Você está na página 1de 8

MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA

Direito Processual Civil – Aula 01


Maurício Cunha

JURISDIÇÃO Fredie Didier Jr somente não adota a ideia de Chi-


ovenda de que a jurisdição é atividade meramente
Conceito e características declaratória, mas, sim, criativa.
Juiz não deve ter interesse no litígio, mas tratar as
 Como ensina Ovídio Baptista, a ideia de direito, partes com igualdade (equidistante, na posição de
no Estado Moderno, suscita, desde logo, a ideia Ada Pellegrini Grinover), garantindo o contraditório
de jurisdição. O jurista contemporâneo tende a em paridade de armas (isso é imparcialidade, daí
equiparar o direito à norma jurídica editada pelo porque se mostra importante também estudar as ga-
Estado, cuja inobservância dá lugar a uma san- rantias e vedações constitucionais dos magistrados
ção. previstas no art. 95).

 Jurisdição é: (b) manifestação de um poder que se impõe de forma


imperativa (imperatividade), mas o Estado pode au-
(a)função atribuída a terceiro imparcial (substitutivi- torizar o exercício da função jurisdicional por agentes
dade) privados (arbitragem). Há estudo específico sobre a
(b)de realizar o Direito de modo imperativo. (impera- arbitragem nos tópicos seguintes.
tividade)
(c) reconhecendo/efetivando/protegendo situações (c) a tutela dos direitos dá-se ou pelo seu reconheci-
jurídicas mento judicial (conhecimento), ou pela sua efetiva-
(d) concretamente deduzidas ção (execução) ou pela sua proteção (tutela de segu-
(e) em decisão insuscetível de controle externo rança, cautelar ou inibitória).
(f) e com aptidão para tornar-se indiscutível (ânimo
de definitividade) (d) a atuação jurisdicional se dá sempre sobre uma
situação concreta (não se pode restringir a jurisdição
O conceito em questão está de acordo com as trans- a um tipo de situação concreta, como a lide, pois a
formações pelas quais passou o Estado nos últimos situação pode ser de ameaça de lesão a direitos, por
tempos (criação de agências reguladoras e executi- exemplo), um determinado problema que é levado ao
vas; valorização e reconhecimento da força norma- seu conhecimento. A atuação é sempre tópica.
tiva da CF a exigir do PJ postura mais ativa e criativa
para a solução dos problemas; desenvolvimento da (e) aplica-se o direito a uma situação concreta, sem
teoria dos direitos fundamentais e aplicação direta que se possa submeter essa decisão ao controle de
das normas; alteração da técnica legislativa com a nenhum outro poder. A jurisdição somente é contro-
utilização da técnica das cláusulas gerais, deixando lada pela própria jurisdição.
o sistema normativo mais aberto; evolução do con-
trole de constitucionalidade difuso que produziu a (f) somente uma decisão judicial pode tornar-se in-
possibilidade de enunciado vinculante da súmula do discutível e imutável pela coisa julgada material (con-
STF). sequência de um princípio maior que é o da segu-
rança jurídica, evitando-se a eternização dos litígios).
(a) técnica de solução de conflitos por heterocom- Só os atos jurisdicionais podem adquirir essa defini-
posição, ou seja, um terceiro imparcial (e desinteres- tividade, que recebe o nome de coisa julgada (art.
sado – filho é terceiro em um conflito do pai contra 5º, XXXVI, CF).
outra pessoa, mas não é desinteressado) substitui
(ideia de Chiovenda) a vontade das partes pela von-  Em suma, jurisdição é função estatal para preve-
tade da lei e determina a solução do problema apre- nir e compor conflitos, aplicando o direito ao caso
sentado (substitutividade), exceção na jurisdição vo- concreto, em última instância, resguardando a
luntária, pois não há substituição da vontade das par- ordem jurídica e a paz social, sendo exercida em
tes. Para Carnelutti, porém, jurisdição consiste na todo o território nacional (art. 1°).
justa composição da lide (conflito de interesses qua-
lificado por uma pretensão resistida), mediante sen-  Ainda nas palavras de Chiovenda, pode se defi-
tença de natureza declarativa, por meio da qual o juiz nir jurisdição como “a função do Estado que tem
dicitius, daí porque, para ele, não haveria jurisdição como escopo a atuação da vontade concreta da
no processo executivo. lei por meio da substituição, pela atividade de ór-
gãos públicos, da atividade de particulares ou de
outros órgãos públicos”. Enfim, dito de outra

www.cers.com.br 1
MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA
Direito Processual Civil – Aula 01
Maurício Cunha

forma, limita-se o Estado, ao exercer a função juris- Equivalentes jurisdicionais


dicional, a declarar direitos preexistentes e atuar na
prática os comandos da lei. Tal atividade caracteri-  São formas não-jurisdicionais de solução de
zar-se-ia, essencialmente, pelo seu caráter substi- conflitos, daí porque chamadas de equivalentes
tutivo, já enunciado. (formas alternativas de solução dos conflitos).
Não são definitivas, pois podem ser submetidas
 Para o exercício da função jurisdicional é que o ao controle jurisdicional.Equivalem, porém, à ju-
Estado Democrático de Direito se utiliza do pro- risdição porque servem para resolver conflitos.
cesso, verdadeiro método que deve garantir o São os seguintes:
atingimento de seus devidos fins pelos devidos
meios. Jurisdição, portanto, somente pode ser  Autotutela – forma mais antiga de solução dos
compreendida a partir do instrumento de sua ma- conflitos, constituindo-se, fundamentalmente,
nifestação, que é o processo. pelo sacrifício integral do interesse de uma das
partes envolvida no conflito em razão do exercí-
 AÇÃO > JURISDIÇÃO > PROCESSO (alguns cio da força pela parte vencedora. São exemplos:
autores ainda inserem a RESPOSTA como um legítima defesa (art. 188, I, CC), desforço imedi-
quarto elemento). ato (art. 1210, § 1º, CC), direito de greve, direito
de retenção, estado de necessidade, guerra etc.
 Não esquecer, também, que há doutrina (Dina- Trata-se de solução vedada, como regra, nos or-
marco) que prefere analisar a jurisdição sob 3 denamentos jurídicos civilizados, podendo ser
aspectos distintos: poder, função e atividade. O amplamente revista pelo Poder Judiciário.
poder jurisdicional é o que permite o exercício da
função jurisdicional que se materializa no caso  Autocomposição – consentimento espontâneo
concreto por meio da atividade jurisdicional. de um dos contendores em sacrificar o interesse
próprio, no todo ou em parte, em favor do inte-
Como poder, a jurisdição representa o poder estatal resse alheio. É gênero do qual são espécies a
de interferir na esfera jurídica dos jurisdicionados, transação (concessões mútuas) é a mais tradici-
aplicando o direito objetivo ao caso concreto. Não onal, na qual a solução é dada pelas partes,
mais se compreende que o poder jurisdicional não se sendo que cada uma delas faz concessões recí-
limita a “dizer” o direito, mas também de “impor” o di- procas; a renúnciaem que não há concessões re-
reito. cíprocas, mas apenas unilateral por parte do au-
tor que abdica de sua pretensão; e, por fim, a
Como função, a jurisdição é o encargo atribuído pela submissão (reconhecimento da procedência do
CF, em regra ao Poder Judiciário (função típica), e pedido) onde não se vislumbram concessões re-
excepcionalmente, a outros Poderes (função atí- cíprocas, mas apenas unilateral, por parte do réu
pica) de exercer concretamente o poder jurisdicional. que reconhece a razão do autor. Aqui há uma
certa hibridez: substancialmente, o conflito foi re-
A função jurisdicional não é privativa do Poder Judi- solvido por autocomposição, mas, formalmente,
ciário, como se constata nos processos de impeach- em razão da sentença judicial homologatória, há
ment do Presidente da República, realizados pelo o exercício de jurisdição.
Poder Legislativo (art. 49, IX e art. 52, I, ambos da
CF), ou nas sindicâncias e processos administrativos  Julgamento de conflitos por tribunais administra-
conduzidos pelo Poder Executivo (art. 41, § 1º, II, tivos – Tribunal Marítimo, Tribunal de Contas,
CF), ainda que nestes casos não haja definitividade. Agências Reguladoras, CADE.
Também o Poder Judiciário exerce de forma atípica
função administrativa (p.e., organização de concur-  Arbitragem – é o equivalente jurisdicional mais
sos públicos) e legislativa (elaboração de regimentos polêmico no que tange à sua natureza. Alguns
internos dos tribunais). entendem que a arbitragem é jurisdição privada
e não equivalente jurisdicional. Já outros, afir-
Como atividade, a jurisdição é o complexo de atos mam não ser nem mesmo uma jurisdição porque
praticados, no processo, pelo agente estatal inves- não é estatal. Nela tem-se um terceiro que decide
tido de jurisdição. e impõe sua decisão.

www.cers.com.br 2
MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA
Direito Processual Civil – Aula 01
Maurício Cunha

Arbitragem neste sentido). Pode ser estabelecido independente-


mente da existência de cláusula compromissória, até
 Técnica de solução de conflitos mediante a qual mesmo no curso do procedimento arbitral, mas sem-
os conflitantes buscam em uma terceira pessoa, pre antes da audiência de tentativa de conciliação.
de sua confiança, a solução amigável e imparcial
do litígio. É heterocomposição, não é compul- A convenção de arbitragem não é pressuposto pro-
sória e constitui-se em opção conferida a pes- cessual de por ser matéria de direito dispositivo que,
soas capazes para solucionar problemas relacio- para ser examinada, não dispensa a iniciativa do réu.
nados a direitos disponíveis. Caso o réu não a alegue, o processo prossegue e é
julgado perante a jurisdição estatal. A ausência de
 Para a maioria doutrinária, é equivalente jurisdi- alegação do réu torna a justiça estatal competente
cional (Humberto Theodoro Jr, Vicente Greco para julgar a lide e, por inexistir qualquer invalidade,
Filho, Luiz Guilherme Marinoni, Cassio Scar- o processo não será extinto.
pinella Bueno). Há, porém, quem entenda que
não se trata de equivalente jurisdicional, sendo  Características: escolha da norma de direito ma-
jurisdição propriamente dita, exercida por parti- terial a ser aplicada; árbitro; desnecessidade de
culares, com autorização do Estado (Fredie Di- homologação judicial da sentença arbitral (art.
dier Jr, Carlos Alberto Carmona e Joel Dias 18); sentença arbitral é título executivo judicial
Figueira Jr). Há confusão nesse tocante, mas (arts. 31, Lei 9.307/96 e 515, VII, CPC); possibi-
com pouca importância prática, já tendo, o STJ, lidade de reconhecimento e execução de senten-
tratado a arbitragem ora como equivalente juris- ças arbitrais produzidas no exterior.
dicional e ora como espécie de jurisdição privada
(CC 111.230/DF, Segunda Seção, rel. Min. A decisão arbitral faz coisa julgada material, podendo
Nancy Andrighi, j. 8.5.2013). ser invalidada (vícios formais) pela via judicial no
prazo de 90 (noventa) dias após o recebimento da
 Regulamentação pela Lei Federal 9.307/96 (com intimação da sentença arbitral (art. 33, § 1º).
alterações pela Lei 13.129/2015) não afrontando
o princípio da inafastabilidade da jurisdição (5º,  Existência de conflito de competência entre um
XXXV, CF). órgão jurisdicional do Estado e uma Câmara Ar-
bitral: o STJ entendeu ser competente para a
 Com relação à abrangência da Lei de Arbitra- apreciação, porque a arbitragem teria natureza
gem, o STJ editou a Súmula 485 que tem como jurisdicional (CC 111.230/DF, 2ª Seção, rel. Min.
redação o seguinte: “a lei de arbitragem aplica- Nancy Andrighi, j. 8.5.2013). Entendeu-se,
se aos contratos que contenham cláusulas, ainda ainda, que é de competência do tribunal de arbi-
que celebradas antes da sua edição”. Pacificou tragem, e não do Judiciário, analisar pedidos de
dessa forma, a discussão gerada em torno de indicação de bens para garantir execuções de dí-
sua efetividade frenteaos contratos celebrados vidas, antes mesmo da instauração de procedi-
que possuíam, por sua vez, cláusulas de previ- mento arbitral. Foi a primeira vez que a Corte
são de arbitragem, porém, celebrados antes de analisou a questão, mas o placar apertado do jul-
sua vigência. gamento - cinco votos a quatro - indica, segundo
advogados, que a discussão ainda está longe de
 A convenção de arbitragem (art. 3º) compreende terminar.
tanto a cláusula compromissória como o compro-
misso arbitral.  A 3ª Turma do STJ, REsp 1.277.725/AM, 3ª
Turma, j. 12.3.2013, estabeleceu que,ainda que
A cláusula compromissória (art. 4º) é aquela que de- conste de contrato inadimplido a previsão de re-
signa a intenção das partes de resolver disputas fu- solução de conflitos por meio da arbitragem, é
turas por meio da arbitragem, celebrada, assim, pre- possível ao credor ajuizar pedido de falência do
viamente. É também chamada de cláusula compro- devedor ou mesmo execução sem a prévia reali-
missória “cheia”. zação de juízo arbitral. Asseverou o referido
acórdão que a celebração da convenção de arbi-
Já o compromisso arbitral (art. 9º) é o ato, formal e tragem não é causa impeditiva da deflagração do
escrito, que, efetivamente, dá início ao processo de processo de falência perante o Judiciário, eis que
arbitragem (regras deverão constar expressamente “a executividade de um título de crédito não é
afetada pela convenção de arbitragem”.

www.cers.com.br 3
MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA
Direito Processual Civil – Aula 01
Maurício Cunha

faltar estrutura aos tribunais para a prática de tais


Princípios atos.

 Investidura: exercício somente por aquele que te- Nas cartas precatórias não há delegação, pois não
nha sido regularmente investido na autoridade de há delegação de competência, apenas um pedido de
juizmediante concurso público (art. 93, I, CF) e cooperação. O juiz deprecante não pode praticar o
indicação pelo Poder Executivo, por meio do ato deprecado, daí porque não poderia delegá-lo
quinto constitucional (art. 94, CF). É considerado (Fredie Didier Jr e Daniel Assumpção).
pressuposto processual de existência.
A CF, no art. 93, XI, autoriza a delegação da compe-
 Territorialidade (aderência ao território): todo juiz tência do Tribunal Pleno (todos os membros do tribu-
terá jurisdição em todo o território nacional. En- nal) para o órgão especial deste mesmo tribunal (mí-
tretanto, por uma questão de funcionalidade, nimo de 11 e máximo de 25).
considerando-se o elevado número de juízes e a
extensão do território nacional, normas jurídicas A CF, no art. 93, XIV, ainda, autoriza a delegação, a
limitam o exercício legítimo da jurisdição a um serventuário da justiça, do poder de praticar atos de
determinado território. administração(não autoriza a delegação de poder de
polícia, como a presidência de uma audiência de ins-
As regras de competência territorial definirão um de- trução) e de mero expediente sem caráter decisório.
terminado território, e pelo princípio da aderência ao O CPC, no art. 203, p. 4º, autoriza a prática, de ofício,
território, a atuação jurisdicional somente será legí- dos chamados atos meramente ordinatórios (juntada
tima dentro desses limites territoriais. e vista obrigatória) que podem ser revistos pelo juiz
quando necessários.
É com base neste princípio que surge a necessidade
de as autoridades judiciárias cooperarem entre si,  Inevitabilidade: as partes hão de submeter ao
cada uma ajudando a outra no exercício da atividade quanto decidido pelo órgão jurisdicional. Situa-
jurisdicional em seu território (surgem as cartas pre- ção das partes é de sujeição perante o Estado-
catória e rogatória). juiz, independentemente de sua vontade, o que
também reforça a ideia de imperatividade. “Vin-
Mitigação em 2 oportunidades: art. 60 (imóvel locali- culação obrigatória” e “estado de sujeição” dos
zado em mais de uma comarca, Estado, seção ou sujeitos processuais.
subseção judiciária) e art. 255 (citação, intimação,
notificação, penhora e quaisquer outros atos executi-  Inafastabilidade: previsão legal noart. 5°, XXXV,
vos – em comarcas contíguas ou da mesma região CF, constituindo-se na consagração, em sede
metropolitana, independentemente de carta precató- constitucional, do direito fundamental de ação,
ria). de acesso ao Poder Judiciário. Conquista que
surgiu a partir do momento em que, proibida a
Importante: o lugar onde a decisão tem de ser pro- autotutela privada, assumiu o Estado o monopó-
ferida não se confunde com o lugar em que ela deve lio da jurisdição.Ação(criou-se o direito, abstrato)
produzir efeitos (decisão brasileira produzir efeitos no e jurisdição(dever do Estado) são institutos que
Japão, divórcio feito numa determinada comarca e nasceram um para o outro, segundo FredieDi-
mudança do ex-casal para outras comarcas etc.). dier Jr. Não há, portanto, matéria que possa ser
excluída da apreciação pelo Poder Judiciário,
 Indelegabilidade: o exercício da função jurisdici- ressalvadas raríssimas exceções, como a do
onal não pode ser delegado e somente podem processamento e julgamento de certas autorida-
atuar jurisdicionalmente aqueles que a CF cria e des em certas hipóteses (art. 52, I e II, CF).
autoriza.
A ameaça a que faz referência o dispositivo constitu-
Importante: a vedação se aplica integralmente no cional consagra a tutela preventiva, a tutela de urgên-
caso de poder decisório, mas não em relação a ou- cia e a tutela contra o perigo.
tros poderes judiciais, como o instrutório, o diretivo A única imposição constitucional de esgotamento das
do processo e de execução das decisões. A carta de vias extrajudiciais é em relação às questões despor-
ordem, expedida pelos tribunais no sentido de dele- tivas (art. 217, p. 1º, CF).
gar, ao juízo de primeiro grau, a produção de provas
orais e periciais, é um exemplo, justificando-se por

www.cers.com.br 4
MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA
Direito Processual Civil – Aula 01
Maurício Cunha

Conforme entendimento pacificado no STJ, o ha- é aquele que orienta no sentido de que a jurisdi-
beas data só é cabível se houver recusa de informa- ção somente poderá ser exercida caso seja pro-
ções por parte da autoridade administrativa (Súmula vocada pela parte ou pelo interessado. Tal prin-
2, STJ). Aqui, a exigência de recusa é indispensável cípio trabalha com a função de também, preser-
para o surgimento da lide, sem o que na há interesse var a imparcialidade do julgador. Contudo, como
de agir, não representando espécie de abranda- toda regra tem sua exceção, tal postulado tam-
mento do princípio. bém possui as suas. Dessa forma, ele é mitigado
A nossa jurisdição é una (não há jurisdição adminis- na instauração da execução de sentença que im-
trativa, como ocorre em países como Itália, Portu- ponha prestação de fazer, não fazer ou dar coisa
gal, Espanha, França e Argentina), imposição que distinta de dinheiro (arts. 536 e 538), na instau-
advém da CF de 1891. ração do IRDR (art. 976), no conflito de compe-
Importante: leis que limitam ou proíbem a concessão tência (art. 951), na decretação da falência no
de medidas de urgência, notadamente, em face do curso da recuperação judicial (Lei n. 11.101/05,
Poder Público (4.348/64, 5.021/66, 8.437/92 e arts. 53, 56, § 4°, 61, § 1°, 72, § único, e 73),
9.494/97) foram consideradas pelo STF, neste as- além do habeas corpus de ofício (art. 654, § 2°,
pecto restritivo, constitucionais (ADIN 223-DF). Nada CPP) e na execução trabalhista (art. 114, VIII,
impede, porém, que o Juiz, se o caso, aprecie a cons- CF).
titucionalidade/razoabilidade da restrição.
É preciso garantir a efetiva concretização do direito Atenção: no CPC/73, o art. 989 permitia que o juiz
de ação e do juiz natural através de uma tutela juris- desse início ao processo de inventário, mas o
dicional rápida, efetiva e adequada. Significa dizer, CPC/2015 não tem enunciado semelhante.
então, que a adequação compreende a garantia do
procedimento, a espécie de cognição, a natureza do  Promotor natural: indicado por parcela da dou-
provimento e os meios executórios adequados às pe- trina e consistindo no impedimento de que o Pro-
culiaridades da situação de direito material (é daí que curador-Geral de Justiça faça designações dis-
se extrai a garantia do devido processo legal). cricionárias de promotores ad hoc, o que elimina
a figura do acusador público de encomenda, que
 Juiz natural: garantia decorrente da cláusula do poderia, em tese, tanto ser indicado para perse-
devido processo legal, sem previsão expressa, guir o acusado como para assegurar a impuni-
mas que resulta da conjugação de dois dispositi- dade de alguém.
vos constitucionais, quais sejam, o que proíbe ju-
ízo ou tribunal de exceção (art. 5º, XXXVII, CF)e Há decisões dos tribunais superiores que delimitam
o que determina que ninguém será processado de forma interessante a abrangência do referido prin-
senão pela autoridade competente (art. 5º, LIII, cípio. A indicação de “promotor assistente”, para
CF). atuar em conjunto com o promotor da causa, não
ofende o princípio em questão (Informativo 390,
Juiz natural é o juiz competente de acordo com as STJ, 6ª Turma, HC 40.394/MG, rel. Min. Og Fernan-
regras gerais e abstratas previamente estabelecidas des, j. 14.4.2009), o mesmo ocorrendo com as “equi-
(aspecto formal), bem como aquele que seja impar- pes especializadas de promotores de justiça” ou “for-
cial e independente (aspecto substancial). mação de forças-tarefas” para determinada área de
As regras de distribuição dos feitos servem exata- atividade (STF, 2ª Turma, HC 96700/PE, rel. Min.
mente para fazer valer a garantia do juiz natural (im- Eros Grau, j. 17.3.2009). A designação de promotor
possibilidade de escolha pelo juiz), sendo que o des- para atuar em determinada sessão do tribunal do júri,
respeito às regras de distribuição por dependência desde que previamente feita, e motivada, não afronta
implica incompetência absoluta. o referido princípio (STF, HC, 103038/PA, 2ª Turma,
O legislador tenta evitar a escolha do juiz pelo autor rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 11.10.2011).
com a previsão do art. 286, II, ao criar uma regra de
competência absoluta do juízo que extingue o pro- Espécies de jurisdição
cesso sem resolução do mérito (art. 485) quando
essa demanda é novamente proposta.  A jurisdição é una e indivisível, razão pela qual a
 Inércia: presente no art. 2°, que assim dispõe: “o única forma de conceber a “divisão” da jurisdição
processo começa por iniciativa da parte e se de- em diferentes espécies é adotando-se determi-
senvolve por impulso oficial, salvo as exceções nados critérios com a finalidade meramente aca-
previstas em lei”. Dito isso, o princípio da inércia dêmica.

www.cers.com.br 5
MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA
Direito Processual Civil – Aula 01
Maurício Cunha

 Pelo critério que a exercem: não haveria voluntariedade alguma, mas, sim, obri-
gatoriedade). A obrigatoriedade é decorrência exclu-
Jurisdição comum e especial: esta última é exer- siva da previsão legal, significando uma opção do le-
cida pelas chamadas “justiças especiais”, que tem fi- gislador de condicionar o efeito jurídico de determi-
xação constitucional de sua competência em virtude nadas relações jurídicas, em razão de seu objeto
da matéria que será objeto da demanda judicial. A CF e/ou de seus sujeitos, à intervenção do juiz, provavel-
reconhece a Justiça do Trabalho (arts. 111/116), a mente em razão do status de imparcialidade retidão
Justiça Eleitoral (arts. 118/121) e a Justiça Militar de conduta e compromisso coma justiça que supos-
(arts. 122/125). Já a jurisdição comum é residual, ou tamente todos os juízes deveriam ter;
seja, tudo que não for de competência dessas justi-
ças especiais, englobando a Justiça Estadual e a b) aplicam-se as garantias fundamentais do pro-
Justiça Federal. cesso e as garantias da magistratura (quanto aos
poderes processuais, a doutrina aponta a caracterís-
 Pela posição hierárquica: tica da inquisitoriedade – o juiz pode tomar decisões
contra a vontade dos interessados e ter a iniciativa
Jurisdição superior ou inferior: a inferior é exer- do procedimento, como nos arts. 738, 744, 746 – e a
cida pelo órgão jurisdicional que enfrenta o processo característica da possibilidade de decisão fundada
desde o início, ou seja, aquele que tem competência em equidade – não observar a legalidade estrita e
originária para a demanda, enquanto a jurisdição su- usar de discricionariedade, decidindo de acordo com
perior é exercida em hipótese de atuação recursal os critérios de conveniência e oportunidade, como
dos tribunais. Os tribunais podem tanto exercer juris- afirma o art. 723, p. único, ainda que contrariamente
dição superior como inferior. à lei, situação que, para a época, era bem interes-
sante, mas que, hoje, somente diz o que já se sabe);
 Podem ser ainda:
c) procedimentalmente falando, há regras comuns
Jurisdição penal ou civil: critério que leva em conta (arts. 719/725) e especiais (arts. 726 e seguintes);
a natureza do objeto da demanda judicial. Sendo ma-
téria penal, naturalmente haverá jurisdição penal, e, d) em todos os procedimentos de jurisdição voluntá-
de forma subsidiária, não sendo o direito material dis- ria, por força do art. 178, o MP somente será ouvido
cutido na demanda de natureza penal, a jurisdição nos casos ali indicados. O STJ tem entendido que a
será civil. A jurisdição civil é bastante ampla, pois intervenção do MP não deve se dar nos procedimen-
abrange, ao menos em tese, todas as matérias que tos de alienação, locação e administração da coisa
não sejam penais. A jurisdição civil é delineada por comum e alienação de quinhão em coisa comum,
exclusão, ela se apresenta com a característica de mas, tão-somente, nas questões que envolvam os di-
generalidade. Aquilo que não cabe à jurisdição penal reitos indisponíveis, comprovando, concretamente,
ou especial, a ela pertencerá. Ela pode ser ainda con- uma das causas do art. 178.
tenciosa ou voluntária, sendo essa, apenashomolo-
gatória de acordos feitos entre as partes, e aquela é  Classificação dos procedimentos de jurisdição
presumida de haver um litígio que origina um pro- voluntária (Leonardo Greco):
cesso que produz a coisa julgada.
a) Receptícios (registrar, documentar ou comuni-
Jurisdição Voluntária (719/770) car manifestação de vontade), como as notifica-
Tema doutrinariamente polêmico, já tendo sido dito, ções, interpelações e protestos;
inclusive, que não se trataria nem de jurisdição, tam- b) Probatórios (produção de prova é o limite),
pouco de voluntariedade. Não tem relação com a como a justificação. A produção antecipada de
chamada jurisdição administrativa de países como prova é discutível se voluntária ou contenciosa;
Itália, Portugal, Espanha, França e Argentina. c) Declaratórios (limita-se a declarar a existência
ou inexistência de uma situação jurídica), como
 As características gerais, porém, são aceitas, na extinção de usufruto, da posse em nome do
pela doutrina, em sua maioria: nascituro e na confirmação do testamento parti-
a) atividade estatal de integração (da vontade do in- cular;
teressado) e fiscalização, pois os efeitos jurídicos al- d) Constitutivos (a criação, a modificação ou extin-
mejados somente poderão ser obtidos após a atua- ção de uma situação jurídica dependem da con-
ção do Estado-juiz, que o faz quando, de plano, fis- corrência da vontade do juiz, por meio de autori-
caliza os requisitos legais (é por isso que se diz que zações, homologações, aprovações etc.), como
a interdição, a emancipação, o arrendamento ou

www.cers.com.br 6
MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA
Direito Processual Civil – Aula 01
Maurício Cunha

oneração de bens de incapazes, a locação de d) os atos de jurisdição voluntária não produzem


coisa comum, o alvará para a venda de bens de coisa julgada, enquanto a sentença proferida em
incapazes; processo de jurisdição contenciosa produz coisa
e) Executórios (Estado-juiz exerce atividade prá- julgada;
tica que modifica o mundo exterior), como a alie- e) jurisdição contenciosa corresponde a uma forma
nação de coisas, a administração de coisa co- de atuação do direito objetivo, enquanto a juris-
mum, a arrecadação de herança jacente etc.; dição voluntária visa realizar certos interesses
f) Tutelares (envolve a proteção de determinadas públicos subordinados ao direito.
pessoas que se encontram em situação de de-
samparo), como a nomeação ou remoção de tu-  A jurisdição voluntária como atividade jurisdici-
tores/curadores, a exibição de testamento. onal (natureza jurisdicional) é a segunda cor-
rente, minoritária por acaso, mas que vem ga-
 Para José Frederico Marques trata de jurisdi- nhando adeptos, como Calmon de Passos, Oví-
ção voluntária da seguinte forma: “é atividade re- dio Baptista e Leonardo Greco. A corrente dou-
sultante de negócio jurídico que se exige um ato trinária que entende que a jurisdição voluntária
do Estado, para que o negócio se realize ou com- tem natureza jurisdicional justifica-se ao afirmar
plete”. Acrescenta que, como função, ela tem na- que toda atividade jurisdicional depende da inici-
tureza administrativa, do ponto de vista material, ativa da parte interessada, sendo feita mediante
e é ato judiciário, do ponto de vista subjetivo ou o ajuizamento de uma ação. Ora, existindo ação,
orgânico; em relação às suas finalidades, é fun- existirá processo e consequentemente jurisdi-
ção preventiva e também constitutiva. Na jurisdi- ção. São suas premissas:
ção voluntária não há lide, mas somente admi-
nistração pública de interesses privados. É uma a) não se pode dizer que não há lide, bastando,
das funções do Estado, confiada ao Poder Judi- para tanto, os exemplos da interdição e da retifi-
ciário, em virtude da idoneidade, responsabili- cação de registro. A lide não precisa vir afirmada
dade e independência dos juízes perante a soci- em petição inicial. Os casos de jurisdição volun-
edade, visando evitar litígios futuros, ou irregula- tária são potencialmente conflituosos e é por isso
ridades e deficiências na formação do ato ou ne- que são submetidos à apreciação do Poder Judi-
gócio jurídico. Quanto ao conceito da jurisdição ciário e que se impõe a citação dos possíveis in-
voluntária, está muito longe de ser pacificado na teressados;
doutrina pátria, existindo correntes que procuram b) a única definição possível de jurisdição se baseia
explicar sua natureza sobre 3 (três) atividades: a em seu aspecto subjetivo : jurisdição é atividade
administrativa, a jurisdicional e a autônoma. exercida por juízes. A jurisdição voluntária é, as-
Entretanto, nenhuma possui unanimidade. sim, inevitável;
 A jurisdição voluntária como administração pú- c) processo é categoria que pertence à teoria geral
blica de interesses privados (natureza admi- do direito e é por isso que se fala em processo
nistrativa) é a primeira corrente e ideia que pre- legislativos, administrativo, negocial e jurisdicio-
valece na doutrina brasileira, conforme concep- nal. Não se pode negar, portanto, a existência de
ção de José Frederico Marques. Os principais um processo na jurisdição voluntária (que se
argumentos, segundo Ovídio Baptista, de que exerce por meio das formas processuais conhe-
se valem os juristas para demonstrar a natureza cidas, como a petição inicial, sentença, apelação
administrativa dos atos de jurisdição voluntária, etc.), ainda que um processo administrativo. É,
são: também, procedimento em contraditório;
d) o juiz atua para atender interesse privado, como
a) a jurisdição contenciosa tem caráter repressivo e terceiro imparcial. A administração, por sua vez,
a jurisdição voluntária tem caráter preventivo do age no seu próprio interesse, no interesse do Es-
litígio; tado, da coletividade como um todo;
b) aquela tem função meramente declaratória en- e) se há processo e jurisdição, então há ação;
quanto esta tem função constitutiva, haja vista f) há partes, com todos os direitos e deveres dela
que se destina à formação de atos e negócio ju- decorrentes. Dizer que porque não há litígio não
rídicos; há partes é desconhecer comezinha distinção
c) a jurisdição voluntária não comporta o princípio dogmática. Parte em sentido substancial é a
do contraditório, não existindo, portanto, partes, parte do litígio, enquanto que parte no sentido
mas simples interessados; processual é o sujeito da relação jurídica proces-
sual;

www.cers.com.br 7
MINISTÉRIO PÚBLICO E MAGISTRATURA
Direito Processual Civil – Aula 01
Maurício Cunha

g) a decisão proferida em sede de jurisdição volun-


tária tem aptidão para a formação da coisa jul-
gada. Não há nada no CPC que aponte em sen-
tido contrário, pois até mesmo decisões que não
examinam o mérito se tornam indiscutíveis (art.
486, § 1º);
h) outro argumento de que a decisão proferida em
jurisdição voluntária se submete à coisa julgada
material advém, por exemplo, da possibilidade
de homologação de divórcio ou arrolamento con-
sensuais em sede extrajudicial, desde que não
haja interesse de incapazes (11.441/2007), pois
o CNJ entendeu que a via extrajudicial é opcional
(Resolução 35/2007). Assim, a homologação ju-
dicial confere às partes a indiscutibilidade da de-
cisão, a coisa julgada, algo além do que oferece
o extrajudicial.

 A jurisdição voluntária como atividade autô-


noma (natureza autônoma) é a menos aceita na
doutrina. Trata da ideia de que a jurisdição volun-
tária não se enquadra nem como voluntária, nem
como contenciosa, configurando como categoria
autônoma. Comunga dessa ideia Alcalá-Za-
mora, destacando que a jurisdição voluntária
nem é jurisdição, nem é voluntária, eis que não
representa atividade de um órgão público para
declarar o direito de uma parte em face de outra,
e porque muitas vezes o interessado é obrigado
a obedecer à decisão de autoridade.

www.cers.com.br 8

Você também pode gostar