Você está na página 1de 68
Alysson Leandro Mascaro Introdugao a Filosofia do Direito @ Dos Modernos aos Contemporaneos cDTOnA AAS 01203-904 Sao Paulo (SP) See ee ox aon prerieiaciet com Pr EDITORA ATLAS S.A. - 2002 (© 2002 by EDITORA ATLAS 5. 1Led. 2002; 2° tragem Compoigo:Linoto Eon Grin Dados tnternacionais de Catalogagio na Publicaséo (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Mascaro, Alyson Leandro Intradugio esos do dito: dot moderoe aoe con temporineas/ Alston Leama Mascara, - Sie Paulo Aas 2002, Boga ISBN a5.226:9262.7 1. Direto = Filosofia 1. Tl, eave cou s4o.12 indices para eatélogo sistematico: 1. Diet : lose 240.12 2 Filosofia do direto 240.12 3. Flsofia jurdea 340.12 "TODOS 0s DIREITOS RESERVADOS - & poiida 4 reproduso total ou aril, de qualquer forma ow por qualquer meio. A vlagso os eis de utr (Lei 9610/98) ¢ ere estabelecio plo ‘anigo 184 do Cétigo Penal Depést legal na Biblioteca Nacional conforme Dect n1.825, de 20 de devembro de 1907, Impress no Brasil Printed in Bros Sumario Apresentasio, 7 Nota do autor, 9 Incrodupio, 11 1. AFILOSOFIA MODERNA, 17 1.1. Capitalismo e modernidade, 19 1.2 0 problema do conhecimento, 21 1.3 A filosofia politica moderna, 31 1.3.1 Sociedade civil e Estado. O contratualismo, 31 1.3.2 0 individualismo, 35, 1.3.3 0 Muminismo ¢ as Revolugées Liberais, 38 14. A filosofia do direito moderna, 39 1.4.1 0 direito natural, 40 1.4.2. Filosofia moderna e filosofia do dieito, 46 6 rmonusto A aso 30 oso 2. KANT, 49 2.1 O pensamento fllosdfico Kantiano, 50 2.2 A questio do conhecimento e as categorias, 53 2.3 Das categorias do conhecimento aos imperativos ca- tegéricos, 58 24 Direito, moral e paz perpétua, 63 3. HEGEL, 71 3.1. A ldentidade entre o real e o racional, 73 3.2 A dialética hegeliana, 77 33. A Filosofia do Direito, 80 3.3.1 Estado e sociedade civil, 83 3.4 Hegel e o jusnaturalismo, 87 4 MARK, 92 4.1. A filosofia da préxis, 95 4.2 As condicionantes produtivas, 101 4.3. Materialismo histérieo, 104 44 Materialismo dialético, 106 45. Estado e politica em Marx, 110 46 0 direito em Marx, 116 5. DA CONSCIENCIA A PRAXIS, 125 5.1 Consciéneia e préxis, 129 Bibliografia, 133 Apresentacao: © livro trata de uma matéria em geral negligenciada tanto pela Ciéncia do Diteito quanto pela Filosofia do Direi to, Trata, em uma perspectiva dialética, de um momento cri tico e fundamental da filosofia do direito ~ a passagem da fi losofia moderna para a contemporinea. Desenvolve os pontos furdamentais da flosofia do direito de trés dos mais importantes pensadores da histéria ~ Kant, Hegel e Marx. © autor, a0 contrétio de estudiosos que tendem a0 con- servadorism filosfico, desenvolve uma perspectiva original a respeito da histéria da flosofia,prvilegiando os momentos dde riptura. Nao apenas narra a histéria da fllosofia, mas também a reinterpreta de acordo com uma insblita e peculiar perspectiva revoluciondria nas pegadas, paradoxalmente, dos tticos conservadores de Hegel, que logo perceberam a pro. funda contradicao entre a postura expleitamente reacionsria do filésofo de Jena e 0 método filoséfico revolucionsrio de seu autor, 8 morucio masons 29 a0 Alysson Leandro Mascaro ha anos vem desenvolvendo suas atividades académicas na area da Filosofia do Direito, tendo sido, desde muito jovem, meu assistente na Faculdade de Direito da USP, o Largo Sao Francisco, e meu orientando em seu doutorado em Filosofia do Direito na USP, e tendo também, muito jovem, passado com a mais alta distinglo fem seu concurso de ingresso na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ao passo que muitos de sua geracio tendem mais Pata o pragmatismo dos meros problemas téenicos do direi {o, 0 autor preocupa-se com a questo da reflexo acerca dos problemas da filosofia do direito, e 0 faz de maneira muito peculiar, ecoando um pensamento crtico, quase apocalipti- 0, fato raro na atualidade. [ARI SOLON Professor da Faculdade de Direito da USP «da Universidade Presbiteriana Mackenzie Nota do Autor Zz Esta ¢ uma obra pensada para o estudante de Direito, {que em geral toma um primeiro contato com questées filosé ficas e jusfiloséticas. Busca cobrir importance parte da hist fia da filosofia do direito, que & a passagem da filosofia mo. ddemna para a contemporinea, O estudo desta época revela-se fundamental para a compreensio do direito. Além da impor- tancia capital de seus filésolos maiores ~ Kant, Hegel € ‘Manx -, muito do que até hoje é tema recorrente do jurista — direito natural, contrato social, positivism juridico ~ resulta dessa época. Estudé-la é estudar grande parte dos alicerces do direito, Tem o objetivo esta obra de levar algumas nogées iniiais a respeito das filosoias dessa época e de seus cont tos, para depois conduzir & apresentacdo do que ha de ju co nas filosofias em questo. Como ¢ uma obra com abjetivos sociedade civil > Estado. Na filosofia politica antiga aristotélica, ndo se vv a diviséo natural do individuo e do Estado em relagio 20 todo social 1.3.2. 0 individualismo paradigma que se vai formando no pensamento filo: sfico dos modemos é paralelo e muito interligado & realida de politica, econémica e juridica do eapitalismo moderno. O paradigma do individualismo & um dos mais arraigados 36 wemonucio A mosons no TO fundamentais conceitos filoséficos da época moderna. Por ue sio os modernos individualist, e em que medida po- de-se considerar esse individualismo? ‘Como visto em primeiro esboco com os gregos, 0 para- ddigma que acompanhou 0 pensamento clissico é baseado nas virtudes politicas. O homem, para os gregos, & pleno ‘quando ¢ cidadio. A vida e os paradigmas da vida virtuosa sao plenamente sociais, politicos, ndo individuais. © homem virtuoso & 0 bom eidadio, é aquele que é virtuoso na pélis. A virtude da justica, segundo Aristételes, é bem para 0 outro, exerce-se na sociedade. J4 com o Cristianismo inverte-se esse paradigma. A flosofia medieval cristifaré énfase na virtude iividual, da eriaturaligada ao eriador, com sua fé. O fend. ‘meno da salvagio ¢ individual. Ora, a fé, sendo individual, fara com que a perspectiva de mundo ~ para a filosofia ¢ ppara a pritica ~ seja dada com caracteres também indivi duais. Nao importa, aos medievais, salvar 0 mundo, mas a conquista individual do mundo eterno, Essa tradicfo individualista 6 acompanhada pelos mo- demos, mas por outras razdes, e construindo outras explica- ‘g0es. Buscando compreender nao pela fé mas racionalmente ‘© mundo, entenderio os modemnos que néo ha, conforme apregoavam os medievais até o Renascimento, a idéia de que ‘0 soberano seja portador de poderes divinos, constituindo as sim siditos pela vontade de Deus. 0 contratualismo, em seus objetivos dkimos, postula a idéia de que hai no in‘cio ho- mens, nfo procuradores de Deus ¢ stditos, ¢ esses homens sho iguais em natureza. Ora, reafirmando a individualidade ‘como a origem, afirmario os modernos um paradigma filos6 fico também individualista: é€ em fungio do individuo e de seus interesses e direitos fundamentais ~ entre os quais, asse- vveram os modemos, o de propriedade ~ que deve ser posto 0 Estado, e as leis morais ¢ juridicas pensadas racionalmente Armosons woomss 37 pelo homem devem atender a esse individualismo origindrio, dde igualdade formal entre todos, e em atengio a liberdade individual.* © paradigma individualista, por seu curno, néo implica apenas a forma de postulacio de certo direito natural saido da razio individual, conforme mais adiante se verd, mas im- plica, fundamentalmente, a consolidagio das raizes do site ma capitalista que esti em formagio e florescimento, E da bbase da economia capitalista a acumulagio privada e a con: corréncia individual. A livre negociagio e a possibilidade de actimulo de Iucros somente sio feitas tendo por base a liber- dade individual. 0 individualismo se vé na propriedade pri- vada, que néo é compartilhada por todos, mas é legitimada como direito do individuo, ¢ dele contra todos, erga omnes Individualismo e capitalismo, em filosofia e em filosofia do diteit, so fendmenos interligads e que permanecem, ain- da, como referéneia de teorias e priticas até nossos dias. essa conexio entre capitalism e flosofia individuals ta é bem explicita no pensamento modemo. Locke diz a esse respeito: 14 "Vo que nos somprende~ en slain com la sitmatincin dl ‘muna cisco ~esprecismente esta definicn positvay manana de la pra del indivi, que no sev ya como una arcalictn de Ia beri el grupo humanoy, por easgsient, como una igure nherencl de a ‘reid Ta abidurs, sino come ua esters eapecfin de atvidad perm {al inv, al margen de cualqsier problema de dic generale sta 4p, ele, se desiteresa de esos ultimo, reconeceaddloe inchs ‘ome parimonio prvado de ls consleneasndvidules.(.) La remain de fa iberead jc! forma un todo con i de a alieaciin madera, se ‘converte en nivel postive yautrando dels deseqiliies morales pene fales del hombre contempoanco. 8 el Derecho marea In inatconalia én dela ibertad dvd, también caracenia Is formalizacion de st Iver del bomb que, califindoseprecsamene de ndidval no en. {ge Taintegracion comunicara” CERRON, Umberto. La hbertad de as ‘moderns, Barcelona: Martinez Roca, 1972p. 1320, 38 wrmoovcio A MLasora no ETO “0 objetivo grande e principal, portanto, da unio ‘dos homens em comunidade, colocando-se eles sob go- veo, é a preservagio da propriedade.”* 146 Rousseau, de maneira critica diré numa célebre frase: “0 verdadeiro fundador da sociedade civit fot 0 primeiro que, tendo cereado um terreno, tembrou-se de dizer isto & mew e encontrou pessoas suficientemente simples para acredité-o.”"* 13.3. O Huminismo e as revoluges liberais 05 principios teéricos da filosofia moderna, muitos de- les sustentados e propagandesdas pelo movimento iluminis- ta, vieram ao encontro das transformagées politicas ~ subs tanciais - verificadas na dade Moderna. 0 Absolutismo, justificado pelo Direito Divino, estabelecendo uma diferenga fentre estamentos sociais - nobreza, cleroe povo -, impedia 0 avango captalista, A medida que nio havia iberdade negocial faclasse burguesa, tampouco igualdade de tratamento em re- Jago & nobreza. A burguesia, sendo juridicamente parte do ovo, nao partcipava dos privilégios nobres. [As revolugdes liberais ~ a comegar da mais antiga, a in- sglesa, passando pela Independéncia dos EUA e principalmen- te pela Revolugio Francesa ~ alteraram o estatuto politico, social, econdmico e juridico ocidental. A ascensio da classe burguesa, a sedimentasio da légica econdmica capitalista € 0 fortalecimento dos Estados dominados pelos interesses bur- _gueses, tudo isso fez com que houvesse uma filosofia politica 15 LOCKE, Jo, Segundo tratadosobe ogovero In: WEFFORT (Org) Orso do pit, S80 Paul Aiea, 195. p. 99. 16. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre aorgem e os funds iments do desgualsde enre ot omens In: Os cass da poli. Op. fie 9.201 ‘Amuosora movemia 39 ‘em sintonia com a realidade vivida, e paradigmas juridicos apropriados as novas demandas. Nesse contexto desenvol ‘veu-se a filosofia politica, e dele também deriva a flosofia do direito moderna, Essa é a razio pela qual toda a filosofia e a filosofia do direito, apregoando a liberdade, a igualdade entre 0s ho- ‘mens e diteitos naturais, servirio de arma de combate contra © absolutism.” A filosofa iluministae a flosofia do direito moderna sio a exata medida da necessidade das revolugées liberais, burguesas. Os direitos naturais so os direitos neces sirios & burguesia, que rompem com os privilégios e fazem ‘com que haja uma s6 régua para antigos nobres, burgueses & Povo. A filosofiailuminista & laramente antiabsolutista: recla- mando a universalidade de certos direitos, proprios a todos os individuos, afilosofia moderna rejeita os privilégios, 0 status ‘quo, 0 estamento, as divisées que davam base a0 Antigo Re- gime. A igualdade de todos os individuos perante a lei e a ‘ampla liberdade de negécios, que sio fundamentos da ativ dade capitalista, passam a ser bandeiras da luta filosdfica Durguesa, iluminista, contra o Absolutismo. 1.4 A FILOSOFIA DO DIREITO MODERNA A filosofia do direito moderna, valendo-se das perspect- vas do individualismo e do contratualismo que eram préprias, 17 Sob 0 pono de visa do deo, « monargula abot € 2 fr made Estado em que nso se ecoshece mus outro ordenamen jurdico {que no soja 9 eta, «outa fone juridiea do ordnarento estat gue Ito sens lei” BORBIO, Norbert, Diet e wtedo no pensar de Ena hut Kane Brasin:UnB, 1995.13. Comera eae Extado que nao reone- {eouto dito que nio ose, floss do det aniabsclutsta anes ‘mao da idle de um deo natral aco, aia dali do Estado de seu sberano. 40 moouglo A moon Ho oso da filosofia politica de entdo, e tendo ainda por base tedrica ‘0s métodos do conhecimento préprios do perfodo ~ racion listas ou empiristas -, desenvolveu, como seu principal obje to de reflexdo, a postulagio de certo direito natural. Em tor no do jusnaturalismo, tomado como jusracionalismo (e ampliando @ questao aos direitos do homem), estabeleceu-se a teflexao jusilosdfica mais alta do periodo."* 14.1 0 direito natural ‘Também a nomenclatura direito natural, para os moder- ‘nos, tem sentido bastance diverso da tadigao, Jd nos gregos — desde a Antigona de Séfocles, passando por Séerates, Plato € Aistteles ~ a nogdo de dieito natural era muito impor- tante, tomada noutro sentido, o de busca de natureza das coisas.” Ocorre, no entanto, que seu uso moderno diferen- cia-se do antigo e também de seu sentido medieval. Quando Arist6tees fala sobre o dreito natural, aplica a esta categoria, muito mais o sentido de préprio & natureza das coisas que propriamente o de um diteito cerebrino, pensado, originado da tazdo. Tanto assim que insiste o pensamento aristorélico 18 Sobre os diets humane, Villy area Ser esta una expres so tpeamente da ere moderna, nto se @encontando anterormente 8 ‘se perodo, “Pout ce gu en et del chronolgi, expression jure for rm (au Sens subjea apparat pour la premiere fis # ma conaiseance, (hee Volmerss, Hira diplomat rerum Batvirum, de 1837” VILLEY, Michel, Le dt et ler dots de Thome, Pais PUP, 198. p15, nota 19. "0 sum caiqs, em Aritéces no Disito Romano, no se funda sobre o conceit de dio subetio, que €estitamente modern, ‘mas sobre dsribuig jaca dos bens, gueza us da scedade 60 Areito naira como modo ‘experiment métado que condua ao encom two das slugs jusas,adequada eels, aseado nas tudes da Justiga da prudénca esta diposigo su gener ene a cdacia ew ae, que tom ‘mute desta e bastante da flosoa, sem deiar de putcipar da nea MAMAN, Jeanette Antonios, Fenomenaloga extenctal do dircito. Sto Paulo: Baio, 2000. p. 73. Aruosoma woounes 41 na prudéncia ¢ na eqiidade, em vez de uma pura razio espe- culativa. Tomas de Aquino, entre os medievais, aristotelizan- do a filosofia cris, insereverd o direito natural entre as leis, divinas dadas ao conhecimento racional humana, Se, por um lado, hé quase certo fiscismo com Aristételes, por outro ha grande carga teolégica no jusnaturalismo tomista, ‘0s modernos, dando a si mesmos 0 encargo da razio, construirao outro método de direito natural. Hobbes, por ‘exemplo, um dos primeiros modemnos a se preocuparem com 2 questo do direito natural, buseard proceder, nesse tema, tal qual os cientistas com as leis da natureza, como a Fisica, ‘ou ento como a Matematica - todas eiéncias com leis exté vels. Em vez de leis juridicas ditas naturais apoiadas nos ar- sgumentos de autoridade, o método racional para sua deter minacio.” Assim procedendo, partindo do homem em natureza, de sua teérica condigao originéria ~ de igualdade e de liberdade =, 0s modernos foram construindo uma escola de direito natural, que em esséncia era de um diteto civil de moldes préprios a burguesia, desenvolvendo-se pasterior- ‘mente ainda um direito piblico que contivesse em sia légica contratualista e nodes antiabsolutistas para garantia dos di- 20. “0 dice naar] stent como tse suprema a extn de tum dzeito que sbrelewa to poder himano ou dino que & dele inde pendente. O contedo da iis do direito somo tal io tess fore no ‘dominio do poder eda vontade mae no da sezio pura Neary to de a toriade pode mudar ou retirar sj oa oro queens azao concede foro existent, co que ¢ dado em su pura ead. Ae em se fo primero e origin, no sentido de Ter natal, ama se resolve uma soma de ats aries Ela nfo ¢ttaidade do que fl exdenodo € exauido €0estauant’ origin, odo ordinan ¢ nde ondo oda (2) Ao decretar at leis posivas,o legslador conserva os olos usd uma aoe de valdade enivens, exemplar coecva pate & sus ria “onde e para tess as ours neste semdo que se deve entender ce lee ras de Grou de qe dara tees do dk nal conserva ‘su validade mesmo adtinda que no esta nen Des o gues pro pa divindade nao tvese a mene preccupagio com as coiss Human” {CASSIRER. Op. ct. p. 322 42. wnonucio A mason vo omar reitos fundamentais dos individuos ~ por conta disso a sepa- tagdo de poderes no Estado, da qual a formula de Montes- {quieu € famosa em teoria do Estado. No Leviatd, Hobbes desejard resumir a teoria dos mo: ddemnos do jusnaturalismo numa férmula sua:"! “Uma lei da natureza (lex naturalis) & um precet- to ou regra geral, estabelecido pela razao, me- diane 0 qual se probe a um homem fazer tudo 0 que ‘possa destruir sua vida ou privélo dos meios necessdrios ‘para preservé-la, ou omitir aguilo que pense poder con- ‘ribuir melhor para preservé-ta Em quais pontos podem-se resumir os principios filos6 ficos jusnacurais dos modernos? Na idéia de um direito saido da razdo,# e no da fé nem do costume ou da natureza das coisas ~ rejeitando com isso desde a tradicio aristotdica até ‘6 tomismo -, na idéia de uma base individual que é origem € fim desse direito natural ~ pois esta é a caracterstica mar- ceante da filosofia politica da época, que atendia dinamica politica e econdmica burguesa -, na idéia de que o direito hatural tem cardter universal e eterno," na imperiosidade de sua ordenacéo posterior pelos Estados racionais. Bstes princé pos - muito embora as nuances entre cada pensador ~ ge- BI HOBBES. op. ei p. 113, 22 “Le droit natu, dembléeraionel puisque est la akon qui et ls nature esentille de Ibomme, exprine les exgences dabord ‘Misles, done proprement morales quant leur sens, de cee ras (BOURGEOIS, Bernard, La roson moderne el droit poigu. Pais: Vi, 2000. p. 140), 23 "A flosfa do lamin vinclouse primero, sem reservas, case alors’ do deo, ia de que dever exit norms ris “owl cunversalmente obviates e mutivels A inesigasio empl era doutia empires no favem nena ekceclo nesse pom. A esse espe, at ope de Volare © Diderot no derem das de Grotus © Montes" CASSIRER, Op. cit p. 327 ‘Amosona sooema 43 ram um corpo comum de pensamento que, em seguida, ser ‘base a partir da qual a burguesia, ao ascender ao poder por meio das revolugées liberais, criard as codifiagbes de direito privado, © individualismo do direito natural moderno revela-se fem sua absoluta medida individual, em sua inscriclo numa razio que é s6 subjetiva, e em sua independéncia de lagos so ciais, O direito natural, 0 contrario das virtudes antigas, no uma resultante social, mas um interesse pessoal que deve ser legitimado. Toda a estrutura do direito natural modemo aproveita‘se a beneficio dos interesses individuais, burgue ses, do exercicio das possbilidades de comércio ¢ lucro. Por {ss0, a0 afirmarem por exemplo a propriedade privada como tum dos direitos naturaise fundamentais do homem, dirdo os modernos que este & um direito do individuo, ndo um uso so- cial, e como direito subjetivo se poe contra todos (erga om nes), O caréter do direito natural moderno € ser individual, contra o Estado e contra a sociedade, e no resultante destes Por essa razlio mesma, a idéia modema de direitos natu rais no € originada de uma vontade social, de uma participa ‘lo comum da sociedade em seus produtos, beneficios, esfor- {0s e necessidades, como era o caso na filosofia aristotélica, nna qual direito natural atendia natureza mesma do ho- mem, sendo essa natureza politica. Para os modemas, os di reitos naturais sdo direitos do individuo, portanto dados an- tes da sociedade civil e do Estado, e nao necessariamente dependentes destes. 0 Estado declara-os e positiva-os ju dicamente, mas ndo os constitul como tal. Por iss0, na teo- ria moderna, haverd Estados que se opéem aos direitos natu: tals ~ Estados irracionais e injustos, como diziam dos absolutistas - mas a afirmagéo dos direitos naturais nao esté, nessa perspectiva moderna, dependente do Estado, mas do exercicio da razio individual. ‘Tampouco o direito natural moderno compreende-se fi lsoficamente como resultante social, tendo em vista que na sociedade se exercitam e se respeitamn tais direitos, mas nio 44° prmonveto A sora no 6 ela a origem ou a medida desses direitos. Se assim se des- se, abririam os modernos margem & contestagao do préprio capitalismo, cujos principios estavam buscando consolidar sob a denominagio de direitos naturais. Se esses direitos fos- sem resultantes Sociais, e pela sociedade se medissem, as ne cessidades e as earéneias sociais ditariam o justo, e com isso ‘0 actimulo de capitais, a propriedade privada, egoista e con- tua todos, a liberdade total de negécios, a igualdade que nfo ‘enxerga pobreza nem riqueza, todos esses que so considera- ddos prineipias de direito natural para a filosofia burguesa ‘moderna poderiam ser relativizados ou refutados em benefi- cio de uma justica socal. Nao era 0 caso na filosofia do direi- to madera, que buscava a legitimagio de uma estrutura so- cial capitalistae, portanto, individualista. Por isso, o direito natural moderno quererd ser produto da razao individual, © ‘ndo medida social nem lei postiva dos Estados. © jusnaturalismo moderno ¢ tipicamente um jusraciona- lismo. iso porque se presume um dieito de resultantes ra- cionais, Ao contrario dos medievais, que imaginavam a esta- bilidade de certos direitos porque seriam leis divinas, os ‘modernos considerario por direito natural um direito a’ ser postulado pela razio.™ O exercicio da raziio ndo est, para a 24 “0 vompimenso com a prdéncia amiga € claro. Enguamo esa se vlan pata a formagio do carter, tendo, a tera judi am sent ‘do mis page a ssemstica moderna terd um seatido mais tenn, preoupando te com a fetura de obras e © domino vitnso (Maqsivel Uetarefe objetvdae (por exemplo, amo fandare ara, rca te pr entre os povs). A Teoria urea jsnatralt, assim, const tia flag entre eon e pans segundo © modelo da meednia eis Sea, Aroconstrgio raconl do deo ¢ uma esp de ska geral das Gialzago. Asin a cana fone, peo conhecimento das estencaliades ‘denatrezn humana (oo evtado de asureza, as inpleaces stele as pa das gua @ possiv! uma expecta controive das reas mange ea istauragi Ge uma conven odenada. No ents (2) © Aireitoresorsridorscioalaente no repreduea expec cancreta 0 tise ne sociedade, nando uma tania ete 8 teers a pric (GERRAZ JR, Tero Sampaio. Jaroduao wo tudo do deo. Sao Paulo: ‘has, 2001.71 Artosons woorasa 45 filosofia moderna, em homens privilegiados, em autoridades {© nio esta, pois, no soberano absolutista). A razio, para os modernos, & um dom a todos distribuido, a possibilidade de se conhecerem as leis naturais & igualmente dada 8 razdo de todos. 0s impasses dessa espécie de jusnaturalismo logo se de: ‘monstram. Afirmar a untversalidade do conhecimento racio nal desses direitos remete & insolivel questio dos métodos do conhecimento, que nio necessariamente provariam que a experiéncia ou 0 inatismo das idéias levariam a conceitos uni versais. Ao mesmo tempo, a necessidade de construir uma no. Go de direitos absolutas,e ndo relatives, & muito clara para a filosofia do direito moderna: se 0 direitos fossem relativos, circunstancias, variéveisculturalmente, as normas absolutis: tas também poderiam arrogar-se certa legitimidade, ainda ue povos, nagdes e a razAo iluminista com elas contrastas sem. Se houvesse uma pluralidade de legislagdes legitimas, haveria pluralidade de razoes, e nenhum crtério pelo qual se pudesse dizer que as normas do Absolutismo devessem ser abolidas. Mas o movimento histérico da burguesia na Idade ‘Moderna busca 0 exato contratio: & preciso dizer da existén- cia racional de um s6 direito, 0 chamado direito natural, con soante 0 qual possa-se julgar 0 Absolutismo e dele dizer-se injusto, porque irracional, Para tanto, a busca moderna é a da certeza racional de certos direitos. A liberdade, alavanca das possibilidades ne- sgociais burguesas, deverd ser dita um direito natural do ho- ‘mem, sendo que as normas absolutistas que a cerceiam de- ‘vem ser proseritas. A igualdade perante a lei, fundamento da ‘mercancia burguesa, deverd ser elevada a condicio de dieei- ‘to natural, e 0 prvilégio posto & margem da histéria Juridica ‘moderna, A propriedade privada e a seguranca das relagoes juridicas devem ser declaradas direitos universais, Todo 0 movimento social burgués na Idade Moderna quer a estabil- dade e a universalidade das leis como formas de escapar as 46 winooigio Armosoea uo omuro vontades absolutistas. Por sso é preciso insistir numa razso universal que declare os direitos naturais © apelo dos direitos natura fo! maior que sua legitima- «fo filosofica, A declaragao de direitos universais, que se ex- plicitariam pelo exercicio racional de todos os individuos, ‘do logrou uma justifcativa flosdfica plena por parte da Ida ide Modema. A aposta do Iluminismo na universalidade do direito natural é a aposta na repetigo infinita de certas pra ‘eas, ou eno uma aposta de bom-senso,”* ou entio de boa: vontade nas palavras de Kant, que escondem, por detrds de sua frdgil armacio estrutural, os interesses burgueses e sua necessidade de quebrar 0 Antigo Regime e de fazer do Esta do € da politica instincias sociais domadas por leis burgue- sas, Daf direito natural ter sido muito mais uma arma teé- rica, retérica e politica, do que propriamente um principio racionalmente expliciado e com marcas nitidamente uni 14.2 Filosofia moderna e filosofia do direito Na Inglaterra e na Franca principalmente, a flosofia po- litica era uma espécie de brago pensante das transformagoes sociais, poiticas e econémicas que ocorriam concomitante: mente a ela, Em certa medida, © pensamento filosdfico de cunho politico ainda se viu na Itdia, e mesmo nos nor- te-americanos da época de sua independéncia, reunidos em tomo de O Federalsta. A Alemanha, grande bergo da filosofia 25 Nas cdsicas pals de Descartes: °O bor senso a coisa ‘mals bem dividida do mand, pois cada qual juga esar to bem dotado dele que mesmo ce mals difecit de contenar-e et outs coisas no co {umam deseo mais do que poser Es ee resp, ndo€ vessel {ue todos se enganem; in prow, so contro, que o poder de be ular ‘Miisinguiro verdadero do fas, isto 60 gue chara o bom senso 98 ‘van, €naturalmente igual em todos os homens” DESCARTES. Op pas Amuosoiis Novena 47 ‘ocidental modema e contemporinea, sempre esteve mais volkada, no plano filosdfico, & filosofia pura, seus problemas tilimos, que propriamente & filosofia politica. Isso se explica fundamentalmente pelo fato de que, enquanto a Inglaterra desde 0 século XVII vivia nos efeitos da sua Revolucio Libe ral, ¢ a Franca no século XVIII viveu sua importante Revolu- ‘40, antecedida pelo movimento politico uminista, a Alema: tha, até o século XIX, era uma reunido de paises, em larga medida, ainda absolitistas ou mesmo de estrutura feudal. Kant, pensando sobre a filosofia politica e a filosofia do dire to, néo foi, como o foram os franceses, pensador essencial- ‘mente propagandista, Seus objetos de estudo estavam mais préximos de um pensamento puramente especulativo que pro- priamente da construgio de caminhos para a pritica, embora ‘obras como a sua Pas perpétua sirvam a ensejos politicos. Por conta de taissiruagées, a filosofia moderna implica a filosofia do direito de duas grandes formas: de um lado, a filosofia como método, alicersando-se, no periodo moderno, essencialmente na razio, fard com que a filosofia do direito também abandone os antigos corolirios romanistcos ou as definigBes aristoélico-tomistas e passe a estabelecer fontes rnovas, de racionalidade tipica moderna, para os principios & rnormas de direito, dando forma individual, laica ¢ humanis- tica 20 modelo de direito que se formava. De outro lado, a fi- sofia politica ~ de cunho liberal, individualista e burgués, centrada no sujeito apartado do objeto, do individuo apart do da natureza e da sociedade* ~ redundaré na filosofia do 26 "No dscurso da moderidade hé ums censura qu & eta pels seus detracres gue, nt esénca, fem sido sempre'a masna desde Hegel Mans tt Nietshe eHesceger desde Baal e Lacan att Foucault e De ‘da. Esta acsaco € digit cota uma razio que funda no principio ts subjecvidade © conse em afm que extn rif 36 denne © po fra aula todas as frmas de ostensivaupressio e explora, de svt treme de sbenagt, a fim de, no higar dele, impor © domino inexpug. 48 wmooueio A sosoRa vo ETO direito também de matiz liberal, jusnatural, também burgue: sa, afirmadora da liberdade negocial e da igualdade formal (Gsonomia), os dois principais alicerces teéricos nos quais se funda o direito da passagem da época modema para a con temporainea. A quebra das razées feudais fez da filosofia do direito modema uma filosofia progressista em face do passa- do. Ao mesmo tempo, seu individualismo universalista se carter burgués dela fizeram uma filosofia conservadora em face do futuro ‘vel da prprsraconaidade, Una vex que ess regime de ua subj: tvidade empoleda até um falsoabsoluo~ wansforma os meas da cons {sencllzagdo eda emencipaso em outros ants insumentos de objec: taizago ede contol, ele pasa ¢gozar de ume sista imunidade 10 foloearse sob as frmas de una dominarioeientementedissimuloda. A ‘pacha do reipinte de ago de una aro tomada pstva desaparece ‘mo que no flgo inant de un pli de esta Ge uta tanepaer ‘ape. Todos o pads exo de acordo: ota fachada de esl tem feser ewihagada No entanto, hs dferengas ents elas no que dieses Searatepin adcads por ea qual pra superar o positvsmo da rzio HABERMAS, Jirgen ‘0 icuro Rosca da moderidade. Lisboa: Dom (dinate, 1990, p62. Se vasculharmos a matriz do pensamento que perpassa, © discurso comum e a teoria juridica mediana de nés, opera: dores do direito ~ advogados, juizes, promotores, doutrina- dores -, sem que muitos de nds saibamos, estamos mergulha- ddos numa atmosfera intelectual que, se buscada no passado histérico da filosofia, tem boa parte de sua contribuigdo saf dda de Kant. Nos paises de civil law, principalmente, e no Bra- sil, em particular, as idéias de Kant sempre foram a principal forma de justificagao filoséfica ou de construcio de sistemas de direito ao mesmo tempo liberais e ora conservadores, ora rmeramente legalistas, Muito disso se deve & pobre filosofia de arremedos que sempre foi caracterstica dos jurstas, mas muito ainda deve respeito ao faro de que Kant, de todos os filésofos modemos, foi o que melhor consiruiu. um sistema de filosofiae de jusflosofia." Esse sistema, por sua vez, gran- 1 “(Kant fue home du dk’ dabord pace que, opérant a syns des Lumies, ne pouvat demeurerindférent a lopimisne ju 50 tontGlo A osama 0 oRETO ddemente afinado a0 luminismo ~ Kant era admirador con- fesso de Rousseau, por exemplo -, esteve também, quase sempre, servindo - com out sem razdo ~ as perspectivas de ‘uma ordem burguesa de direito, capitalist, liberal. Kant nao 86 produz, para a filosofia e para a filosofia do direito, um sistema de pensamento liberal que deriva em nosso legals. mo, mas também apresenta proposigées e novas encruzilha- das fllosofcas que serdo enftentadas pelo pensamento con- temporineo, a comecar, depois dele, por Hegel, ea continuar com Marx, cujo pensamento estd, em substancial part, opos- to 20 sistema kantiano. 2.1 © PENSAMENTO FILOSOFICO KANTIANO, [Nascido em Kénigsberg, na Alemanha, em 1720, Imma: nuel Kant dessa cidade nunca se afastou em toda a sua vida Filho de pastor protestante, pietista, muito embora sua for ‘magio racionalista, Kant estard, em toda sua trajetdria inte lectual, de algum modo ligado aos temas fundamentals de certa consideragio moral crsti. Podem-se ver, no pensamento kantiano, ués fases muito distincas, Na primeira delas, durante sua juventude e sua pr ‘meira maturidade, Kant volta-se aos temas cléssicos das cién- cias da natureza, Fisica, Astronomia, entre outros. Em sua se- ‘ique qui acompagnat I nomopbiie du XV sce, ni a mati 1 des cuvrages conser en son temps au dle naturel i, ei, ux bouleversement retes dans le droit pr ¥éoement sans pari que ft 1a Revolution feng I ft ages e trout Thome du doi pare que 1 fovmuation du probleme equ ol et au cur devote son Uv, respond, de son propre ave, 4 une inspiration rofondément jurdigue™ GOVARD-FABRE, Simone. La phlosphie du dro de Kant. Panis: Vin, 1956. . 7. owt 51 gunda fase, Kant passa a tratar dos temas propriamente filos6ficos, embora a caracteristica fundamental de suas obras em tal periodo seja a da exposigo de reflexdes flosSfi- cas tradicionais do pensamento modemo. Em sua terceira & ‘iltima fase, nas décadas finais de sua vida, Kant elabora de- finitivamente os pressupostos de sua metodologia filoséfica, tratando do criticismo filos6fico de maneira ampla, Nessa fase, rompe com a tradigdo da metafisica racionalista euro- péia, inaugurando no uma especulagdo sobre idéias genéri- as, mas sim sobre as possibilidades do proprio conhecimento do juizo. Nessa iiltima fase de seu pensamento encon- ‘ram-se suas trés grandes eriicas, a Critica da razdo pura, a Critica da razdo prévica e a Critica da faculdade de jugar. A Fundamentasdo da metafsica das costumes e a Metafisica dos costumes, além de textos que abordam temas especificos, como A pas perpétua, sio obras dessa fase final de sua vida {que em especial interessam ao diteito, Na propria Mecafisica dos costumes Kant trata especialmente do direito (na prime- ra parte da obra, “Doutrina do direito”) (© ambiente no qual se desenvolve a filosofia kantiana & © da ascensio da burguesia e dos ideais liberais na Europa, {dias estas que, de variadas formas, agtavam o debate inte- lectual alemiio, © Huminismo jé havia entrado na Alemanha, Principalmente por mefo de Wolf, de quem Kant tra virios referenciais para sua obra. © ambiente intelectual alemo, no entanto, tradicionalmente idealista, dominado por varios sistemas metafsicos, comegou por receber, da parte de Kant, ‘grande reprovagio. No comeco de sua trajetria intelectual, Kant havia-se ligado de larga maneira as ciéncias naturais, as ‘comprovagées empiricas, cienificas, muito mais que propria mente aos sistemas de filosofia. No contato com a filosofia inglesa, empirista, Kant absorveu muito das criticas ao modo filosofco idealistae racionalista que fora sempre a marca da 52 wmooucka A losonA Bo ometO filosofia da Europa continental, da Alemanha sobremaneira. grande despertarcritico da filosofia kantiana se dé, defini tivamente, com Hume. ‘Nas conhecidas palavras de Kant, David Hume desper: tou de seu “sono dogmatico", Ao demonstrar a impossibili, dade de um conhecimento ideal e prévio dos fendmenos, € 20 afirmar a experiéncia como tiniea fonte de apreensio de ‘conteiidos, Kant passa a criticar os que pressupunham 0 co- rnhecimento derivado de idéias plenas ou de sistemas de pen- samento, Para Hume, é impossivel afirmar-se, por exemplo, da experiéncia de um objeto que, solto no ar, cai ao solo, leis gerais sobre a gravidade. S6 se pode afirmar, na teoria empi- rista de Hume, que tal e qual objeto cairam, mas nada nos pode levar a concluir que todos os objetos, ao serem soltos ho ar, também cairo como cai aquele* Esse empirismo le vado a tiltimas consequéncias muito impressionou Kant, que passou a se perguntar a respeito das possibilidades dese afir- mar um conhecimento verdadeito. A encruzilhada que se abria a Kant dizia respeito a duas hipéteses: ou o conhect- ‘mento era exclusivamente empirico, nada podendo-se afi mar para além do que se percebia concretamente, ou entio havia possbilidades de antever como o ser humano podia co. nnhecer os eventos empiricos, quaisquer que fossem estes. Ji ue no era dado, segundo essa perspectiva de Hume, gene: ralizar © conhecimento com base em um sentido inatista ~ 2 "Que o wl ndo nascerd ama & Uo incligiel eno implica nai conteadgio do su 9 afrmagso que ee maser.) Em una pave tod efeko um evento distin de sa cass, Pogo, m0 peri Ser ‘escberto na causa e deve ser incramente stro conec lo ou ima {tinklo a prior. B mesmo depois que of tes side sugeido, a con Fungio defo com sun causa deve psc guslmente aria, is) {que hd sempre out fete que para a rado deve parece igualmente foerents e naturals" HUME, Dat. Invesigai aca doentndimento fnmano. Sio Palo: Nova Cultural, 197, p 48:53 (Os Pesadores) ve 33 no era possivel trar leis de uma racionalidade genérica a priori, mas somente conhecimento do perceptivel - era preci s0, na idéia kantiana, descobrir © modo pelo qual relaciona- vva'se no homem o conhecimento dessa percepcio, Assim procedeu, a0 mesmo tempo afestando-se do radicalismo de Hume mas aceitando ainda, da parte deste, 0 conhecimento empitico.® 2.2 A QUESTAO DO CONHECIMENTO E AS CATEGORIAS Essa busca kantiana de estabelecer o modo pelo qual 0 individuo pode conhecer os fenémenos, abdicando desde jé de qualquer explicagio teolégica, idealistica ou racionalista dde molde tradicional, como era proprio da Idade Moderna, conduziu Kant inarredavelmente a questo do conhecimento Em sua época, a diviso era bem nitida na maioria dos filéso- fos: em geral, os idealistas advogavam o conhecimento origi nério das idéias, da racionalidade, tendo em vista que as per- ‘cepsies, s6 elas, eram extremamente relaivas e subjetivas, seria na cognigio das percepges que residitia o problema fundamental da filosofia; os empiristas, em linha contréria, afirmavam a fraqueza de qualquer filosofia que transcendes- se da experigncla para idéias universalizantes. Saindo da crt tica empirista aos racionalistase inatistas, Kant chegard a um ‘modelo préprio de idealismo, que no lembrara o tradicional ‘da época moderna mas que seré ao mesmo tempo mais com: plexo que a pura afirmacéo da experiencia, conforme visto, por exemplo, em Hume 3 "Nio enistem respostas Kantianas a problemas wadcionas, ‘mas apenas flsos problemas tradicional,” LEBRUN, Gere. Kant 0 fm {hr metic Soo Paul: Marin Fontes, 1993. pS 54 ermonucke A mason vo mo CComeca Kant sua teoria do conhecimento reconhecendo 4 existéncia do conhecimento empirico, com base na expe- riéncia. Este é seu saldo com Hume. 0 sujeito do conheci ‘mento conhece, sim, por meio da experiéncia. Kant, no en- tanto, rejetaré que a percep¢io nos leve ao conhecimento das coisas em si, Para ele, o que se conhece das coisas, com a percepcio, & 56 0 fendmeno que tals coisas representam para ‘0 sujeito do conhecimento. Fenémeno, nesta acepcao kantia- na, quer dizer daquilo que se apresenta da coisa para os sen tidos do sujeito do conhecimento. Vale dizer, nao é possivel saber 0 que & uma coisa em si, apenas que, para as percep- s6es, ela se apresenta de tal forma.' Com isso, com a per- cepcio conhecendo sé fendémenos, Kant exclui a possibilidade 40 conhecimento das coisas em si, rejetando, assim, uma parte da teoria do empirismo. J que nao ha o conhecimento das coisas em si, $6 dos fendmenos, ndo ha a possibilidade de universalizagio do conhecimento por meio da realidade objetiva, jé que esta nfo pode ser conhecida em si mesma, "Di para ver que o que se ganha ao pasar da ois emi do retafsio ao objetn da experienc, co rot, pe asin dizer, jase ache ‘esenodo pels lee ipesrtives gue determinam o que deve ser = expe: ‘enc seahel? Gane o diet de dizer que hi plo menas un pais 0 ‘os homens ~ onde scald rest see presamente uma TeleH0 es Senil ene os objeto, pe que, em ela, nfo haveria ‘objets: por 80 {qu Hume er apenas um contrameraisc, «no um eco da metas. Desaiva-nos encontrar ente as coisas uma conexio neces. (que 3 pera ser eos ou male), Tinka rao ~ mas coma ress de que ' telago de causlidade se enconra num lugar disito dauele onde ele jstamenteconsatavs sua aun. Como toda nog acon teres, ea manfestanaorigem do senrvl,enquanto exe no é um cies. Como {oda nog atonal eet es aidesordem inaugural pela qual = ented sensvls so arculads de wma vex por ods, soo name de ‘bets, de modo anna Mai nos desconcrtarm” LEBRUN, Gera Sabre Rent. Sto Pauls Uuminuras, 2003, p12, mast 85 Kant firmava posigéo numa teoria subjetivita do conheci- No entanto, a questio de fundo, que é a da universal zago do conhecimento, ndo seria possivel apenas com a afr rmagio desse empirismo fenoménico. Vale dizer, esse conhe cimento apenas empitico seria marcado por um subjtivismo lextremamente relativista, Por isso, Kant prosseguird, valen- do-se agora de sua concepgio de certas estruturas a priori do centendimento, por exemplo, das categorias do conhecimento. HA determinadas estruturas que organizam 0 proprio conhecimento empirico. Essas estruturas no so conieci- ‘mentos apreendidos anteriormente. Pelo contro, s80 con- digées para que haja esse entendimento, esse conheciment. (0s contetidos conhecidos advém da apreensio dos fenéme- nos, mas tal apreensio s6 € racional porque hi tals estrutu ras prévias, a prior, que possibilitam perfazer 0 conhecimen- to, Qualquer fendmeno que seja percebido s6 0 sera porque had essas estruturas aprioristicas. Tais estruturas sfo universals, quer dizer, a razéo hu ‘mana compreende-as e as possul de forma necessdria, Essas estruturas sao formas prévias que tanto possibilitam 0 conhe- cimento empirico, sensivgl, quanto o conhecimento intelect- vo advindo dessas proprias percepcées. As estruturas que 5 “Kant combinou a doting da incessant elborosa progres so do pensameno a0 lnfnto com a Insta em sua insufencia © ‘terns lmitagio. Soa ligso€ um ordetlo Mo hi enum Ser no mundo ‘que cna passa penetra mas» que peso peneado pela cn Gs aio €'o ser 0 novo, segundo Kant, que o juin Hono visa, m0 ‘ntamo, ele nso eanecenadh de now, porgue epee Wrsoment 0 Que {Traslo i calcou no objet. Mas ese pensamento, resgaedado dos noe dem visio nae diversas dssplinas da enc, fecebe a cota: 2 ‘ominacto universal da ntureza volts conta © proprio sujet pensan ternads soba dle seniosustamente ene eu peso ctermamente gual que tem qur poder acompanhar dae minhes epresenagbes, Sujet © obo tomam-se ambos nil” ADORNO © HORKIEIMIER: Op. cl 38. 56 wrmonucko Aroson vo baro possiblitam © conhecimento empirico direto, Kant as deno- minard formas da sensibidade. As estruturas que possbi tam o conhecimento intelectivo, o entendimento, Kant as de- rnominaré categorias. Na Critica da razdo pura, diré Kant:® "Como introdugdo ou adverténcia parece necessé- rio dizer apenas que hé dois troncos do conkecimento ‘humano que talvez brotem de uma raiz comum, mas desconhecida de nds, a saber, sensiblidade e entendi- mento: pela primeira os objetas séo-nos dados, mas pelo segundo so pensados." {As formas da sensibilidade so estruturas apriorstcas, € possibilitam universalmente que seja dado 0 conhecimento ‘empirico. Tais formas a priori da sensibilidade s2o 0 tempo ‘© 0 espago. Sem tais condigées prévias nos homens, & im- possivel a apreensio de quaisquer fendmenos. Essa organiza- ‘gdo espacial e temporal dos fenémenos é que possibilita sua prépria compreensdo. Nao cabe ao homem afirmar sobre 0 tempo em siou o espaco em si, mas apenas asseverar que as formas do tempo e do espago so universais e necessérias, vale dizer, organizam necessiria e universalmente o conheci- mento sensivel.’ Como a apreensio é de fendmenos, e nio de coisas em si, o espago e o tempo nio sio da conta das coi sas, mas sim do sujeito do conhecimento, [Ao mesmo tempo, o sujet do conhecimento possui eax tegorias a priori que Ihe dio a condigio do entendimen- KANT, Immanuel. Crca dx raed pura. Sto Paulo: Nova Cul ‘uel, 1997.67. (0s Pensidores) 7. "0 expaco de mode algum representa ume proptadade de ci sas ern si, nem ampouto estes em suas relagies recpoca.(.) © tempo ‘io ¢ algo gue subsnta ors mesmo ou que adere a colts come eter. ‘minaio obits. (.) Tempo © espaco so portant, dus fntes deco ‘hecimento das quis se pode taro prin dcrentesconheinenos sue "eon" Hem, tiem. p 75, 786 81 wast 87 to, organizando 0 contetdo advindo da percepgio.® Tais ca- tegorias so também estruturas universais e necessérias, de tal modo que, dados os mesmos fenémenos, haveria o mes- mo entendimento deles por meio dessas categoras. A organ zacdo do entendimento faz-se em Kant, por meio de determi- nadas categorias, como por exemplo as de quantidade, qualidade, causalidade, necessidade etc © conhecimento, assim, nio é s6 a apreensio sensivel dos fendmenos, & também pensar a respeito deles. Quando se apreende um fendmeno, & necessério que sua compreen- so envolva eategorias como a de quantidade ou causalida de. Sio as categorias a priori que possibilitam uma inteleegio ‘universal e necessiria dos fendmenos percebidos. No entan- {o, esse pensamento nio vem a ser a criapdo de abjetos pelo individuo; pelo contrério, € um julgamento da empiria por meio de categorias. For iso, todo pensamento, para Kant, 6 nna verdade um julgamento, & um juizo. B, para cada catego ria a priori, hi um correspondente juizo possivel Sobre a teoria dos juizos, hd algumas questdes necessé- rias a serem vistas na filosofia de Kant. Havers juizos que se ‘encerram em si préprios, vale dizer, so meros desdabramen- tos necessérios do predieado que ja se encontra no sujeit. ‘Quando se diz que um triingulo tem trés lados, esse conheci- mento é meramente realizado pela extragio de um dado pelo ‘outro, Kant chamaré esses juizos de anaiticos, que nao tém srande importéncia filoséfica. Ao contrério destes, no entan- to, havers juizos sinttcas, que juntam elementos e que, por tanto, produzem eonhecimentos novos, Esses juios sintéticos so ou a priori ow a posteriori. Este tltimo é im conhecimen: 8 “Categorias sto concetos que presrever let a prior as fen menos, par consegunte &natreza com conunto de todos 0 fendment (2) Nio podemos pensar objet alum serso mediante eategors. (-) "No nos @possvelaenhum conhecimento a prio sendo unament cn resp a bjt de experiencia pose,” Mem, sbidem, 9. 1364127. 58 nemonucto A mosona 10 omET0 10 no qual os predicados acrescentam alguma novidade a0 sujeito porque sio apreendidos pela experiéncia. Quando se diz que um giz caiu, este juizo é possivel pela experiéncia do fendmeno, mas 6 um juizo contingente, individual. Jos jui ‘208 sintéticos a priori sio os que acrescentam um predicado ‘a um sujeito no pelo fato percebido, mas sim por relagbes, necessérias ¢ universais. A causalidade, por exemplo, 6 um juizo sintético a priori. £ nesses julzos «a priori que se concen tra o interesse da filosofia kantiana, porque so universais necessérios. O que os possibilita so as categorias a prior Na Critica da razdo pura, Kant tentou resumir seu itine ri “Todo 0 nosso conhecimento parte dos sentidos, vai daf ao entendimento e termina ra razdo, acima da ‘qual ndo é encontrado em nds nada mais alto para eta orar a matéria da intuigao e levé-la & suprema unida de do pensamento,”” Kant conseguia propugnar, ao cabo disso, um conheci- ‘mento universal calcado na subjetividade, com categorias, prévias & experiéneia. A universalizagao de Kant, antes que pelo objeto, que nao se alcaneava, era pelo sujeito do conhe- cimento, porque contava este com categorias necessarias © 2.3 DAS CATEGORIAS DO CONHECIMENTO AOS IMPERATIVOS CATEGORICOS Para direito, contudo, a quest#o do conhecimento, nos rmoldes propostos por Kant, ainda nao consegue resolver, por texemplo, 0 problemas de uma determinagéo racional da jus- 9 Op ei p 232 exe 59) tiga. Como sera possivel conhecer 0 justo? Com certeza no por meio da experiéneia, das sensagées, do empirismo, Tampouco a justiga se compreende com base em qualquer uma das categorias a priori do conhecimento, ou pelo tempo ce espaco. A teoria kantiana sobre a justigae a injustiga, sobre ‘bem eo mal, sobre o belo, sobre 0 correto, as virtudes, en- fim, sobre tudo que envolve o mundo dos valores, da vida pritica, das consideragies para a agio e o julgamento huma- 1, esta teoria em Kant faz-se com base nos imperativs cate- g6ricos. E preciso, antes de avangar, essaltar a necessidade filo- sofia historica dos tempos kantianos. A ascensio econémica burguesa buscava, no campo pritico do direito, o fim do Antigo Regime, que era absolutista e fundado no privilégio. Era preciso insstir em conceitos universais e individuais, ses do interesse burgués. Como fundamentar filosoficamente tum direito racional e universal ~ vilido para todos ~ trado dda racionalidade individual? Era este o desafio kantiano & seu trabalho de flosofia prtica ‘As categorias do conhecimento davam conta do conhe- ‘imento de fentémenos, que eram perceptiveis. Para 0 conheci- mento de valores, de julgamentos, de préticas, Kant tem de prosseguir mais ainda na tentativa de compreender, no pro prio sujeito do conhecimento, individualmente, a possibilida- de de universalizagdo dos julgamentos moras Para Kant, sendo o universal olastro do racional, 8 me- dida que a razio se pée a priori e para todos, somente as agdes ou as maximas que puderem ser universalizadas pode- ro ser consideradas como justas e boas. © proprio Kant, na Critica da rasio prética, afirmara a “Lei fundamental da ra: 24 pura pritica’:" 10 KANT, Immanuel. Critica dorado pra. Lsbot: Edges 70, 1989. p42. 60 wrmonucio A mosont 09 oto “Age de tal modo que a méxima da tua vontade possa valer Sempre ao mesmo tempo como principio de uma legislasdo universal.” Estes sfo os imperativos categéricos kantianos: as méxi- ‘mas que puderem ser universalizadas. Esse crtério, que re ppousa numa prévia suposiglo de que haja um tnico interesse tuniversal, & 0 que identifieara o correto, o bom, o valoroso, 0 just. Exemplo clissico dessa proposta é o da mentira. Se le sgeral fosse mentit, no seria possivel a vida em sociedade. Somente a verdade pode ser universalizada enquanto lei, e, assim, somente ela é expresso de uma racionalidade que se ‘compreende em todos os homens. Nao mentir seria, pois, um Jmperativo categérico, o que Kant expressa, aliés, num texto Sobre um supesto direito de mentir por amor & humanidade: “Ser veridico (honesto) em todas as declaragdes portanto, um mandamento sagrado da razao que or- dena incondicionalmente e ndo admite limitagGo por {quaisquer convenincas.””" A ransposigio disso para o problema modemno do direi- to natural ¢ imediata: somente poderio ser de direito natural (Gomente poderio ser direitos justose racionais) os imperat- vos universalizados. Representa tal concepcao, ao mesmo tempo, a fim dos prvilégios (tendo em vista que slo particu lares) ¢ 0 fortalecimento da idéia dos direitos subjetivos, uni versalizaveis, principalmente 0 direito a propriedade, liber- dade negocial eigualdade formal. Na verdade, esse direito & ‘muito mais de garantias, vendo em vista que somente as g3- rantias podem ser universalizadas numa estrutura social Dur- ‘guesa. Nao passa pelo campo da corregio efetiva e social das dliferencas, tendo em vista que acaba tornando-se um direito Ti KANT, Immanuel. paz perpsua © outros opus, Lisbos: ites 70, 1992. p. 178 racional de previsdes genérieas que, na amplitude de suas es- tipulagées, faz a conquista das necessidades jurdicas burgue- sas. Universalizar a efetividade dos direitos ¢ impossivel nas, estruturas captalistas. Por isso, o direito universalizivel aca: ba sendo sempre as garantias, e ndo a efetividade. Os direi tos burgueses, de modo geral, slo sempre tomados, histori- camente, como garantias Que espécie seria esta de imperativo categéorico para Kant? Normas racionalizadas, alcancadas pelo individuo no uso de sua capacidade racional, abominando toda a metals. ca tomada em seu sentido de verdade prévia e dada fora dos limites da razdo. Um imperativo categtico s6 tem razio de ser enquanto imperative mesmo, vale dizer, enquanto lei. $6 porque o homem & dotado de liberdade, podera seguir ou ‘Jo sua vontade ou entio as leis de seu dever. A liberdade e (© dever sio dois pélos necessérios para a teoria do imperat- vo categérico em Kant. Isso esté explicito na Fundamentayao da metafisica dos eostumes:* “Agora afirmo eu: A todo o ser racional que tem uma vontade temos que atribuirthe também a idéia da liberdade, unicamente sob a qual ele pode agi. (..) A {faculdade de julgar tem de considerarse asi mesma ‘como autora dos seus principias, independentemente de influénciasestranhas; por conseguinte, como razdo pré tica ou como vontade de um ser racional, tem de consi: derar-se a si mesma como livre; isto é, a vontade desse ser s6 pode ser uma vontade prépria sob a idéia da li Derdade, e, portanto, é preciso atribuir, em sentido pr tico, uma tal vontade a todas os sees racionais.” A vontade, se dominada pela inteligéncia, seré conduzi- dda por meio dos imperativos categéricos. Essa ligagio entre 12 KANT, Immanuel. Findomenapdo a metafisco dr ous Lsbos:EgSes 70,2000. p. 95:96, 62 monucko A msona 10 muro vontade e inteligéncia assim tratada na Critica da rasdo pratica:™ “0 essencial de todo o valor moral das ages de pende de que a lei moral determina imediatamente a vontade.” Em face de toda essa construgio, é de se perguntar: 0 procedimento pelo qual as miximas podem ser universaliza- ‘das, reconhecendo-as como imperativos categéricos, seria 0 ‘mesmo, € os resultados seriam 0s mesmos para todos os indi viduos? ‘A resposta kantiana atenta para a enorme dificuldade dessa construgio. Na multplicidade de interesses e compreen- s6es que hé entre os individuos, seria de resto praticamente ingénua essa concepgio kantiana, nio fosse sua reserva de {que os imperatives categéricos somente poderiam ser com: preendidos pelos homens abstraindo:se eles de seus interes ses imediatos e de suas circunstincias, tendo, mais ainda, boa-vontade. Kant abre a Fundamentasio da metafisica dos costumes, alts, tratando da boa-vontade como fundamento dos imperativos categéricos:"* “Neste mundo, e até também fora dele, nada é ‘posstvel pensar que possa ser considerado como bom sem limitagdo a ndo ser uma sé coisa: uma boa von tade, (..) A boa vontade ndo é boa por aquilo que pro move ou reaiza, pela aptidao para aleancar qualquer Fialidade propit, mas tosomente pelo querer, isto A fragilidade dessa construgio & notéria, tendo em vista a série de pressupostos que a sustentam. Somente um mun- 1 Ope pov 14 Op. cit p. 21.25, ar 68 do que se pressuponha em harmonia pode engendrar uma ‘concepgio normativa universalizante e querida por todos os individuos em todos os tempos. Ao mesmo tempo, «al boa-vontade pressuposta pela universalidade somente em termos profundamente ideais pode ser concebida, Esse proje- te kantiano de construgio filosética dos deveres ~ e, por fim, do proprio direito natural -, se consegue dar uma aparente razoabilidade de cabo a rabo a tal empreendimento, nao consegue, no entanto, escapar de suas premissas ideais e de suas presungSes nao verficadas na realidade. Essa construsio dos imperativos categéricos kantianos & ‘40 mesmo tempo subjetivsta, no sentido de sua interioridade no individuo (e a partir daf também individualista em seus valores), ¢ & também racionalista, tendo em vista que se re puta racional essa operagio para a determinagdo do impera- tivo, universal, vilida para todo tempo ¢ todo espaco. Esse & ‘© pano de fundo mais bem elaborado pelos modernos para uum dizeito natural burgués: melhor que todas as concepsées jusnaturais anteriores porque ndo saido de teologia ou de verdade pré-estabelecida, mas de uma razio, universal, ne cesséria e eterna. Ao mesmo tempo, burguesa na esséncia, pols que estatui a exata medida da necessidade juridica da burguesia que ia tomando o poder estatal e juridico nos pat ses europe 2.4 DIREITO, MORAL E PAZ PERPETUA No fundo, © Kant moralista ainda impera no meio de suas autolimitagées de racionalista. O imperativo categérico a norma da vida politica, mas também da vida juridica, so cial, e também da vida ética e moral. De rest, 0 dreito natu- ral kantiano muito pouco diferi, em suas leis, das leis mo- rais de uma possivel moral universal racional, eristd por esséncia, Conforma'se, assim, a tradigio kantiana, 3 exata 64 pemo0ucio A mason 0 ero ‘medida de certa moral burguesa, muito apropriada de tais referéncias racionalistas e moralista eristis. E de se lembrar a célebre conclusio, aids, da Critica da raado prtica: “Duas coisas enchem o nimo de admiragio e veneracgo sempre nnovas e ctescentes, quanto mais freqiientemente e com maior assiduidade delas se ocupa a reflexao: 0 eéu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim." A diferenciagdo kantiana a respeito do direito © da mo- ral nfo se d no contetido das normas em si, pasto que £80 {dénticas em seu reconhecimento como imperativos categéri- 0s (as normas do direito natural), mas se dé pela diferenca da sano, no caso da norma juridica, e do ato gratuito, sem expectativas de recompensa, no caso do ato moral. Aquele aque dissesse que a moral burguesa era também sua le jurid ca em Kant poderia residir sua identificagio. Na Fundamen- tagdo da metafsica dos costumes Kant afastard, do dever mo- ral, qualquer interesse ou utilidade, a nio ser o préprio respeito lei, o proprio dever. Mas, a0 contrério, odireito se faz da coerciblidade, vale dizer, da expectativa de se furtar & sangio em caso de descumprimento da lei™ “0 valor moral da agdo ndo reside, portanto, no efelto que dela se espera; também ndo reside em qual: ‘quer principio da ago que precise de pedir o seu mobil este efito esperado, (..) Nada, a ndo sera represen tagdo da lei em si mesmua, que em verdadle s5 no serra ional se realiza, enquanto € ela, e ndo o esperado efi- fo, que determina a vontade, pode constituir o bem excelente a que chamamos moral ‘Ao campo do direito, a legislagao tem por motivo ndo a ‘moralidade em si mesma, mas um prinefpio externo, vale di- 1S Op ep. 18s, 16. Opt. 31-22 most 65 zer, causado pela sangéo, e isso 6 diverso do campo da mo: ral, no qual o bem tem urn fim em sie para si.” A coerebil- dade sempre resta como elemento indesejavel na estrutura do pensamento antiano, posto que os individues, todos ra- cionais, se agissem moralmente e de boa-vontade, condu zir-se-iam, se no fossem obrigados em contririo como 0 feram no mundo absolutista, a uma sociedade sem peias e sem necessidade de coercio. Kant, no fundo, devia conhe: ‘cera espécie humana, e teve que reconhecer uma varidvel, 8 coergio estatal, a bem da realidade. E, principalmente, a 17 “Que 3 pluraldad dos seresraconis forme necesaramente uma tralidade, ess € anda um dos pressposts da mera, sem a uals ‘a impose! fonda os imperatives categoion (.) preciso que todos (sours, cc um paras e cada Um para o out, reresentem na turez acon como fim em para gue a moral sj fda, Compreen lanes: pare que ea dependa de outa cosa do que de uma decisis tha, uma conviegs ‘pevada™ (LEBRUN, Kent #0 fi da tafe, Op. p97). 18 “Mas, quand se pergunca qual é a matureza de uma vontde suclentemente determina pla simples forma da ll (ogo, independen femente de toda 9 condiio Sense ou de uma let natural dos Fee. no), devemos responder: € uma vntade li. E undo se pergunta gual let expuz de determina uma vontade live enguanto ta, devemos fe poner Tel moral (como para forma de una lepsagna universal). An Pleagioreiproca € de tal ordem que razioprtiae iberdae terse Sdemtiiquem, Todavia, questo nfo esa: do pono de vista die nos represetagbes, 60 coneeto da rand prtca que hos eta 30 ane ds Ipedade como a algo que ext necesartamencelgado aque primero conceit, que Ihe perence e qe no entano no ese nee. Na vera, ‘conceio de iberdade no reside na lt mol, sto ser ele esm9 US dala da raz especulaiva, Mas esta dia permanecera puramente pr Dlemdtc, liitatia eindeterminads, sea lei moral nos nio ensnate ‘ue sos Livres, que o nest conto de iberdade adie uma Iidade abjetiva, posi edetemminads. Achamos asin na atonomia do ‘ontade uma sinese a prior qe confere a0 conceit da iterdade is Fealdade objetva determinada,ligandoo necesnriamente a0 de ratio tin” DELEUZE, Giles. flsofia ven de Kant Lisboa: Eales 70, 1994. p. 96 66 smonucia A reosora G0 ETO bem da manutengo da ordem social burguesa."” A expectati va de uma humanidade plena moralmente vem expressa, aliés, numa breve obra muito significatva de Kant, idéia de uma histéria universal do ponto de vista cosmopolita. Esta ‘obra funda-se em nove proposicbes:*” “1*~ Todas as disposigdes naturais de uma eriatu- ra estdo determinadas a desenvolver-se alguma vez de tum modo completo e apropriado. 24 No homem, as disposigdes naturais que visa 0 uso de sua razdo devem desenvolverse integralmente sé na espécie, ¢ no no individu. 3°~ A natureza quis que o homer tire totalmente de si tudo 0 que ultrapassa o arranjo mecinico da sua ‘existncia animal, e que ndo partcipe de nerhumea ou- tra felicidade ou perfeiéo exceto a que ele conseguitt para si mesmo, liberto do instnto, através da prépria 4°— 0 meio de que @ natureza se serve para levar a cabo 0 desenvolvimento de todas as suas disposigdes & 19. As dotnas moras do essrecimento do tesemunho da en tacvadesespradn de ola no gar dala enfaquecda un maxivo intelectual para petseverar na socedade quando o iterese falta. Como tutescos burgess, os los perm ra pelea com a poréncas que Sh tevin condena, Ae terie 80 dase cocretes, as dowuinas moras ‘ropagandiin e seninearas, mesmo quand parcem goss, ou {Eo sto goles de forga conuecatvor 9 conecenca da impossibildade de ‘evvar 4 mocel, como o recurso kacino as frcas cas como wm ft Stu tentativa de dervar de una lel da raz odever do repeto mtuo ~ Sinda gue empreendidn de maneira mais prodente do que toda floss Getdcnsl- no encontraneninum apoio na cis Ea tents sal do pensamentaburgués de dar considerags, sem qual a ezagio no Pde ext, uma fundimenacso divers do inerese material e da fra, Fume © peradenal como nenhursa outa cenativa anterior, emer {ormo toate” ADORNO © HORKHEIMER. Op. ct p. 85. 20.” KANT. A pas perpéua e outros opts. Op. ct. p. 23 ase 67 © antagonismo das mesmas na sociedade, na medida fem que este se torna ultimamente causa de uma ordem legal dessas mesmas dsposicées. 5*— 0 maior problema do género humano, a cuja solupfo a Natureza 0 fore, é a consecugéo de uma so- ciedade civil ue administre 0 direto em geral. 6*~ Este problema é ao mesmo tempo 0 mais dif cil eo que mais tardiamente& resolvido pelo género hu- 7*~ 0 problema da insttuigdo de uma constitui- fo civil perfeita depend, por sua vez, do problema de ‘uma relagao externa legal entre os Estados e no pode resolverse sem esta iltima. {84~ Pode considerar-se a historia humana no seu conjunto como a execupio de uri plano oculto da Natu- reza, afi de levar a cabo uma constituigéo estatal in- teriormente perfeita e, com este fim, também perfeita externamente, como o tnico estado em que aquela pode desenvolver integralmente todas as suas dispasigées na umanidade 9° ~ Um ensaio filosdfico que procure elaborar toda a histéria mundial segundo um plano da Nature. 2a, em vista da perfeita assocagao civil no género hu ‘mano, deve considerar-se ndo s6 como possvel, mas ‘tarbém como fomentando esse propésito da Natureza.” Sobre a correlagio do direito com a moral, exprimiu-se Kant em seu Projeto para a paz perpétua: “A verdadeira politica nao pode, pois, dar um pas: 0 sem antes ter rendlido preito & moral, e embora a po litica seja por si mesma wma arte dificil, ndo consticui 21 ee, idem. . 169-164 (68 wre000ch0 A masons D0 sn no entanto arte alguma a unido da mesma com a mo- ral; pois esta corta 0 nd que aquela ndo consegue desa- tar, quando entre ambas surgem discrepdncias. O direi- to-dos homens deve considerar-se sagrado, por maiores que sejam os sacrifcios que ele custa ao poder domi rnante; aqui ndo se pode realizar uma diviséo em duas partes ¢ inventar a coisa interméidia (entre direitoe uti= lidade) de um direito condicionado pragmaticamente, ‘mas toda a politica deve dobrar os seus joethos diante do direito, podendo, no entanto, esperar aleangar, em- bora lentamente, um estégio em que ela brilhard com firmeza.” Esse mundo regido pelas normas de direito natural sat das racionalmente dos imperatives categéricos e seguidas pelo Estado conduziria, no fundo, a uma sociedade universal, fem toda a Terra, Se todos os povos fossem racionals, usariam ‘das mesmas normas, teriam uma legislagio universal. & de se nota, als, a similitude das legistagdes civis burguesas em todos os paises capitalistas do séeulo XIX. Kant foi um tedrico dessa legislagdo universal, alertando mesmo para sua neces- sidade. No Projeto para a pas perpétua, estatui as convences fe as normas a serem seguidas por todas as nagles a fim de {que 6 projeto jusnaturalista racionalista levasse & harmonia ‘universal ea paz perpétua, embora o proprio Kant lembrasse ironicamente que tirou 0 nome de seu livro de uma pide tumular,tnico local no fundo em que a humanidade viveria fem paz perpétua. Diz Kant nesta obra: 0 estado de paz entre os homens que vivem jun: tos ndo é um estado de natureza (status naturalis), 0 ‘qual é antes um estado de guerra, isto é, um estado em ‘que, embora ndo exista sempre uma explosdo das hosti- lidades, hd sempre, no entanto, uma ameaya constante. Deve, portanta, instaurar-se 0 estado de pas; pois a ‘omissdo de hostilidades ndo é ainda a garantia de paz ¢ kor 69) ‘se um vizinho no proporciona seguranga a outro (que 6 pode acontecer num estado legal), cada umm pode con siderar como inimigo a quer Uhe exigiu tal seguranga.” E so tals, segundo Kant, os artigos definitives para a paz perpétua entre os Estados’ “Primeiro Artigo ~ A Consttuigéo civil em cada Estado deve ser republicana, Segundo Artigo ~ 0 direito das gentes deve fun- dar-se numa federacao de Estados livres. Terceiro Artigo - 0 direito cosmopolita deve tim tar-se ds condigées da hospitalidade universal.” ‘Todo o contetido jusfiloséfico kantiano assenta-se numa {déia contratualista muito prépria, sem a qual o sistema jur: dlico ndo se completa em sua racionalidade. Na idéia do con: ‘rato social, e na verdade na pressuposigao da vontade geral do povo, é que reside para Kant a legitimidade do diteto Num opisculo, Da relagio da teoria& prética na moral em ge- ral, assentaré 0 direito num corolétio:” “Bis, pois, um contrato origindrio apenas no qual se pode fundar entre os homens uma consttuigdo civil, ‘por conseguinte, inteiramence legtima, e também uma comunidad. Mas neste contrato (chamado contractus originarius ou pactum sociale), enquanto coigagao de todas as vontades particulares e privadas num povo ‘numa vontade geral e publica (em vista de uma legisla- 0 simplesmentejuridica), ndo se deve de modo algum ‘Pressupor necessariamente como um fato (e nem sequer posstvel pressupd-lo). (..) Mas é uma simples idéia da razdo, a qual tem no entanto a sua realidade (préti 23 dem, idem. p 6263, 70. wrnoourio A uasoma 90 omEO "I~ 0 principal defeito de todo materialismo até ‘aqui (neluido o de Feuerbach) consiste em que 0 obje- to, a realidade, a sensibilidade, sb 6 apreendido sob a forma de objeto ou de intwigao, mas ndo como ativida- 3 tbidem pats de humana sensivel, como prixis, ndo subjerivamence, Eis por que, em oposiedo ao materialism, o aspecto ati vo foi desenvolvido de maneira abstrata pelo idealismo que, naturalmente, desconhece a atividade real, sens vel, como tal. Feuerbach quer objetos sensiveis ~ real mente distintos dos objetas do pensamento: mas nio ‘apreende a prépria atividade hurmana como atividade objetiva. Por isso, em A esséncia do eristianismo, con- sidera apenas o comportamento tebrico como 0 autenti ‘camente humano, enquanto que a praxis s6 ¢ apreciada ¢ fixada em sua forma fenoménica judaica e suja. Eis or que no compreende a importdncia da atividade revolucionéria, ‘prétco-critca’ IA questio de saber se cabe ao persamento hu ‘mano uma verdade objetiva ndo é uma questi tedrca, ‘mas prética. na préxs que o homem deve demonstrar a verdade, st é a realidade eo poder, o carater terre. no de seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou ndo-realidade do pensarnento isolado da prévis ~ é uma questo puramente escoléstica, Vil ~ Toda vida social ¢ essencialmente prética. ‘Todos os mistérios que levam a teoria para o mistcisme encontram sua solugdo racional na praxis humana e na compreensdo dessa praxis X~0 ponto de vista do velho materialism & a so ciedade civil; 0 ponto de vista do novo é a sociedade hu ‘mana ou hurmanidade social AT ~ 0s filbsofos se limitaram a interpretar 0 mundo de diferentes maneiras; o que importa € trans forms-lo.” Assim, 0 pensamento marxista desloca-se totalmente da tradigio filos6fica até entio. Nao mais um eonhecimento es 98 wrmonio sori no nA peculativo, meramente contemplatiyo.* Trata-se, pois, de um pensamento para a transformacio. £ assim que Marx fundaré Sua filosofia sobre uma praxis, cujo ponto de vista é de uma prixis revolucionria. Na ‘Tese I, dic “A coincidéncia da modifcaséo das ciunstincias om a atividade humana ow alteragdo de si préprio s6 pode ser apreendida e compreendida racionalmente Como praxis revoluciondria.” esse pont, Mare atrela necesariamente flosofia a uma posture revoluconaia Essa proposta se choca frontal meme coma ado flosbfica de seu tempo, Mm espe a dlemd, © subjevomo, proprio do pensamento moder, cous dfinivarentesepulado pla cca marist. No se feta mais de conhecr mundo com base no homer es tir em sua esincn, ow em sua natren, ot em ses arb tos Rindamenas. No verdade, 0 homem somenteo'€ en {art se perfaz as prprias rls sos, de abl Aims Mane Engels exprinemse na olga lem “Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciéncia, pela religido ou por tudo que se queira ‘Mas eles préprios comegam a se diferenciar dos animais to logo comesam a produir seus meios de vida, passo ‘este que é condicionado por sua organizagdo corporal. Partindo dos seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua prépria vida material. 4A aca no € suiente par define @ revougio. Nio ‘stant amar se como antidogmate (Kent) ou como ancespeclatea (Feuerbach, snds€ precisa que ela se exerge normal das Creunst av (,) Acs tm seni pico e38 possi ei a se radurir fm atvidade pte, Eno ela ¢necessariamenterevluciondria, no sent fio mats rigor, desuidora” LABICA, Georges As "ss sobre Feuer Inet de Kart Mars lo de Janeiro: Jorge Zaha Er, 1990 . 80-5, ‘MARX Kal igi lmao Paulo: Hace, 199. p, 227. vans 99 (0 modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida depende, antes de tudo, da naturesa dos meios de vida ja encontradas e que tém de reprodusir. Nao se deve considerar tal modo de produsio de um sinico onto de vista, a saber: a repradugio da existnciafisi- ca dos individuas. Trata-se, muito mais, de uma deter minada forma de atividade dos individuas, determina da forma de manifestar sua vida, determinado modo de vida das mesmes. Tal como os individuos manifes: tam sua vida, assim sfo eles. O que eles so coincide, ortanto, com sua produpdo, tanto com o que produ: em, como com o modo como produzem. O que os indi- viduos sao, portanto, depende das condigdes materiais de sua produgdo.” Rompendo, pois, com as tradigdes tanto materialistas ‘quanto idealistas, que buscam ou uma natureza e necessida des humanas ou esséncias, Marx inscreverd o homem em seu ‘trabalho, em sua relagio objetiva com a natureza, como pro- dutor. Consegue, pois, definitivamente, ultrapassar a barreira filossfica da tradigéo moderna que limitava o homem a sua individualidade, a sua subjetividade. A compreensdo humana a partir da précis, é a partir da atividade pritica humana, dda produgdo, do trabalho. Essa noglo de praxis assume, na perspectiva filoséfica dde Marx, significado muito espectfico. A nogio de préxis re- ‘monta ao mundo grego, & divisio das atividades humanas, fundamentalmente trés: préxis, poiésis e cheoria. Tais nodes, desenvolvidas prineipalmente por Arist6teles, em certo seni do influenciam o vocabulério que chega a Marx. Embora © campo da filosofia, no mundo medieval e principalmente no ‘modemo, tenha sido o da theoria, vale dizer, a reflexio teéri «a, ¢ embora a atividade burguesa, capitalista, produtiva,in- dustrial baseie-se na poiésis, na produgio material, Mars as. senta a preocupagio fundamental de sua teoria na insténcia 100 wRosuei0 A eosomA BO ETO renegada pela especulacio flosbficae pela atividade burgue- a préxis. Esta nao & a mera atividade, caso da potéss, mas € muito mais que i880, uma atividade da vontade humana, portanto da liberdade, relacional, dai se espraiando para tudo o que envolva o trabalho, a politica e a sociedade.” Ba- seando:se nessa instncia da préxs como fundamento da his- ‘ria humana e de sua compreensdo, Marx fara dela 0 motor também da propria transformagio, Por iss, a flosofia da pré- ‘xs do & mera contemplacio ~ como seria 0 caso da theoria ~ tampouco é instrumental ~ como seria 0 caso da poiésis ~: & necessariamente transformadora.” Mais ainda, o homem, na perspectiva floséfica marxis- ta, a0 ser tomado fundamentalmente pela praxis, nio 0 ¢ to ‘mado em sua individualidade, mas em sua socibilidade. Até ‘mesmo 0 que se possa considerar proprio da individualidade reveste-se de cariter social. O proprio pensamento e a lin jguagem tém contetido social. Marx expressa-se sobre isso ‘nos Manuscritas econémico-politicos: “0 individu é um ser social. A sua manifestagdo de vida ~ ainda que no surja como forma de uma ma: nifesagdio de vida comur, realizada em conjunto com {6 A prdnis € x avid conereta pla qual o sults humans sc afm no mando, mexicana a ealidade objet e, pa pedere Sherdltranoumando-se x mesos. Ease que, para se aprocundar ‘Sermaneita mai coneegiene,preasa da efledo, do autoquestionamen to, da eo teoia que rome 8 ao, que effenta 0 desta de ven tar seus aertes¢descerto, coteandoos com a prea.” KONDER, Lea tito 0 furrodafilsofa do prise S30 Palo: Paz Tera, 1992p. 11. 7 "ara Mark, er preciso superar duasunlatralidades opstas (0-60 materiaisno« ado ease) e pesarsinuapeamente 3 atvad Ge-eo copreidadedo sujet, reconhecendo Ihe todo o poder material de icersir ne mundo, Nea interengio cnssia pris aide Te Lcinara, sobwersva questionador eiaovadar, 0 ainda, numa ex press exremarmente sues, rico pec’ Idem, idem. . 115. sx 101 4s outras ~ é uma manifestagéo © uma afirmaso de vida social."® A relevancia da prdxis para a flosofia de Marx ¢ tama: tnha que Antonio Gramsci, por exemplo, 56 se referia & filoso fia marxista como “filosofia da praxis" 42 AS CONDICIONANTES PRODUTIVAS Inserevendo a compreensio humana no proprio ho- ‘mem, mas numa forma especifia de compreensio humana, ‘2 que compreende o homem a partir da pris, fastando os ‘subjetivismos e os essencilismos humanistas tio préprios & filosofia modema, Marx ied proceder, em toda a sua obra, 2 ‘uma compreensio mais bem aclarada dos mecanismos dessa préxis, da relagéo do homem com a natureza, percebendo, dat, a'Instincia fundamental, para a propria constituigao da hhumanidade como tal e de sua sociabilidade, da produgdo Nas relagGes de produgSo, assenta-se, pois, a forma de. terminante da propria historicidade humana, posto que cer tas instincias que tradicionalmente eram consideradas fun- antes do préprio homem e suas constituintes maiores estio, na verdade, na dependéncia direta dessas relagGes produti vas. Dird Marx, a esse respeito, nas clissicas frases do prefé- cio da Contribuigdo & critica da economia poitica:? "A minha investigagdo desembocava no resultado de que tanto as relagbes juridicas como as formas de Estado no podem ser compreendidas por si mesmas rem pela chamada evolugdo geral do espirito humano, {3 _Apad ABBAGNANO, W Hira de fli, Los: Presengs, 1983, ¥. 10,9. 38 9 MARX, K: ENGELS, F. Obra exlbitas.SS0 Palo: Alls Omer, Is dhvelp- 301 102. oxropuedoAuas0e Bo mH ‘mas se baseiam, pelo contrério, nas condicdes materiais de vida eujo conjunto Hegel resume, seguindo o prece- dente dos ingleses e franceses do século XVII, sob 0 nome de ‘ociedade civil’, € que a anatomia da socieda- ae civil precisa ser procurada na economia politica. Em Bruxelas, para onde me transfer, em virtude de uma ‘ordem de expulsdo imposta pelo Sr. Guizot, tive acasido de prosseguir nos meus estudos de economia politica, inciados em Paris. O resultado geral a que cheguet e ‘que, wna ves obtido, serviu de fio condutor aos meus studs, pode resumir-se assim: na produgdo social da sua vida, os homens contraem determina das relasdes necessdrias e independentes de sua vontade, relagdes de produgdo que cor- respondem a uma determinada fase do de- senvolvimento das suas forcas produtivas ‘materiais. 0 conjunto dessas relagdes de produgio forma a estrutura econdmica da sociedade, a base real sobre a qual se Levanta a superestruturajuridicae pol tea ¢ & qual correspondem determinadas formas de ‘onsciénca social. O modo de produgdo da vida material ondiciona 0 processo da vida social, politica ¢ espiri- tual em geral. Néo é a conscincia do homem que deter mina o seu ser, mas, pelo contrrio,o seu ser socal é que determina a sua conscigncia” (grifo n0ss0). As determinantes tkimas dessa compreensio da préxis, assim, residem, nas proprias palavras de Marx, nas relagdes de producio, que correspondem a determinada fase do de- senvolvimento das forcas produtivas materiais dos homens. Assim, dessa infra-estrucura,eleva-se uma superestrutura, de relagbes religiosa, jurfdicas, morais, polticas, que nio tém Independéncia, mas antes sio condicionadas pelas préprias relagbes de produgio, Sobre esse ponto,e sobre as formas de ligagao entre as relagdes de produgdo e a superestrutura que vex 103 delas se ergue, muita polémica até hoje se instaura no mar: xismo, que ensejou compreensdes to opostas como a de Sta- lin ou a de Althusser, ambos no século XX. E preciso sempre, no entanto, afirmar, de Marx, 0 desenvolvimento humano ‘com base nia producao, no trabalho, impossibilitando assim, de ver, a perspectiva tradicional e sida até entio da filoso fia ocidental ~ que até hoje nos persegue por falta de pensa- ‘mento critico -, que passa ao largo do problema do trabalho © da produgio, da determinagio humana pela praxis, indo pairar sobre uma genérica “esséncia” humana ou valores fun- damentais nessa esteira que Marx desenvolverd, com muita espe. cificidade, um dos temas ligados a uma tradigio hegeliana ras que, na dptica marxista, encontra-se totalmente inova- do. No quadro geral das contradigBes nas relagBes de produ ‘0, dando-se essas contradigoes no plano da préxis, é na alienagdo que residiré uma das mais nitidas condigées do ho- ‘mem no sistema eapitalista. Em Hegel, que € o pensador no {ual a alienagio vem pela primeira vez trabalhada filosofiea ‘mente, cla compreende um problema da subjetividade, de consciéncia, que ndo se reconhece a si mesma como tal. Em. Marx, pelo contrario, nio se trata da alienagio como um pro- blema de autoconseiéncia. © homem encontra-se apartado de si proprio pela estrutura das relagBes de produgio capita listas. Os meios de produgéo passam a subordinar 0 ho- ‘mem.'” Suas esséncias, suas aparentes condigdes juridicas e politcas de liberdade e igualdade, e a propria regio, forne ‘endo liberdades espirituas, escondem 0 quadro profundo & perverso da condi¢do humana no sistema capitalista: 0 ho- ‘mem passa a ser nto a finalidade tltima das relagdes de pro- 10. "0 taba separado do seu objet é em sma ass, ama sliengio do homem pelo homer a indvgoos sto feoladoe uns dos ov trove atadoe une conor outa. Els esto mats lado pele mere oras que erocam do que por sas pessoas. Ao allenarse des est, © homer se asta dor sus semethantes” MARCUSE, H. Op. ct. p. 257, 104 srmooucia A meosom 90 oT dugio, mas © meio para a produgio de bens. No capitalismo, ‘o homem passa a ser, pois, mercadoria, Na Tntrodupdo d crti- ca da filosofa do direito de Hegel, Marx trataré da alienacio nndo sb em seu campo de consciéncia ou de religiao, mas no ‘campo da sociabilidade humana:" “Assim, superada a crenga no que estd além da verdade, a missio da histéria consiste em averiguar a verdade daquilo que nos circunda. E, como primeiro ob- Jetivo, uma vee que se desmascarou a forma da santa de da auto-alienasio humana, a misséo da filosofia, ‘que esté a serviga da historia, consiste no desmascara- mento da auto-alienagdo em suas formas ndo santfca das. Com iso, a ertica do céu se converte na critica da terra, aertica da religiéo na critica do dieito, a critica da teologia na critica da Politica.” 4.3 MATERIALISMO HISTORICO Diferenciando-se profundamente da tradicio hegeliana, para a qual 0 motor da histéria era racional, toda a insistén: ‘ia marxista esté no sentido conttdrio, ou seja, o da afirma- ‘glo do caréter humano, concreto, ative, produtivo da exis. téncia. Nas condigdes materiais de vida, ¢ ndo na consciéneia ‘ou na evolugéo geral do espirito humano, reside o funda mento de sua concepao. Marx, assim, postula, filosofica mente, uma perspectiva totalmente distina da tradicional di ‘cotomia filosdfica moderna de racionalismo e empirismo. A prépria empiria, em Marx, nao diré respeito a uma apreen- so material no sentido fisico do homem, mas ultrapassaré essa barreira em diregao 2 historicidade do homem. Daf a prépria distingdo de Marx de seu materialismo em relagio 11 MARK, Karl. questo jade. So Paulo: Censure, 2000, 86. x 105 aos anteriores: nfo se tata de mera empiria, mas de um ma- {erialismo historio, que dé conta do homem cientificamente, ‘em sociedade, em processo, em relagio, em histéra, pois? 0 hhomem apreende-se socialmente, nas relagées socais, hist ricas, produtivas que © conformam, Essa historicidade, por sua ver, também se resolve € se ‘compreende socialmente, na préxis humana. Em A ideologia alemd, também, Marx e Engels dirdo: “0 primeiro ato histérico 6 portanto, a produsdo dos meias que permitam a satisfagdo destas necessda des, a produgdo da prépria vida material, e de fato este € um ato histrico, uma condigdo fundamental de toda a hist6ria, que ainda hoje, como hd milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias todas as horas, sim plesmente para manter os homens vives." Diriam ainda, numa nota do mesmo live: “0 primeiro ato histérico destes individuas, pelo qual se distinguem dos animais, néo € o fata de pensar, ‘mas 0 de produzir seus meios de vida.""* Inserevendo-se na materialidade das relagées produti vas, a histéria tem seu perfazimento por meio de uma rela- fo entre as forcas produtivas e as relagbes produtivas. Vale dizer, as forgas produtivas, ao alcangarem determinado grau de organizacao, chocar-se-4o com as relagdes produtivas ‘com a propriedade, e, dessa contradigéo, brota um momento de revolugdo social. Assim, so as contradigdes do homem ‘em seu sistema produtivo que acabam por performar a pr 12 “0 mateilsmo artigo ¢ um materilismo da intua/soner lagdo que corsa sensblidade da atvidade prin, Potato ele € de Feuerbach anto quanto de seus antcesores"LABICA, GOP. ce p24 13. Op.cit.p. 39. 14 em, idem. p. 27 106. svrmoucho A mitgon 90 DREITO pria histria, A historicidade propria na base econémi- co-produtiva da sociedade, no nos individuos, nem em suas ‘A construgio das idéias, das formas de consciéncia, da propria religido, das instancias politicas e juridicas é fruto, historicamente, das classes dominantes do sistema produtivo. Nao se trata, portanto, de uma historia da consciéncia que corra paralelamente a historia econémica. Trata-se do pré- prio dominio de classe dos meios de produgéo que produz certa forma de idéias. Marx e Engels, numa de suas mais célebres passagens, fem A ideologia alemd, dio conta dessa mudanca de paradig: mas causada pelo materialismo hist6rico:” “Totalmente ao contrério da filosofia alemd, que desce do cfu para a terra, aqui se ascende da terra ao céu, Ou, em outras palavras: nao se parte daguilo que (0 homens dizer, imaginam ou representam, ¢ tam. ‘pouco dos homens pensados, imaginados e representa: dos para, a partir dai, chegar aos homens em carne € (0880; parte-se dos homens realmente ativas e, @ partir de seu processo de vida real, expde-se também 0 desen- volvimenta dos reflexas ideoligicos e dos ecos desse pro- ‘esso de vida. (..) Ndo é a consciéncia que determina a vida, mas a vida que determina a conscéncia 44 MATERIALISMO DIALETICO © arcabougo do pensamento manasa, bateando-se na praxis e néo na comstnca, e constatando a especificidade {a histria do omer, que se resolve na produ, no taba tho, na tealidade pratica das relagdes econémicas, somente 5 em, ibe. p. 37. wx 107 se completa com um método de tal evolugio histériea, que nio se faz por meio de um empirismo no relacional, tam- pouco por meio de idealismos: a evolugio da histéria di-se de maneira dialérica 0 método dialético em Marx é um dos grandes pontos controversos de seu pensamento, em especial no prablema da aproximagio de seu pensainento com a tadigio hegelia ha. A dialética marxista const6ise de maneiraradicalmente inversa da dialética hegeliana: enquanto para Hegel adialés- ca era o processo histérico de contradieao na conscléncia, de plano ideal, para Marx a dialtica sera o processo histéico da contradigdo da realdade, das proprasrelages produtivas e praticas do homem."* £ no precio A segunda edigio alemi de O capital que Marx expoe sua relacio com a tradicdo do pensamento dialé tico hegeliano: “Mew método dialético ndo difere apenas funda: ‘mentalmente do método de Hegel, mas é exatamente o seu reverso, Segundo Hegel, 0 processo do pensamento, ‘que ele converte inclusive, sob o nome de idéia, em su- jeito com vida prépria, € 0 demiurgo do real, e 0 real a simples forma feromenal da idéia. Para mim, ao con trio, 0 ideal ndo é sendo o material transpasto e tra- duzido no cérebro do homer. Critique’ 0 aspecto misificador da dialérica hege: liana hé cerca de 30 anos, quando ainda se achava em 16 Tocamos aqui as origens da dintice mari, Pacn Marx, ‘como para Hegel dni repr 0 fade que « negagioineente 3 nade 0 principio more cridor. Todo fat € mais do que im mero fat: ele ¢ a negagio es resecho de possbldades reais. O wabalho asso Jasado¢ un ftor as 20 meno tempo € una restgho a0 aba te ‘ie pode sasfazer te necesedades humans. A propeedade priveda £4 {ato mas € ao mesmo tempo nego da aproprigioeoaia da nature 2 pelo homer.” MARCUSE, H. Op cp. 239. 17 MARX, K; ENGELS, F. Obras exhids. Op. it. v2, 9.15. OR iste A rasorA BoE moda. (..) A mistificasao sofrida pela diatétiea nas imdas de Hegel ndo anula de modo algum o fato de ter sido ele o primeiro a expor, ent toda a sua amplitude e com toda consciéncia, as formas gerats do seu movi- ‘mento, Em Hegel a dialética anda de cabepa para bai x0. £ preciso colacd-la sobre os pés para descobrir 0 nui cleo racional encoberto sob a envoltura mistca.” Embora Marx reconhega em Hegel 0 primeiro formula- dor do movimento dialético, é ele 0 primeiro a compreender tal dialética com base na realidade, na materialidade, na Pode-se dizer, sem divida, que a dialética marxistaé di versa da hegeliana no minimo porque subverte sua estrutura, Enquanto para Hegel a daléica, emboraatrelando relidade raza, 6 um movimento desta tiltima, para Marx a dialética diz respeito & propria ealidade social humana, pro dutiva, que ¢ onde se perfaz a historia. Alids, a hist6ria vis- ta de maneira dialética, para Marx é necessariamente este devir a partir das contradigoes da prépria realidade. As pas sagens de uma fase a sua negaco constituem, no plano da prix, a prépria historia. Engels assim expos um resummo do método dialético:"™ 18. “Discos que pra Marx, como para Hegel,» verdade etd na cordate nega Entetant, toalidade a qual 9 tora marae 5e move € diferente da foaiade da Glosfa de Hegel, «ea deren as bal fren decisis ente ar dialtieas de Mego e Mary.) A toa ‘ade que a dain marta tinge & toulidade da socedade de ase, ‘ea negtiidade queen sbjacente as contadgoes deste dai © que {8 formato seu conte todo 9 nepatvidade das velagies de eases A totidade dls novamente ci nates, mas 38 na mda em te esta se exvuve no process Rinric da reprodugio soil, 0 cond Sona MAREUSE H. Op. ct p. 286 19. ENGELS, F. A contigo crite da economia politica” de ar Mars fe MAR K; ENGELS, F Obs exdas. Op. 1, p. 310. sane 109 Com esse método partimos sempre da relado pri ‘meira e mais simples que existe historicamente, de fato; portanto, aqui, da primeira relagdo econdmica que en- contramos. Logo, iniciamos « sua andlise. No simples fato de tratarse de uma relagdo jd vai implcito que ‘hd dois lados que se relacfonam entre si. Cada um desses dois lados é estudado separadamente, de onde logo se depreende a sua relagio reciproca e a sua inte. ragdo. Encontramos contradigdes que exigem uma solu fo, Mas, como aqui nao seguimes um processo abstra to de pensamento que se desenrola apenas na nossa cabega, mas wma sucessdo real de fatos, ocorvidos real ¢ efetivamente em alguma época, ou que ainda continua ‘ocarrendo, essas contradigdes terdo também surgido na pratica e nela rerao também encontrado, provavelmen fe, sua solugdo, Ese estudarmos o cardter desta solu ‘0, veremas que esta se veriica eriando wma nova re lastio, cujos dois lados contrapostos precisaremos desenvolver em seguida e, assim, sucessivamente.” A dialética de Marx foi compreendida de modos muito variados por seus intérpretes. Engels, seu parceiro intelec tual, estendeu a dialética nfo s6 a praxis, & sociabilidade, ‘mas levou-a até mesmo & natureza, O marxismo ocidental ~ Lukes destacadamente - acentuou a compreensio da dialé tica de Marx no plano social. Até mesmo Mao Tse-Tung, des- dobrando a dialética, especificou mais detalhadamente 0 problema das contradigées.*° Engels, em sua concepgio de dialética, busca expandir 1 proprios conceitos dialéticos marxistas nao apenas a esle ra da humanidade, da sociabilidade, mas também & esfera da prépria natureza, como compreensio humana do natural. Sua obra Dialética da natureza, aids, intentou exprimir um 20 BOTTOMORE, Tom. Diciondrio do pensariento marssta. Rio de Janeiro! Jorge Zaher, 198. p. 101 110 romeo Amos to eo sistema para a dialética, partindo de trés leis: (a) lei da pas ‘sagem da quantidade para a qualidade; (b) lei da interpene tragdo dos contrarios;(€) lei da negagio da negagio. Na pri meira lei, trata-se da transformagio da quantidade em qualidade. 0 aumento do calor, por exemplo, em determina ddo ponto faz com que a gua se torne vapor, alterando sua ‘qualidade, Mudangas quantitativas sio reformas; transforma ‘goes maiores ocasionam uma revoluezo, ou seja, dao um sal- to qualitativo, Na segunda lei, trata-se de compreender a rea- lidade com uma contradicéo inerente a ela mesma. A negagao da negagio, por sua vez, &0 processo de rompimen- to da contradigao e de surgimento do novo, fazendo historia 4.5 ESTADO E POLITICA EM MARX ‘Um dos temas mais polémicos em tomo de Marx ~ até mesmo porque envolveu, historicamente, posturas diversa mente decisivas, téticas € conseqiiéncias no plano pritico — diz respeito a sua flosofia politica, Questées como a relaglo sociedade civil - Estado e a relagio infra-estrutura e superes {rutura ~ sdo objeto de miitiplas interpretagSes na obra mar £ costume, entre certa tradigio de comentadores mar xistas, postular a inexisténcia de uma teoria completa da po- litica, do Estado e do direito.* A falta de uma filosofa polit 2 Bobbio assim terra alastarse de um pensamento police mar risa: *Repito que Mars v Engle com tao aio umm cheferevoicio ‘rio como Lin, possum sus bone motos hstcos para dsr mais Imports a0 prolema dos argumentos do gue 30 das isles. Mas io no nos exine de tot cnecnenta de que rus nici sobce 9 problema dar insuiées foram sempre genénes, suman, e10 Ue & Fas grace, ines, « que portant sua tele do sido ncompea a tandohe jortmenceaquela partes inde mites rcoeer com 2o, que uma verdadera © propia tora Socata do sao no exe” BOBBIO, N'e aL O mur ro ead. Re de Janeiro: Gra, 108. p.29. ans 111 a sistemtica © a0 mesmo tempo a caréncia de referéncias mais delongadas a problemas como o do direito podem suge- Tir que Marx nio tenhe formulado uma teoria completa so bre tais conceitos. Contudo, grande parte da produsio mar- xista sobre 0 Estado e o direito concentra-se em textos e obras surgidos devido a ocasides poiticas vividas a época de Marx ~ como € o caso do Desoito brumério de Luis Bonaparte da Critica do programa de Gotha ~ no se pode dizer, fo simplesmente, de uma caréncia de referénelas marxistas & (questo. Em sua prépria obra maxima, O capital, Marx anali- sard as formas da circulaglo e da produgdo tendo por conta, as instincias do Estado e do direito, de maneira muito inte rada, Pode-se dizer, na verdade, que Marx é o grande trans. formador da tradigo do pensamenta jusfilosdtic e da filoso- fia politica: ao mesmo tempo em que se debruca ds bases, to ceando em todos os fundamentos da filosofia politica ¢ do diteito moderno, teré 0 efeito de dentincia do profundo idea- lismo e cardter burgués de tals conceitos.** Alf citada frase do preficio da Contribuigdo critica da economia politica comeca por delinear a compreenséo mar- xista do Estado e do direito:* “0 conjumto dessas relagdes de produgdo forma a es ‘rutura econdmica da sociedade, a base real sobre a ‘qual se levanta a superestrutura juridica ¢ poltia e @ qual correspondem determinadas formas de consciéncia social.” 22 "Mare erate uma nova nogio da pollen. Eta nova nocéo oss da ater, pens © nome, que Seu cet, os elements que © Fabien, ea relagice que» enretim sto totalmente ots. alr de pol ‘en mars € abr odo 0 camp das rlages de eststura dentro doco: pln, deeernoe na soa compreenso mais radical” SADER, Emu. the poica em Mars. So Valo: Cotes, 1998. p52. 23 Op. cit p. 301 112. esrnoveto A tasons vo mins Percebe'se, jf, dessa passagem, a substancial diferenca do pensamento politico marxista para com o hegeliano ~ e, vale dizer, para Com toda a tradigao flosdfica moderna, Nao se trata, pois, de compreender o Estado com base em instn- cias ideais ~ 0 Estado, ao contrario de Hegel, nfo é a encar nagao da racionalidade, nem tampouco o diteito € a expres 0 direta da racionalidade edo just" A propria relagaa da sociedade com o Estado encontra-se, em Marx, noutro plano: rio se trata de dizer que o Estado conforma a sociedade, ‘mas, antes, que o ser social do homem, e, muito especfica mente, as relagdes produtivas, € que formam a instancia es. tatal. Engels, sobre isso, na Origem da familia, da propriedade privada e do Estado, dirs: “0 Estado ndo é, pois, de modo algum, um poder que se impés & sociedade de fora para dentro; tampou- <0 € a realidade da idéia moral, nema imagem e a rea- lidade da razdo’, como afirma Hegel. E antes um pro- duto da sociedade, quando esta chega a um 24 “Quanto apicago desta cre gerald distieaabtrata 8 Fils do Direto do pepo Hogl, basta recordar au ox soins re sultados: 1a ertiea dlssolventedaguio que Marx cham mente sa ‘onoda’ do “Estado modero representa s &, do conceito de ums fepresentatuo poulardevase que & diz Mary, uma susto plicea © tums ments, ao podeno a case, parte, representa o todo ou ‘pve fu negéco pera” ou interese etal, donde © seu acirino exime do Tormalsns do diet pico barges (.) 2. ue ete exame rn par. seule de concen hegetana do ego de un Halles com const ‘ucionalismo de Momcesuie, asim por dnt, no so mais que tt "aporigso de exemple daguela ‘m4 expr ou expii ou Msi) triad, st €, do mediada ou explicas, mas vind, evel, ie fo resultadocontepss,saberos ns, da dalescaabrata hepa © f4etodoo aprovismo: donde a cntapora a valida da geal rita mate: ‘alta doa prion e com ela demonsradanecescade da substtuigio de todo a coneepcio Mossi especuatva por uma cocengio lor Cerhstien 0 Soiolgico mate.” DELLA VOLP. Galano,Rousea Mar isboo: Edis 70, 1982. p. 198 25 MARK e ENGHS. rar ecolhidos. Op. ctw 3, p28, ww 113 ddeterminado grau de desenvolvimento; & a confisséo de ‘que essa sociedade se enredou numa irremedidvel con tradigdo com ela prépria e estd dividida por antagonis ‘mos trreconcilidveis que ndo consegue conjurar. Mas ‘para que esses antagonismos, eas classes com interes. ses econdmicas colidentes ndo se devorem e néo cons ‘mam a sociedade numa luca estéil, fazse necessrio tum poder colocado aparentemente por cima da socieda de, chamado a amortecer o choque ¢ a manté-to dentro dos limites da ‘ordem’ Este poder, nascido da socieda- de, mas posto acima dela se distanciando cada vez mais, é 0 Estado.” ‘Ao mesmo tempo em que o Estado nasce das contradi- es da vida social, em fungio das relages de produgio que tomam determinado grau de desenvolvimento, 0 Estado nio €.a pacificagio desta sociedade e destas relacBes produtivas. Nao é, pois, segundo Hegel, o momento superior de raciona- lidade da historia. E, na verdade, uma escrucura que se poe ra razio direta do interesse capitalista, na manutengio da exploragéo e do conflito produtive. Continua Engels a este propésito:** "Como o Estado nasceu da necesidade de comba- ter o antagonism das classes, € como, ao mesmo tem o, nasceu em meio ao confit delas, é, por regrageral © Estado da clase mais poderosa, da classe economica mente dominante, clase que, por intermédio dele, se converte também em classe polticamente dominante e auguire novas meio para a repressio exploragdo da dlase oprimida. Asin, o Estado antigo ft, sobretudo, 0 sado dos senhores de esravos para manter os esra vos subjugados; 0 Estado feudal foi o drgdo de que se vale a nobreza para manter @sujegdo dos servos ¢ 26 idem p. 137 114 wrmenucho Arison vo MEO camponeses dependentes; e 0 moderna Estado represen tatvo éo instrumento de que se serve o capital para ex- plorar o trabalho assalariado, (..) Atém disso, na ‘maior parte dos Estados histricos, os direitos concedi- ds aos cidaddos sdo regulados de acordo com as posses dos refridos cidadaes, pelo que se evidencia sero Esta- do um organismo para a protegdo dos que possuem contra of que no possuern.” A critica marxista, desse modo, é, defintivamente, a pi de cal sobre todo 0 edlficio moderno a respeito do Estado ppara o bem-comum, rompendo com todas as ilusdes sobre a justiga estatal das quais Kant e Hegel foram vigas mestras,2” ‘, a0 mesmo tempo, inscrevendo a vida social no como for ‘ma originada do contrato social, mas do antagonismo de classes. Na Ideologia alema, ver explicta tal idia:™ burguesia, por jd ser uma classe e no mais um estamento, éobrigada a organizar-se nacionalmen: te, endo mais ocalmente, a dar uma forma geral a seu interesse médio. Através da emancipasio da proprieda- de privada em relasdo a comunidade, 0 Estado adquire uma existéncia particular, ao lado e fora da sociedade civil; mas este Etado ndo é mais do que a forma de or- ‘anizagado que os burgueses necessariamente adotam, tanto no interior como no exterior, para a garantia re- ciproca de sua propriedade e de seus intresse.” 27 Essa formlaio do Estado contadizia dietamente a concep ‘to de Hegel do Estado rcional, um Estado ileal que envolve una rl ‘to Justa e ees de harmonia ene as elementos da socedade(.) Mark, hovamente em opocigdo Hegel, defend que o Exndo,emergindo das relages de produgi, ao representa o bem comiim, mis ¢ a expresso poles dt estuura de classe Ineente & podugso” CARNOY, Martin, ‘todo ora pole. Campinas apis, 190. p. 66 25 Op. ct p97 nua 5 Discussdes muito grandes, a parti dai, puseram-se na cesteira do pensamento marxista. Uma delas, a de se saber 0 ‘grau e as formas de ligagio entre o proprio Estado e as rela- ‘es produtivas, ou 0 modo pelo qual se da este controle ~ {uestio muito estudada, no século XX, a partir da mudanga, dos papéis do Estado e seu fortalecimento. Outra questéo, fundamental para o pensamento maraista, diz respelto & for- ‘ma de superacio dessa instancia da vida social, 0 que, vale dizer, diz respeito a toda a teoria marxista a respeito da re volucio e da superaco do capitalismo. Na mesma Origem da familia, resumird Engels: “Portanto, o Estado néo tem existido eternamente. Houve sociedades que se organizaram sem ele, ndo tive: ram a menor nogio do Estado ou de seu poder. Ao che- ‘gar a certa fase de desenvolvimento econémico, que es- tava necessariamente ligada é divisdo da sociedade em classes, essa divisdo tornou o Estado uma necesidade. Estamos agora nos aproximando, com rapides, de uma fase de desenvolvimento da produgdo em que a existén: cia dessas clases ndo apenas deivou de ser uma necess- dade, mas até se converteu num obstdculo & produsdo ‘mesma. As classes vdo desaparecer, e de maneira tdo inevitdvel como no passado surgiram. Com o desapare: cimento das classes, desaparecerd inevitavelmente 0 Estado, A sociedade, reorganizando de uma forma nova 4 produsdo, na base de uma associagdo livre de produ toresiguais, mandard toda a méquina do Estado para 0 lugar que the hai de corresponder: 0 museu das anti ‘aliidades, ao lado da roca de fiar ¢ do machado de bronze.” 4s perspectivas marxistas sobre o fim do Estado € a so- ciedade comiunista, € preciso dizer, nio se baseiam em ideais 2 Op chp. 138 116 rmanu¢40 A rroson no omeo prévios inspiradores de lutas; antes que iso, baseiam-se na proposta de estudo cientifico das contradigées do sistema prodiutivocapitalista, que acabam por, dialeticament, findar {al forma de existencia produtivo-social. Nao é outra a lem- branga de Marx e Engels no Manifesto do partido comunista:"* armas que a burgusia ution poraaboter 0 feudalism, votarse Boje contra a prépria burguesia ‘A burgusia, port, ndo fou somente as armas que ‘he dardo morte; produsi tambem os homens que ma- nejardo esas armas ~ os operrios moderns, os prole- tars, As concep tebricas dos comunistas nose ba seiam, de mado algun, em is ou prinipos inventa das on descoberto por alo qual eormator do mun- da, Sao apenas a express geal das condos reas de uma uta de clases existent, de um movirento ist co que se deervave sob 08 meson ols.” 4.6 © DIREITO EM MARX Embora tena sido estudante de direito, Marx nio dedi cou trabalhos especificos para uma teoriajuridica. Sua filoso- fia do direito parece seguir no mesmo itinerdrio de sua filo sofia politica. Incorporando uma identificagdo hegeliana de Estado e direito- na verdade, em Marx, dando-se a constata- so do predominio de um direito estatal no mundo contem- pordneo, direito burgués porque expresso de um Estado burgués -, mas ao mesmo tempo trazendo esta perspectiva para o plano da praxis, Mare dira do direito 0 mesmo que disse do Estado, ou sea, vincula-o &s relagdes historias so- ciais capitalists. Na verdade, no campo do direito, muito ex: pliciamente essa vinculagao se manifesta. O proprio estatuto WO WARE ENGELS. Obra ecahidas. Op. tv 1, p. 263 ans 117 juridico da propriedade demonstra sua razio de ser para ‘uma forma de relacio produtiva capitalista, Vale, nesse sent do, observar, na Ideologiaalemd, a forma da producio histé- rica do direito:” “Como o Estado é a forma na qual os individuos ‘de uma classe dominante fazem valer seus interesses co runs ena qual se resume toda a sociedade civil de uma ora, segue-se que todas as institugdes comuns so rmediadas pelo Estado e adquirem através dele uma for ‘ma politica. Data ilusdo de que a let se baseia na von tade, e, mais ainda, na vontade destacada de sua base real ~ na vontade livre. Da mesma forma, 0 direto é reduzido novamente & lei 0 direivo privado desenvolve-se simultaneamente com a propriedade privada, a partir da desintegragdo dda comunidade natural. Entre as romana, o desenvol- vimento da propriedade privada e do direito privado dio teve nenhuma consegléncia industrial ou comercial Porque todo 0 seu modo de produgdo continuou a ser 0 Amaia primeira cidade da Idade Média que teve tum extenso comércio maritimo, foi também a primeira 4 elaborar 0 direito maritimo. To logo 0 comeércio © a inddstria deservolveram a propriedade privada, primei: ro na Italia e mais tarde em outros pastes, 0 altamente desenvotvido dieito privado romano foi imediatamente ‘adotado de novo e considerado como autoridade.(..) (Nao se deve esquecer que tanto o dircito como a reli ‘gio nao tém historia prépria.) No direito privado, as relagées de propriedade ‘existentes so declaradas como sendo resultado da von: 31 Op. dep. 98%, 118 wemosueto A son 20 mT tade geral.(..) Esta ilusdo juridica, que redus 0 direito 44 mera vontade, conduz necessriamente, no desenvol- vinnento ulterior das relagdes de propriedade, ao resul- tado de que uma pessoa pode ter um titulo juridco ent relagdo a uma coisa sem realmente ter a coisa. (..) sca ilusdio dos juristas também explica o fato de que, para eles ¢ pra todos os cédiges jurtica, & algo fortut- to que os individuos estabelegar relagdes entre si (por exemplo, contratos); explca porque consideram que e: sas relagdes podem ser estabelecdas de acordo ow ndo com a vontade, ¢ que seu conteido descunsa intiramen- te sobre o arbirio individual das partes contratantes.” 0 direito, em Mars, no assume, como era préprio da f1- losofia do direito moderna, a caracteristica de idéia ou de conceito que melhor faca justiga& realidade, Nao evolui pelo melhor aclaramento da consciéncia do jurista, nem tampow- co pela melhor elaboracio dos conceitos. Na verdade, evolui pela necessidade das relagGes produtivas de estabelecerem ererminadas instancias que possibilitem o proprio funcio- rnamento do sistema, Na elreulagde da producio, na ex ploracio da mais-valia, no lucro, no contrato, enfim, 0 diret- to desempenha papel fundamental de estruturagio destas préprias relacdes.” Ao mesmo tempo, no dominio dos [32 “Esomente ra economia mercant qe nase forms juriien tsar, em otros termos, que a capacdade geal des titular de die tosse separa das pretenses juris concreas.Somente a continua ta {2 dos dicts que acomtece no mercado esabelece a ea de um port Aor imutive dese diets. No mereado, aquele que obrga alguem, bbvigasimultancamente as pripie. A todo instance pass da Sagoo ‘da pote demandane 8 stuaese da parte obigada, Deste modo se cia 3 Dosrldade de bstralr das diverts concrets entre ox suelo jul fuse de o uni sob um tno coneeto geno. Do mesmo mode que os Sto de trce de produ mereanttdesenvolvida foram precedidos por tos ocastonas e formas primitvas de Woe, tas como, por exempl, oS resents reiproca, assim também, suet Jurio, com toda a esfera anc 119 meios de produgio, as relagées juridicas de propriedade fundamentam toda a exploracio de classe, e estruturam a :mais-valia de acordo com uma igualdade formal. Em A ideo logia alemd isso vern assim expresso: “Cada ves que, através do desenvolvimento da in- istria e do comérci, surgem novas formas de inter- ‘edmbio (por exemplo, compankia de seguros et), 0 di reito tem sido sempre obrigado a admitilas entre os mods de adquirir @ propriedade."® Configura o direito, assim, fundamentalmente, a carac: teristca de um direito de classe, histérico e no interesse dire to da classe exploradora. Da mesma forma que Estado, direito nao nasceré da vontade geral ~ portanto no é funda- do no contrato social, nem numa pretensa paz social ou con- géneres -, e também no terd, defintivamente, nada em co: um, com as modernas teorias do direito que o fundavam ‘num direito natural, etemo e de cariterracional. Toda a logi ca do direito ndo esté ligada is necessidades de bem-comum, nem a verdades juridicas transcendentes, Esté intimamente ligada, sim, 2 prépria praxis, & histria social e produtiva do homem. ‘de dominio joridc, foi morflogcamente precedido pelo ndvidve arma {o, ou, com maior Fegan, por im grap de homens (ges, bord, ‘bo eapn de defender no cont, nalts, que por le represen "at propre condgtes de exten, Eta eae eagto moron ex tabelec uma car igagio entre o tbunale 0 duel, ente as pres de tum procs eos protagonstas de une lua amada. Porm, com o eres resto dat fre sodas dscipinadorss, sijeto etde asia concetia ‘io material No lugar de su energ pessoal nasteo pode da organi ‘Gin soci, 0, da orgnizacio da else, cj expres mal lveda se “econta no Exado. A stracio pessoal dew poder de Fstado, indo requlrecontinuamente no eapag eno tempo, de mania dal, ag © Ines sue mpessoal«abrrato do qual ele ¢eePexo” PACHURANIS, Tori gerald dnvte¢ marae. Si Pau: Académie, p. 76 32 Op. cep 101 120. mmonucho A tasonA wo oreo Engels explicita 0 cardterideol6gico desta aparente neu: tralidade do diteito:"* 0 mesmo acontece com 0 direito. (..) Dentro de tum Estado moderno, 0 Direito ndo deve apenas corres. ponder a situagdo econdmica geral e consttuir sua ex pressdo legitima; deve, além disso, ser uma expressio coerente em si mesma, ¢ que ndo se volte contra si mes- ‘ma através de contradicées internas. Para chegar a isso, a fidelidade do reflexo das condigées econdmicas s¢ ddesvanece cada vee mais. E isto ainda mais porque sé ‘muito raramente um Cédigo constitu a expresso rude, sincera, auténtica, da supremacia de wma clase: sso seria, de foto, atertar contra 0 ‘coneeto de drei’. (..) 0 reflero das relagées econémicas, sob a forma de prin- cipos juriicos, leva também, necessariamente, a uma inversdo: operd-se sem que 0s que o elaboram tenham ‘conscigncia disso; o jurista acredita manejar normas es- tabelecidas a prior, sem se dar conta de que essas nor- ‘mas nada mais so que simples reflexos econdmicos: v8 assim as coisas sob uma forma invertida. Enquanto ndo a percebemos, essa inversdo constitui o que chamamos concepsdio ideolégica e repercute sobre a base eo- rnOmiea, podendo mesmo modifci-la dentro de certos li- rics.” ssa ligago do direito néo a uma justiga aprioristica nem tampotico a uma esséncia genérica do homem, mas & préxis, 20 problema da exploragio econdmica, percebe-se também na andlise marxista a respeito da questio dos direi- tos humanos. Marx, em A questéo judaica, dedicou-se a sua critica, em especial tomados na ldgica legalista liberal. Diz Mare: 34 _ ENGELS, Ca a Schmid. In: MAX € ENGELS. Obras ech ds Op tw 3,9. 268 135 MARX, Kar. A quest dain. Op. ct. 34 wax 121 “08 droits de homme, os direitos humanos, dis tinguer-se, como tais, das dtoits du citoyen, dos direi- tos civs. Qual o homme que aqui se distingue do cito- yen? Simplesmente, 0 membro da sociedade burguesa. Por que se chama memibro da sociedade burguesa de ‘home’, homem por anconomesia, e dase a seus direi- tos 0 nome de direitos humanos? Como explicar 0 {fato? Pelas rlasdes entre o Estado politico e a socieda- de burguesa, pela esséncia da emancipago politica. Registremas, antes de mais nada, 0 fato de que os chamados direitos humanos, os droits de "homme, ao contrdrio dos droits du citoyen, nada mais sao do que direitos do membro da sociedade burguesa, isto é, do hhomem egoista, do homem separado do homem e da ‘comunidade.” Na Sagrada fama, continua Marx tratando dos direitos hhumanos:™ “Jd se demonstrou como 0 reconhecimento dos direitos humanos pelo Estado moderno tem 0 mesmo sentido que 0 reconhecimento da escravidio pelo Esta do antigo. Com feito, assim como 0 Estado antigo ti- ‘tha por fundamento natural a excraviddo, 0 Estado ‘moderno tem como base natural a sociedade burguesa & © homem da sociedade burguesa, isto é, 0 homem inde ppendente,ligado ao homer somente pelo vinculo do in teresse particular e da necessidade natural inconscien- te, tanto a prépria como a atheia. O Estado moderno reconhece esta sua base natural, enquanto tal, nos di- reitos gerais do homem. Todavia, ele ndo é seu cria- dor. Sendo como é produto da soctedade burguesa, im- lida por seu préprio desenvolvimento além dos vehos 122. wemapucto A mason no oxsr0 vinculos politicos, ele mesmo reconhece, por sua ves, seu lugar de nascimento e sua propria base mediante a proclamagio dos direitos humans.” (© problema da liberdade real e no da formal, da igual dade real e nao da isonomia, do exercicio pleno dos direitos Ihumanos, s6 tem resolugio, na perspectiva marxista, pela praxis e ndo pela declaragdo de direitos. Essa perspectiva de Marx liberta a compreensio dos direitos humanos da tradi- ‘gio moderna, que entendia serem tais direitos expressio de lum justo natural, ou entao direitos da natureza intrinseca do hhomem.” Nao se trata, pois, de direito natural. Toda a légica do direito, inclusive dos direitos humanos, que se reputam fundamentais, 6 uma ldgica da préxis,relacional, histérica, devendo ser analisada pelo prisma dialético. ‘utra questio importante que se pe no quadro de uma filosofia do direito marxista diz respelto, no fundo, ao pré- prio problema da justica. Tendo em vista a deniincia de Marx de que a sociedade burguesa acaba por reduzirdireto le, & de indagar a respeito do pensamento marxista a respeito do ‘problema da justiga. Toda a problemética encaminha-se para ‘a questio da exploragio de classe como elemento estrutura dor da injustca real A critica do programa de Gotha é 0 texto no qual Marx faré a analise de conceitos de justica, comecan do por criticar a idéia de justiga como sendo “reparticao ‘eqiitativa dos frutos do trabalho": [37 "La conerdsation historique du theme de La question juve dé voile, en fe, ese él erable des Dots de Thome La see eve te evs ihrer en eu, pure consratio ill fomalle dela prope 16, qvaurant qe deter 6 rellement celled, ast re et socal tment state ola pe satsaite de a Soc ie Bourgoise cele {ula pusance en lle est donne soa nom, cst a bourgeois. Ls Droits {de rhomme sole dros du bourgeois” BOURGEOIS, Berard Phlosap Ie trots de Thome: de Kane a Mare Pats: PUF, 190. p. 108-100. 38 MARX e ENGELS. Obras exethdas. Op. ct. 2, p. 214 une 123 “Este direito igual continua trazendo implicita uma limitagao burguesa. O direito dos produtores & proporcional ao trabalho que prestou; a igualdade, ‘aqui, consiste em que é medida pelo mesmo eritério: pelo trabalho. ‘Mas, alguns individuos sao superiores, fisica e in- telectualmente, « outros e, pois, no mesmo tempo, pres- tam mais trabalho, ou podem trabalhar mais tempo; € ‘ trabalho, para servir de medida, tem que ser determt- nado quanto & durasdo ou incensidade; de outro modo, ‘deixa de ser wma medida. Este direito igual é um drei to desigual para trabalho desigual. Nao recontece ne rnhuma distingéo de classe, porque aqui cada individuo rndo é mais do que wm operdrio como os demais; mas reconhece, tacitamente, como outros tantas privilégios nnarurais, as desiguais aptiddes dos individuos, e, por conseguinte, a desigual capacidade de rendimento. No {undo é, portanto, como todo direito, 0 dreito da des sualdade. (..) Numa fase superior da sociedade comunista, quando hower desaparecido a subordinagto escraviza dora dos individuas & diviscio do trabalho e, com ela, 0 contraste entre o trabalho intelectual e 0 trabalho ma ‘nual; quando o trabalho ndo for somente um meio de vida, mas a primeira necessidade vital; quando, com o desenvolvimento das individuos em todos os seus aspec- tos, crecerem também as forgas produtivas e jorrarem ‘em caudais 0s mananciais da riqueza coletiva, s6 endo serd possvel ultrapassar-se totalmente 0 esteito hort sonte do dircito burgués e a sociedade poderd inserever fem suas bandeiras: De cada qual, segundo sua capac dade; a cada qual, segundo suas necessidades.” problema da justia, em Marx, na Critica ao programa de Gotha, originariamente contestando as posigGes da social- 124 ermonuckoAruasonA Bo omeO democracia alema, desenvolve-se assim num plano que transcende apenas uma justiga meritdria, que, nos escitos de ‘Marx, é somente uma justiga para uma primeira fase de uma sociedade socialista, posto que ainda a justca pelo resultado Go trabalho, um direto igual, porque distribui mérito, & ex- pressZo de justia burguesa. Na bandeira “de cada qual, se gundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessida- des", Marx parece ter inscrito uma perspectiva de justia que se insere numa relagio de trabalho e necessidade humana ro meramente formal ou ideal, mas plena de acordo com as condigaes do homem. Dai o earster revolucionario de Mars, ao tratar da justiga como verdade social 5 Da Consciéncia 4 Praxis Habermas, numa conhecida explanagao a respeito dos caminhos da filosofia no século XX," trata de quatro grandes, vertentes filoséficas contemporineas, cada qual implicando tematieas ¢ caminhos préprios. A filosofia analltica, a estru- tural, a fenomenolégico-existencial e a marxista slo verten- tes que, na dptica de Habermas, reuniriam as mais variadas posigées filoséficas numa época téo fragmentada como a ‘nossa, O grande avanco da filosofia analitica, da linguagem e ‘da comunicagio, fez em certo sentido obscurecer preocupa- ‘Bes como as tipicas do mundo moderno ou do século XIX, Vale dizer, parece ter relegado a segundo plano filosofias ‘como a marxista, a kantiana e a hegeliana, Nao ¢ verdadeira, ro entanto, essa constatacéo. 0 proprio trajeto filosdfico habermasiano dé provas da recorréncia de questdes postas na entrada da contemporanei dade. Saido que € da Escola Critica de Frankfurt, de fundo HABERMAS, Jigen, Pensmento pés meta. Rode Janel. sa: Temp Brasil, 1950: . 12. 126 rerwonvei0 A sons vo oe ‘marxista, Habermas encaminha toda a sua traetéria até um encontro com o kantismo, disfarcada ou explicitamente, em suas tiimas obras. A recorréncia a certo novo iluminismo ‘numa sociedade contemporinea, dita pés-moderna e sem utopias ou ideologias, 6 também uma recorréncia kantiana, ‘Ao mesmo tempo, o mercado globalizado e essa lex mercato: ‘ia universal que hoje nos rege parecem-se, também um pou: 0, com certo dizeito cosmopolita kantiano, por mais cruel seja sua logica.* Essa recorréncia a0 kantismo faz-se, portanto, nio 6 num tradicionalismo liberal, conservador ¢ iluminista bur. _gués carregado de oltocentismo. O pés-modemismo parece também, num mundo cuja logica é mercadolégica, desbraga- ‘damente kantiano quando quer falar de projetos ou mesmo {quando se quer restringir aos limites rapidos do possivel. A ‘base linguistica ¢ analitica da flosofiafaz-se acompanhar, no esvaziamento da consciéncia critica de seus flésofos, sempre ppor um modo de compreensio filoséfica da politica de tipo ‘modero, ¢ isto é muito mais explicito para a filosofia do di- reito que sai desta vertente.* 20 buguts ue danse escapar um luc pelo mosivo kana no dorespeto 8 mera form da le io ters esclrerido, ra supertico Fo um tl. A raz da oxmismo Kantian, segundo qual 0 ag marl anal mesmo quando a infimia tem bros perpectivan 0 horror QUE inspira a Yegesido& base" ADORNO ¢ HORKIEIMER, Op tp 85, ‘3 "Em sua defesa da lbedade, 950 liberal no organiza o di reio para una nalidade transcendental que o supearia:qulsqur que Sejam at meicager mulpns que descobrins de Lathe ou de Moots ‘seu Adam Smith, ce Tooqueie 2 F. Hayek ou ae ibeticiw an ‘losses de mera epoca, a fzio liberal se paus elo hanna caro or Hlsofos do sicuo vie. em seu none vega um individuals fo gal devem ser respetades na manénla ‘os eon Hberdaer Se faa, Pura exemplar. Incrvoguemas Benjamin Constant de gems feces que era cole do Uber (2) A torte que o Heras ‘deve cumprir segundo B Constant nesina do dreno costucon, ‘uj principio dovem remeerfudamentagao ontolica, até mesmo “xtc, da iberdade na indviduslidade "hor literdae enieno rep te continuament, 9 unto da indiiduaidade’” COYARD-FABRE, Sto he Os pins fics do det plirco modern. Sto Pale: Martins Fontes, 1008. 3245398, PACONSCENGA A mus 127 sea persisténcia moderna e kantiana no direito con- emporineo, pode-se dizer, faz igualar, para o pensamento juridico, grande parte do pés-moderno so moderno. Ou se, € inicio e o fim, sem o meio, de uma histéria burguesa e de tuma logica capitalista no direito, Nas palavras de Hegel que ‘Marx tornou mais eélebres ainda no Dezoito brumerio de Luts Bonaparte, a historia vai repetindo-se, agora como farsa. Por isso ainda se vé, na fllosofia do direito, uma velha guarda kkantiana passando bastio para jovens analiticos liberais, & festa passagem nio é tio traumatica quanto deveria ser. Esse kantismo de uma ponta liberal e de outra neoliberal, se se ‘quiser dizer abusando'se ainda de cliché, emenda-se com di ‘versas construgdes filossficas. F de lembrar que a recorrén: “ant, mals priximo da roi ier que Hegel, chess a 0 pronto de tearina ume dos pas sobre ot seus fio como ees os {Sim umn extenaio da propria esa um diet dos pas de ectomar os I soe ca own ens date que capri He poem conn ssaeducho don ios mes. fe et [Rtetssanceconfonar Hegel com os seus eros bees ha Aen Se o autor Floste do Birt, embor inasindo momento eat publ da soto da questo Sot Sante ds implcablldade dn ere (de Superprodugho eda ineficain de seus ‘emis, aconelba plo menos So cola merlin (248 Al bom vera € postu dos seus ‘orb (A epesto pole consequent do Tsao mimo Gn celta da cenralidode do papel do Indvduo. E wma dina {qe umber pode sr obevads nos fries Radio do neoliberal 5 enon aparece nda mas evidete em um nolterlia como Von Figyek unice fangio dns insti plieas a de mantra orem Ie absudo fla e jsiya soca (2) Em sama, rade eon do Estado minimo, negando precsament @ agpecto da eomunade pola, fd comunidade dos ctyens seas por salts, no Estado, 0 memento ds repre, da volaca organzada pars 8 maninengo das races de propsledae existent Ec este sumo ssporn qe © stead pela dus Poitnce de Marx, que acs Hegel de ter gorado ocd coe spec {Gdn problema com seu ealbo de Exo, Resta, poten waldo gue pm eos os alors os teioy do Estado mimo os ecebradores {fur desenvelvimente da socedade ei para alm de qualquer contrac © de qualqucr mereneo do poder plc slo aquetes gue exgem gue © ‘ato loa o sims Drago armado das camadas prveides" (O- SURDO, Domenic. Hegel ars ea tradgdo leat, 8b Paulo: Unep, 1998, 1185 128 wemoourko A ruosora vo oto ia analtica e postivista da flosofia do diteito a autores como Kelsen 6 também uma velha recorréncia a0 neokantismo, De outro lado, a grande ertica marxista, se representou, ‘em certo momento, 0 enterro definitive de filosofias apriot ticas como a kantiana, cujo contetido nao dava conta de en- tender 0 problema da praxis, parece representar, na atualida- de, o lado derrotado do péndulo. Como premissas dessa dertota, a derrota dos paises socialistas por exemplo. Por isso, ndo parece haver um sério movimento, na filosofia, de derrota do pensamento marxista e de sua base filos6fica Pelo contririo, a derrota imputada a Marx é a derrota do so- cialismo real, num répido e afoito grito de vtéria de seus i :migos histieos, que, ao esvaziarem a filosofia de preocupa: {Ges politeas e socials ~ ou seja, ao esvaziarem-na da praxis -, foram arvorar-se numa filosofia analitica desperspectivada dos conflitos da realidade. Bastante raro é 0 movimento de critica da filosofia marxista, e bastante vulgar, ripida e sofis- tica 6 esta proclamada derrota da filosofa da prxis pela de- ccadéncia do socilismo real, No entanto, ainda nos dias atuais & preciso indagar sobre 0 grau de marxismo do socialismo real, e essa indagagio deve levar, mais uma vez, filosofia da pris. © hegelianismo, que serviu tanto & direita quanto & es- querda da filosofia ¢ da filosofia do direito, parece ter tido cculminéneias no século XX com o Estado nacional e os totali tarismos, embora também seja necessério se perguntar do quanto de hegelianismo que ha nesses diseipulos praticos. ‘Mas, porque uma época conservadora e reaciondria como a nossa faz a volta da fllosofia a Kant, passa nessa histéria vertida também por Hegel, no mais o olhando pela perspec- tiva da critica, mas salvando muitas vezes seu idealismo, ‘como se nio bastassem as eriticas a este idealismo. A vtéria dda ideologia liberal, se reabilita Kant para a filosofia do direi- 1, reabilita na medida do possivel o Hegel que a histria ja ctiticou, somando-se a isso 0 imperialism tipico de nossa DRcENSCNEA ARIAS 129 Epoca e que recorre também a Hegel. Se, parodiando Mars, que fez uma Critica da critica da critica, pudéssemos ver es ses trés momentos da historia da filosofia do direito como rds erticas sucessivas, e todas no sentido da eritica das flo- sofias que Ihes vem antes, até chegarmos & eritica de Marx, hoje essa critica & contra os eriticos, e no dos erticos contra ‘05 no crticos.* Retomar estes pensamentos em sua mais préxima originalidade, endo de acordo com os rompantes retrégrados e mercadolégicos dos dias atuais, parece impera- tivo, e quanto nio mais i flosofia do dircito, que mal saiu do moderno ja caiu no pés-moderno sem ter passada pelo con- temporaneo. A critica marxista ainda ndo se fez presente na filosofia do direito,e ha 150 anos ela 6, para fiear no minimo (que € de gosto atual), urgente intelectualmente 5.1 CONSCIENCIA E PRAXIS © individualismo de nosso tempo & 0 egoismo da res ponsabilidade no mero limite individual pela justica e € a consciéneia de um justo capitalista que trata a todos pelos :mesmos minimos formas, olvidando da desigualdade social cada vez mais abjeta” A recorréncia tdo grande dos juristas, 5 "Deve se motar que, ecentemente ¢ sobretudo na sia déea 4a, elagSo Hegel Mars fos extudads sore do pono de wt da fo Sofa hegaiana, 30 cone do qu econ no pata, quando a8 to ‘ht marisa que eonstiuia a partda ea pespectha adotada pela mona fsmagadora dos estudisos Sobre o tema." BOBBIO e BOVERO. Sacdade © ‘estado ra flosfa politica moderna. S20 Paul: Brasiense, 1991. p 172 6 "0 que seria diferente €iualad. Esse & 0 veredicto que est elec ritenmente os limites da expeigneia pore. O preg Gb pat Pla idencdade de rudo com tudo fata de que naa, no mesmo Tempo, Pde se dénticoconsigo men, O eslarecimentouminismo) eo ¢ Injusia da ania desigualdade, o senhoro nso meditzedo, perpeuso, orem, ao mest tempo, na mediag univers na relagio de cada ene ‘om ead ene. (10 proce desi vantagem, que € a indereng dome: 130. wrmanusio A Rosana vo oaezo nos dtimos anos, & ética, e ética aqui entendida s6 no senti do de ética subjetiva, de busca de compreensio dos limites do jurista, de seu grau de consciéneia ¢ responsabilidade, € siniomética do individualismo que se vai instaurando nao ‘mais como inquilino, mas como senhorio mesmo, da filosofia do direito, A filosofia da praxis, a compreensio do homem de sua perspectiva produtiva, de classe, clareia rapidamente as posi {Ges em jogo, ¢ 05 compromissos ideolégicos envolvidos em cena, A defesa da justiga como defesa da humanidade gené- rca, do homem genérico e no do homem conereto (despro- vido do acesso efetivo & distribuigio das necessidades), & a defesafilosofica mais bem acabada que os tempos reaciond- ros e neoliberais conseguem empreender. Esses direitos ge- néricos do homem escondem a realidade cindida da opressdo do capital, que faz com que haja aqueles para os quais 0s di- reitos se efetivam, e aqueles para os quais a existincia é a da ‘opressio, Por isso, entender a filosofia do dieito ndo por sua ‘genética distibuigio de direitos, mas pela préxis produtiva ‘que perfazo sistema econémico capitalist e sua injustica ne ‘cessiria e estrutural é imperativo maior. A filosofia de uma consciéncia individual que chega a0 justo apriristco, que & a base jusfloséfica de Kant, passou séeulos na flosofia do direito como sendo a melhor sintese, no caso brasileiro, de um religiosismo mal resolvido com um ‘ado pela orgem das pesos qve ele vém wocar suas mercadois, pao por els mesmas 9 defarem que suas pssblldadesInetas Sejm ‘modeladas pela prog das mercaderias qu se podem comprar bo Met ‘ade, Os homens resberam o sev et come algo pertencete a cada‘ Aieente de todos os outos, para que ele pss com tanta maior segura {prs tomnar igual. Mas, como iso nunca se elo inteiramente,o esl ‘eimento sempre sinpatzoy, mesmo durante 0 peodo do ibralsme, Con's conga soca” ADORNO © HORKHEIMER Diaiice do claret ‘mont. Rio de Inner: Jorge Zaha, 1985 p27, DACENSCENCINA mas 131 liberalismo de aparéncias e de uma perspectiva pseudo-social {que jamais existu, e resistiu encouragada na mais alta refra- ‘gio até poder ser teacordada com ares pés-modernos. A jus- filosotia ertica, da préxis, praticamente inexistente na evolu ‘0 do pensamento juridico brasileiro, quando entoou um corde o fez tal qual o eisne. Por isso, numa sociedade na {ual mal se fecham as feridas da escravidio, jd parece encon- trar-se legitimada a injustica globalizada, Os poucos momen: tos de consciéncia social néo frutificaram o minimo suficien- te para poder passar-nos uma tocha que incendeie. Mas a necessidade de honestidade intelectual, e no de hicros inte lectuais, & sempre tocha que pode acender inesperadamente. [io bastando ou nem havendo essa, resta o principal, a vida pritica e social do homem, e 0 dito de que nia ¢ a filosofia {que faz o mundo, mas o contrério, poder continuar valendo, quando nao valerem mais as vis filosofia. Bibliografia ABBAGNANO, Nicola. Historia da flosofa. 14 v. Lisboa: Pre senga, 1993. ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do es. clarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. ALTHUSSER, Louis. Sobre a relagio de Marx com Hegel. He- gel € 0 pensamento moderno. Porto: Rés, 1979. ANDERSON, Perry. Consideragdes sobre o marxismo ocidental. Sio Paulo: Brasliense, 1999. ARANTES, Paulo Eduardo, Ressentimento da dialtica. Rio de ‘Janeiro: Paz e Terra, 1996. BLOCH, Ernst. Natural law and human dignity. Cambridge: ‘The MIT Press, 1988, BOBBIO, Norberto, Direit ¢ estado no pensamento de Emanuel Kant. Brasilia: UnB, 1995. 134, wrsanucho A osama po oo BOBBIO, Norberto; BOVERO, Michelangelo. Sociedade e esta- do nafilesofia politica moderna. Sao Paulo: Brasiiense, 1991. _ et al, O marsismo ¢ o estado, Rio de Janeito: Graal, 1991, BOTTOMORE, Tom. Diciondrio do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, BOURGEOIS, Berard, La raison moderne et le droit politique. Paris: Vrin, 2000. Philosophie et droits de Vhomme: de Kant & Marx. Pa- ris: PUF, 1990. BRANDAO, Gildo Marcal. Hegel: 0 Estado como realizacio histériea da liberdade. In: Os cldsicos da politica. Sao Paulo: Arica, 1995. v. 2 CARNOY, Martin, Estado e teoria politica. Campinas: Papirus, 1990. CASSIRER, Emst, A flosofia do iluminismo. Campinas: Ed, ‘Unicamp, 1997. CERRONI, Umberto. La libertad de los modernos. Barcelona: Martinez Roca, 1972. DELEUZE, Gilles. A flosofia critica de Kant. Lisboa: Edigoes 70, 1994, DELLA VOLPE, Galvano. Rousseau ¢ Marx. Lisboa: Edigtes 70, 1982. DESCARTES, René, Discurso sobre o método. Sio Paulo: Edi- pro, 1996. ESPINOSA. Tratado da correpdo do intelecto. Sto Paulo: Nova Cultural, 1977. (Os Pensadores.) samuocmrn 135, FAUSTO, Ruy. Dialética marvista, dialética hegeliana. Sio Paulo: Brasiliense: Paz e Terra, 1997. FERRAZ JR., Tercio Sampaio, Introdugdo ao estudo do direto. Sio Paulo: Atlas, 2001 GADAMER, Hans Georg. La dialécrca de Hegel. Madris Cite dra, 1994. GOYARD-FABRE, Simone. Os principios filosdficos do direito politico moderno, So Paulo: Martins Fontes, 1999. La philosophie du droit de Kant. Paris: Vein, 1996, GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cdrcere. Rio de Janeiro: Ci villzagio Brasileira, 2000. v. 3 HABERMAS, Jirgen. 0 discurso filosdfico da modernidade, Lisboa: Dom Quixote, 1990, Pensamento pés-metafisco. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990. HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do espirito. Petrépolis: Vor 22s, 1998 © 2000. Partes Ie IL Principios da flosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2000. HOBBES. Leviatd. Sio Paulo: Nova Cultural, 1977. (Os Pen- sadores.) HUME, David. Investigagio acerca do entendimento humane. ‘So Paulo: Nova Cultural, 1997. (Os Pensadores.) HYPPOLITE, Jean. Introdugdo @ flosofia da histria de Hegel Lisboa: Edigdes 70, 1995. KANT, Immanuel. A paz perpétua e outros opiisculos. Lisboa: Bdigdes 70, 1992. critica da razdo pritica. Lisboa: Edigies 70, 1999. 136 waoourAo A loson vo oie0 KANT, Immanuel. Fundamentagdo da metafisica dos costumes, Lisboa: Edigbes 70, 2000. . Critica da razdo pura. $30 Paulo: Nova Cultural, 1997. (Os Pensadores.) KONDER, Leandro, 0 fururo da filsofia da praxis. Sao Paulo: Paz e Terra, 1992. 0 que é dialética. $30 Paulo: Brasiliense, 2000. LABICA, Georges. As “teses sobre Feuerbach” de Karl Marx Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990. LEBRUN, Gérard, Kant e o fim da metafsica. Sio Paulo: Mar- tins Fontes, 1993, ___. Sobre Kant. Sio Paulo: Huminuras, 2001. LEFEBVRE, J, Pj MACHEREY, P. Hegel e a sociedade. Si0 Paulo: Discurso Editorial, 1999, LOCKE, John, Ensaio acerca do entendimento humano. Sao Paulo: Nova Cultural, 1997. (Os Pensadores.) _. Segundo tratado sobre o governo. In: WEFFORT, F. (0s elésicos da politica. So Paulo: Atica, 1995. LOSURDO, Domenico. Hegel, Marx ¢ a tradizdo liberal. Séo Paulo: Unesp, 1998 MAMAN, Jeannette Antonios. Fenomenologia existencial do direito, Sao Paulo: Edipro, 2000. -MAQUIAVEL O principe. Sdo Paulo: Nova Cultural, 1996. (0s ensadores.) [MARCUSE, Herbert, Razdo e revolugdo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, MARX, Karl A questdo judaiea, Sao Paulo: Centauro, 2000, smuocrana 137 MARX, Karl; ENGELS, FA ideologia alemd. So Paulo: Huci tec, 1999. —. Obras escolhidas. S40 Paulo: Alfa-Omega, sd. v. 1 PACHUKANIS. Teoria geral do direito ¢ marxismo, So Paulo: Académica, 6d. ROUSSEAU. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. In: WEFFORT, F. Os eldsscns da politica. Sa0 Paulo: Atica, 1995, SADER, Emir. Bstado e politica em Marx. S30 Paulo: Cortez, 1998. SARTRE, Jean-Paul. Critica da rasdo dialética. Rio de Janel ro: DPBA, 2002. SOLON, Ari Marcelo. A polémica acerca da origem dos direi tos fundamentais: do contrato social & declaracio americana, Revista da Pés-Graduagio da Faculdade de Direito da USP. Porto Alegre: Sintese, 2002. v. 4 VILLEY, Michel. Le droit t les droits de Unomme. Paris: PUP, 1998. VOLTAIRE, Trarado sobre a tolerincia, Sd Paulo: Martins Fontes, 2000.

Você também pode gostar