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DO INQUÉRITO POLICIAL E DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PROMOVIDA PELO

MINISTÉRIO PÚBLICO

ROGÉRIO TADEU ROMANO

Procurador Regional da República

I – CONCEITO DE INQUÉRITO POLICIAL. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter


administrativo, conduzido pela Polícia Judiciária e voltado a colheita preliminar de provas para
apurar a prática de uma infração penal e sua autoria.

Não se trata, pois, de processo, instrumento, que é voltado a prestação judicial


do Estado diante de uma ação ajuizada. Trata-se de um procedimento. Como tal, por não ser
processo, não se faz presente o princípio da publicidade, que é próprio dos processos, assim
como outros princípios balizares como o da ampla defesa e do contraditório, que são garantias
norteadoras de um Estado Democrático de Direito.

Seu objetivo é a formação da convicção do representante do Ministério Público,


titular da ação penal pública, ou a vítima, nas ações penais privadas, e ainda a colheita de
provas urgentes necessárias ao esclarecimento dos fatos investigados.

Sendo assim o inquérito é o conjunto de diligências realizadas pela polícia


judiciária, para apuração de uma infração penal e sua autoria, para que o titular da ação penal,
seja pública ou privada, possa fazer um juízo de valor sobre ele, pedindo a aplicação da lei.

É, portanto, o inquérito policial uma peça investigatória que é preparatória da


ação penal.

O inquérito é procedimento preparatório formador da opinião do titular da ação


penal. Pode ele aceitar ou não as conclusões trazidas por ele.

É o inquérito um procedimento facultativo e dispensável para o exercício da


ação penal.

Avulta o seu caráter inquisitivo.

Por sinal, NORONHA1 traz à colação o fato de que o inquérito tem graves
desvantagens, reduzindo a justiça quase à função de repetidor de seus atos. Porém, reconhecem-

1
NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal, São Paulo, Saraiva, 1978, pág. 23.

1
se vantagens, como impedir a formação precipitada de convicção pelo juiz, quando o fato ainda
pode estar envolto em paixões, ódios, que perturbariam a um sereno entendimento.

Como procedimento não tem o inquérito, peça escrita, um rito pré-estabelecido,


devendo nele serem realizadas diligências, como oitiva da vítima, da pessoa apontada como
autor do fato, de testemunhas, perícias, acareações, dentro da discricionariedade que é dada ao
presidente do procedimento de caráter administrativo, o delegado de polícia.

Sendo colheita de provas, em hipótese alguma, se pode negar acesso ao


advogado, que tem direito assegurado a seu conhecimento, verdadeira garantia do indiciado até
contra possíveis arbitrariedades que venham a ser cometidas no seu curso.

Discute-se a questão do seu caráter sigiloso, consoante se lê dos termos do


artigo 20 do Código de Processo Penal.

Entende-se que o inquérito policial, por ser peça de natureza administrativa,


inquisitiva e preliminar à ação penal, deve ser sigiloso.

Ao advogado não se pode negar, como já salientado, acesso aos autos.

Aliás, o Estatuto da Advocacia, Lei 8.906/94, em seu artigo 7º, inciso XV,
estatui que é direito do advogado examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem
procuração, autos de flagrante e de inquérito policial, findos ou em andamento, ainda que
conclusos a autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos. Ali não se faz qualquer
distinção entre inquéritos sigilosos e não sigilosos.

O advogado do indiciado, como já salientou o Supremo Tribunal Federal, no


julgamento do HC 82.354 – PR, 10 de agosto de 2004, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, em
inquérito policial, é titular do direito de acesso aos autos respectivos, verdadeira prerrogativa,
que lhe é dada por lei, não lhe sendo, em hipótese alguma, repito, oponível o sigilo.

Aliás, se até à imprensa livre, numa democracia, salvo os casos de sigilo


decretados pelo Judiciário, não se pode negar acesso aos resultados da investigação, então qual a
razão de negá-lo, por absurdo, a seu defensor?

A Súmula Vinculante n. 14 do Supremo Tribunal Federal disciplina que é


direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova, já
documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia
judiciária.

Deve ser facultada à defesa a consulta dos autos do inquérito policial e a


obtenção de cópias pertinentes, ressalvando que não há obrigação de comunicação prévia à
defesa sobre as diligências que ainda estejam sendo efetuadas, como se lê do julgamento pelo
Supremo Tribunal Federal, no HC 87.827 – RJ, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgado
em 25 de abril de 2006, Informativo 424.

Mister se faz a participação do advogado em todos os atos do inquérito, desde


que tenha procuração para tanto.

O advogado pode participar da produção da prova, em seu desenvolvimento, em


seu acompanhamento.

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Porém a ausência do advogado não contagia o inquérito policial de nulidade,
pois não estamos em sede de processo, mas na fase pré-processual.

Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial


não poderá mencionar quaisquer anotações com relação a instauração do inquérito contra os
requerentes(artigo 20, parágrafo único do Código de Processo Penal), salvo no caso de existir
condenação anterior.

II – HISTÓRICO

A denominação inquérito policia surgiu, no Brasil, cm a Lei n. 2033, de 20 de


setembro de 1871, regulamentada pelo Decreto n. 4.824, de 22 de novembro de 1871, onde se
diz, no artigo 42, que ¨o inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o
descobrimento de fatos criminosos, de suas circunstâncias e de seus autores e cúmplices,
devendo ser reduzido a instrumento escrito.¨

Já, no Código de Processo Penal do Império, de 1832, falava-se em um


procedimento informativo à ação penal. Sua finalidade era a investigação do crime e a
descoberta do seu autor, com o azo de fornecer ao autor da ação penal elementos sobre o caso.

Em 1935, VICENTE RAO apresentou projeto, em que era previsto um juizado


de instrução, declarando na exposição de motivos:

¨Retira-se à polícia, por essa forma, a função, que não é sua, de interrogar o
acusado, tomar o depoimento de testemunhas, enfim, colher provas sem valor
legal; conservando-lhe, porém, a função investigadora, que lhe é inerente, posta
em harmonia e legalizada pela co-participação do juiz, sem o que o resultado
das diligências não pode e nem deve ter valor probatório.¨

Na exposição de motivos do Código de Processo Penal em vigor, o Ministro


Francisco Campos dizia que o inquérito é ¨processo preliminar ou preparatório da ação penal
que visa evitar apressados e errôneos juízos, formados quando ainda persiste a trepidação moral
causada pelo crime ou antes seja possível uma exata visão do conjunto de fatos, nas suas
circunstâncias objetivas e subjetivas.¨

III – A INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. DA QUESTÃO DA AUTORIDADE


COATORA.

A teor do artigo 5º do Código de Processo Penal o inquérito policial pode ser


iniciado:

3
a) de ofício( o delegado de polícia, tomando conhecimento da prática de
infração penal, determina, através de portaria, a instauração de inquérito);
b) notitia criminis(é a ciência da autoridade policial da ocorrência de um fato
criminoso, podendo ser ou direta, quando o delegado, por qualquer meio,
descobre o que aconteceu ou ainda indireta, quando a vítima provoca a sua
atuação, comunicando a sua ocorrência);
c) mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público.

A autoridade policial pode se negar a cumprir a requisição por considerá-la


manifestamente ilegal em decisão fundamentada.

Na requisição formulada pelo Ministério Público à Polícia para instauração de


inquérito policial deve haver indicação detalhada da ocorrência e objeto da investigação.
Entendo que constitui ilegalidade a requisição para instauração de inquérito policial de forma
genérica, sem precisar fatos concretos que seriam supostamente delituosos a serem investigados
além de um mínimo demonstrador no que concerne a provável autoria.

No caso da ação penal privada deve haver requerimento expresso do ofendido


para iniciativa da apuração.

Se a instauração do inquérito constitui um evidente constrangimento ilegal é


caso de trancá-lo. Pergunta-se: Quem será a autoridade coatora?

Se a autoridade policial tomou a iniciativa de iniciá-lo, será ela a autoridade


coatora e responderá o habeas corpus perante o juiz de direito ou o juiz federal competente.

E se houver requisição de autoridade judiciária ou de representante do


Ministério Público?

O habeas corpus será dirigido ao Tribunal competente para julgar a infração de


que trata o inquérito. Isso porque a autoridade limitou-se a cumprir uma exigência legal de outra
autoridade, razão por que esta deve figurar como autoridade coatora, quando for o caso.

O inquérito inicia-se pelo flagrante ou por portaria.

Discuti-se com relação a denúncia anônima.

Há precedente do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 84.827/TO,


Relator Ministro Marco Aurélio, DJ de 23 de novembro de 2007, onde se assentou
entendimento no sentido de que é vedada a persecução penal iniciada com base,
exclusivamente, em denúncia anônima. Firmou-se, desta forma, orientação no sentido de que a
autoridade policial, ao receber a denúncia anônima, deve antes realizar diligências preliminares
para averiguar se os fatos narrados nessa notícia são materialmente verdadeiros, para, só então,
iniciar as investigações.

No mesmo sentido, tem-se decisão no HC 95.244, Relator Ministro Dias


Toffoli, DJe de 30 de abril de 2010.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, do que se lê do julgamento do


RHC 29.658/RS, Relator Ministro Gilson Dipp, DJe de 8 de fevereiro de 2012, é do

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entendimento da possibilidade da instauração de procedimento investigatório com base em
denúncia anônima desde que acompanhada de outros elementos.

O anonimato, per se, não serve para embasar a instauração de inquérito policial.
Contudo podem ao escrito apócrifo serem somados depoimentos prestados perante o Ministério
Público.

Sendo assim é inadmissível aceitar a denúncia anônima como causa suficiente


para a instauração de inquérito.

IV – PROCEDIMENTO DA AUTORIDADE POLICIAL

O artigo 6º do Código de Processo Penal prescreve(functor deóntico) à


autoridade policial, logo que tiver conhecimento da infração penal, que tome as seguintes
providências:

a) dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e


conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
b) apreender os objetos que tiverem relação ao fato, após liberados pelos
peritos criminais2;
c) colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas
circunstâncias;
d) ouvir o ofendido;
e) ouvir o indiciado;
f) proceder o reconhecimento de pessoas e coisas e as acareações;
g) determinar, se for o caso, que se proceda o exame de corpo delito e outras
perícias;
h) ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se
possível, e fazer juntar aos autos a sua folha de antecedentes;
i) averiguar a vida pregressa do indiciado, consoante o inciso IX.

O suspeito, sob o qual se reuniu prova de autoria, tem de ser indiciado.

O indiciamento somente poderá ser realizado se há, para tanto, fundada e


objetiva suspeita de participação ou autoria nos eventuais delitos investigados, como se lê de
entendimento do Superior Tribunal de Justiça no HC 8.466 – PR, Relator Ministro Felix
Fischer, DJ de 24 de maio de 1999.

O indiciamento é ato exclusivo da autoridade policial que forma seu


convencimento sobre a autoria e a materialidade do crime, elegendo o suspeito da prática
criminosa.

2
Os instrumentos do crime bem como os objetos que interessarem à prova, acompanharão os autos do
inquérito, como se lê do artigo 11 do CPP.

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Pode o Promotor denunciar pessoa que não foi objeto de indiciamento, pois é
titular da ação penal pública, ficando a sua discrição, dentro da visão que tem dos fatos
investigados no inquérito, qual a solução a apresentar.

De toda sorte, a requisição de indiciamento é procedimento equivocado. Aliás,


assim o entendeu o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do HC 35.639 – SP, Relator
Ministro José Arnaldo da Fonseca, 21 de outubro de 2004, quando se disse que a determinação
de indiciamento formal, quando já em curso ação penal pelo recebimento da denúncia, é tida por
desnecessária e causadora de constrangimento ilegal.

O sistema jurídico brasileiro não exige motivação do indiciamento, a exceção, é


certo do que é exposto no artigo 52, I, da Lei 11.343/06, quanto a classificação feita: se tráfico
ou porte de arma, por exemplo. Ora, o Parquet não está vinculado a classificação penal que
venha ser apresentada pela autoridade policial. Quanto muito a autoridade judicial, como se vê
do instituto da emendatio libelli, previsto no artigo 383 do Código de Processo Penal.

Mas o indiciado tem o direito de silêncio(artigo 5º, LXIII), de não se


autoacusar, merecendo ter a sua integridade física preservada, podendo constituir advogado para
acompanhar a investigação e ter a sua imagem preservada. O seu silencio não poderá ser
interpretado contra si, daí porque a antiga redação do artigo 186 do Código de Processo Penal
choca-se com a Constituição, quando dizia que ¨o seu silêncio poderá ser interpretado em
prejuízo de sua própria defesa¨

A teor do artigo 5º, LVIII, da Constituição Federal o civilmente identificado não


será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses determinadas por lei. Pois bem, o
artigo 2º da Lei 12.037/2009 determina que a identificação civil é atestada por qualquer dos
seguintes procedimentos:

a) carteira de identidade;
b) carteira de trabalho;
c) carteira profissional;
d) passaporte;
e) carteira de identificação funcional;
f) outro documento público que permita a identificação do indiciado.

O artigo 3º da Lei 12.037/2009 determina as hipóteses em que se destaca o fato


do documento apresentar rasuras ou tiver indícios de falsificação ou ainda, dentre outras
hipóteses, for insuficiente para identificar, de forma cabal, o indiciado.

Necessário fazer a distinção entre qualificação e identificação. A qualificação é


a colheita de dados pessoais do acusado ou indiciado, buscando individualizá-lo(nome, filiação,
etc). A identificação criminal volta-se à colheita de impressões datiloscópicas e da fotografia do
imputado.

O inquérito deve transitar, sempre que ultrapassados os prazos para as


diligências, entre o titular da ação penal pública e a policia, solicitando-se a prorrogação ou
dilação de prazo para demais diligências e análise do Parquet da condução e do estado das
providências solicitadas e as já realizadas. A respeito, em que pese a redação do artigo 10, § 3º,
do Código de Processo Penal, tem-se Resolução do Conselho de Justiça Federal de 24 de junho
de 2009 nesse sentido.

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O prazo de 30(trinta) dias é ideal, salvo em situações excepcionais, para tal
dilação.

V – DO TÉRMINO DO INQUÉRITO E O RELATÓRIO DA AUTORIDADE POLICIAL

Estabelece a lei prazo para encerramento de investigação quando o réu está


preso: dez dias, a teor do artigo 10, caput, contado o prazo a partir do dia em que se der a ordem
de prisão.

A norma é processual penal material, que convive com o direito à liberdade,


devendo ser contado o prazo como se fosse um prazo penal, a teor do artigo 10 do Código
Penal. Inclui-se o primeiro dia.

Não se trata de simples prazo processual, em que a contagem começa do


primeiro dia útil seguinte.

Confira-se ainda a Lei 8.038/1990, que cuida dos crimes de competência


originária dos Tribunais Superiores, Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, onde
se diz que o Ministério Público terá o prazo de 15(quinze) dias para oferecer denúncia ou pedir
arquivamento de inquérito ou das peças informativas. A teor do parágrafo segundo, se o
indiciado estiver preso, o prazo para oferecimento da denúncia é de 5(cinco) dias. Trata-se de
prazo próprio, da parte, não de prazo concedido quando o Parquet é fiscal da lei, impróprio.

Por sua vez, a Lei 5.010/1966, que organiza a Justiça Federal de primeira
instância, em seu artigo 66, determina que o prazo para conclusão do inquérito policial será de
15(quinze) dias, quando o indiciado estiver preso, podendo ser prorrogado por mais 15(quinze)
dias com pedido da autoridade policial e deferido pela autoridade competente.

Na lei de drogas há dois prazos, como se vê da Lei 11.343/2006: 30(trinta) dias,


se o indiciado estiver preso e 90(noventa) dias, se estiver solto. Tais prazos podem ser
duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público mediante pedido fundamentado da autoridade
policial.

O inquérito se conclui com o relatório da autoridade, que é peça objetiva, não


opinativa ,que não substitui, de forma alguma a denúncia.

A teor do artigo 17 do Código de Processo Penal não pode a autoridade policial


arquivar, o que é atribuição do juiz, a pedido do titular da ação penal pública, o Ministério
Público.

Tratando-se de ação penal privada, o arquivamento acontecerá se a vítima,


titular da ação penal, não ajuizar a queixa no prazo legal ou ainda desistir da ação.

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Ao receber o inquérito já relatado, poderá o Parquet:

a) oferecer denúncia;
b) pedir arquivamento;
c) requerer a volta à Policia para novas diligências3.

O juiz pode não concordar com o pedido de arquivamento formulado pelo


Parquet, mandando ouvir o Procurador-Geral de Justiça para dar sua última palavra; se mantém
o pedido de arquivamento ou determina, por delegação, outro membro para formular a
denúncia, peça inicial do processo criminal(artigo 28 do Código de Processo Penal). Melhor
está o entendimento que surge para o novo Código de Processo Penal, quando se diz que se o
Promotor é pelo arquivamento, remeterá as peças do inquérito a um órgão de Coordenação e
Revisão Institucional para a última palavra, que, no caso do Ministério Público Federal, é a
Segunda Câmara, que trata de matéria criminal, do que se lê na lei orgânica, Lei Complementar
75/1993.

Já se consignou na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Sumula 524,


que arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça,
não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas.

Questiona-se se a decisão que determina o arquivamento do inquérito tem a


natureza de coisa julgada material, ou seja, se tem eficácia pan-processual com relação aos
demais feitos:

Vislumbro dois casos:

a) arquivamento com fundamento na atipicidade de conduta: é possível gerar


coisa julgada material. Veja-se o decidido no HC 83.346 – SP, Relator
Ministro Sepúlveda Pertence, Informativo 388;
b) arquivamento com base em excludente de ilicitude ou de culpabilidade: a
única exclusão, para o caso de exclusão de culpabilidade, é por doença
mental4, tendo em vista a possibilidade de aplicação de medida de
segurança.

VI – A INCOMUNICABILIDADE DO INVESTIGADO DURANTE O INQUÉRITO. A


NÃO RECEPÇÃO DO ARTIGO 21 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL PELA
CONSTITUIÇÃO DE 1988.

Na linha de NUCCI5, entendemos que está revogado, melhor dizendo, não


recepcionado pela Constituição de 1988, o artigo 21 do Código de Processo Penal no sentido de

3
Aqui, se o juiz indeferir ilegalmente a diligência, tem-se entendido pela formulação de correição
parcial, como se acompanha na jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo. Creio, data vênia,
mais adequado o mandado de segurança, havendo ilegalidade e direito líquido e certo não amparado
pelo habeas corpus. Cabe, outrossim, pedido ao Corregedor de Justiça de providências.
4
Sabe-se que, com a reforma penal de 1984, Lei 7.209/1984, abandonamos o sistema do duplo binário.
5
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado, São Paulo, Ed. Revista dos
Tribunais, 10ª edição, pág. 126.

8
que a incomunicabilidade do indiciado dependeria de despacho nos autos e seria permitida no
interesse da sociedade.

O parágrafo único, ainda do artigo 21 do mesmo diploma legal, determina que a


incomunicabilidade não excederá de 3(três) dias.

Ora, na vigência do Estado Democrático de Direito não há motivo plausível


para se manter alguém incomunicável. Além disso, a permanência de tal dispositivo legal nega,
frontalmente, vigência ao disposto no artigo 7º, III, da Lei 8.906/94, que diz que é prerrogativa
do advogado não poder se isolar do preso.

Vozes autorizadas como TOURINHO FILHO6, MIRABETE7, dentre outros,


entendem pela revogação. De outro modo, citamos GRECO FILHO.8

VII – A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

A matéria, que é polêmica, está hoje sujeita a repercussão geral como se


lê do RE 593.727/RG/MG, Relator Ministro Cezar Peluso.

De um lado, fala-se no exercício de poderes implícitos pelo Ministério


Público, na linha da jurisprudência americana, já que ao Parquet cabe a atividade de
supervisão da atividade policial, por força do artigo 129 da Constituição Federal. É o
que se lê do texto da norma fundamental:
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma
da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei
complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial,
indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

De outro lado, há os que entendem que tal tarefa é apenas das polícias
civis e da polícia federal. Em razão disso, para esses, se o Ministério Público exerce
sozinho o papel de condução da investigação, a consequência seria a nulidade com a
extração das provas dos autos colhidas que deram azo a denúncia. A propósito, NUCCI9
acentua que é contrário a investigação criminal conduzida, de forma isolada, pelo
Ministério Público, uma vez que seria feita sem qualquer fiscalização e controle, e pelo
fato de que não há previsão legal específica. Conclui seu raciocínio, entendendo que se
ocorrer o acesso do advogado do investigado nos autos, precisa ele ser assegurado. É o
que se lê no HC 88.190 – RJ, Relator Ministro Cezar Peluso, DJ de 6 de outubro de
2006.

6
TOURINHO FILHO, Fernando. Código de Processo Penal Comentado, volume I, pág. 66.
7
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado, pág. 62 a 63.
8
GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal, pág. 86.
9
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado, São Paulo, Revista dos Tribunais,
10ª edição, pág. 86.

9
Nessa linha, e a modo de conclusão, lembra-se o Recurso Ordinário de HC n.
81.326-7, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal , unanimemente, sob o voto condutor do
Min. Nelson Jobim, onde se decidiu que o Ministério Público não possui atribuições para
realizar, diretamente, investigação de caráter criminal. Em seu voto, o Min. Jobim destaca que,
historicamente, no direito processual penal brasileiro, as atribuições para realizar as
investigações preparatórias da ação penal têm sido da polícia, pelas mais diversas razões, as
quais têm prevalecido a ponto de todas as iniciativas no sentido de mudar as regras nessa
matéria terem sido repelidas, desde a proposta de instituir Juizados de Instrução feita pelo então
Ministro da Justiça, Dr. Vicente Ráo, em 1935, passando pela elaboração da Constituição de
1988, da lei complementar relativa ao Ministério Público, em 1993, até propostas de emendas
constitucionais em 1995 e 1999, com o objetivo de dar atribuições investigatórias ao Parquet.

Exige-se, de toda sorte, que tal atividade se faça com respeito aos direitos
individuais.

Acentuo que a legitimidade do Ministério Público para a colheita de


elementos probatórios essenciais à formação de sua opinio delicti decorre de expressa
previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar n.º
75/1993 (art. 129, incisos VI e VIII, da Constituição da República, e art. 8.º, incisos V e
VII, da LC n.º 75/1993).

Concordo com os argumentos de NOGUEIRA e ELUF10, quando, em


excelente estudo de direito comparado, aduzem que se o Ministério Público for proibido
de investigar o Brasil retrocederá décadas no combate à criminalidade, transformando-
se no paraíso da impunidade e se igualando a países subdesenvolvidos onde o crime
campeia à vontade. Discorrem que, na Alemanha, França, Portugal, Itália, Estados
Unidos, permite-se que os promotores investiguem por conta própria sem prejuízo das
investigações policiais.

Outro argumento contrário é relativo ao impedimento do órgão


ministerial que atua no inquérito no exercício da ação penal. Tal assertiva não resiste a
força da interpretação do Superior Tribunal de Justiça que editou a Súmula 234, quando
diz que a participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal
não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.

O Supremo Tribunal Federal, em julgamento do HC 91.661 – PE,


Relatora Ministra Ellen Gracie, 10 de março de 2009, entendeu que é possível a
investigação criminal feita diretamente pelo Ministério Público.

Ora, se órgãos não ligados à persecução criminal tem o poder de


investigar, como é o caso de Comissões Parlamentares de Inquérito, repartições fiscais,
fatos que podem configurar infrações penais, não há razão, argumento razoável, para
retirar do Parquet tal atribuição.

Ademais, o procedimento criminal não é obrigatório. Ora, nessa linha de


pensar, como já entendeu o Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo que o Parquet
pode requisitar diligências, esclarecimentos, diretamente, visando a instrução de seus

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NOGUEIRA, Carlos Frederico Coelho, Eluf, Luiza Nagib. Quem tem medo da investigação do Ministério
Público?

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procedimentos administrativos, como se lê do RHC 8.106-DF, Relator Ministro Gilson
Dipp, DJ de 4 de junho de 2001.

Nessa linha de pensar se tem que a Quinta Turma do Superior Tribunal


de Justiça consolidou entendimento de que por expressa previsão constitucional possui
o Parquet a prerrogativa de instaurar procedimento administrativo e conduzir diligências
investigatórias.

O Superior Tribunal de Justiça já entendeu que são válidos os atos


investigatórios conduzidos pelo Ministério Público, cabendo-lhe ainda requisitar
informações e documentos, a fim de instruir os procedimentos administrativos, com
vistas ao oferecimento da denúncia, como se lê do julgamento do HC 83.020/RS,
Relator Ministro Og Fernandes, DJe de 2 de março de 2009.

A propósito, tem-se importante precedente no julgamento do HC


84.965/MG, Relator Ministro Gilmar Mendes, julgamento de 13 de dezembro de 2011,
publicado no DJe de 10 de abril de 2012, onde se diz:

¨HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E FORMAÇÃO DE


QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA
PARA PERSECUÇÃO PENAL, AO ARGUMENTO DE ILEGALIDADE DO
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INVESTIGATÓRIO PROCEDIDO PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO E DE NÃO-CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO
TRIBUTÁRIO. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO CARACTERIZADA. ORDEM DENEGADA.
1. POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
EXCEPCIONALIDADE DO CASO. Não há controvérsia na doutrina ou jurisprudência
no sentido de que o poder de investigação é inerente ao exercício das funções da
polícia judiciária – Civil e Federal –, nos termos do art. 144, § 1º, IV, e § 4º, da CF.
A celeuma sobre a exclusividade do poder de investigação da polícia judiciária
perpassa a dispensabilidade do inquérito policial para ajuizamento da ação penal e
o poder de produzir provas conferido às partes. Não se confundem, ademais,
eventuais diligências realizadas pelo Ministério Público em procedimento por ele
instaurado com o inquérito policial. E esta atividade preparatória, consentânea
com a responsabilidade do poder acusatório, não interfere na relação de equilíbrio
entre acusação e defesa, na medida em que não está imune ao controle judicial –
simultâneo ou posterior. O próprio Código de Processo Penal, em seu art. 4º,
parágrafo único, dispõe que a apuração das infrações penais e da sua autoria não
excluirá a competência de autoridades administrativas, a quem por lei seja
cometida a mesma função. À guisa de exemplo, são comumente citadas, dentre
outras, a atuação das comissões parlamentares de inquérito (CF, art. 58, § 3º), as
investigações realizadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras –
COAF (Lei 9.613/98), pela Receita Federal, pelo Bacen, pela CVM, pelo TCU, pelo
INSS e, por que não lembrar, mutatis mutandis, as sindicâncias e os processos
administrativos no âmbito dos poderes do Estado. Convém advertir que o poder de
investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita,
sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos
fundamentais. A atividade de investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo
Ministério Público, merece, por sua própria natureza, vigilância e controle. O pleno
conhecimento dos atos de investigação, como bem afirmado na Súmula Vinculante
14 desta Corte, exige não apenas que a essas investigações se aplique o princípio
do amplo conhecimento de provas e investigações, como também se formalize o
ato investigativo. Não é razoável se dar menos formalismo à investigação do
Ministério Público do que aquele exigido para as investigações policiais. Menos
razoável ainda é que se mitigue o princípio da ampla defesa quando for o caso de
investigação conduzida pelo titular da ação penal. Disso tudo resulta que o tema
comporta e reclama disciplina legal, para que a ação do Estado não resulte
prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos fundamentais. É que esse
campo tem-se prestado a abusos. Tudo isso é resultado de um contexto de falta de
lei a regulamentar a atuação do Ministério Público. No modelo atual, não entendo

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possível aceitar que o Ministério Público substitua a atividade policial
incondicionalmente, devendo a atuação dar-se de forma subsidiária e em
hipóteses específicas, a exemplo do que já enfatizado pelo Min. Celso de Mello
quando do julgamento do HC 89.837/DF: “situações de lesão ao patrimônio
público, [...] excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais,
como tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão ou corrupção, ou,
ainda, nos casos em que se verificar uma intencional omissão da Polícia na
apuração de determinados delitos ou se configurar o deliberado intuito da própria
corporação policial de frustrar, em função da qualidade da vítima ou da condição
do suspeito, a adequada apuração de determinadas infrações penal”. No caso
concreto, constata-se situação, excepcionalíssima, que justifica a atuação do
Ministério Público na coleta das provas que fundamentam a ação penal, tendo em
vista a investigação encetada sobre suposta prática de crimes contra a ordem
tributária e formação de quadrilha, cometido por 16 (dezesseis) pessoas, sendo 11
(onze) delas fiscais da Receita Estadual, outros 2 (dois) policiais militares, 2 (dois)
advogados e 1 (um) empresário. 2. ILEGALIDADE DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
ANTE A FALTA DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NÃO
OCORRÊNCIA NA ESPÉCIE. De fato, a partir do precedente firmado no HC
81.611/DF, formou-se, nesta Corte, jurisprudência remansosa no sentido de que o
crime de sonegação fiscal (art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990) somente se
consuma com o lançamento definitivo. No entanto, o presente caso não versa,
propriamente, sobre sonegação de tributos, mas, sim, de crimes supostamente
praticados por servidores públicos em detrimento da administração tributária.
Anoto que o procedimento investigatório foi instaurado pelo Parquet com o escopo
de apurar o envolvimento de servidores públicos da Receita estadual na prática de
atos criminosos, ora solicitando ou recebendo vantagem indevida para deixar de
lançar tributo, ora alterando ou falsificando nota fiscal, de modo a simular crédito
tributário. Daí, plenamente razoável concluir pela razoabilidade da instauração da
persecução penal. Insta lembrar que um dos argumentos que motivaram a
mudança de orientação na jurisprudência desta Corte foi a possibilidade de o
contribuinte extinguir a punibilidade pelo pagamento, situação esta que sequer se
aproxima da hipótese dos autos. 3. ORDEM DENEGADA.¨

Tem-se então:

¨Caso Celso Daniel" (HC 84548): numa primeira votação, aos 11 de junho de
2007, o Ministro Marco Aurelio votou contra o poder de investigar do
Ministério Público e o Ministro aposentado Sepúlveda Pertence,
favoravelmente. O Ministro Cezar Peluso pediu vista dos autos e a votação
somente foi retomada após. Na sessão plenária, apesar de ter efetuado
considerações acerca da necessidade de estabelecimento de parâmetros e de
limitações ao poder de investigar, votou ele pela denegação da ordem,
ocorrendo nova suspensão do julgamento. Em 27 de junho de 2012, foi
retomada a votação, tendo sido atingida a maioria de votantes no sentido da
constitucionalidade do poder investigatório do "Parquet". No entanto, houve
nova suspensão, por pedido de vista. Saliente-se que o Ministro Dias Toffoli,
por ser sucessor de Sepúlveda Pertence, não votará.

Caso de repercussão geral (RE 593727): votaram pelo provimento do recurso,


ou seja, desfavoravelmente ao poder de investigar (ressalvadas algumas
circunstâncias não observadas no caso concreto), os Ministros Cezar Peluso e
Ricardo Lewandowski. Após, foi suspenso o julgamento, o qual foi retomado
no dia 27 de junho de 2012, com votos favoráveis ao Ministério Público, do que

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se lê da antecipação de votos dos Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes,
Joaquim Barbosa e Carlos Ayres Brito (presidente). O Ministro Luiz Fux pediu
vista, suspendendo o julgamento.

A matéria ainda está longe de definição, sendo previsível que será usado o voto
médio, uma vez que os Ministros utilizaram argumentos diversos sobre o tema.

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