demonstra saber afron-
teórica de seu agir e é possível, até gressiva autoconsciência na qual tar aos grandes campeões de tendên-
mesmo, que sua consciência esteja teoria e prática finalmente se unifi- cias opostas. quando resolve com seus
em contraste e oposiçao com sua cam" (Q. p. 1386}. próprios meios as questões vitais que
ação. É possível. de certa maneira, afir· A unidade entre teoria e prática, aqueles colocaram ou demonstra pe·
mar que possuem duas consciências, too alardeada e tão pouco compreen· remptoriamente que tais questões são
''uma implicita em seu agir que real· dida, é assim, para Gramsci, um devir falsos problemas" (Q. p. 1423).
mente a une a todos seus colaborado- histórico e não um fato mecânico de- Ao marxismo não é dado o direito
res na transformação pr~tica da reali· duzido da ação das massas. A insistên· de escolher os adversários no fronte
dade". Mas além desta, há outra •su· cia, no elemento "prático" deste todo ideológico. Eles são previamente defi-
perficialmente explícita ou verbal que unitário, "significa que se atravessa nidos. Da mesma forma, ao marxismo,
herdou do passado e acolhe sem criti· uma fase histórica relativamente primi· se quiser se converter em substrato de
ca" (Q. p. 1385}. tiva, uma fase ainda econOmico-wrpo- uma nova e integral civilização, deverá
Everbal no sentido de que é a que rativa, na qual se transforma quantita- se apresentar como superação do mo-
afirma com palavras e a que acredita tivamente o quadro geral da 'estrutura' do de pensar precedente e do pensa-
seguir, "porque a segue em 'tempos e a qualidade superestrutura adequa- mento concreto existente. Para isso, ao
normais', ou seja, quando a conduta da está em vias de surgir. mas ainda contrário de B~khárin, Gramsci afirma
não é independente e autônoma e. não esta organicamente formada'' (Q. que o marxismo deve se apresentar,
sim, precisamente submissa e subordi· p. 1386-1387}. ''acima de tudo, como critica ao senso
nada" (Q. p. 1379). Não se pense, en- Como, então, proceder nesse com- comum" (Q, p. 1383).
tretanto, alerta o marxista italiano, que plexo terreno da ''luta de hegemoni-
essa concepção verbal e superficial as''. O marxista italiano ressalta a espe· Conclusão
não influi no comportamento huma- cilicidade do combate ideológico. Na As criticas levadas a cabo por lu-
no. Ela o "amarra a um grupo social luta polftica e militar, pode ser conve- kâcs e Gramsci ao Manual de Bukharin
determinado, influi na conduta moral. niente ·•a tática de atacar nos pontos podem nos ajudar a evidenciar um
na orientação da vontade, de modo conjunto de fraturas que se estabele-
mais ou menos enérgico, que pode ceu no interior do próprio pensamen-
chegar até o ponto em que a contradi- to marxista. Em primeiro lugar, fratura
toriedade da consciência nAo permite entre filosofia, história e política. Fra-
nenhuma ação, nenhuma decisão, ne tura esta que se justifica com a autori-
nhuma escolha e produz um estado dade do lênin de As três fontes e os
de passividade moral e polltica" (Q. p. trés portes constitutivos do monâsmo.
1386}. Há, assim, uma tensão perma- Aquilo que, para lênin, era uma inves-
nente entre o agir e a consciência e a tigação das fontes históricas do marxis-
resoluç3o dessa situação só pode mo- a filosofia classica alemã, a econo-
ocorrer pela superação da consciência mia política inglesa e a prática e a ciên
vinculada ao passado e pela emergên· cia política francesas ·, entendido este
Debates Contemporâneos
como um coroamento e uma supera· bltrio que não só retira à teoria sua história e. ~m. na tP.Oria em geral da SClONia·
ção da dência das nações mais avança- possibilidade de afirmar-se como força de e das ll!is de 'ua evolucao. qurr dizer, na
das da época, transformou-se em um material, como c, de fato. uma sujei- soci<:>logia " (Bokh.l<in, 1974, p. 114.)
8... N.\o t verdade qt•e a filusofia da práxi.s
esquema defin~ivo. Assim, cada um t;Ao ã realidade presente; ou o praticis·
's.ttpara'" estrutUfll das ~•perestruturas quan-
desses movimentos, tomado isolada· mo, expressão de uma fase econõmi· do. pelo rontráuo, con<.tbe seu desenvnl~
mente, é apresentado como antecipa· co-corporativa em que a possibilidade mento como intimamente vinculado e neces--
ção da filosofia, da economia c da poli· da passagem da estrutura às superes· S.1riame:nle inter.r~acion.ldo e ft'dpfoco'" (Q
tica marxistas (Q p. 1246 e 1448). truturas complexas é afastada, ou seja, p. noo).
Em segundo lugar, a fratura entre onde a condição de subalternidade po-
Referê ncias Bibliográfica s
materialismo histórico e materialismo lítica e intelectual é aceita (Q p. 1386- AGOSTI, Aldo. As w rrente.s constitutivas do
dialético que é possivel encontrar no 1387; 1580 e 1588). movimento comunista internaetona;l". In:
Ensaio popular de Nicolai Bukhárin, A superação dessas fraturas deve IIOBSBAWN, Eric. (org. }. Historio do marxis-
I,.!NI\> IRSiO,\DI 1: dOC"IIU"IiE UF..~·• XII!. C\.:,=., _.J"'ho Ir.: 2:lO.S '6/