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DAVID HARVEY Nos ltimos vinte anos otermo “globalizagio” tor nou-se uma palavra-chave para organizar nosso pensamento sobre o funcionamento do mundo. Como € por que chegou a ocupar um lugar assim central no nosso vocabulério é uma historia muito interessante, Quero aqui, antes de tudo, analisar as implicagoes te6-ricas € poiticas dessa mudanga de linguagem. Mas ccomecarei com duas séries de quest6es para esclarecer aquilo que parece ser uma importante mudanga poli- tica nos discursos ocidentais (mesmo se nao necessariamente na realidade), inclusive nos do movi- mento socialista, 1. Por qual razio 0 termo “globalizacio” entrow «em nossos discursos de maneira assim massiva? O que provocou esse fendmeno e por qué? Que significado atribuir ao fato de que, mesmo entre muitos “progres- sistas” ou “de esquerda” no mundo do capitalismo avancado, algumas palavras como “imperialismo”, “colonialismo” e “neocolonialismo” foram progressi- ‘vamente ignoradas em favor do termo “globalizagio” ‘como instrumento para organizar o pensamento e es- truturar alternativas politicas? 2. De que maneira 0 conceito de globalizagio tem sido usado politicamente? A adogio do termo impli- ca, talvez, uma confissio de imporéncia por parte dos movimentos operirios nacionais, regionais ou locais? A poténcia do termo tem talvez operado como dissolvente no que diz respeito 4s ages politicas em escala local ou ainda nacional? E 0s movimentos ‘operatios locais e nacionais tornaram-se hoje engre- nagens tio insignificantes na vasta maquina infernal do capitalismo internacional, de modo 2 nao se tet nenhum espago para manobra politica em qualquer parte? Visto portal perspectiva, o termo “slobalizacio”, com todos 0s seus anexos, parece exigir um prego politico muito caro. Mas, antes de refuti-lo ov aban- doné-lo para sempre, talvez seja titi analisar a fundo suas implicagées e trazer algum esclarecimento, seja * Publicado originalmente em Marvismo Ox. Risa Quadeimeserale di cultura e poitics, n° 2, Milio, Tet Editore, maio-agosto, 1996, pp. 125-140. Tradugio de asima Cabral; revisfotéenica de Giuliana Rat no plano te6rico seja no politica, com uma breve his- t6ria sobre o seu uso. Permitam-me iniciar com uma sugestao: vermos a globalizagio como um processo antes de vé-la como uma codigo econdmico-politica recentemente veri- ficada, Vé-la dessa manera ndo significa que o processo seja constante, e nem mesmo nos impede de afirmar ue o processo entrou num periodo radicalmente novo, ‘ow evoluiu para um estgio particular ou com certeza “final”. Uma definigéo em termos de processo permi- te refletr sobre como. globalizacio € vista e procede. Sem divida, desde 1492 até aqui, o processo de globalizagio do capitalismo tem avangado e sempre se revestiu da maxima importincia na sua dindmica, De fato, a globalizacio sempre fez parte do desenvolvi mento capitalista desde o inicio. E importante entender as raz6es. A acumnulagio do capital teve sem: pre uma importante dimensio geogrifica ¢ espacial Sem as possibilidades abertas pela expansio geogriti- ca, pela reorganizacio espacial e pelo desigual desenvolvimento geografico, o capitalismo teria ces- sado ha muito tempo de funcionar como um sistema politico-econémico integrado. Esse perpétuo gitar em torno daquilo que eu defino como o “n6 espacial” das contradig6es capitalistas criow uma geografia histor ca global de acumulacio de capital que devemos procurar entender a fundo. Marx e Engels salientaram a questio no Mani festo, A indiistria moderna cria nao 6 0 mercado mundial — escrevem —, mas também a necessidade de um mercado em constante expansio, “a burgue- invade todo o globo” para “estabelecer-se em toda parte, explorar em toda parte, criar vineulos em toda parte”. Eles prosseguem: Pela exploragio do mercado mundial 2 burguesia imprime um carSter cosmopolita & produgio ¢ a0 consumo em todos os paises. Para desespero dos reacionarios,retiou a indistria sua base nacional. As velhas indtstrias nacionais foram destrufdas € continuam a s@-lo diariamente. Sao suplantadas por novas indistrias, cuja introdugao se torna uma questio vital para todas as nagdes civilizadas, inddstrias que nio empregam mais matérias-primas locais, mas matérias-primas vindas das regides mais distantes, ¢ cujos produtos se consomem no s6.no proprio pais, mas também em todas as partes do globo. No lugar das antigas nevessidades, satisfetas pelos produtos nacionais, nascem novas necessidades, que exigem para sua satisfagio 05 produtos das regioes mais longinguas e dos climas mais diversos. No lugar do antigo isolamento de regides € nagdes que se bastavam a si mesmas, desenvolve-se um intercimbio universal, uma interdependéncia universal das nagoes. E isto se refere tanto a produsio material como & produgio intelectual. As criagbes intelectuais de uma nagio tornam-se propriedade comum de todas. A estteiteza e 0 exclusivismo nacional tornam-se cada vex. mais impossiveis; das inimeras literaturas nacionais e loca, nasce uma literatura universal. Se essa no é uma descrigéo precisa da globaliza- lo, dificil imaginar uma outra. E precisamente sobre a base dessa andlise nasceu o imperativo “trabalhado- res de todos os paises, uni-vos”, como uma condigio necessiria para a revolugéo anticapitalistae socialist, Depois de Marx e Engels foram elaboradas virias interpretagdes da estruturagio geogrifica do capita- lismo (a teoria de Lénin sobre o imperialism, aposigio de Rosa Luxemburg sobre o imperialismo como sal vagio da acumulagio capitalista, as teses de Mao sobre as ontradigbes primérias esecundarias na lua de clas- ses). Essas teses foram sucessivamente integeadas a coutras, mais sintéticas, sobre a acumulagio em escala mundial (Amin), sobre a produgio de um sistema ‘mundial capitalista (Wallerstein), sobre desenvolvimen- toe subdesenvolvimento (Frank e Rodney). Enquanto as idéias ¢ as préticas politicas marxista se dfundiam em todo o globo (em um processo paralelo de global- zagio da luta de classes), apareciam inumerdveis motivos de resistencias &s invasdes efissuras provoca- das pelo captalismo. Um pequeno grupo de pensadores ¢ politicos fixou a propria atengao nas diferencas regi- onais e nos processos urbanos como parte de um desigual desenvolvimento geografico do capitalismo (sejam as forcas produtivas, sejam as relacées sociais) no espaco. O cefeito desse processo é o reconhecimento do faro de que a base da luta de classes € freqiientemente especifica de um lugar, e que o universalismo a que 0 sociaismo aspira deve construit-se negociando entre necessidades, aspiracGes e interesses que sio diversos segundo os lugares. Como bem compreendeu Ray- mond Williams, a base das politica socialist consiste naquilo que ele chama de “particularismo militante”, que assim entendia: ‘0 cariter nico ¢ extraordindrio da auto-organizagio dda classe operatia [.] € colocar em relagio as lntas particulares com a luta geral de uma maneira especial Os trabalhadores conseguiram, como movimento, concretizar aquilo que & primeira vista parece quase inrealizavel, isto €, que a defesa e o avango de certos Interesses particulares, sustentados juntos de maneira apropriada, sfo de fato de interesse geral A conseqiiéncia, que muitos socialistas sio talvez renitentes em aceitar, € a seguinte: Uma nova teoria do socialismo deve ter hoje como ponto central 0 espago. Precisa recordar a velha afirmagio de que o proletariado no tinha patria, 0 que 0 diferenciava das classes detentoras da propriedade. Mas o espago hoje tornou-se um ‘elemento crucial no processo de soldagem — talvez mais para a classe operdria que para os capitalistas — +a causa da explosio da economia internacional e dos ‘efeitos destrutivos da desindustralizagio nas velhas comunidades, Quando o capital se move, @ importancia do espago se torna muito mais clara, Nao é minha intengdo fazer aqui a resenha de toda a vasta literatura que se ocupa dos aspectos es- paciais ¢ geogréficos do desenvolvimento capitalista (considerando-se que isso fosse possivel). Mas penso gue ¢ importante reconhecer uma série de tenses € de compromissos as vezes incdmodos no interior da tradigio marxista, que versam sobre a interpretagio tedrica e politica das dinamicas geograficas da acu- ‘mulagao capitalistac da luta de classes. Quando, por exemplo, Lénin e Rosa Luxemburg se confrontavam. sobre questdes nacionais, ou na vasta controvérsia sobre a possibilidade do socialismo num s6 pais (ow talvez em uma s6 cidade), quando a Segunda Inter- nacional veio a pactuar com o nacionalismo por casio da Primeira Guerra Mundial, e sucessivamen- te a Komintern forneceu diversas ¢ inconstantes interpretagdes do principio do internacionalismo, 0 movimento social-comunista no mais conseguiu ela- borar — em via politica ou teérica — uma prépria e satisfat6ria interpretagio das dinimicas geogrificas da acumulagio capitalista ¢ dos fundamentos geopo- liticos da luta de classes. Uma andlise acurada da ret6rica do Manifesto in- dica uma das principais origens do dilema, Enquanto & claro na passagem citada que a pretensio burguesa de dominio de classe era um assunto geografico, 0 quase imediato retorno no texto a um motivo pura- mente temporal ¢ diacrdnico é verdadeiramente impressionante. Torna-se muito dificil ser dialético nos confrontos do espago, deixando muitos marxistas de fato constrangidos em seguir Feuerbach, que pensa que 6 tempo “€ a categoria privilegiada pelos dialéticoss, enquanto este exclu ¢ subordina, 0 espago tolera e coordena”. Até a expressio “materialismo histérico” — agrada-me notar — reduz o significado da geogra- fia, ¢ lureinos dltimos anos para o reconhecimento da idéia de um “materialismo historico- geogrifico”, na conviegio de que a mudanca de terminologia nos in- duz a olhar com maior flexibilidade e — espero — também com maior empenho o significado de classes de processos como a glo- 0 no interior de um espaco internacional de fluxo de capitais, trabalho, informagio por sua vez resultante de inumerdveis espagos menores, cada um com as pr6- prias caracteristicas, Se analisarmos em profundidade ‘© que € descrito no cléssico de Edward Thompson, The Making of the English Working Class, veremos que se trata de uma série de acontecimentos locaiza- dos com precisio e com freqiiéncia s6 vagamente reportados no espago. Foster talvez tena tornado um pouco mecinicas as diferengas na sua intervencio sobre Class Struggle in the Industrial Revolution, mas acredito que seja ine- balizacio e o desigual de- senvolvimento geografico. No meu trabalho cori no esforgo-me para aplicar a dialética ao conceito de espaco-temporalidade (ea fusio dos dois termos pa- rece-me bastante signifi- cativa) precisamente por- que julgo evidente a a necessidade de utilizar ins- trumentos mais sofistica- dos para procurar enten- der — se no resolver politicamente — a tensio interna as varias elabora- «bes marxista entre aquilo ‘que muitas vezes degene- ra ou numa teleologia | temporal de triunfalismo classsta (agora por outro Que significado atribuir ao fato de que, mesmo entre muitos “progressistas” ou “de esquerda” no mundo do capitalismo avangado, algumas palavras como“imperialismo”, ‘colonialismo” € “neocolonialismo” foram progressivamente ignoradas em favor do termo “globalizacao” como instrumento para organizar 0 pensamento e estruturar alternativas politicas? gavel que a estrutura de classe, a consciéncia de classe e a relativa politica de Oldham, Northampton «South Shields (como po- deria ser Colmar, Lille e St. Etienne, ou mesmo Min- neapolis, Mobile e Lowell) foram construidas sob base diversa e funcionavam de maneira distinta, tornando a diferenca geogrifica no terior do Estado nacio- nal um elemento mai importante do que @ mai- oria dos estudiosos esteja disposta a admitir. Essa rmaneira de pensar est fa- miliarmente perpetuada nos estudos marxistas $o- bre o capital, que fazem Jado amplamente negado pelo triunfalismo da burguesia que proclama o fim da histéria) ou numa — se supe — incoerente ¢ incon- trolada fragmentacio geogréfica da luta de classes ¢ de outras formas de luta social em cada Angulo mini: mo do mundo capitalista. Na pratica, até mesmo as prestagées de contas di- acrOnicas das lutas de classes sio para a maioria vinculadas territorialmente, ainda que ndo nos preo- cupe muito justficar as dvises geogrificas sobre as ‘quais so baseadas. Assim, temos inumerdveis andlises da formacio da classe operiria inglesa, francesa, ale- ‘mi, italiana, cata, sul-coreana ou sul-africana como se fossem entidades geograficas naturas. A atengio se centra sobre o desenvolvimento das classes no interi- or de determinadas dreas bem definidas que, se observadas mais de perto, se revelam como um espa- parecer que nao havia dis- tintas versbes — alemao, inglés, japonés, americano, sueco ou brasileiro (talvez também fragmentado em uleriores regionalismos, como o Norte contra o Sul na Itilia, Brasil ou Gra-Bretanha) — todos em compe- tigdes uns com os outros no interior de um espaco econémico global. Essa tensio interna a tradicio mar- xista€ assim enfrentada, De uma parte, io relagdes privadas de definigdes espacial e geograficamente in- diferenciadas (e nests tempos tém cardter mais te6rico, mesmo que ainda possam se encontrar versées polé- micas e politicas) que entendem 0 desenvolvimento capitalista como um puro processo temporal. ‘A uta de classes € descrita como um fato de ex- ploragio de uma classe sobre outrae a histria é vista como o resultado dessa luta. De outra part, existem exposigdes geogrificas nas quais as aliancas de classes (que as vezes incluem uma classe operéria caracteriza- da por aquilo que Lénin condenava como uma limitada consciéncia sindical) se formam em lugares determi- nados a fim de desfrurar de aliancas de classes num outro lugar. A justiicacio tedrica de uma andlise que coloca sobre um mesmo plano a exploragio de uma classe por outra e a exploracao de um lugar por outro, nio é mais tida como muito convincente. E o postula- do de que as lutas para liberar os espacos (os movimentos de libertagao nacional, por exemplo) si0 progressistas e vo no mesmo sentido das lutas de clas- ses no resulta mito convincente para uma andlise mais fechada. Existem de fato varios exemplos que confundem um tipo de luta com outro, Como pode mos entio resolver o problema? Um dos elementos que o termo “globalizacio” hoje coloca em evidéncia é — acredito — a profunda reor- ganizacio geografica do capitalismo, de modo que muitos dos pressupostos acerca das unidades geogré- ficas *naturais” no interior das quais se desenvolve a ‘wajet6ria historica do capitalismo se tornam sempre ‘menos significativos (se nunca o foram). Estamos hoje diante da oportunidade hist6rica de enfrentar 0 pro- bblema da geografia do capitalismo, de ver a produgio do espago como momento constitutivo no interior das dindmicas da acumulagio do capital eda luta de clas- ses. Num certo sentido, € para o marxismo a ‘oportunidade de emancipat-se de uma prisio no inte- rior de uma espacialidade escondida, que teve 0 obscuro poder de determinar a lgica do nosso pensa- mento ¢ do nosso agir politico. Poder-se-4 assim também entender melhor como as lutas de classes eas tas interespaciais podem confundir-se e confrontar- sitar a uta de classes através do principio do divide et impera ge- cogtifico das préprias lutas. Por outra parte, temos a posibilidade de compreender as contradigoes espaco- temporais inerentes ao capitalismo e — com a certeza dessa compreensio — colocar-nos em melhor situagio para aproveitar o menor vinculo ¢ fazer explodir os piores horrores do capitalismo, sempre inclinado a des- truigio violenta, ainda que “criativa”. se com a capacidade do capitalismo de De que maneira podemos, entéo, nos comportar no plano politico no tedrico? ‘Comeco com as propostas mais simples que posso encontrat. Existem tensdes duplas, profundamente ra- dicadas no processo de circulagio do capital, que periddica e ineluravelmente afloram como momentos de forte contradigio. Primeiro: o capitalismo se vé levado pelo impulso de acelerar o tempo de rurn-over para tornar mais veloz 4 circulagio de capital e com isso revolucionar os ho: rizontes temporais do desenvolvimento. Mas s6 pode fazé-lo com investimentos a longo prazo (por exem- plo, para modificar o ambiente, para construir as infra-estruturas necessatias 4 produgio, a0 consumo, A troca, A comunicagio, etc.). Uma estratégia muito conhecida para evitar as crises, por sua ver, & aquela de absorver o capital superacumulado usando-o para projetos a longo prazo (as famosas “obras piblicas” langadas pelo Estado em periodos de depressio, por exemplo), mas isso desacelera o tempo de turn-over do capital. Em conseqiiéncia, existe um extraordiné- rio aparato de contradigdes que versam sobre questies do horizonte temporal dentro do qual fun- cionam os diversos tipos de capital. Historicamente, mas também os nossos dias nao so excegdo, a tensio. € expressa nas contradigbes entre dinheiro e capital financeiro de uma parte e, de outra, o capital comer- cial, da manufatura, da agricultura, das informagoes, das construg6es, dos servicos e do Estado, Mas po- dem surgir contradigées também entre singulares divisdes, por exemplo, entre moeda e mercado de bol- sas, ou entre agricultores e especuladores. Existe, por ‘outta parte, toda uma série de mecanismos que pet mitem coordenar as dindmicas capitalistas operantes sobre diversas escalas e ritmos temporais. Mas o de- senvolvimento desigual de tempos de rurn-over ¢ temporalidade, do tipo resultante da recente implo- sio dos horizontes temporais no poderosissimo setor financeiro, pode criar uma indesejada compressio tem- poral, capaz de colocar severamente sob stressas outras divisbes do capital, inclusive naturalmente aguele in- tegrado no Estado. E resulta dbvio que 0 stress se exerctard de maneira ainda mais severa sobre os tra- balhadores e sobre todo o setor da reprodugio sécio-ecoldgica. Esse tem sido um dos pontos cruciais da economia politica nos iltimos vinte anos, Segundo: o capitalismo ¢ levado a eliminar todas as barreiras espaciais e “aniquilar o espago através do tempo”, como disse Marx, mas s6 0 pode fazer por meio da produgio de um espago fixo. O capitalismo, por isso, produz uma determinada paisagem geografi- cca (em termos de relagoes de espago, de organizagao territorial e de sistemas de lugares correlatos em uma ivisio “global” do trabalho e das func6es) apta & sua historia, para depois destrut-la e reconstrui-la para adaptar-se & acumulacio em um momento sucessivo indmica de acumulagio de um dado momento da sua» i alg esse processo se distinguem diversos aspectos: a) reduzir custos ¢ tempos dos destocamentos no espago tem sido sempre um ponto central da inovagao. tecnolégica. Barragens, canais, ferrovias, automéveis, vides a jaro tm progressivamente facilitado 0 movi- mento de mercadorias e pessoas frente as constrigées da distancia. Inovagoes paralelas no sistema postal, 0 telégrafo, o ridio, as telecomunicagoes ¢ agora a rede informitica mundial reduziram os custos das transfe- réncias das informagGes até quase a zero; b) a construgio de in- fra-estruturas fisicas fixas destinadas a facilitar 0 movimento de pessoas e mercadorias, assim como asatividades de producio, de troca, de distribuicio e consumo, exercem forgas diferentes sobre a paisa- ‘gem geogréfica. Uma cora sempre maior de eapital é fixada no espago, criando uma “segunda natureza” € uma estrutura de recursos ‘organizados sob base geo- grifica, que inibe sempre mais a trajetoria do desenvolvimento capitalista, ‘Aiidéia de que alguma coisa em uma noite faca sumir a infra-estrutura urbana de Tokio-Yokohama ou de New York para recomecar tudo de novo é simples- mente ridicula, O efeito é tornar sempre mais esclerosada a paisagem geogrifica do capitalismo, cr- ando assim uma forte contradigio com a crescente liberdade de movimento; J oterceiro elemento éa construgio da organiza- io territorial: em primeiro lugar (se nao somente) 0 poder do Estado de cunhar moeda, legisla, exercitar cio politica e monopolizar os meios de coercio ¢ pres- sio segundo um querer soberano. Hi de qualquer ‘modo virias teorias marxistas do Estado — muitas das quais empenhadas num insano grau de abstracio da histéria e da geografia — que consideram Estados como 0 Gabao e a Libéria no mesmo plano da Alema- aha ou dos Estados Unidos, ignorando o fato de que a Iaior parte das fronteiras dos Estados existentes no mundo foi tragada entre 1870 ¢ 1925 (¢ uma boa me- tade foi resolvida arbitréria ¢ unilatcralmente pela Franga e Inglaterra). A maioria dos Estados existentes se tornou independente s6 depois de 1945. Assim, por Nos iiltimos vinte anos 0 termo “globalizag4o” tornou-se uma palavra-chave para organizar nosso pensamento sobre © funcionamento do mundo. Como ¢ por que chegou a ocupar um lugar assim central no nosso vocabulario € uma historia muito interessante. ser verdade que 0 Tratado de Westfalia estabelecen pela primeira vex o principio de que no mundo capi- talista podem coexistir Estados soberanos independentes, que reciprocamente reconhecem ple- na autonomia e integridade territoriis, 0 processo que leva a globalizar a organizacio territorial do mundo com base naquele principio tem exigido vrios séculos para completar-se (no sem uma boa dose de violéncia). E os processos que deram lugar Aquele sistema podem, entretanto, facilmente dissol- vé-lo, como alguns obser- vadores afirmam estar acontecendo. Logo, ocorre entender os processos de formagées € dissolugies dos Estados em termos de processo de globalizacio, Descobre-se entéo um pro- cesso de territoralizacio, de desterrtorializacio e de reterritorializagio conti- nuamente cm ato através dda geografia historica do capitalismo. De posse desses concei- tos € possivel — acredito — entender mais a fundo 0 processo de globalizacio como um processo de produgio de desigualdade tem- poral e geogrifica no desenvolvimento, E, como espera poder demonstrar, a mudanca de linguagem pode ter sadias conseqiiéncias politcas, abandonando-se 0 tre- mendo pessimismo que Perry Anderson propés ¢ reportando-nos a discussio de algumas tangiveis pos- sibilidades politicas. ‘Tendo bem presente tudo isso, voltemos aquilo que © termo “globalizacao” pode significar ¢ por isso assumiu tanta importéncia recentemente. Antes de tudo, existem trés elementos para evidenciar: 1. A desregulacao financeira se iniciou nos Esta- dos Unidos nos primeiros anos da década de setenta como resposta forgada 3 estagflacao interna e queda do sistema de Bretton Woods que controlava 0 co- mércio e as trocas internacionais (devido em boa parte a0 crescimento nao-controlado do mercado dos euro- délares). Penso que é importante reconhecer que a ‘onda de_desregulagio financeira nio foi tanto uma deliberada estratégia do capital, mas uma concessio a realidade, mesmo se certos segmentos do capital ga- nnharam mais que outros. Mas se Bretton Woods era um sistema global, aquilo que aconteceu realmente foi a passagem de um sistema global largamente con- trolado pelos Estados Unidos para um outro sistema global mais descentralizado ¢ coordenado por meio do mercado, com o efeito de tornar as condigdes fi- nanceiras do capitalismo muito mais instaveis voliveis. A retérica que acompanhou essa mudanca 6 largamente responsavel por ter apresentado 0 termo “globalizagio” num sentido enormemente positvo, Nos meus momentos mais cinicos, me pego a pensar que foi a imprensa financeira, a tapear tudo em volta (me incluo),fazendo-nos erer que a “globalizagio” era uma novidade, enquanto nio era mais do que um tru- que publictdrio para realizar melhor os ajustamentos necessérios ao sistema financeiro internacional. 2. O sistema de comunicacdo de massa e sobre- tudo a assim dita “revolucio informatica” tém introduzido mudangas significativas nas organizagGes da produgio ¢ do consumo e na definigio de necessi- dades ¢ exigéncias totalmente novas. A “des- materializagio do espago” teve origem no interior do aparato militar, mas foi imediatamente retomada pelas instituig6es financeifas e de capital internacio- nal como meio para coordenar instantaneamente as suas atividades no espago. Teve o efeito de formar tum assim dito “cyber-espago” no qual realizou cer- tos tipos de importantes transagbes, sobretudo as financeiras ¢ especulativas. Mas chegamos também a ver guetras e revolucdes a0 vivo pela televisio e en- contramos um espago medistico que implodia num mundo em que a monopolizacao do poder dado pelos mass media tornava-se um problema sempre mais grave, A idéia de uma “revolugao da informacéo” esté potentemente presente em nossos dias. bastante facil exagerd-la. ‘Anovidade causa uma notavel impressio, mas em seu tempo também as ferrovias€ o telégrafo, 0 auto- movel, 0 radio e a televisio causaram de fato uma impressio nio menor. Tais exemplos séo instrutivos, nna medida em que cada um dele, & sua prépria ma neira, mudou o mundo, a politica, as relagdes sociais entre os homens e até as relagdes entre as coisas. E é claro que as relagdes entre vida ereabalho, no interior dlos postos de trabalho, na formas culturais, esto mu dando muito rapidamente em resposta a tecnologia informatica. E interessante notar que isso constituiu tum elemento importante do programa politico da di- reita nos EUA. As novas tecnologias — afirma Newt Gingrich (com o aval de Alvin Toffler, cujo utopismo de direita se funda na idéia de uma terceira onda re- volucionsia informatica) — sio intrinsecamente emancipadoras, mas a fim de liberar as forcasliberta- doras das correntes politicas é necessdrio realizar uma revolucio que desmantele todas as instieuigbes da s0- ciedade industrial de “segunda onda”, a intervengio governamental, o Estado de bem-estar, a contradigao coletiva dos salérios, etc. Essa é uma versio vulgar da idéia marxista de que as mudancas nas forgas produti- vas incidem sobre realizagbes sociais e nio devemos perder de vista a histéria. 3. Custos e tempos de transporte das mercadorias, sio também diminufdos de maneita notabilfsima, em outra daquelas mudancas que sio periodicamente ve- tificadas na hist6ria do capitalismo. Essas trés mudangas no processo de globalizagio vém acompanhadas de outras importantes mudangas que delas derivam: 1) a producao e as formas organizativas do capital — sobretudo a multinacional — mudaram, aprovei- tando-se plenamente das redugées dos custos no deslocamento de mercadorias e informagies. A des- localizagio da producto — a iniciada nos anos sessenta —de repente generalizou-se. A dispersio geogtéfica e a fragmentagio dos sistemas produtivos, da divisio do trabalho e das especializagées das fungies, se de- ram pari passu a0 aumento da centralizacio do podet das grandes corporagées. Blas derém hoje em medida maior o poder de dominar o espago, tornando cada lugar sempre mais vulnerivel a seus caprichos. A tele- visio global, o auromével global romaram-seum aspecto cotidiano da vida politco-econémica, Fechar uma fé- brica em um lugar para abrir uma outta em qualquer outro tornou-se uma hist6ria também muito familiar — existe produgBes em larga escala que foram des- locadas quatro ou cinco vezes nos tiltimos vinte anos, 2)a forga de trabalho assaariada do mundo é mais do que duplicada em menos de vinte anos. Iso se deve ‘em parte ao répido aumento da populacio, mas tam- bém porque foram levados a0 trabalho assalariado estratos sempre mais amplos da populagéo mundial, por exemplo na Coréia do Sul, Taiwan, na Africa ¢ também no ex-bloco soviético. O proletariado global € agora muito mais amplo do que nunca, mas geogra- ficamente disperso e por isso dificil de organizars 3) também a populagio global es em movimento. NR INR (0s EVA tem hoje @ mais alta proporgio de cidadios de origem estrangeira nascidos no pais desde 1920 «, nao obstante todas as tentativas de bloqueio, pare~ ce impossivel deter o fluxo migrat6rio. Os limites dos Estados sio mais permedveis ao capital que a0 trabalho ¢ as pessoas, mas em cada caso sio suficien- tes. Londres, Paris, Roma tém hoje muito mais imigrantes do que no passado e a imigragéo tornou se um problema delicado em todos os lugares. Organizar a forca de trabalho diante de notaveis di- versidades étnicas e culturais se torna um problema de dimensées particulares; 4) a urbanizagio foi rapidamente convertida em hiperurbanizagio, sobretudo depois de 1950, quando orritmo acelerado da urbanizacio deu lugar a uma im- portante revolugio ecoldgica, politica, econdmica € social na organizacio espacial da populagio mundial. [A proporcdo de populacdes urbanas a nivel mundial é duplicada em trinta anos e hoje se pode observar uma rmaciga concentracio espacial numa escala antes con- siderada inconcebivel, Organizar a luta de classes, em Manchester ou Chicago nos anos de 1870 era uma questéo muito diferemte de organizar hoje as massas de Sao Paulo, Lagos, Shanghai ou Bombaim, com os seus vinte milhoes de habitances; 5) aterritorializagio do mando mudou nao s6 por- gue terminou a guerra fria. Talvez 0 elemento mais importante tenha sido o diferente papel do Estado, que perdeu alguns (Ge nio todos) os poderes tradicionais para o controle da mobilidade do capital, sobretudo financeiro e monetirio. As atividades estatais foram entio mais estreitamente submetidas 20 capital finan- ceiro. As operagdes foi atribuido o nome de ajustamento, estrutural ¢ austeridade fiscal, € 0 Estado assumi a ta- refa de criar um clima favoravel aos negocios. A “tese da globalizagao” tornou-se um poderoso instrumento ideolégico para golpear os socialstas, o Estado social, ‘0s nacionalismos, etc, Quando o Labour Party inglés foi forgado a sucumbir aos ditames do FMI ea aceitar a austeridade, tomnou-se evidente que existiam limites 4 soberania nacional em matéria de politica fiscal (uma situagio que também os franceses foram forcados a reconhecer depois de 1981). As medidas do Welfare para os menos afortunados foram largamente substi- tuidas por subvengées piblicas a0 capital (a Mercedes Benz recentemente recebeu uma subvengio de duzen- tos e cingiienta milhées de délares do estado do Alabama para instalar-se ld); 6) mas enquanto cada Estado perdeu alguns dos seus poderes, aquilo que eu chamo de democratiza- ‘Gao geopolitica criou nova oportunidade. Tornou-se mais dificil para 0s poderes ocultos exercitar a disc plina sobre os outros, enquanto para os poderes periféricos tornou-se mais fail se inserit no jogo das. ‘competigdes capitalistas. O poder financeiro é “cin co e nivelador”, mas — como observa Marx — dele deriva uma potente antinomia. Enquanto qualitati- vamente “a moeda nao softe limites & sua eficdcia”, os limites quantitativos & moeda dispontvel nas mos dos individuos (e dos Estados) aumentam ou dimi- nuem de maneira importante o poder na sociedade. Gracas & desregulagio financeira, por exemplo, foi impossivel evitar que o Japao exercesse uma grande influéncia na sua qualidade de maior poder financei- 10. Os Estados foram depois forcados a se preocupar com sua competitividade (um tema secundério que se tornou muito importante). Os Estados competiti- vos podem obter bons resultados no interior da competi¢io mundial — ¢ isso significa que Estados caracterizados por baixos salarios e forte disciplina freqiientemente 0 fazem melhor do que outros. O controle da forga de trabalho tornou-se por isso um problema ideol6gico vital, repelindo defensivamen- te_as argumentagdes /aro sensu socialistas. Consideradas as tendéncias atuais, podem-se co- locar duas questdes mais amplas. Enquanto todos estio de acordo — acredito en — sobre as mudangas qualitativas que se verificaram, o que devemos real- mente discutir é se essas mudancas quantitativas S40 bastante grandes e sinergéticas para nos situar numa cera qualitativamente nova do desenvolvimento capi- talista, que exige uma revisio radical dos nossos conceitos tedricos e dos nossos aparatos politicos (para ndo falar das nossas aspiracées). A idéia de que seja esse o caso é indicada principalmente por todos (0s “pds” gue vemos a nosso redor: pés-industrialis- ‘mo, pés-modernismo, pés-estruturalismo. Podemos dizer entao que houve uma transformacao qualitati- va forjada nas bases das modancas quantitativas? ‘A minha resposta pessoal é um “sim”, imediatamen- te acompanhado da afirmagdo de que nio se verificou nenhuma revolugao fundamental nos modos de pro- dugdo e nas relagdes sociais que dele derivam, e que, se existe algum trend qualitativo real, ele se dirige para a reafirmagio dos valores capitalistas tipicos do século XIX, acompanhada por uma inclinagio do século XXI para uma deliberada marginalizagao de largos segmentos da populagio mundial a respeito das dinamicas de base da acumulagio do capital. Se se quer tomar seriamente a hipstese de uma limitada mudanca qualitatva, é preciso discutir como reformar seja a teoria, seja a politica, E aqui a minha proposta de passar do termo “globalizagio” a0 de “desigual desenvolvimento espaco-temporal” do ca- pitalismo assume toda sua relevincia, O primeiro ponto que a esquerda deve levar em consideragio em todas essas mudangas é que a posi- go relativamente privilegiada da forca de trabalho nos paises de capitalismo avan- ‘cado foi hd muito reduzida no que diz respeito as con- digdes de trabalho no resto do mundo. Um segundo onto diz respeito as con- digdes de vida no capita- lismo avangado, que tem experi- mentado a plena discrepancia da capacida- de de “destruicao criativa” do capital, o que torna ex tremamente fracas as pros- pectivas econdmicas lo- cai, regionais e nacionais (a cidade que esté em pleno oom este ano pode tomar-se zona de depressio no ano seguinte). A esquerda justfica essa situagdo de- clarando que a mao oculta do mercado conseguira em definitivo 0 beneficio para todos, porque tem a mes- ‘ma ingeréncia possivel por parte do Estado (e, deveriam acrescentar, mas normalmente nio o fazem, por parte dos monopélios). £ uma forma “vulgar” de argumen- tagio econdmica, mas deveriamos estar conscientes do grande poder das argumentagoes vulgares e da impor- tincia ideoldgica de nova posicio da direita, que vé as ‘mudangas nas forgas produtivas como apelo a politicas revolucionsrias, © movimento socialista deve decidir que uso fa- zer dessas possibilidades revolucionatias, nao s6 como instrumentos de organizagio da luta de classes, mas também para a construgio de uma sociedade socialis- ta ecologicamente consciente, Mas, ainda mais sighi- ficativamente, 0 movimento socialista deve enfrentar as ondas extremamente poderosas do desigual desen- volvimento espaco-temporal que torna assim preciria e dificil a organizagao. Todavia, exatamente no mes- ‘mo sentido em que Marx via a necessidade de que todos os trabalhadores do mundo se unissem contra Nao existe uma s6 regio no mundo na qual nao se possa encontrar manifestagdes de 6dio e de descontentamento contra o sistema capitalista, e em certos lugares os movimentos anticapitalistas estio solidamente implantados. a globalizagio da burguesia, assim o movimento so- cialista deve encontrar a mesma flexibilidade demonstrada pelo capitalismo seja no campo te6ri- 0, seja na pritica politica Acredito que exista uma maneita itil para se co- ‘mecar a pensar nesse sentido. Devemos, antes de tudo, Perguntar-nos em que parte comegat com a luta an~ ticapitalista. A resposta é: em toda parte, Nao existe uma s6 regio no mundo na qual nao se possam en- contrat manifestag6es de ddio e de descontentamento contra 0 sistema capitalista, e em certos lugares os ‘movimentos anticapitalis- tas estdo solidamente implantados. Certos “par- ticularismos militantes” locais (e aqui retorno de- liberadamente a frase de Raymond Williams) sio encontrados em toda par- te: das milicias dos bos- ques de Michigan, que sio violentamente contra 0 capitalismo ¢ as grandes corporagées, mas também fechadas e racistas, até os ‘movimentos de indios brasileiros contririos aos pro- jetos de desenvolvimento do Banco Mundial. Se analisamos com cuidado os intersticios do desigual desenvolvimento espago-temporal do capitalismo, en contraremos um auténtico fermento de oposigdes. ‘Mas clas, ainda que militantes, freqiientemente sio Particularistas, as vezes de maneira extrema, Falta coesio € direcio, a agdo de umas vai confundir-se ou chocar-se com a de outras, e assim se torna até muito facil para os interesses dos capitalistas conseguir do- minar na base do divide et impera. Historicamente, a forga do movimento marxista consiste em conseguir coordenar lutas diversas com objetivos varios e divergentes, convergindo-as no sen- tido de um movimento anticapitalista universal com uum objetivo global. Inspirando-se nessa tradicgio, po- demos nuclear alguns argumentos que parecem particularmente adaptados & conjuntura atual, © tra- balho de sintese deve continuar, dado que o terreno de luta esta em perpétuo movimento seguindo as mu- dangas da dinamica capitalista e das condigdes globais. A tradigio marxista tem uma imensa contribuigao a dar nesse trabalho de sintese, porque tem introduzido 0s instrumentos que permitem recuperar aquilo que é comum no interior de multiplicidades e diferencas, ¢ NR de ideutificar as condigées primérias, secundérias tet- cifrias das opressées e da exploragio. Esse trabalho std hoje renovado. Hoje devemos antes de tudo entender a produ- gio do desigual desenvolvimento espaco-temporal ¢ as intensas contradigées que existem nese campo, tio s6 para as trajet6rias do desenvolvimento capi- talista (que incluem uma boa mistura de autodestruigio, desvalorizagao e bancarrota), mas também para as populacoes sempre mais vulneriveis A violencia do desemprego e da miséria, ao colapso dos servigos, a degradacio da qualidade de vida e do ambiente, E necessirio superar os particularismos, salientar os modelos e estender as anélises até abra- gar toda uma multiplicidade de problemas, Devemos demonstrar como problemas tio diver- sos como a aids, o feito estufa ea degradacio ambiental, a destruigao das tradigées culturais locais sio sobretudo quest6es de classe € como a formagio de uma comuni- dade no processo de lura de classes pode aliviar as condigdes de opressio na medida em que abrange um vasto espectro de situagbes socias. Esta no € uma defesa do pluralismo, quero sublinhar, mas um instrumento do ual temos nevessidade para desvelar o conte‘ido de clas- sc de uma ampla série de ag6es anticapitalistas. “Todos por um e um por todos” continua sendo um slogan vital para qualquer acio politica que se queia eficaz. Ess tra- balho de sintese deve, todavia, tomar a radicar-se nas ‘condigies orginicas da vida coridiana, Iso no significa abandonar as abstragbes que Manx e 08 marxistas nos deixaram como heranca, mas revalorizar tas abstragGes rmergulhando-as na lutas populares, algumas das quais podem nio parecer proleticias no sentido tradicional- mente dado a esse termo, A esse propésito, o marxismo deve combater as proprias tendéncas interns &esclero- se, 0 préprio capital fixo e enraizado de conceitos, instituigdes, priticas e politicas que podem funcionar de ‘uma parte como recurso excelente € de outra como bat reir dogmatica ago, Pare do trabalho de um congress como o nosso € discernir 0 que € util e 0 que nao o é mais, seria estranho se de ver em quando as discusses sobre esse tema nao fossem dsperas.F,afirmo, devemos farg-las, Para terminar, quero salientar ainda um ponto. 0 método tradicional de intervengio marxista passou ‘por um partido politico de vanguarda, Mas surgiram dificuldades pela sobreposicio de um inico objetivo, cde um propésito especifico sobre alguns movimentos anticapitalstas que tém uma multiplicidade de objet vos; como muitos outros comentaram, a confianca ‘emancipatéria do marxismo criou o perigo da sua pré- pria negacio. Libertar a humanidade em vista do seu esenvolvimento significa abrir-se 3 producio de di- ferengas, até dar lugar a contestag6es no interior e entre as singulares diferencas, antes que suprimi-las (este € «um dos argumentos da direita e devertamos levar em consideragio o seu poder). Real enquanto oposta & ‘mercamtilizagio cultural, a divergéncia, por exemplo, pode ser, entretanto, facilmente interpretada como re- sultado da luta anticapitalista ou como oposta & produgao de uma pessoa socialista unitaria e homogé- nea, Depois de tudo, 0 capitalismo foi uma forga hhegemdnica para a produgio de uma pessoa capitalis- ta relativamente homogénea € sobre isso se concentraram os sentimentos anticapitalistas. A causa socialista deve ser seguramente a favor da emancipa- Gio daquela branda homogeneidade como 0 é acerca da criagio de condigdes anilogas. Mas na situagio atual temos ainda a necessidade de uma vanguarda. Nio temos, por outra parte, necessidade de um pat- tido que imponha um objetivo espectfico. O trabalho de sintese — € cu vejo este congresso como um gesto bem-vindo nessa direcio — deve prosseguir. Sobre isso deve-se concentrar o trabalho de uma organiza- cio politica de vanguarda, e nio é pouco. Agora, a0 trabalho!

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