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H. A. GLEASON, JR. INTRODUCAO A LINGUISTICA DESCRITIVA Tradugto de JOKO PINGUELO 2° edigao 455/ 4405) FUNDAGAO CALOUSTE GULBENKIAN | LISBOA ‘Tradugio 4o original inglés inttuedo: AN INTRODUCTION TO DESCRIPTIVE LINGUISTICS Revised edition H, A, Gleasoo, Jr 16.1955, 1961 by Holt, Rinehsst and Winston, Ine New York Reservados todos os ditetos de acordo com a tei tieto da FUNDACKO CALOUSTE GULBENKIAN ‘Avenida de Berna | Lisboa capitulo souseran 16 O fonema 16.1 No capitulo II exeminémos as consoantes do inglés, veri ficando serem 24, Entre elas, havia uma que decidimos representar pelo simbolo /kj. Ha que ouvimos, entro outras eireunstinciaa, nos voeabulos do inglés key, sky e caw. Chegimos a esto resultado por dois processos, um dos quais abordado explicitamente, 0 outro aceite de forma mais ou menos implisita. © primelro prooesso con- sistia em encontrarmos exemplos nos quais este com, numa das suas ocorréneias, entrava em oposigio, duma forma demonstrével, ‘com varios outros sons. Foi assim que aprésentémos o par key: tea, ara concluirmos que ic © jt/ aram fonemas em oposigso. I evi dente que poseromos encontrar pares idénticos (embora nem todos tenham sido citados no texto) que nos permite considerar (kf dis- tints de cada uma das restantes vinte e trés consoantes inglesas. © segimdo provesso, a que chamémos impl{eito, eonsistia em admitirmos que 0 som que designdmos por fk/ em bey /kfy/ 6 de algum modo, sidénticor nos que designémos de Jkj em oki jakty) © ome fkbuf. Se \de quo tal parece Sbyio @ umn falante inglés, {8 nio parecord, porém, tio necessariamonte evidente 2 um ouvinte com uma tradigio lingufstiea diferente. Um falante arabe, por exem- plo, poderis objector que os sons inioiais de key © caw #80 distintos, ‘embora provavelmonte acoitasse a identidade dos sons em key e ski. Tnversamento, um folante hind objectaria a identidade dos sons em bay e ski, mas seria provévol quo a aceitasee em key e care. Este ppasso da andlise parce depender, em alto gran, da formagio lingués- tion prépria do obsorvador. F'evidento, porém, quo um Taiguista, a0 propor-se realizar uma anélise fonolégioa seurada de qualquer lingta, ters que se libertar, como analista, de toda e qualquer depen- dénein dos seus esquemas hngtuisticos nativos. 0 método originério utilizado no capitulo TT assenteva numa dofinigio de fonoma quo, naquela altura, se revelava adequada 27h Aqueles propéritos. Limitava-se, porém, @ fornecer um critério para determinar em que oirounsténcia & que dois cons sto idénticos. Neste aspecto, confiémos inteiramente na sensibilidade que o falante native possai da sua prépria Wngua. Teremos, pots, para j6, que eomegar por redefinir 0 fonema duma perspective mais abrangente. Retomaremos agora de modo consequente a ideis que deixémos apenas sugorids, om 2.21. sons, 6 fieil demonstrar que, por exemplo, 0 /k) de key difere dos de eki ou de eau, assim como que os dois iltimos diferem entre si. Nio ¢ esta, porém, de modo nenhum, @ extensio méxima de vaxiagio dentro dum fonema. Do mesmo modo hé alguns outros fonemes que variam to ampla- mente que nfo seré possivel nenhuma deserigio fonétien signifiea- tiva sem referirse esta variabilidade. Nao existe neukum fonema no inglés que soja o mesmo em todos os contextos, erbora, em rela 162 Um|finemil é uma ol gio a muitos deles, tal varisgo possa ser facilmente desprezadsy em particular pelo falante native. Porém, uma ver quo esses esque- mas de variagho nunen sio idénticos duma para outra lingua, um estrangeiro deixar-se- frequentemente impressionar por diferengas de que 0 falante native se no apereobe. 16.3 4 maneira mais clara de explicar este aspecto do foneme serd, talves, mediante uma deserigio breve (e um tanto superficial) do processe pelo qual a erianga aprende @ ouvir © a reproduair os fonemas da sta propria lingua. O aparelho vocal umono pode produzir uma enorme variedade de sons distintos, diferindo us dos outros por mumerasos tragos. A prinefpio, a cianga nio associa qualquer sigmficado a nenhum deles, © palra ao neaso, ubilizando uma larga selecgio dos sons possiveis. Passado algum tempo, ela aprenden distinguir certas partes do seu reportério, descobrindo: alguma utilidade em certas sequéneias de sons. Nenhuma destas € prontncinda com qualquer grou de precisio ou de consistineia, mas a verdade 6 que, nio obstante, algumas distingies se tora assentes, © 6 a partir desse momento que se inivia fala. O proeesso niko 6, pois, o de aprender a produzir sons, mas antes o de aprender & distingui-tos, © autor tem uma filha que aprenden bastante cedo a distin- guir as oclusivas Inbiais das nio-labisis, Mais tarde, aprenden a distingio entre oclusivas sonoras ¢ surdas. Contudo, 0 contraste entre [kj e jt] s6 s0 estabelecen muito mais tarde. Houve um longo poriodo durante 0 qual cla utilizava outras oposigdes fonolégicas, 275 cm némero suficiente para tornarem a sua fala inteligivel, pelo menos ‘408 pais, néo senclo, no entanto, {t/e /k distingufveis. Os sons seme- Ihantes no /¢/ eram um tanto mais comuns do que os semelhantes & fcf, embora estes também ocorrossem, bem como diversas variantes intermédias. Assim, por exemplo, eake soava aos adultos como /téyt/, mas também, ocssionalmente, como /kéyt/, ou jtéykj, ou mesmo kéykj. Estas diversas articulagdes soavam como diferentes eos adultos, mas eram, aparentemente, consideradas idénticas por ela. Por outras palavras, haveria, do seu ponto de vista, uma oclusiva surda ndo-labial, /TY, que poderia ser pronmnciada como [E] ou como], ow ainda como diversos outros sons; daf que cake fosse pronun- ciado fTéyT). Jf claro que tale, Kale © Tate (qualquer dos quais cexistia no seu vooabulirio) eram prommeiadas de forma idéntica, oa seja, com a mesma ampliinde de variagto, dai o confundinem-se todas entre si. Algum tempo mais tarde, ela descobrin finalmente 4 distinglo, e, com precisio erescente, passou a discriminar as quatro proniincias, atribuindo cada uma A sua correcta utilizagio. Depois de este provesso se ter tomado tio regular e consistente como na linguagem adutta, (¢ a verdade é que todos nds temoa destizes oca- sionais), o antigo fonema /T) por ela vutilizado dado lugar a [tje jkj. Ela tinha, pois, progredido um passo mais na aduisigio do esquema fonoligieo adulto do inglés Note-se que 0 provosso consistin apenas em dividir em duas 1 fren total das oolusivas surdas nic-labiais. Cada uma, delas con- ‘tinnou a ser uma érea de variagio, ou soja, uma classe de sons [As classes maiores foram substituldas por elasces: mais peqruenas, mas mumea foi considerada uma redugia a sons individuais. Por cesta raziio, mesmo de per si, 0s fonemas doverko ser eonsiderador como classes de sons; conforme veremos, porém, haveré outras raze Aocisivas. para tanto. 16.4 0 imcentivo a aprondizagem da distingao entre /t/ © jl foi, fundamentalmente, a nocossidade do distinguir palavras. como cake, take, Kate © Pate, bom como muitos outros pares minimos. Se distingdes como estas nto fossem posslveis, a Ingua serviria como um instrumento monos eficiente do que, doutro modo, esta- via ao seu aleance sé-lo. A utilizagio da prontincin ecorreetas (da porspectiva do adulto) com éxito progrossivo, © repetide suficientes vvo#es, wuxiliarin a fixar 9 oposigéo com firmeza nos padrées de li xuagem da erianga. ‘Todavia, kj viria, finalmento, a constituir tuina extonsa variedade de sons, no paastveis de subdivisio, uma vex que jf nfo aotua o estimulo que condusira, weste exso, & diferen- 276 cingio do jt! © fk: 6 que no existem em inglés pares minimos con- trastantes para quaisquer dos sons que consideramos do grupo jk Gesea, por couseguinte, 0 processo de divisio, e toda a variedade de sons do grupo /k) continus a produsir a mesma rescyio, isto 6, ‘8 comportsr-se coma um tiniea fonem. Se tivesse sido o arabe a Wngua que a orianga aprendia, o resul- tado teria sido bem diforonto, Um orianea arabe poderia ter seguido 08 mesmos Passos, chegando a um fonema /K/ que cobriria, grosso modo, a mesma variedade de cons que o jk) inglés, mas o provesso rio s¢ deteria agui. £ que 0 érabe possui numerosos pares msinimos que se opéem por duas varivdades do sons do tipo fikj. Podemos representé-las por jk/ ¢ {q[. Enquanto que {kj 6 bastante anbe- rior, fq] & consideravelmente posterior, Pares como /kalbj, ‘eto’ © Igalb/ ‘coragio” forgariam a crianga, mais tarde ou mais odo, #8 dividir © fonema /K/ da sua infimeia em duas séries, jj © ja) Emborn com variantes mais limitadas do que o /kj inglés, mesmo ‘assim, aqueles so, como todos os fonemas, classes de sons: Um simbe que ouge falar inglés pode identificar a consoante ao forma ingless key como o sen /k|, visto este ser relativamente anterior, © @ de caw com 0 sou (qj, visto ser relativamente posterior {isto no obstante os kj ¢ ja/ do arabe niio sorem de mode aleum idénticos as duas variedades do fk} em inglés). Este facto pode lovar 0 observador arabe o objectar & identifieagio das vonsoantes Infeinis destas palevras como iguais, Tm vesumo, a0 ouvir falar inglés, ele ouve, pelo inenos em parte, fonemas do rabe, © no do inglés, 0 falonte hindu niio identifioard, provavelmente, nenhuma dife- onga entre as consoantes de Rey 0 do ene, uma ver que a sua lingua ‘fo o forga 9 estabelecer tal contraste. 114, porém, uma outra opo- sigGo, om hinda, entre oclusivas aspiredas, como /kkh/, e no aspi- radas, como fi. 16 o que sy poderé deduair dum par eomo {khil), ‘gro’, © sil, "prego’, bem como de mnmerosos outros. Uma ver que o som inicial de fey & rogularmente aspirado, ele compari-lo-é Aeeorto ao seu /kh/ hindu, enquanto ai% ser’ onvide eomo contend 0 sen fk}. Isso levi-lo-&, por consesrinte, » objectar & hipétese de estes dois sons serem idénticos. 16.5 0 process de aprendizagem duma segunda lingua implica, entre outras coisas, a aprendizagem das distingdes que so foné micas na nova lingua, tanto ne audigio, como na articulagio, e, ainda, a minimizagio das distingdes que nio sho significativas, embora, estas possam ser fonémicas ua lingua-mie. Muitas vezes, as duas linguas utilizardéo sons semelhantes, mas organizados em sistenias fonolégivos bastante diferentes. A aprendizagem das novas utih- ages de sons antigos 6, geralmente, uma parte mais dificil do pro- lems do que, propriamente, 0 dominio de sons totalmente novos. Infeliamente, este aspecto do trabalho é com grande facilidade neg genciade, Poucos estudiosos de linguas estrangeiras tém consciénoia quer da sua extenaio quer da sua importincis, Os manuois agra- vyain também com demasiads frequéneia o situagio, descrevendo fas prontincias de forma equivoea. Assim, por exemplo, o fi franoes é frequentemente descrito como equivalendo ao # de machine, 0 qual, para a maioria dos amerieanos, seria fiy|. A verdade 6 que aquele nunea assim é pronunciado, embora a maior parte dos ameri¢anos ache que o fi francés son de modo muito semelbante ao seu [h ‘Na melhor das hipéteses, porém, tal prontincin soars como um fren- es obviamente deficiente « estrangefro; na pior hipétese, pode tomar-se, mesmo, totalmente ininteligivel. Os sistemas fonoldgieos io tipicamente incomensurévefs, isto 6, nenhum sistema fonolizioo pode ser desmito com procisio om tormos do fonemas doutras tmguas, ‘© muito raramente até mesmo uma primeire eproximagio simpliste se poders formulsr em tais termos. 16.6 A definigio de fonoma spresentada em 1.10 rovelar-se-6 inadequada quando o obsorvador niio puder ouvir a lingua da mesma maneita que um falante native. Pars» tomer utilizével por um nio-nativo, seri nocesaério aerescentar-Ihe alguns oritérios objec: tivos quanto as variantes de sons que possam ser inclufdas om qual- quer fonema dado. Bsses critérios sio dois, © ambos terio que ser satisfeites. 1.9 os sons doverdo sor foneticamente semelhantes. Una deserigio artioulatéria como a que csguematizémos nos expi- ‘ulos TE e TIT constitui, em rogra, uma base sutisatéria para a ava Tiagio da similaridade —desdo ‘que a tomemos sulieientomento ‘rapla pare incluir todos os sons em caus, e suficiontemente porme- orizada para assogurat que nenhum aspecto signifleativo seré des- enidado. 2.9 os aons deverio revelor evrtos padres earneteristicos de distribnigho na lingua ou dialecto em estudo. Adiante enoneia- remoa dois desses esquemas. Ambos so, fundamontalmonte, tipos 4 distribuigo que tomam impossivel a ovorréncia de pares mfnimos. Esta levar-nos-in, como 6 evidento, a eonsiderar os dots sons eonio membros de fonemas diferentes. A pripria ovorrinein de dois sons com distribuigies que permitissem pares minimos (quer 0s ajo, quer nfo) atribuiris algum valor funcional i distingSo, ¢ seria, por: tanto, sulleionte para ostabeleeor a oposigio come fouémics.

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