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Gi Editora Belania CONFORME Um dos autores mais importantes dos ultimos tempos mostra como nos tornarmos semelhantes a Jesus, refletindo sua imagem perante 0 mundo. —_Oswald Chambers _ Autor de Tudo Para Ele e Obreiros de Deus Editora\W®) Betania BELO HORIZONTE 2002 Do oriinaL Conformed to His Image © 1996 by Oswald Chambers Publication Association Limited © 2002 by Editora Betania PUBLICADO ORIGINALMENTE POR Marshall, Morgan & Scott em 1975 TRAOUGAG Myrian Talitha Lins REVISAG Allan H. McLeod Gara Inventiva Comunicagio Foto 0A Gara Stock Photos Composigéo & IMpRessao Editora Betania Ficha catalografica elaborada por Ligiana Clemente do Carmo. CRB 8/6219 Chambers, Oswald Conforme a sua imagem / Oswald Chambers ; traducio de Myrian Talitha Lins ; reviso de Allan H. McLeod ~ Belo Horizonte : Betania, 2002. 136 p.; 21 cm. Titulo original: Conformed to his image, 1996 N 85-358-0069-7 jida crista. 2. Cristianismo. I. Titulo. CDD 230.044 201.1 14 epigda, 2002 E proibida a reproducdo total ou parcial deste livro, sejam quais forem os meios empregados: eletrénicos, mecanicos, fotograficos, gravacdo ou quaisquer outros, sem permissao por escrito dos editores. TOOOS OS OIREITOS RESERVAOOS PELA Editora Betania S/C Rua Padre Pedro Pinto, 2435, Venda Nova 31570-000 Belo Horizonte, MG Caixa Postal 5010, 31611-970 Venda Nova, MG PRINTED IN BRAZIL . A Psicologia da Fé — III CONDON AWNe . Cristianismo Sacramental . . O que Jesus Sabe com Certeza. indice Prefacio O Pensamento Cristao A Psicologia da Fé - 1. A Psicologia da Fé — II Comentérios em Lamentagées . O Dever do Coragao A Santidade A Maturidade Espiritual . O Perfeito Amor...... Como o Apéstolo Paulo Agradecia . Os Problemas do Mundo... O Erro Fatal da Indignagao do integro Os Paradoxos Divinos Relembrar o Pecado Celebragao ou Rendi Prefacio Até onde sabemos, nao existe nenhum registro de que al- guém tenha dormido numa palestra de Oswald Chambers. Pode até ter acontecido, mas é meio dificil imaginar que uma pessoa fosse ficar sonolenta ouvindo um pregador de personalidade tio cativante e palavras tao dindmicas. Chambers era um ho- mem que comunicava a realidade de Cristo a crentes e a céti- cos. E ele nao se contentava em apresentar meras teorias. Em todas as suas mensagens, sempre introduzia a questdo de nos devotarmos totalmente Aquele que morreu na cruz para que pudéssemos ter em nés a vida dele e nos tornar filhos de Deus, “tendo uma forte semelhanga com Jesus”. As palestras aqui publicadas foram proferidas para os alu- nos da Escola de Treinamento Biblico, de Londres (1911 a 1915); em reunides da “Liga de Oragao”, em diversos lugares da Gra-Bretanha; e para soldados britanicos, no acampamen- to da Associagéo Crista de Mocos de Zeitoun, Egito, durante a Primeira Grande Guerra (1915-1917). Lendo atentamente, o leitor perceber4 que, em todo 0 li- vro, ele repete os mesmos assuntos bdsicos. Chambers era antes de tudo um mestre, e procurava fixar bem nos ouvintes Conforme a Sua Imagem © ponto principal de seu ensino. Independentemente da ca- racterfstica do auditério ou do local, o ponto central de sua mensagem era sempre a Pessoa de Cristo e a vida que 0 Se- nhor concede a todos aqueles que 0 recebem. Publicamos este livro com o desejo de que ele traga inspi- ragdo e uma nova esperanca a todo leitor que é um seguidor de Cristo, e nesse sentido estamos orando. 0 Pensamento Cristao “Nao posso subir as alturas que me mostras, Nem mergulhar nas profundezas que me revelas. Mas basta-me saber que as alturas sao para se conhecer E as profundezas, para se sentir.” (Jean Ingelow.) A posigao mais segura, no que diz respeito ao pensamento cristéo, é nos lembrarmos sempre de que existem profundezas que nao conseguimos compreender, ¢ alturas que nao pode- mos conhecer. Isso nos confere humildade e reveréncia. Im- pede que nos confinemos numa experiéncia pessoal rigida e individual. Alids, pensar ndo é 0 fato de maior importancia para nés; a vida é que é. Jamais comecamos a vida pensando, nem no plano fisico, nem no espiritual. Praticar 0 pensamento cris- tao implica pensar em termos de fatos, nado em termos espi- rituais. Muitas pessoas tém uma experiéncia correta, e a vida de Deus esta nelas. Contudo nao pensam em termos de fa- tos, e quando estes ocorrem, sentem-se confusas. Se quiser- mos praticar corretamente 0 pensamento cristéo e procurar Conforme a Sua Imagem compreender nossa experiéncia, temos de fazé-lo pelo inte- lecto, e ndo apenas no plano espiritual. AREDENCAO “Para mim, a mensagem do evangelho ¢ irresistivel. Sendo como sou, cheio de concupiscéncia, orgulho, inveja, maldade, édio e de uma falsa virtude, e tudo isso tendo me causado mui- ta infelicidade, o evangelho da graca de Deus, da redengao de Cristo, da regeneragio e da santificagdo do Espirito Santo me é simplesmente irresistivel. E néo consigo entender por que ele nao seria igualmente irresistivel para todos os mortais nascidos de mulher.” (Pascal.) A redengio é 0 principal fato exterior da fé cristé. Ela tem a ver ndo apenas com a experiéncia de salvagdo do homem, mas também com as bases do pensamento humano. O plano da redengao revela que Jesus Cristo veio ao mundo a fim de que, com sua morte, oferecesse a toda a humanidade a possi- bilidade de ser redimida. Desse modo, ele criou condigées para que todos os homens pudessem voltar a ter perfeita co- munhio com Deus. Ele disse: “Eu te glorifiquei na terra, con- sumando a obra que me confiaste para fazer” (Jo 17.4). O que foi que ele “consumou”? A redengdo do homem. Isso sig- nifica que o homem nao sera redimido. Ele j4 estd redimido. O Senhor Jesus disse: “Est4 consumado”. O que ele realizou nao foi a salvagdo de individuos, como eu e vocé, por exem- plo. O que ele fez foi criar condig6es para que toda a raga humana pudesse ser salva. Ser4 que cremos nisso? Pensemos no pior individuo que conhecemos, alguém com quem no temos a menor afinida- de, que constitui um espinho em nossa carne. Serd que conse- guimos vé-lo como um “homem perfeito em Cristo”? Se pu- dermos, entdo j4 alcangamos o principio do pensamento cris- tao. Deveria ser facil para o crente, que pensa, imaginar todo e qualquer tipo de pessoa sendo apresentado “perfeito em Cris- to”. O problema € que raramente pensamos nesses termos. Um sincero pregador do evangelho pode dizer para alguém: “Ah, eu creio que Deus pode salva-lo!” Contudo, bem [4 no fundo de seu ser, pode estar achando 10 O Pensamento Cristio que ndo hé muita esperanga para aquela pessoa. O maior em- pecilho para Jesus Cristo operar na alma de alguém é nossa propria incredulidade. “E nao fez ali muitos milagres, por causa da incredulidade deles.” (Mt 13.58.) Entretanto, assim que su- perarmos essa dificuldade de crer que Jesus Cristo tem poder para salvar, seremos verdadeiros “geradores” do poder de Deus para os homens. “E nao ha salvacdo em nenhum outro; porque abaixo do céu nao existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos.” (At 4.12.) Je- sus ocupa uma posi¢do singular e intransferivel no que diz res- peito a nossa salvagéo. Seré que estamos exercitando uma fé inabaldvel na redengdo dos homens? Ou estaremos permitindo que os pecados e erros deles enfraquecam nossa fé no poder de Jesus Cristo para salv4-los, impedindo-nos de alcangé-los? “Quem crer em mim (isto 6, quem exercitar uma fé viva na redengio)... do seu interior fluirao rios de 4gua viva.” (Jo 7.38.) Precisamos ser muito fiéis a Deus, to fiéis que, através de nés, ele possa despertar aqueles que ainda nao se deram conta de que estdo redimidos. E necessdrio que facamos distingdo entre a revelacao divi- na acerca da redengdo e a experiéncia de regeneragdo. Nés nao experimentamos a vida; nés estamos vivos. Da mesma forma, néo experimentamos a redengdo, mas a regeneracio, isto é, a vida de Deus que entra em nossa natureza humana. Assim que a vida divina entra em nés, ela produz certa parce- Ja de consciéncia espiritual. Entretanto a redengdo em si mes- ma nao se limita apenas aquilo de que estamos conscientes; é bem mais ampla. A redengio nao se restringe ao homem, mas alcanga o Universo e a Terra. Jesus Cristo redimiu tudo que 0 pecado e o diabo macularam. Chegaré o dia em que essa re- dengao se manifestaré visivelmente. Isso se daré quando hou- ver “novo céu e nova terra”, com uma nova humanidade resi- dindo neles. Se nao fizermos uma distingao clara entre reden- co e regeneracio, ficaremos confusos. O crente tem uma experiéncia de regeneracdo, mas a maioria nao pensa no que foi que ocasionou essa experiéncia. Entéo, quando ouvem fa- lar sobre a grandiosa revelagéo da redengao, sentem-se con- fusos. O que o homem experimenta é a fé em Jesus, mas isso re Conforme a Sua Imagem € a porta de entrada para a tremenda e maravilhosa experién- cia de conhecer a Deus. “E a vida eterna é esta: que te conhe- gam a ti, o unico Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.” (Jo 17.3.) A Biblia focaliza os fatos fundamentais da vida humana. Um deles é a inclinagao para o pecado, presente em todos os ho- mens. Um dos sentidos do termo “solidariedade” é unidade de interesses. Quando falamos em “solidariedade da raga huma- na”, queremos dizer que existe um elo fundamental que une todos os seres humanos. No plano espiritual, esse elo é a heran- ¢a de pecado, que entrou no mundo por meio de um homem, nao do diabo. “Portanto, assim como por um sé homem entrou © pecado no mundo... porque todos pecaram.” (Rm 5.12.) Quando 0 apéstolo Paulo diz “Sabendo isto: que foi crucificado com ele o nosso velho homem” (Rm 6.6), estd se referindo a essa heranga. Pela redencio, ficamos livres da inclinagéo para o pecado e do corpo do pecado, ao qual estavamos ligados por causa do “velho homem’”. Ou seja, achamo-nos libertos, de for- ma total e absoluta, tanto da inclinagéo para pecar como do dominio do pecado. Estamos “libertados do pecado”. Se alguém nao enxergar com clareza essa universalidade do pecado, nao compreenderé que precisa de redengao. A redengao, portanto, nao incide basicamente sobre os pecados de um individuo, mas sobre os de todos os homens. Ela atinge algo mais fundamental, isto é, a heranga de pecado. O falso evangelismo joga o foco sobre 0 individuo, e assim esté deturpando o maravilhoso signi- ficado da redengéo, mostrando-o como sendo posse de uma pessoa. E assim fala-se em “a salvacao da minha alma”. A base do pensamento cristdo € 0 fato de que Deus redimiu © mundo, livrando-o da condenagio que ele receberia por cau- sa da heranga do pecado. “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, nado imputando aos homens as suas trans- gress6es.” (2 Co 5.19.) A revelacdo que recebemos nao é ape- nas que Jesus Cristo sofreu 0 castigo em nosso lugar, mas que “Aquele que no conheceu pecado, ele o fez pecado por nés; para que, nele, fossemos feitos justiga de Deus” (v. 21). Em nenhum momento, Deus culpa o homem por haver herdado a disposigéo para pecar, assim como nao nos responsabiliza pelo 12 O Pensamento Cristao fato de termos nascido. Nao temos nada a ver com nosso nasci- mento nem com os caracteres que herdamos, pois néo pude- mos decidir nada a esse respeito. Mas alguém pode perguntar: “Se Deus nado me responsabiliza por ter essa inclinagao er- rada, entao, de que é que ele me responsabiliza?” O que ele nos pede conta é do fato de nao permitirmos que Jesus Cristo nos liberte dessa inclinacao, depois que com- preendemos que foi essa a missao dele aqui na Terra. O ho- mem recebe o selo da condenagdo quando enxerga a luz da verdade, mas prefere continuar em trevas. (Ver Jodo 3.19.) Quem olhar para Jesus pela dtica da humanidade em geral nunca ficaré sabendo quem ele é de fato. Contudo, assim que o enxergar como Deus “manifestado na carne” com 0 objetivo de recolocar a humanidade na posigéo que Deus determinou para ela, entenderé o significado de redengéo. O aspecto mais mara- vilhoso dessa obra é que ela constitui a propiciagdo para todos os homens. De certa forma, por intermédio da cruz de Cristo, os homens estdo “condenados a ser salvos”. Agora, ser discfpu- lo ja é outra questdo. Hi certos acontecimentos que Deus pre- tende realizar neste mundo que sé poderao ser concretizados por aqueles que se dispuserem a preencher todas as condigdes para serem discfpulos. Com base na redengo, quando alguém entrega a vida a Jesus Cristo e recebe o dom do Espirito Santo, pode se tornar discipulo na pratica. Ou seja, pode manifestar em sua carne mortal “a vida de Jesus”. OHOMEM “Que é ohomem, que dele te lembres?” (S18.4.) O Homem e a Humanidade “Criou Deus, pois, o homem @ sua imagem, a imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.” (Gn 1.27.) Existe apenas um Filho unigénito de Deus e apenas um filho criado por Deus, mas existem intimeros filhos regenera- dos, por meio da redengao. Aqui, entao, temos trés categorias de filhos. 13 Conforme a Sua Imagem A Biblia fala apenas de dois homens: Ado e Jesus Cristo. O termo que designa toda a raga humana, todos os seres hu- manos, é “humanidade”. Deus nao criou a nés 4 sua imagem e semelhanga. Quem ele criou dessa maneira foi o cabega uni- versal da raga, Addo. “No dia em que Deus criou o homem, a semelhanga de Deus 0 fez; homem e mulher os criou, e os abencoou, e lhes chamou pelo nome de Adao, no dia em que foram criados.” Numa outra versio hé uma nota de margem que diz “pelo nome de Homem” (Gn 5.1,2). Para que a cria- ao ficasse completa, era necessdrio que Deus formasse tanto o homem como a mulher. Jesus Cristo é 0 tiltimo Adao, no sentido em que ele revela em si as caracterfsticas de El Shaddai, o Deus Pai e Mie, todas elas embutidas nessa singular mani- festagdo divina que é a encarnagao. Como o Homem Era “Entao, formou o Senhor Deus ao homem do pé da terra e the soprou nas narinas o félego de vida.” (Gn 2.7.) Sabemos que Deus criou o homem por uma revelacio, e ndo por uma dedugfo a que chegamos por meio do racioci- nio. Nés nunca vimos o Homem. Deus criow a Terra, e depois “formou... a0 homem do pé da terra”. Ou seja, ele ndo fez o corpo humano aparecer através de um decreto criador. Deus “esculpiu” um corpo do pé, da matéria j4 criada, de acordo com um projeto que havia em sua mente. Desse modo, tanto Adao como Jesus Cristo vieram diretamente da mao de Deus. Nés nado somos uma criagéo de Deus. Somos procriados por intermédio de nossos pais. E houve uma mistura na heranga que recebemos. Essa € a razio por que temos tantas indaga- ges. “Entao, formou o Senhor Deus ao homem do pé da ter- ra.” Nao ha nada de errado com a matéria. O problema é que, no homem, essa matéria foi contaminada pelo pecado, que nao é material. O pecado nao se encontra na matéria e em nada do que é material. Se ele se encontrasse nela, nio poderiamos dizer que Jesus Cristo, criado “em semelhanga de homens”, “estava sem pecado”. O texto de Génesis 2.7 revela que a natureza humana era 14 O Pensamento Cristo espiritual e sensorial. Deus 0 formou do pé da terra, e em seguida soprou em suas narinas o félego de vida. Portanto o homem € um composto de pé e divindade. £ impossivel para nés imaginarmos como Adao era antes da queda. O corpo dele devia ser reluzente, devido 4 sua comunhao com Deus. Entretanto, assim que ele resolveu assumir 0 controle de sua vida, perdeu essa comunhio e a cobertura de luz e gléria que possufa e que nés ndo temos como compreender. Ademais, ele perdeu também 0 dominio sobre a Terra, dominio esse que Deus lhe atribufra. “Deste-Ihe dominio sobre as obras da tua mao.” (SI 8.6.) Os homens que controlam a prépria vida ndo tém dominio sobre mais nada. Eles podem até achar que dominam sobre a vida na terra, no mar e no ar. Na verdade, porém, eles s6 podem exercer esse controle sob as condigdes em que Deus lhes permite exercé-lo, isto é, se reconhecerem 0 dominio do Senhor sobre eles. O tnico Ser que viveu neste mundo da maneira como Deus queria que o homem vivesse foi Jesus Cristo. Ele nao teve dificuldade para dominar a cria- ¢40 porque praticou uma obediéncia constante & palavra e a vontade do Pai. “Quem € este que até os ventos e o mar lhe obedecem?” (Mt 8.27.) Podemos enxergar as capacidades do homem como algo maravilhosamente promissor do que ele ainda vai ser. A Biblia, porém, mostra o ser humano como os destrocos daquele ser projetado por Deus. A humanidade hoje traz em si os restos — os “cacos” — do primeiro ser criado. Tais restos so provas evidentes da magnifica estrutura que Deus formou no principio, e nao promessas daquilo que o homem um dia sera. Como o Homem é “Bramos, por natureza, filhos da ira." (Ef 2.3.) Quando Jesus disse “Vés sois do diabo, que é vosso pai” (Jo 8.44), estava se dirigindo a lideres religiosos que persistiam em nao crer nele, e ndo a todos os homens. “Eramos, por natureza, filhos da ira.” (Ef 2.3.) O amor de Deus e sua ira sdo como as duas faces de uma mesma moeda. E a ira divina é tao positiva quanto o amor do Senhor. Ele nao 15 Conforme a Sua Imagem pode concordar com 0 pecado. O homem que vive separado de Deus esta disposto sobre uma base moral de ira e caos, nao porque o Senhor esté irado, como um deus Moloque se ira. Isso se dé porque é dessa forma que Deus estabeleceu tudo. A ira divina permanece 0 tempo todo enquanto o homem per- sistir em caminhar na direcado oposta a Deus. No instante em que ele se virar, encontra o amor do Senhor. A ira de Deus é uma sombra escura em seu rosto e expressa o édio que ele tem para com o pecado. Nossa vida civilizada nao passa de uma fina camada de verniz que encobre a ira e 0 caos. E essa camada nos protege de tal forma que nao enxergamos 0 quanto precisamos de Deus. A verdade, porém, é que, quando a cala- midade nos sobrevém, nado temos em que nos segurar. Em diversos momentos da histéria da humanidade, o homem transformou a vida num caos. Os seres humanos procuram a verdadeira vida em tudo, menos no Senhor. E jamais a encon- tram. O que encontram sfo os insistentes “Pés” que andam atras deles o tempo todo. Mas numa cagada sem pressa, Num passo tranqiiilo, Num ritmo deliberado, Numa insisténcia majestosa, Eles caminham ~ e a Voz chama Com maior insisténcia que os Pés - e diz: “Tudo te trai, a ti que traisa Mim” “Tudo foge de ti, de ti que foges de Mim.”* Todo amor, justiga e nobreza que existem no mundo acham- se subordinados a Jesus Cristo. E s6 sao de alguma valia para nés quando reconhecemos que eles emanam dele. A encarna- do € 0 proprio coragéo de Deus manifesto no plano do caos e da ira. Tudo que Jesus passou quando entrou na esfera do tem- po, se resume nas palavras: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Mt 27.46.) Jesus Cristo penetrou direta- *Extraido do poema The Hound of Heaven (O co farejador celeste), de Francis Thompson. O Pensamento Cristéo mente nas profundezas da ira de Deus. Ele assumiu a condi- cdo humana desta raga que caira e nao conseguia se levantar. E, com seu préprio Ser, aniquilou a ira, a ponto de nao haver mais “condenago para aqueles que estéo em Cristo Jesus”. A ira nao pode mais tocar neles. Como o Homem Seré “Também os predestinou para serem conformes & imagem de seu Filho,” (Rm 8.29.) A ordem divina se vé apenas no inicio e no fim. Entre um e outro fica o registro das tentativas humanas de ordenar tudo a nossa maneira. O homem voltar4 a ser conforme a imagem de Deus, nao pela evolugdo, mas pela redengio. O objetivo da redencao nao € simplesmente operar a regeneragio de indivi- duos, mas reabilitar toda a raga humana e recolocd-la onde Deus queria que ela estivesse. Assim, com base na obra reali- zada por Jesus Cristo na cruz, qualquer ser humano pode re- ceber a heranga genética do Filho de Deus, isto 6, o Espirito Santo. A tarefa que Jesus tinha para realizar era levar o ho- mem pecador de volta para Deus, perdoar seus pecados e tornd-lo santo, como o prédprio Jesus é. E ele, sozinho, a reali- zou. A revelacgao que temos € que Jesus Cristo, o tiltimo Adio, foi feito “pecado”, aquilo que separou o homem de Deus, e removeu esse pecado pelo seu sacrificio na cruz, “para que, nele, féssemos feitos justiga de Deus” (2 Co 5.21). Assim ele elevou a raga humana, recolocando-a nao em Adio, onde ela ja estivera, mas onde ela nunca esteve: nele mesmo. “Ainda nao se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quan- do ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque have- remos de vé-lo como ele é.” (1 Jo 3.2.) O PECADO Hoje em dia o homem tem rejeitado a idéia de que a reve- lagdo biblica sobre 0 pecado é altamente positiva. Vé-se o pe- cado apenas como algo de muito errado. Contudo a visio bi- blica dele é a de que existe um erro profundo na base de tudo. Tomamos conhecimento do pecado por uma revelacio, e néo 17 Conforme a Sua Imagem pelo raciocinio. Alids, o homem natural nem se importa mui- to com o pecado. Na verdade, ele nao sabe 0 que € pecar; 0 crente é que o sabe. Se nao fizermos distingdo entre pecado e pecados, estaremos depreciando a redengao. Ela nao passaré de “muito barulho por nada”. Nao faz sentido falarmos que um homem precisa experimentar a redengdo para que ele pare de pecar. Ele pode parar pela propria forga de vontade. Rece- bendo uma boa educagio, também ele pode evitar certos atos pecaminosos. O erro é negarmos que no cerne da raga huma- na existe uma heranga de pecado. Tal negagao constitui uma blasfémia contra a redencdo. A tnica palavra que expressa com precisdo toda a malignidade do pecado é “Calvario”. “A culpa humana é perene. Nao podemos intimidar Deus para que ele transforme nossa culpa em mérito, ou uma pena- lidade em prémio.” (Ibsen.) Ibsen enxergou bem 0 que era o pecado, mas nunca viu 0 Calvario, nem teve conhecimento do Filho de Deus como Redentor. No Calvario, Deus pagou um alto prego para re- mover o pecado. Nés nao podemos, de modo nenhum, encaré- Jo de forma leviana. Deus criou Adao como um ser sem pecado. Portanto nio era uma questio de ele evoluir de um estado mau para um bom, e sim de passar do estado natural para o espiritual atra- vés da obediéncia. Seria um processo natural. Addo se afas- tou do plano divino. Em vez de continuar vivendo em depen- déncia de Deus, assumiu 0 governo da prépria existéncia, e com isso introduziu o pecado no mundo. Pecar nao é praticar atos errados. E ser errado; é assumir uma deliberada e decisi- va atitude de independéncia de Deus. “Portanto, assim como por um s6 homem entrou o pecado no mundo... porque todos pecaram.” (Rm 5.12.) O problema, entéo, nao é mais uma questdo de desenvolvimento. O que houve é que entrou ai uma forga oponente a Deus que diz: “Nao quero”. E é impossivel mudé-la, fazendo com que diga: “Quero”. Esse “Nao quero” nao é simplesmente um “Quero” imperfeito. Ele nunca vai se evoluir e se transformar num “Quero”. A natureza intrinseca 18 O Pensamento Cristao dele é “Nao facgo”, “Nao farei”. O pecado na verdade é uma rebelido contra o governo divino. Nao é uma conduta impia, mas a propria anarquia contra Deus. Quem jé enxergou cla- ramente o préprio pecado sabe que o que acabei de dizer nao € exagero. Nao quero dizer com isso que os homens se acham cOnscios de sua anarquia. O diabo é 0 tinico ser que pratica a anarquia de forma consciente. O que estou afirmando é que, assim que o homem recebe a iluminagio de Deus, ele percebe que a natureza do pecado € anarquia. E “inimizade contra Deus”; nao “uma situacdo de inimizade”, mas a prépria inimi- zade. Esse principio oponente a Deus nao € natural no ho- mem. Ele nao estava na natureza humana quando o Senhor a criou. Nossa consciéncia raramente tem perfeito conhecimen- to da natureza do pecado. Entretanto, assim que tem, tam- bém sabemos que nao temos nada em nosso espirito que pos- sa nos livrar dela. Somos impotentes para isso. Somos “ven- didos a escravidio do pecado”, como diz Paulo. Jesus afirmou: “Todo o que comete pecado é escravo do pecado” (Jo 8.34). Lembremo-nos sempre de que é preciso que o Espirito Santo nos convenga de pecado para que tenhamos conscién- cia dele. Qualquer homem sabe que é errado praticar a imo- ralidade. Sua consciéncia lhe revela isso. Contudo, para ele se convencer de que aquilo que ele mais aprecia, isto é, governar a propria vida, é “abominacao diante de Deus”, ele precisa da operagdo do Espirito Santo nesse sentido. O que os homens mais valorizam é vencer na vida pela prépria capacidade. E no entanto é 0 que Jesus Cristo mais odeia, pois no centro dessa condigdo esté a atitude de independéncia de Deus. E que, se um homem pode se apoiar nos préprios pés para levar uma vida moralmente correta — € muitos podem — que necessida- de ele tem de Jesus e da salvagio? ou de perdio? Algumas pessoas buscam a Deus movidas por uma terrivel convicgdo de pecados cometidos. Entretanto a convicgdo de pecados néo é © mesmo que conviccio de pecado. Esta nao é a primeira experiéncia de quem chega a Deus. Se comegarmos a evange- lizar um homem procurando convencé-lo de pecado, acaba- remos por conduzi-lo a um plano de salvacgdo, mas, nao, a Jesus Cristo. 19 Conforme a Sua Imagem A esséncia do pecado € nossa alegacéo de que temos direi- tos sobre nés mesmos. Isso € algo mais profundo do que to- dos os atos de pecado que jé cometemos. Essa esséncia nado pode ser perdoada, pois ndo é um ato. Deus sé pode nos per- doar os pecados que cometemos, nao a heranga de pecado que nos leva a pecar. “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiga.” (1 Jo 1.9.) Somos purificados dos pecados pelo milagre da graca de Deus. Quando dizemos a alguém que Deus The perdoa por causa da morte de Jesus na cruz, isso nao pro- voca nele nenhum antagonismo. Entretanto, quando lhe mos- tramos que precisa abrir mao do direito de governar a propria vida, ele assume uma posic¢do antagonica. A idéia que o ho- mem mais detesta é a de que ele nao pode ser senhor de sua vida. Disse Jesus: “Se alguém quer vir apés mim, a si mesmo se negue” (Mt 16.24), isto é, abra mao de seus direitos sobre si mesmo. Ele no disse “Negue seus pecados exteriores”, que, na verdade, sao “frutos” de uma condigéo interior. A questao é: serd que estamos dispostos a abrir mao do direito de gover- nar nossa vida e entregé-lo a Jesus Cristo? Estamos prepara- dos para dizer: “Senhor, assuma o controle de tudo”? Se esti- vermos, entao Jesus Cristo tera um novo discipulo. Hoje em dia néo nos empenhamos mais em fazer discipu- los. Isso é muito demorado. Somos adeptos de um evangelismo ardoroso. Empolgamo-nos com o aumento numérico das “al- mas salvas” que acrescentamos ao rol de membros das igre- jas. Ficamos mais entusiasmados é com aquilo que reflete um grande sucesso. Jesus Cristo preferiu 0 caminho mais longo: “Se alguém quer vir apds mim, a si mesmo se negue”. Pense bem antes de decidir. Nao é plano dele que arrastemos os homens ao reino de Deus em poderosas ondas de evangelismo. Nem é€ para para- lisarmos 0 raciocinio deles por meio de feitos sobrenaturais. Eles devem vir plenamente conscientes, sabendo o que esto fazendo. Um homem que se rende a Deus e se torna discipulo agrada mais ao Senhor do que milhares que sdo salvos, mas nao passam disso. Um grande numero de homens e mulheres que deviam estar na frente da batalha com Deus, quando ocor- 20 O Pensamento Cristio re uma crise, abandonam tudo. E a razao disso nado sio os pecados exteriores, mas algo em seu interior do qual ainda nao abriram mio. Ainda hé algum aspecto de sua vida sobre o qual Jesus Cristo néo exerce pleno dominio, e o discipulado fica prejudicado. Deus nos dé intmeras oportunidades de pro- varmos se realmente j4 rendemos a Jesus Cristo o direito de governar nossa vida. Quem j4 rendeu nao oferece nenhuma resisténcia ao Espirito Santo para que este possa operar atra- vés dele. ONOVO NASCIMENTO Assim que comegamos a examinar as bases de nossa salva- ¢40, damos de frente com os pensamentos de Deus. E nés, os crentes, devemos nos empenhar em pensar os pensamentos de Deus. E af que falhamos. Temos a maior satisfagéo em dize: “Antes eu era assim, agora sou desse modo.” Contudo, se quisermos ser o melhor que pudermos dian- te de Deus, nio basta ter uma experiéncia marcante. Nés ndo estamos pensando de acordo com a mente de Cristo. E por isso que Satands tem podido se apresentar como um anjo de luz e confundir tudo na cabega dos filhos de Deus. O resultado é que tem havido uma separacdo entre cabega e coragéo. Nao existe nada mais simples neste mundo do que alguém se tornar crente. Depois, porém, tudo se torna mais dificil. & que temos de pér de parte “os principios elementa- res da doutrina de Cristo” e deixar-nos levar “para o que é perfeito” (Hb 6.1). “Se alguém nao nascer de novo, no pode ver o reino de Deus.” (Jo 3.3.) Pelas vias naturais, ninguém pode nascer duas vezes. Nisso Nicodemos tinha razéo. “Como pode um homem nascer, sen- do velho?” (Jo 3.4.) Ninguém deveria precisar nascer de novo. E 0 fato de que precisamos desse novo nascimento € prova de que aconteceu algo de errado com a raga humana. De acordo com a filosofia moderna, o homem é um ser em desenvolvi- 21 Conforme a Sua Imagem mento que, no fim do processo, ser4 extraordindrio. Vemos as realizag6es humanas como sendo maravilhosos indicios de como o homem seré. Estamos obcecados com a teoria da evo- lugdo. E no entanto Jesus Cristo fala € de uma revolugao: “Im- porta-vos nascer de novo”. A teoria da evolugdo nao responde a todas as perguntas propostas pela existéncia. Nem todo mundo precisa se converter, isto é, virar-se para outra dire- Ao, que pode ser errada ou certa. Contudo, para poder ver o reino de Deus, todo mundo precisa nascer de novo. Ao ouvir certas pregacgdes do evangelho, ficamos com a impressio de que, para que Jesus Cristo mude a vida de um homem, ele precisa ser um pecador inveterado. E verdade que o Senhor pode pegar qualquer ser humano e transformé-lo num santo. Contudo ele trata nado € somente com os que se acham mer- gulhados em pecado, nao. Quando ele disse: “Nao te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo” (Jo 3.7), estava se dirigindo a Nicodemos, um homem justo e reto, e nado um pecador consumado. Ele dizia: “Sr. mestre de Israel, veja-se como um membro da raga humana caida. E necessério que vocé também nasa de novo.” E muito facil pensar nos sensacionais casos de homens de- pravados que Deus, pela sua graca, esté transformando e co- locando em um plano mais elevado de vida. Contudo ainda existem centenas de outros que no considerarfamos pecado- res no sentido exterior da palavra. Seré que Jesus Cristo faz algo por eles? Ao que parece, muitos crentes nao sabem o que lhes acon- teceu quando experimentaram o novo nascimento. E por isso que continuam voltando 4 experiéncia inicial do perddo dos pecados. Nao continuam até “crescer em tudo”. A expres- sao “novo nascimento” no Novo Testamento sempre tem a ver com santificagdo, e nao com salvagao. Ser salvo significa receber o dom da vida eterna, isto é, “o dom de Deus”. Ser santificado significa que o espirito do homem se tornou o lugar onde o Filho de Deus nasce. “Meus filhos, por quem, de novo, sofro as dores de parto, até ser Cristo formado em vos.” (G1 4.19.) Para que Jesus Cristo esteja em nés, ele tem de entrar em nosso ser, vindo de fora para dentro. Tem de 22 O Pensamento Cristao ser “formado” em nés. Nao se trata de sermos salvos do in- ferno; € a redencdo que opera isso. Agora a redengdo esta atuando em nossa vida consciente. Nés nos tornamos uma “Belém”, para a vida do Filho de Deus. Cabe entdo 4 nature- za humana se sacrificar para que essa outra vida possa se desenvolver. Vez por outra, a vida do Filho de Deus que est4 em nés exige algumas coisas de que nés nado gostamos e que n&o entendemos. Aquilo que Simedo disse 4 Maria - “Uma espada traspassard a tua propria alma” (Lc 2.35) — aplica-se também 4 nossa natureza carnal. Seré que estamos dispos- tos a sacrificar nossa natureza carnal para que a vida do Fi- tho de Deus que hé em nés possa se desenvolver? Ou ser4 que estamos apenas querendo que ele resolva nossos proble- mas? E para nutrirmos a vida de Cristo em nés temos de nos dedicar 4 oracgdo e 4 revelacdo biblica, bem como agir em obediéncia a Deus, nos momentos de crise. Quando nascemos de novo, nossa natureza humana no se modifica. Continua como sempre foi. Nossa maneira de viver a vida também é igual. Em nosso corpo, ainda temos os mes- mos 6rgaos. Contudo a fonte de onde recebemos vida mu- dou. Entéo temos de tomar providéncias para que todos os nossos membros sejam governados por essa nova disposigéo interior. (Ver Romanos 6.13,19.) S6 existe um tipo de nature- za humana: a que todos nés possuimos. Da mesma forma, s6 hé um tipo de santidade: a de Jesus Cristo. Se Ihe dermos “espaco” para operar, ele se manifestar4 em nds, e os outros reconhecerao a presenga dele em nossa vida. O ser humano conhece muito bem seus semelhantes, e sabe perfeitamente qual é a procedéncia de nossa santidade. Quando outros véem em nés determinadas caracteristicas, entendem que elas s6 podem ter origem no Jesus que habita em nés. E nao se trata da manifestagdéo de nobreza humana, mas de uma semelhan- Ga que existe em pessoas da mesma familia, a de Jesus. A mansidao, a pureza e a paciéncia que manifestamos no sio nossas, mas dele. O segredo da espiritualidade consiste em “aposentar” nossa natureza e deixar que a nova disposicao assuma o comando. Sempre estamos ouvindo dizer que pre- cisamos “seguir os seus passos” (os de Jesus). Contudo nao 23 Conforme a Sua Imagem conseguimos. A heranca que hd em nés nao é a de Jesus. Qual- quer um que leia o Sermao do Monte com mente aberta reco- nhece que, para que possa vivé-lo na pratica, tera de mudar algo em seu ser. Ele sabe que em si mesmo nao tem condigées de agir daquela maneira. $6 existe uma Pessoa que pode pra- ticar os ensinamentos desse sermao: o Filho de Deus. Se an- darmos na luz como Deus esté na luz, a natureza santa de Jesus se manifestaré em nossa vida. O que ocorre néo € que recebemos a natureza divina e a partir dai temos de fazer com que ela opere em nossa vida; nao. “Cristo Jesus, 0 qual se nos tornou, da parte de Deus... santificacdo.” (1 Co 1.30.) Ou seja, ele é a natureza santa que recebemos. Disse Jesus: “Bem-aventurados os humildes de espirito” (Mt 5.3). E pela humildade que entramos no reino de Deus. Nio podemos entrar por sermos bons, mas apenas por sermos pro- fundamente humildes. Quando reconhecemos que nfo temos nada, chegamos ao ponto onde Jesus Cristo pode operar. En- quanto pensarmos que nos bastamos a nds mesmos, Deus nao pode fazer nada por nés. Uma pessoa pode ter uma vida certi- nha, e ainda assim ser um incrédulo. Alids esse incrédulo é um individuo bastante agradavel. Ele ndo tem mé aparéncia, nem se mostra perturbado, nem transtornado por nada, e nao en- tende por que lhe dizemos que precisa nascer de novo. Por ou- tro lado, o que nasceu de novo é alguém que foi colocado numa fase de reconstrugao de sua vida humana. Por isso, mostra-se meio confuso, perturbado e quebrantado. Nessa fase, pode nao ser tao agradavel quanto aquele que esteja no 4pice da vida na- tural. Nossas virtudes naturais constituem nossa heranga mais profunda. Contudo, assim que ocorre o milagre do novo nasci- mento, 0 que acontece de imediato € a corrupcio delas, porque nao chegam nem perto do padrao que Deus exige de nés. Jesus apreciava as qualidades morais humanas. (Ver Marcos 10.21.) Entretanto nunca disse que elas seriam suficientes para salvar 0 homem. Na verdade, Deus tem prazer nelas, pois foi ele quem as criou. Elas sao nobres e excelentes. No entanto, por tras delas, existe uma disposigao carnal que pode levar a moralida- de humana a se desmoronar. Por meio do novo nascimento, Jesus Cristo coloca em nés uma nova disposi¢ao que transfor- 24 O Pensamento Cristio ma a moralidade em santidade. Cristo veio ao mundo para in- troduzir no homem (que reconhece que precisa disso) a pré- pria heranga de santidade inerente ao Senhor. Desse modo, leva o ser humano a experimentar uma unido com Deus que ele jamais poderia ter por meio do nascimento natural. “Para que sejam um, como nés 0 somos.” (Jo 17.22.) O aspecto experimental da redengio € 0 arrependimento. A Yinica prova que podemos dar de que nascemos de novo é produ- zir “frutos dignos de arrependimento” (Mt 3.8). Essa é a tnica caracteristica da regeneragdo de que fala o Novo Testamento. E ela tem um grande peso, porque o Espirito Santo opera convic- ¢4o de pecados em termos que nos fazem reconhecer nossa con- digo de pecadores. Muitas vezes, um crente leva uma vida im- produtiva e sem poder porque est4 se recusando a obedecer ao Senhor em questées que considera insignificantes. “Vai primei- 10...” (Jo 4.16 — versio inglesa.) £ simplesmente extraordindrio quantas realidades espirituais percebemos assim que o Espirito Santo comega a operar em nds. E 0 que resiste por mais tempo as exigéncias divinas é nossa orgulhosa alegago de que temos direito de governar a prépria vida. O tnico indicio exterior de que somos regenerados é comegarmos a ajustar nossa vida as exigéncias de Deus. Jesus Cristo veio ao mundo néo apenas para mostrar-nos como deve ser um homem normal aos olhos de Deus, mas também para abrir o caminho pelo qual podemos chegar a sé-lo. E esse caminho é a cruz. Nao podemos alcangar essa con- dig&o imitando Jesus, mas, sim, “nascendo” em seu reino. De- pois, assim que somos regenerados e recebemos a heranga gené- tica do Filho de Deus, descobrimos que os ensinos dele se har- monizam com essa heranga, e néo com nossa natureza humana. Tudo isso exige uma firme determinacao de nossa parte. E Deus nfo espera que compreendamos isso para depois ser- mos salvos, nao. A salvagéo é um dom gratuito de Deus. Con- tudo ele espera, sim, que facamos a nossa parte, em gratiddo por “téo grande salvacao” (Hb 2.3). ARREPENDIMENTO Nao confundamos arrependimento com remorso. Este s6 serve para langar o homem num inferno em vida. Nao tem 25 Conforme a Sua Imagem nenhuma capacidade de remediar a situagdo do homem. Nao 0 aperfeigoa em nada. Um pecador que ainda nao enxergou seu pecado nao sabe o que é 0 remorso. Contudo, assim que o re- conhece, experimenta a dor atordoante do sentimento de cul- pa. E para alivid-la, ele até sofreria um castigo. Entretanto a punigdo nao resolve o problema. Caim, por exemplo, sentiu remorso em seu grau mAximo. (Ver Génesis 4.9-14.) Disse ele: “E tamanho o meu castigo, que j4 nado posso suporté-lo” (v. 13). O que aconteceu com Caim foi que seu préprio pecado o de- nunciou, Sua consciéncia entendeu o que ele havia feito, e ele sabia que Deus 0 entendera também. O remorso nao implica reconhecer que outra pessoa descobriu nosso pecado; pode- mos resistir a isso. Ele ocorre quando nés mesmos, mental e moralmente, enxergamos nossa culpa. E desesperador ter de reconhecer que somos falsos, sensuais e orgulhosos. Isso af é nosso pecado nos denunciando. O Espirito Santo s6 nos con- vence de pecado quando ele nos aproxima de Jesus Cristo. O ser humano gostaria de causar essa convicgao em alguém antes de essa pessoa se aproximar de Jesus. A classica experiéncia de Caim contém, embutida em si, todas as experiéncias menores. Poucos de nés somos assassinos, mas todos somos criminosos em potencial. “Todo aquele que odeia a seu irmo é assassino.” (1 Jo 3.15.) Uma das principais formas pelas quais Deus nos conserva humildes é a constante voz do Espirito Santo a nos lembrar que, se no fosse pela graga de Deus, nossa realidade seria outra. Sempre que nos recordarmos de algum pecado e experi- mentarmos sentimento de culpa, com uma nova ferroada de remorso, tenhamos 0 cuidado de ndo ficarmos a lamentar e lamuriar por causa das conseqiiéncias. E a primeira reagdo de quem age assim € comegar a culpar todo mundo, menos a si mesmo. A cada passo que damos nessa diregao nos afastamos mais de Deus e da possibilidade de nos arrependermos. As- sim que experimentarmos a primeira chicotada do remorso, nao tentemos evitd-la, Merecemos todas elas. E se somos obreiros, e alguém nos procura falando que esté com esse pro- blema, néo procuremos dizer uma mentira por pena dessa pessoa. Jamais digamos: 26 O Pensamento Cristao “Ah, que é isso? Nao precisa se sentir culpado assim. Afi- nal, vocé é humano!” Nunca mintamos para uma outra pessoa. A tentagio de fi- carmos penalizados por ela é muito forte. Entretanto, agindo dessa maneira, estamos negando algo que, no fundo do cora- cdo, ela sabe muito bem. Se lhe dissermos a verdade, ela pode até sair pela tangente, mas no fim a realidade prevaleceré. Reformar significa renovar ou formar de novo. Trata-se de uma lei da natureza humana que opera 4 revelia da graca de Deus. E ela ocorre também apés a regeneracio. Se acontecer aum rebelde, a alguém que nao é regenerado, no passard de mudangas superficiais. O individuo que consegue mudar sua conduta é como 0 joio que se passa por trigo. No fundo, po- rém, ele ainda é um impio irregenerado. O fato de alguém deixar de praticar o mal e se tornar bom pode nao ter nada a ver com salvacio. O tinico sinal de que um homem € salvo é 0 arrependimento. Hé indmeros casos de individuos que se re- formaram sem a graca de Deus. E que a natureza humana acolhe bem a reforma, quando ela ocorre na situacdo certa, no momento adequado. Um garoto, por exemplo, pode nao mudar sua conduta ao receber ameacas do pai, ou os castigos da escola. Contudo poderd corrigir-se influenciado pelo amor da mae. Assim também, um homem mau pode se tornar pior na companhia de pessoas de mau car4ter. Contudo, na pre- senga de criancinhas, ele sente uma tendéncia para reformar- se. E se alguém nao sente uma inclinagdo para o bem quando se acha na companhia de pessoas boas, est4 em péssimas con- dicgdes. O apédstolo Paulo resume esse principio nas seguintes palavras: “Ou desprezas a riqueza da sua bondade, e toleran- cia, e longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento?” (Rm 2.4.) “Entrementes, Zaqueu se levantou e disse ao Senhor: Se- nhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo quatro ve- zes mais.” (Lc 19.8.) Por que sera que ele fez essa afirmag4o? Alguém disse algo sobre seus roubos? Nao. O que ocorreu foi que a presenga de Jesus despertou nele o desejo de fazer a reparacao de seus erros. Esse impulso foi um sinal de que a 27 Conforme a Sua Imagem inevitavel lei da reagdo operava em seu interior. Fazer repara- ao do erro significa ter a determinagio de acertar tudo com todos aqueles a quem defraudamos. E é espantoso quantos erros o Espirito Santo nos relembra que temos de acertar. Nas épocas de avivamento e€ nos grandes despertamentos reli- giosos, os lideres estéo sempre se deparando com o seguinte quebra-cabega: as pessoas determinadamente procuram fa- zer a reparagdo de seus erros. Homens que roubaram pagam seus débitos com a maior facilidade, sem saber por que 0 fa- zem. E se o lider nao estiver bem orientado, poderé pensar que é 0 Espirito Santo operando no individuo, vendo isso como sinal de que ele j4 se converteu. A realidade, porém, €é que tais pessoas enxergaram a verdade com tamanha clareza que es- téo tendo uma reacgdo no sentido de mudarem sua conduta. Entao 0 que temos de fazer com elas é leva-las a receber algo de Deus. Em Lucas 11.25, temos uma descricdo clara de uma refor- ma radical: uma casa “varrida e ornamentada”. Contudo o que o Senhor ensina af é que existe o perigo de essa vitéria moral ndo ser bem aproveitada, caso 0 coracdo fique vazio. Aquele que passar por uma reforma sem contudo conhecer a graca de Deus, no que diz respeito 4 necessidade de regenera- do, nao passa de um incrédulo camuflado. E muito bom “var- rer” © corag40, mas, se ele ficar vazio, a condigdo posterior pode piorar, pois podem entrar nele espiritos ainda mais ma- lignos. E Jesus conclui dizendo: “E 0 tiltimo estado daquele homem se torna pior do que o primeiro” (v. 26). A reforma pessoal é algo muito bom. Entretanto, como tudo que é bom, é inimigo do melhor.* A regeneragdo implica encher 0 cora- ¢4o com algo positivo, isto é, com o Espirito Santo. O arrependimento é€ 0 aspecto pratico da redencio. Trata- se de algo completamente diverso do remorso e da reforma. Arrepender é um termo do Novo Testamento e no se aplica * O autor se refere a um dito muito popular entre os ingleses, segundo 0 qual “o bom é inimigo do melhor”. A idéia é a de que, quando nos contentamos com algo que é apenas “bom”, nfo buscamos aquilo que ¢ “melhor” do que o “bom”. Nesse caso, o “bom” prejudica o “melhor”. (N. da T) 28 O Pensamento Cristao a nenhuma outra situagdo que nao seja a mensagem do Novo Testamento. Todos nés j4 sentimos remorso. Tivemos aquela sensagio de desprazer com nés mesmos por causa de um erro cometido e descoberto. Contudo o precioso milagre que a graca de Deus opera em nés é diferente. Ela nos dé uma pro- funda tristeza que liquida de uma vez por todas com aquela pratica que provocou esse remorso. Arrepender implica rece- ber uma disposigao totalmente nova que nos capacita a nunca mais cometer aquele erro. E o lado mais maravilhoso disso tudo € que a convicgo de pecado, o perdao e a santidade de Deus se acham tao interligados que a pessoa realmente santa éa tinica que foi de fato perdoada por Deus. O Senhor, ao nos perdoar, tinha de nos colocar no mesmo nivel do Perdoador. Se assim ndo fosse, a idéia de que somos salvos do inferno e preparados para irmos para 0 céu nao passaria de uma acro- bacia espiritual para nos livrar da responsabilidade de cuidar para que nossa vida estivesse em harmonia com o perdio di- vino. Assim ficaria demonstrado que Deus agiu certo ao per- doar-nos. O grande fator do cristianismo prdtico — e esse € 0 nico tipo de cristianismo que existe — é o arrependimento. Isso implica fazermos tudo que for necessdrio para que nao haja nenhuma acusagdo de injustica contra a lei de Deus que transgredimos ao pecar. “De maneira que serds tido por justo no teu falar e puro no teu julgar.” (SI 51.4.) Meu irmio, j4 houve um momento em que vocé, na pre- senga de Deus, lhe tenha dito o seguinte: “Senhor, eu merego todo o castigo que puderes me dar, por haver transgredido tua santa lei”; “Pequei contra ti, contra ti somente, e fiz o que é mal perante os teus olhos”? A esséncia do arrependimento é 0 fato de que ele aniquila todo o nosso anseio de nos defendermos. Quem ainda tiver esse anseio, néo experimentou um verdadeiro arrependimen- to. O arrependimento gera em nés a disposigao de receber qual- quer castigo, no sentido de satisfazer a lei que transgredimos. Isso € arrependimento. E creio que nao erro ao afirmar que so muito poucas as pessoas que sabem o que significa realmente se arrepender. Hoje em dia abrigamos a idéia de que Deus € tao bondoso, téo cheio de amor, que basta que lhe digamos que 29 Conforme a Sua Imagem estamos muito sentidos pelo pecado cometido, e que procura- remos melhorar nossa conduta. Isso ndo é arrependimento. Arrepender implica 0 fato de que somos restaurados de tal for- ma que se comprove que Deus foi justo ao nos perdoar. Assim que adotamos esse tipo de mentalidade, compreen- demos o que é ter convicgdo de pecado. Aquele que se arre- pende passa a ter a humildade de reconhecer que transgrediu a lei de Deus. E se dispée a aceitar, de acordo com os termos de Deus, 0 dom de uma nova vida que 0 capacita a viver santamente, nao no porvir, mas no presente. Falando em ter- mos exatos, o arrependimento é um dom de Deus. Ninguém pode se arrepender quando bem entender. Ele nao € algo que brota espontaneamente no coragdo do homem. Procede de uma fonte exterior a ele, isto é, da redengao. A REALIDADE 1. A Decisio de Crer no Redentor “Bem-aventurados os que néio viram e creram.” (Jo 20.29; comparar com Joio 11.40.) A realidade é aquilo que opera verdadeiramente em nossa vida, de forma sdlida e absoluta. Contudo precisamos ter 0 cuidado de nao confundir a realidade de nossa experiéncia coma prépria realidade. Quando nascemos de novo, por exem- plo, ndo temos consciéncia da redengdo que o Senhor opera em nés. O tinico fato que nos € real € 0 de que nascemos de novo. Daf, se observarmos atentamente a operacdo do Espiri- to Santo em nés, descobriremos que ele tira nossos olhos de nés mesmos a ponto de nao prestarmos mais atengdo em nos- sas experiéncias. Ficamos conscientes apenas da realidade que as produziu, ou seja, da redengdo. Se alguém fica apenas com as experiéncias, na certa, elas néo foram produzidas pela re- dengao. Se nos orientarmos pelas nossas experiéncias, isso produziré um singular tipo de vida isolada de que o Novo Tes- tamento nao fala. Costumamos dizer: “Ver é crer”. Isso nao é verdade. Preci- samos crer que algo é possivel antes de crermos através da 30 O Pensamento Cristao visdo. A fé tem de ser a decisdo de crer. E decidir crer exige um grande esforgo de nossa parte para nos desligarmos de nossa antiga maneira de ver os fatos, e nos langarmos sobre Deus. E 0 Senhor que nos atrai a si. Nosso relacionamento é com ele. Entdo logo surge a questo da vontade. Serd que you agir com base no que Deus diz? E quando ele diz algo, jamais podemos discutir. A discussio sobre questées espirituais 6 um atrevimento. Deus nunca discute com ninguém. Vamos en- tregar-lhe todo o nosso ser, cegamente, e no que diz respeito As emocées, a realidade da redengdo. Pouco depois, essa rea- lidade se far4 sentir em nossa vida, como evidéncia de que a entrega j4 ocorreu. Contudo é preciso que fagamos uma ren- dicdo plena de nossa vontade. E aqui nao se trata de uma ren- digo a uma personalidade forte e persuasiva, nao. Trata-se de nos langarmos em Deus e naquilo que ele diz, de forma deli- berada. Lembremo-nos de que temos de forgar nossa vontade a tomar uma decisdo. Temos de chegar ao ponto em que deci- dimos crer no Redentor, e depois “lavamos as maos” no que diz respeito as conseqtiéncias. Se quisermos testar, nds mesmos, nossa relagdo com a rea- lidade, nao ficaremos num estado de indefinicdo. Temos a Palavra de Deus que revela Deus para nés, e 0 Verbo de Deus, o Senhor Jesus Cristo, se manifesta a nés por meio de seus ensinos que se aplicam de forma vital a todos os aspectos de nossa existéncia. Se fizermos uma tentativa de separar as pa- lavras de Deus daquele que é a Palavra de Deus, cairemos na irrealidade. As palavras do Senhor s6 possuem vitalidade para nés quando mantemos um relacionamento correto com Deus por meio da Palavra. HA homens que seguem um credo reli- gioso, e ninguém o pode invalidar, pois é logicamente correto. Contudo tal credo nao transforma homens em santos. Pode transformé-los em pessoas fortes ou estdicas, mas, ndo, em santos, no sentido neotestamentirio. E que essa relagio se baseia numa aceitacdo de meras palavras, e néo num relacio- namento vital com Deus, que é a tinica Realidade duradoura. Em tltima anilise, os principios cristaos podem até se consti- tuir num “anticristo”, isto é, numa outra autoridade que nao a do préprio Cristo. E muito possivel uma pessoa ter um apre- 31

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