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DECISÃO

Vistos.
MANOEL DANTAS NETO interpõe recurso extraordinário (folhas 101 a
107) contra acórdão proferido pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª
Região, assim ementado:

“PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL.


ELETRICISTA. DIREITO AO CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO
COMO ATIVIDADE ESPECIAL ATÉ 05.03.97, ART. 70, PARÁGRAFO
ÚNICO, DO DECRETO N° 3048/99. EMENDA CONSTITUCIONAL N °
20. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE
CONTRIBUIÇÃO. REGRAS DE TRANSIÇÃO.
- O cálculo do tempo de serviço prestado em condições
especiais é regido pela norma vigente à época da prestação do serviço,
salvo se a fórmula de cálculo de norma superveniente for mais benéfica
ao titular do direito, hipótese em que se origina, com a incidência desta,
a aquisição retroativa do direito à aplicação do preceito mais favorável
ao tempo de serviço ainda não utilizado pelo respectivo titular para
aposentadoria.
- É assegurado o direito à contagem qualificada de
tempo de serviço das atividades exercidas, até 05.03.1997, com
exposição aos agentes nocivos constantes do Quadro Anexo ao
Decreto n° 53.831/64 e do Anexo I do Decreto 83.080/79. (Parágrafo
Único, art. 70, Decreto 3.048/99)
- A concessão de aposentadoria para os filiados ao
regime geral de previdência social, até a data de publicação da
Emenda Constitucional n° 20, depende da ocorrência, cumulativa,
dos requisitos: idade mínima, tempo de contribuição. (Art. 90)” (fls.
98/99).
Insurge-se, no apelo extremo, fundado na alínea “a”, do permissivo
constitucional, contra alegada contrariedade ao artigo 5º, inciso XXXVI, da
Constituição Federal, em razão de não ter sido reconhecido seu direito em converter
em comum e contabilizar para sua aposentadoria a integralidade do tempo de
atividade especial que desempenhou.
Processado sem contrarrazões (folha 109), o recurso foi admitido na
origem (folha 110), o que ensejou a subida dos autos a esta Corte.
O parecer da douta Procuradoria-Geral da República é pelo não
conhecimento do recurso (folhas 116 a 118).
Decido.
Anote-se, inicialmente, que o acórdão recorrido foi publicado em
18/2/04, conforme expresso na certidão de folha 100, não sendo exigível a
demonstração da existência de repercussão geral das questões constitucionais
trazidas no recurso extraordinário, conforme decidido na Questão de Ordem no
Agravo de Instrumento nº 664.567/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda
Pertence, DJ de 6/9/07.
A irresignação, contudo, não merece prosperar.
E isso porque a análise acerca da alegada violação do princípio
constitucional objeto do presente recurso demandaria o necessário reexame do
conjunto fático-probatório constante dos autos, bem como de normas
infraconstitucionais utilizadas na fundamentação da decisão recorrida, o que se
mostra de inviável ocorrência no âmbito do recurso extraordinário, a teor do que
dispõe a Súmula 279 do STF.
De fato, assim restou fundamentada a decisão atacada, quanto à
parcial rejeição da pretensão deduzida pelo recorrido:

“No caso dos autos, pleiteia-se a aplicação do fator de


conversão 1,40 ao tempo de serviço exercido na condição de
eletricista, sob a égide da CLT e vinculação ao RGPS.
O exercício de atividade em locais com eletricidade, em
condições de perigo de vida, foi considerada especial pelo Anexo do
Decreto n.° 53.831/64 - item 1.1.8 - sujeita a aposentadoria após 25
(vinte e cinco) anos de trabalho.
O Decreto n.° 53.831/64 foi revogado pelo Decreto n.°
62.755, de 25.05.68, pelo que não teria, em primeira análise, eficácia
jurídica sobre o período posterior a este último, não tendo, além disso,
sido renovada pelos regulamentos previdenciários que o seguiram a
previsão de enquadramento das atividades de eletricitário como
especiais. Contudo, com a edição da Lei n° 5.527/68, de 08.11.1968, a
atividade dos eletricitários continuou a ser considerada especial até
11.10.96, data em que a Medida Provisória 1.523/96 revogou a citada
lei.
Ainda ressalto que, em 31 de julho de 1992, o Decreto
n.° 611/92 dispôs em seu art. 292:

‘Art. 292. Para efeito de concessão das


aposentadorias especiais serão considerados os
Anexos I e II do Regulamento dos Benefícios da
Previdência Social, aprovado pelo Decreto n.°
83.080, de 24 de janeiro de 1979, e o
Anexo do Decreto n.° 53.831, de 25 de março de
1964, até que seja promulgada a lei que disporá sobre
as atividades prejudiciais à saúde e à integridade física.’

Assim, o Decreto n.° 611, em ao regulamentar a Lei n.°


8.213/91, eficácia jurídica do Anexo do Decreto revigorando, durante a
sua vigência, a de natureza especial das atividades para fins de
aposentadoria especial tempo de serviço prestado em condições a
utilização do fator de conversão tempo de serviço exercido em atividade
seu art. 292, repristinou a n.° 53.831/64, previsão legal de eletricista ou
de soma dos especiais, com respectivo, comum.
Tem-se, pois, que as atividades desempenhadas pelos
eletricistas, independentemente do cargo, categoria ou ramo da
empresa foram consideradas especiais, por presunção, pela legislação
supra-mencionada.
A legislação previdenciária anteriormente à vigência da
Lei no 9.032, de 28 de abril de 1995, adotava, entre outros, o critério da
presunção legal por grupo profissional para o enquadramento da
atividade prestada como especial no que concerne à contagem do
respectivo tempo de serviço para fins de aposentadoria especial, sendo
desnecessárias a prova do efetivo contato com agentes prejudiciais à
saúde.
Apenas com o advento da Lei n° 9.032/95, estabeleceu-
se a necessidade de comprovação da efetiva exposição a agentes
prejudiciais à saúde como requisito à caracterização da atividade
especial para fins de aposentadoria.
Entendo, contudo, que, ao tempo de serviço prestado
anteriormente à Lei n° 9.032/95, devem ser aplicados os critérios legais
então em vigor, incidindo a regra da presunção legal mediante prova
exclusiva do exercício de atividade enquadrada nos supra citados
Decretos” (fls. 92 a 94).

No sentido dessa conclusão, citem-se os seguintes precedentes:

“Para se chegar a conclusão diversa daquela a que


chegou o acórdão recorrido, seria necessário reexaminar os fatos da
causa, o que é vedado na esfera do recurso extraordinário, de acordo
com a Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. Falta de
prequestionamento de dispositivos constitucionais. Matéria que não foi
abordada nas razões de apelação ou mesmo em embargos
declaratórios. Agravo regimental a que se nega provimento” (AI nº
491.543/SP-AgR, Segunda Turma, Relator o Ministro Joaquim
Barbosa, DJe de 29/6/07).

“O acórdão recorrido decidiu a lide com base na


legislação infraconstitucional. Inadmissível o recurso extraordinário
porquanto a ofensa à Constituição Federal, se existente, se daria de
maneira reflexa. 2. Decidir de maneira diferente do que deliberado pelo
tribunal a quo demandaria o reexame de fatos e provas da causa, ante
a incidência da Súmula STF 279. 3. Agravo regimental improvido” (RE
nº 544.373/ES-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie,
DJe de 7/8/09).

Como se não bastasse, é pacífica a jurisprudência deste Supremo


Tribunal Federal no sentido de que o conceito dos institutos do direito adquirido, do
ato jurídico perfeito e da coisa julgada não se encontra na Constituição Federal,
senão na legislação ordinária (Lei de Introdução ao Código Civil, artigo. 6º).
Nessa conformidade, encontra-se sob o pálio da proteção
constitucional, tão somente a garantia desses direitos, mas não seu conteúdo
material, isoladamente considerado, conforme bem, explicitado nos seguintes
precedentes: AI nº 638.758/SP-AgR, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe
de 19/12/07, RE nº 437.384/RS-AgR, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de
8/10/04 e AI nº 135.632/RS-AgR, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 3/9/99.
Da ementa desse último julgado, dadas as preciosas lições que
encerra para o deslinde da controvérsia instaurada nestes autos, transcreve-se o
seguinte trecho:
“O sistema constitucional brasileiro, em cláusula de
salvaguarda, impõe que se respeite o direito adquirido (CF, art. 5º,
XXXVI). A Constituição da República, no entanto, não apresenta
qualquer definição de direito adquirido, pois, em nosso ordenamento
positivo, o conceito de direito adquirido representa matéria de caráter
meramente legal. Não se pode confundir, desse modo, a noção
conceitual de direito adquirido (tema da legislação ordinária) com o
princípio inerente à proteção das situações definitivamente
consolidadas (matéria de extração constitucional), pois é apenas a
tutela do direito adquirido que ostenta natureza constitucional, a partir
da norma de sobredireito inscrita no art. 5º, XXXVI, da Carta Política.
Tendo-se presente o contexto normativo que vigora no Brasil, é na lei -
e nesta, somente - que repousa o delineamento dos requisitos
concernentes à caracterização do significado da expressão direito
adquirido. É ao legislador comum, portanto - sempre a partir de uma
livre opção doutrinária feita dentre as diversas correntes teóricas que
buscam determinar o sentido conceitual desse instituto - que compete
definir os elementos essenciais à configuração do perfil e da noção
mesma de direito adquirido. Cabe ter presente, por isso mesmo, a
ampla discussão, que , travada entre os adeptos da teoria subjetiva e
os seguidores da teoria objetiva, influenciou, decisivamente, o
legislador ordinário brasileiro na elaboração da Lei de Introdução ao
Código Civil (LICC), pois, como se sabe, a LICC de 1916 (que entrou
em vigor em 1917) consagrou a doutrina sustentada pelos subjetivistas
(art. 3º), enquanto a LICC de 1942, em seu texto, prestigiou a teoria
formulada pelos objetivistas (art. 6º), muito embora o legislador, com a
edição da Lei nº 3.238/57, que alterou a redação do art. 6º da LICC/42,
houvesse retomado os cânones inspiradores da formulação doutrinária
de índole subjetivista que prevaleceu, sob a égide dos princípios
tradicionais, na vigência da primeira Lei de Introdução ao Código Civil
(1916). Em suma: se é certo que a proteção ao direito adquirido
reveste-se de qualificação constitucional, consagrada que foi em
norma de sobredireito que disciplina os conflitos das leis no tempo (CF,
art. 5º, XXXVI), não é menos exato - considerados os dados concretos
de nossa própria experiência jurídica - que a positivação do conceito
normativo de direito adquirido, ainda que veiculável em sede
constitucional, submete-se, no entanto, de lege lata, ao plano estrito da
atividade legislativa comum. OFENSA À CONSTITUIÇÃO POR VIA
REFLEXA. - A ofensa oblíqua da Constituição, inferida de prévia
vulneração da lei, não oferece trânsito ao recurso extraordinário. Não
se tratando de conflito direto e frontal com o texto da Constituição,
torna-se inviável admitir e processar o apelo extremo. O exame da
eventual superação dos limites impostos pela lei (deliberação ultra
legem) e a verificação de que a resolução administrativa teria
permanecido citra legem ou atuado contra legem constituem matérias
que refogem ao domínio temático reservado pela Carta Política ao
âmbito de incidência do recurso extraordinário”.

Ante o exposto, nego seguimento ao recurso.


Publique-se.
Brasília, 4 de junho de 2010.

Ministro DIAS TOFFOLI


Relator

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