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JULHO
2010
O direito de um Estado pode ser visto como uma via de duas mãos. Está por um
lado como escudo e proteção em favor daqueles que o utilizam como guarda-sol em
nome dos interesses que lhe são inerentes. Por outro, é uma espada contra os que se
insurgem em oposição ao seu ordenamento, revelando aí toda a sua força coercitiva
acompanhada das conseqüências do seu acionamento.
O presente trabalho tem como objetivo reiterar o debate do autor Rudolf Von
Ihering em uma de suas palestras acredita-se, a mais famosa intitulada “Der Kampf ums
Recht” (A luta pelo direito), ocorrida em Göttingen na Alemanha no ano de 1872. A
mesma transformou-se em livro de grande repercussão no meio jurídico-filosófico.
Os meios utilizados devem ser sempre uma tentativa de luta contra a injustiça. O
direito é uma idéia de força; e como uma idéia de força necessária para fazer valer a
justiça, tem em seu ícone representativo o ato de sustentar ao mesmo tempo a balança
em uma das mãos, dando-nos a idéia da "medida justa" e a espada na outra, revelando
sua natureza coercitiva, impondo-se “erga omnes”, utilizando sempre a força
necessária.
O direito possui um sentido objetivo, (de “ob jectum”, exterior ao sujeito), qual
seja o conjunto de princípios norteadores da conduta, ou seja, uma regra que está posta;
e um sentido subjetivo que diz respeito à aplicação direta da norma abstrata e sua
concretização na vida do indivíduo.
Pelo fato de ser uma luta constante, o autor revela que, ao se criar direito novo,
indo de encontro ao que está posto, encontrar-se-á resistência de todas as partes que
estejam pré-estabelecidas, ou seja, os direitos adquiridos e aqueles que dele se
beneficiam; todos os que se sentirem prejudicados de alguma forma com a mudança
proposta se insurgirão contra a mudança, tal é o preço pago por aqueles que se arriscam
na inovação ou reconstrução do que está estabelecido em concreto.
Essa luta pelo direito, na visão do autor, se dá nas diversas esferas sociais, numa
luta pela honra, seja quando ocorre a lide por uma propriedade, quando se procura não
só a solução aceitável mais a melhor possível. Ou quando um camponês luta pela posse
de sua terra através do trabalho, ou ainda quando o comerciante luta por manter sua
ilibada conduta com relação ao crédito. Isso é para cada um desses atores a sua honra
em particular. É algo que abordaremos, dentre outros assuntos nesta sóbria apresentação
textual.
Até mesmo os mais leigos compreenderiam que o que prevalece nem sempre é o
valor dos bens reclamados, mas em muitos casos o sentimento pessoal, o que nos
remete à Idade Média, onde as questões de terra eram disputadas pela própria pessoa, na
espada, travando-se verdadeiros duelos de interesses diversos. Tal período embora
longínquo, não difere em interesses, nas substâncias, mas sim na forma, como é
pleiteado, como é conquistado, o direito sobre algo. A decisão de resistir, ou, em outras
palavras, lutar ou escapar de um direito cabe tão somente às pessoas envolvidas e seja
qual for à decisão ela sempre envolverá um sacrifício. Dessa forma, a indagação assume
novos contornos, do tipo, qual sacrifício mais suportável? A partir desta análise, a
questão da luta pelo direito se resolveria como um simples cálculo matemático para
comparar as vantagens e desvantagens das partes interessadas.
Segundo Ihering, o possuidor de uma coisa que não tem a idéia de que a
propriedade já possui um dono, não está negando a sua pessoa, neste caso reduzindo-se
a saber na realidade quem é o proprietário. É como se invocasse o direito ao lado dele.
Já o ladrão e os que agem de má fé sabem da existência da pessoa e dos diretos da
mesma, assim como de sua propriedade, mas eles negam a existência da personalidade e
de sua existência. Neste caso, o autor diz que o sujeito tem o direito e o dever de se
defender quando é atacado, porém se no conflito existir um interesse superior, como a
vida por exemplo, isso pode motivar uma outra decisão, cedendo em prol da do bem
maior, a vida. Contudo relata que "o meu dever é, nos outros casos, combater, por
todos os meios de que disponha, toda a violação ao direito da minha personalidade;
sofrê-la seria consentir e suportar um momento de injustiça em minha vida, o que
jamais deveria ser permitido". No caso do possuidor de um bem do autor que esteja
agindo de boa fé, é completamente diferente a forma de pensar. Ihering relata que já não
se trata de negar o caráter e a personalidade, ou seja, ao sentimento do direito, mas em
defender os interesses pessoais e mostrar qual a norma que se deve seguir. Neste caso
trata-se de um litígio e cabe aos mesmos demandar sobre o caso. Todavia, um fator
interessante é que existe uma possibilidade de acordo, com tanto que nenhuma das
partes haja com má fé, porque começaria então toda a problemática citada no caso do
ladrão.
Através de uma comparação feita com o corpo humano, Ihering explica sobre o
direito:
"O povo sabe por acaso que o direito de propriedade e o de obrigações são condições
da existência moral? Sem dúvida que não. Mas não o sente? Que sabe o povo acerca
dos rins, do fígado, dos pulmões, como condições da existência física? Entretanto
ninguém há que sentindo um dano qualquer no pulmão, uma dor nos rins, no fígado,
não tome as precauções necessárias para combater o mal desta espécie.
Exemplifica assim que não se deve aceitar a presença funesta da violação dos
direitos, pois do mesmo modo é a dor moral, é preciso remediar logo e não esperar o
tempo curar.
Quando o autor diz que os lacaios e serventes não apreciam e não desenvolvem o
sentimento da honra como as demais classes porque há certas humilhações ligadas a seu
ofício e posição porque a classe inteira as suporta. Não se pode generalizar uma classe
como um todo, embora a maioria dessa classe não tenha desenvolvido o sentimento de
honra, nem toda a classe não apreciam tal sentimento assim como nem todos as
suportam. Tomemos o exemplo dos escravos. Embora na sua amplitude os negros
serviam-se e eram humilhados, havia grupos que se insurgiam em nome de sua honra.
Quando o sentimento da honra se subleva em um homem submetido a esta condição,
não lhe resta outro caminho senão o de acalmar-se ou mudar de ocupação. Nesse
exemplo (o dos escravos) o caminho seria a quebra das algemas com o preço caro a
pagar por tal sublevação: a perseguição, porém tratava-se de uma questão de honra.
O direito ao produto do trabalho cabe ao operário e ao seu herdeiro, assim deve ser
tão permitido ao operário conservar o que ganhar como bem lhe aprouver, como deixá-
lo a quem quer na sua vida ou para depois de sua morte. Se não houvesse o direito, a
proteção da justiça, essas garantias seriam violadas. O proprietário poderia perder seu
produto sem ter a quem recorrer e nem teria a garantia de deixar sua herança para seu
descendente.
Por outro lado o homem que utiliza de meios fraudulentos para obter lucros fáceis e
sem esforço algum (meios ilegais, como agiotagem), ao contrário do homem que tem
que ganhar o pão através do seu suor, não pode contar com o dever moral para defendê-
lo.
O direito é um interesse protegido pela lei. Os que o possuem e são por algum
motivo lesado, mas que por amor a comodidade opta por fugir da luta pelo direito, uma
vez que o valor do objeto não seja de tal natureza que aconselhe à resistência, segue
dessa forma a política da covardia. Com todos os avanços da sociedade em todas as
áreas, as pessoas aprenderam que vale mais a pena lutar pelos seus direitos que seguir a
política da covardia. O direito assiste às pessoas em situações diversas. É possível
alguém vítima de um câncer de pulmão ganhar uma indenização milionária vítima do
tabagismo. Alguém até pode abandonar seu direito, porém isto, como ato isolado não
tem conseqüência, entretanto se tornasse uma máxima de conduta, o que seria do
direito? Certamente não haveria direito, pois são os indivíduos na sua coletividade que
podem com eficiência lutar pela continuação do direito.
Para que o direito e a justiça prosperem num país, não basta somente que as
autoridades e o funcionalismo público exerçam suas atividades, é necessário que cada
pessoa contribua com sua parte, porque todo homem tem o dever de combater a
arbitrariedade e a ilegalidade, logo, quando o indivíduo busca seus direitos faz valer o
seu dever e está contribuindo também para uma sociedade melhor e mais justa.
O caso de Miguel Kohlhaas relata outra forma de agir quando existe injustiça,
quando um direito pessoal é desprezado principalmente pelas autoridades. No entanto,
este homem visando honrar sua moral e, acreditando sempre na possibilidade de que um
dia a justiça seja feita, está disposto a ir até a última instância de sua sobrevivência, ou
seja, está disposto a sacrificar o seu bem maior, neste caso, a sua própria vida para que
possa se tornar um mártir, mas na certeza de que sua luta não foi em vão e, ao menos
para que outras pessoas não sejam injustiçadas.
Essa situação nos retoma a outros tempos, em que na Roma antiga o judiciário
não poderia falhar, porém caso isso acontecesse, caso os juízes se corrompessem, eles
eram punidos com a própria morte. Porém, nos dias atuais a sensação que a sociedade
possui é de que os seus sentimentos e suas aspirações de legalidade não estão em
conformidade com as instituições legais. Isso começou a ocorrer no período em que o
cristianismo se fortaleceu e as pessoas passaram a se afastarem dos tribunais legais e
recorriam suas causas para o bispo.
É importante lembrar que todo ato injusto, ou arbitrário das instituições públicas
para com os seus cidadãos, é em si um atentado direto contra sua própria força. Sendo
assim, valorizar primeiramente a moral de um povo é a melhor forma de se fortalecer o
respeito aos direitos individuais, às leis constitucionais, ao direito público, a sensação de
justiça e conseqüentemente até a sua própria força como nação.
Conclusão
Ao decidir se entra ou não numa disputa pelos direitos que ser quer defender, o
indivíduo mensura se o sacrifício e energia que serão despendidos serão compensatórios
o suficiente para que este empreenda a disputa.
Um dos fatores que servem de motivação para entrar numa lide diz respeito ao
que foi ofendido. A defesa da honra fala muito mais alto do que uma disputa de viés
pecuniário. A necessidade de reparação de um bem relativo ao sujeito que não seja de
ordem material toma proporções mais acentuadas para o sujeito ofendido. Tendo até
mesmo casos em que a lesão ao bem envolvido é irreparável, cabendo muito mais uma
reparação de valor muito mais simbólico.
Lutando por seus direitos temos nos indivíduos que compõem a sociedade, uma
atitude contrária a da covardia citada pelo autor; vemos então sobressair à idéia da
moral de uma sociedade, aonde qualquer postura de acomodação daquele que foi
gravemente ofendido não é vista com bons olhos por seus pares, uma vez que cabe a
todos a luta pela garantia e manutenção do direito estabelecido.