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Capítulo 1

Introdução à Comunicação Digital

A característica principal de sistemas de comunicações digitais é que estes lidam


com um conjunto finito de mensagens a serem transmitidas através do canal. Para que
a transmissão seja efetuada com alta confiabilidade, várias técnicas de processamento
digital de sinais foram propostas nas últimas décadas, conforme ilustra a Figura 1.1.
Os blocos superiores indicam o processamento da informação da fonte até o modu-
lador, enquanto o blocos inferiores indicam o processamento de sinais do receptor
até o destino. Uma breve descrição de cada bloco será dada a seguir. Convém desta-
car que, dependendo da aplicação, alguns blocos são facultativos e as seqüências de
operações podem ser trocadas.
A fonte de informação emite símbolos discretos. Quando a fonte for de natureza
analógica, como, por exemplo, sinais de voz, vídeo, assumiremos que os procedi-
mentos de digitalização de sinais convertem a saída da fonte em uma seqüência de
símbolos discretos. Uma fonte discreta é caracterizada por um alfabeto, por uma taxa
de informação (em símbolos por segundo) e por uma distribuição de probabilidade
de emissão de seqüências de símbolos. A partir destes parâmetros, constrói-se um
modelo estatístico para a fonte de informação.
O codificador de fonte converte uma seqüência de símbolos de informação em
uma seqüência de símbolos codificados com o objetivo de reduzir a redundância con-
tida na informação a ser transmitida. Uma transmissão eficiente é obtida através
da representação de uma seqüência de símbolos da fonte em uma seqüência binária
usando o menor número de bits possível. A cifragem torna a informação incom-
preensível àqueles destinatários não autorizados a recebê-la. A cifragem permite a
transmissão de informação de forma sigilosa. O codificador de canal introduz uma
redundância, de maneira controlada, na seqüência de símbolos à sua saída, de tal
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CODIFICADOR CODIFICADOR
FONTE CIFRAGEM MODULADOR
DE DE
FONTE CANAL

si (t)

CANAL

r(t)

DECODIFICADOR DECODIFICADOR
DESTINO DECIFRAGEM RECEPTOR
DE DE
FONTE CANAL

Figura 1.1: Diagrama em blocos de um sistema de comunicações.

forma que o decodificador de canal usa esta redundância para controlar os efeitos
dos ruídos e distorções causados pela passagem do sinal transmitido pelo canal de
comunicações.
Como o canal de comunicação é de natureza analógica, o modulador mapeia uma
seqüência de símbolos na sua entrada em uma seqüência de formas de onda (sinais)
adequada para transmissão pelo canal. O projeto do modulador envolve a escolha de
vários parâmetros, como, por exemplo, o formato e a duração das formas de onda
e a potência média transmitida. Ao longo de sua propagação pelo canal, o sinal
transmitido é distorcido por sinais interferentes e é corrompido por sinais aleatórios
conhecidos genericamente como ruídos. Como uma conseqüência, uma réplica exata
do sinal transmitido não pode ser obtida no receptor. O sinal recebido é descrito em
termos da caracterização estatística do canal e da fonte de informação. O objetivo do
receptor não é reproduzir a forma de onda transmitida com precisão, como ocorre nos
sistemas analógicos, mas é processar o sinal recebido tendo como base esta caracte-
rização estatística e decidir, dentro de um conjunto finito, qual a seqüência de formas
de onda transmitida. Após tomar esta decisão, o receptor usa um mapeamento in-
verso em relação ao usado pelo modulador para determinar a seqüência de símbolos
discretos na saída do receptor.
A seqüência recebida é processada pelo decodificador de canal que faz uso da re-
dundância introduzida para detectar ou corrigir erros em relação aos dados transmiti-
dos. O decifrador transforma a seqüência presente na sua entrada em uma seqüência
inteligível ao usuário. O decodificador de fonte reinsere a redundância originalmente
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removida pelo codificador de fonte, a fim de reproduzir os dados provenientes da


fonte o mais fidedignamente possível. Por fim, a informação é entregue ao destinatá-
rio final.
Outros blocos funcionais podem existir em sistemas práticos, mas por uma ques-
tão de brevidade estes não estão descritos na Figura 1.1. Como exemplo de tais
blocos, citamos os procedimentos de acesso múltiplo que combinam sinais de dife-
rentes fontes para que estes compartilhem os mesmos recursos do canal, o circuito
sincronizador de relógio que provê uma estimativa do início e final de cada forma de
onda, e o equalizador que pode ser incorporado ao receptor para reduzir distorções
no sinal transmitido.
Observa-se uma crescente utilização de técnicas de comunicação digital na mai-
oria dos serviços de telecomunicações, a ponto de se prever para o futuro a evolução
da maioria dos sistemas analógicos em direção à digitalização. Esta tendência pode
ser explicada por vários motivos, entre os quais destacamos:

• Facilidade de regeneração do sinal digital. O uso de repetidores regeneradores


permite a recuperação perfeita do sinal transmitido, exceto por alguns erros
que podem ser controlados no projeto do sistema.

• Incorporação de técnicas de processamento digital de sinais: códigos correto-


res de erro, codificação de fontes. Estes procedimentos resultam em uma maior
imunidade ao ruído.

• Possibilita o uso de métodos criptográficos para manter a integridade da informa-


ção.

• Flexibilidade. Diferentes tipos de sinais digitais (voz, vídeo, dados) com dife-
rentes taxas podem ser tratados e manipulados como símbolos binários e po-
dem ser combinados usando técnicas de multiplexação por divisão de tempo.

• Permite diferentes garantias de Grau de Serviço; pode-se especificar priorida-


des.

• Possibilidade de usar várias técnicas de acesso múltiplo: TDMA, CDMA.

• Implementação em circuito digital VLSI (baixo custo e ocupação de espaço).

• Baixo consumo de potência.

Algumas desvantagens do uso de sistemas digitais:


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• Algoritmos complexos, procedimento de controle e protocolos devem ser usa-


dos.

• Necessidade de circuitos de sincronização.

• Interferência intersimbólica para taxas elevadas - necessidade de equalização.

O Canal Discreto
Observando o diagrama de blocos da Figura 1.1 podemos definir um canal discreto
como o cascateamento do modulador, canal e receptor, de tal forma que a entrada e a
saída do canal discreto são ambas símbolos discretos. A Figura 1.2 ilustra os blocos
que constituem o canal discreto. Em cada intervalo de duração T , denominado inter-
valo de sinalização, uma seqüência de L símbolos binários, b1 b2 · · · bL , é a entrada
do modulador. O modulador mapeia esta seqüência em uma forma de onda perten-
cente a um conjunto com M = 2L elementos, {si (t)}M i=1 , transmitindo uma delas.
Este conjunto de M sinais define um esquema de modulação digital. Em geral, estes
sinais diferem entre si na fase, amplitude ou freqüência de uma portadora senoidal.

b1 b2 · · · bL si (t) r(t) b̂1 b̂2 · · · b̂L


MODULADOR CANAL RECEPTOR

CANAL DISCRETO

Figura 1.2: O canal discreto.

O receptor observa o sinal r(t) e baseado em um modelo probabilístico para este


sinal, escolhe uma seqüência decodificada, b̂1 b̂2 · · · b̂L , que idealmente deveria ser
uma réplica da seqüência transmitida. Devido ao ruído e distorções presentes no ca-
nal, o sistema decisório é vulnerável a erro, existindo, portanto, uma probabilidade
de erro entre os símbolos transmitidos e os símbolos na saída do receptor. Neste
contexto, o processo de transmissão da informação é de natureza probabilística. A
probabilidade de erro de símbolo é definida por:

P (e) = P (b1 b2 · · · bL 6= b̂1 b̂2 · · · b̂L ). (1.1)

Este parâmetro é uma medida de desempenho do par modulador/receptor. Em geral,


a probabilidade de erro depende da estatística dos símbolos da fonte, dos parâmetros
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dos sinais transmitidos, da estatística dos ruídos introduzidos pelo canal e da estrutura
do receptor. Para um dado modelo estatístico de um canal de comunicações, o de-
senvolvimento de estratégias de modulação e recepção e o cálculo da probabilidade
de erro são de grande importância para o projeto de um sistema de comunicações
digitais.
Um outro recurso importante em sistemas de comunicações digitais é a largura
de faixa do canal de comunicações, que é definida como a faixa de freqüência alo-
cada para a transmissão do sinal. As restrições de largura de faixa são devidas às
limitações físicas do meio de transmissão e dos componentes eletrônicos usados para
implementar o transmissor e o receptor. A limitação da largura de faixa estabelece a
máxima taxa de informação (em bits por segundo) transmitida pelo canal.
Cada esquema de modulação digital necessita de diferentes requerimentos de po-
tência do sinal transmitido, largura de faixa e complexidade de decodificação para
obter um valor preestabelecido para a probabilidade de erro. A meta de um pro-
jetista de um sistema de comunicações digitais é maximizar a taxa de transmissão,
provendo serviços com baixa probabilidade de erro a um grande número de usuários,
com baixos requerimentos de largura de faixa, potência e complexidade. Entretanto,
existem limitações teóricas e tecnológicas que impedem que estes objetivos sejam al-
cançados simultaneamente, gerando um compromisso entre as metas desejadas pelo
projetista. A estrutura conceitual deste texto consiste em estabelecer os compromis-
sos entre estes recursos que são fundamentais para a análise e projeto de um sistema
de comunicações digitais. Na maioria dos canais de comunicações um recurso pode
ser mais importante do que outro, gerando a seguinte classificação:

• Canais limitados em faixa ou potência: o canal telefônico é limitado em largura


de faixa, enquanto que o canal satélite é limitado em potência.
• Canais lineares ou não lineares: o canal telefônico é linear, enquanto que o
canal satélite é usualmente não linear.
• Canais variantes no tempo ou invariantes no tempo: uma fibra óptica é invari-
ante no tempo, enquanto o canal de telefonia móvel é variante no tempo.

Modelos Matemáticos Para Canais de Comunicações


A construção de modelos matemáticos que reflitam as principais características do
canal de comunicação é de fundamental importância para o projeto de moduladores e
receptores. Existe um compromisso entre a simplicidade do modelo e a sua precisão
em caracterizar o meio de transmissão. A seguir, faremos uma breve descrição de
três modelos amplamente adotados para canais de comunicações.
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Canal aditivo Gaussiano. Em um primeiro enfoque de um sistema de comunica-


ções digitais adotaremos o modelo denominado ruído aditivo Gaussiano branco
(RAGB). Considera-se que o sinal transmitido si (t) é corrompido por um ruído adi-
tivo modelado como um processo estocástico Gaussiano com densidade espectral de
potência plana em toda a faixa de freqüência, denotado por n(t). Este ruído inclui
o ruído térmico dos equipamentos de transmissão e recepção e a radiação detectada
pela antena receptora. Uma motivação teórica para este modelo reside no Teorema
do Limite Central que estabelece que a distribuição de probabilidade de uma variável
aleatória resultante da soma de várias variáveis aleatórias independentes tende a uma
distribuição Gaussiana. Este canal é responsável por erros ocasionais na seqüência
de símbolos na saída do receptor. Neste caso, o processo de erro é dito ser estatisti-
camente independente, não havendo dependência estatística entre erros em intervalos
sucessivos. Este canal é classificado como canal sem memória. O canal RAGB é ma-
tematicamente tratável e descreve razoavelmente o tipo de ruído presente em vários
sistemas de comunicações. O sinal recebido escreve-se na forma:
r(t) = si (t) + n(t).

Canal linear limitado em faixa. Em várias aplicações, devido às limitações na


largura de faixa disponível para transmissão, o sinal modulado é filtrado antes da
transmissão para que este seja acomodado na largura de faixa disponível. Este canal
é matematicamente descrito por um filtro linear e invariante no tempo seguido de um
canal RAGB. Denotando por h(t) a resposta ao impulso do filtro, o sinal recebido é
da forma: Z ∞
r(t) = si (τ ) h(t − τ ) dτ + n(t).
−∞
Canais telefônicos são geralmente modelados como canais lineares limitados em
faixa.
Canal linear variante no tempo. Os canais em que o sinal transmitido propaga-
se por múltiplos percursos descritos por parâmetros variantes no tempo são modela-
dos como filtros lineares variantes no tempo com resposta ao impulso h(t, τ ), onde
h(t, τ ) é a resposta do canal no instante t a um impulso aplicado no instante t − τ . O
sinal na saída do canal é da forma:
Z ∞
r(t) = si (τ ) h(t, τ ) dτ + n(t).
−∞
Os canais de comunicações móveis são modelados como canais lineares variantes
no tempo. Neste caso, os erros são estatisticamente correlacionados, causando, con-
seqüentemente, erros (ou acertos) na forma de surtos.

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