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Educação, formação profissional docente

e os paradigmas da ciência

Education, professional teacher


education and the paradigms of science

Ana Cristina Gipiela PIENTA1


Danilene Donin BERTICELLI2
Maria Dagmar da Rocha GASPAR3
Marilda Aparecida BEHRENS4

RESUMO: O objetivo deste artigo é propor uma reflexão sobre os paradigmas da


ciência e o desafio da educação. A educação vive diversas crises resultantes de tendênci-
as pedagógicas que historicamente permearam as práticas de ensino e aprendizagem. No
texto, procuramos identificar as influências e manifestações dos paradigmas da ciência
no pensamento e nas práticas pedagógicas. Relatamos a nítida presença do pensamento
newtoniano – cartesiano influenciando as pedagogias conservadoras, conferindo ao
trabalho pedagógico a função reprodutora do conhecimento, através de práticas frag-
mentadas e mecanicistas. Em seguida, propomos a superação desse modelo por meio da
aliança entre paradigmas inovadores com características progressistas, fundamentadas
no paradigma da produção do conhecimento. Mostramos que, aliando dimensões ante-
riormente dissociadas, como razão e emoção, é possível cumprir o compromisso com a
formação do indivíduo sistêmico, a qual supera o modelo exclusivamente intelectual.
Concluindo a reflexão, nos questionamos: o que está faltando para que o profissional da

1
Especialista em Organização do Trabalho Pedagógico pela Universidade Federal do Paraná.
Pedagoga da Gerência de Capacitação Profissional da Secretaria Municipal da Educação de
Curitiba. Professora do Departamento de Planejamento e Administração Escolar da Uni-
versidade Federal do Paraná – UFPR. E-mail: anacgp@pop.com.br
2
Graduada em Ciências – Habilitação em Matemática – pela Universidade Paranaense.
Professora do Ensino Médio de Matemática e Física em Palotina. E-mail:
berticelli@qinfonet.com.br
3
Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal do Piauí. Especialista em Infecção
Hospitalar pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professora do curso de Enfer-
magem da Universidade Estadual de Ponta Grossa. Enfermeira do Hospital Santa Casa de
Misericórdia, em Ponta Grossa. E-mail: mdagrocha@yahoo.com.br
4
Doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora do
Programa de Mestrado em Educação da PUCPR. E mail: marilda.aparecida@pucpr.br

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educação esteja apto a atuar sem sofrer as conseqüências dessas mudanças? O que
precisa ser feito para que sociedade e escola andem lado a lado na busca de uma forma-
ção que prepare o aluno para a ciência e para a paz? Apontamos, portanto, a necessida-
de de reflexão acerca das práticas de formação de professores e a urgência de ações
coerentes com as propostas pelos paradigmas inovadores.

Palavras-chave: paradigmas, educação, mudança, conhecimento, formação de professo-


res

ABSTRACT: The aim of this study is to propose a reflection on the paradigms of


science and the challenge of education. Education is going through a crisis due to
pedagogical tendencies that historically have permeated the practices of teaching and
learning. In this study, we have tried to identify the influences and the expression of
scientific paradigms on thought and pedagogical practices. We described the the
newtonian-cartesian thinking which has influenced conservative ways of teaching, giving
pedagogical work the function of reproducing knowledge through fragmented and
mechanistic methods. Following that, we proposed surpassing this model by joining
these innovating paradigms with progressive characteristics, based on the paradigm of
producing knowledge. We tried to show that, linking dimensions that were previously
dissociated, such as reason and emotion, it is possible to carry out the commitment of
educating a sistemic individual who overcomes the exclusively intelectual model.
Concluding the reflection, we ask ourselves: what is missing for the professional educator
to be apt to act without suffering the consequences of these changes? What needs to be
done for society and school to walk hand in hand in search of reflection on the practices
of teacher education. Therefore, we point out the need of reflection on the practices of
teacher education and the urgent need of coherent actions with the proposals given by
innovating paradigms.

Key words: paradigms, education, change, knowledge, teacher education

PARADIGMAS DA CIÊNCIA E O a sociedade, a cultura, o homem, a


DESAFIO DA EDUCAÇÃO educação, o mundo em geral.
Fazendo um resgate na história da
As práticas pedagógicas adota- educação, nos deparamos com várias
das ao longo dos anos nas institui- estratégias e modelos de ensino-
ções e sistemas educacionais sofre- aprendizagem que denotam a época
ram mudanças necessárias de acordo em que se desenvolveram, constitu-
com o período histórico em que esta- indo paradigmas distintos, cada qual
vam inseridas. Tais mudanças impli- com características específicas no que
caram conseqüências que envolveram diz respeito ao papel do professor, do

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aluno e da escola. parado somente para a reprodução e
No contexto atual, nos defronta- para enfrentar o mundo-máquina:
mos com dados, estatísticas e relatos A estrutura e a organização dos
da realidade que denotam as defici- cursos concebidos com uma vi-
ências e equívocos presentes no dia- são mecanicista, fragmentada, e
a-dia de nossas escolas. Práticas pe- de maneira disciplinar, precisa
dagógicas que caracterizam o ser superada, para possibilitar
descompasso entre a educação e a um avanço nas instituições de en-
atual sociedade globalizada necessi- sino. Também torna-se desafiado-
tam de uma urgente reflexão. ra a busca da superação das prá-
A escola, como instituição que ticas pedagógicas autoritárias e
deve estar situada histórico, social, conservadoras, que se preocu-
cultural e politicamente em seu tem- pam em vencer os conteúdos, em
po, necessita de práticas que supe- manter a disciplina baseada no
rem a fragmentação e mecanização silêncio em sala de aula, manten-
próprias do pensamento teórico de um do o pensamento acrítico e ingê-
tempo que já provou estar ultrapas- nuo na transmissão dos conteú-
sado. A simples transmissão e repro- dos, e as metodologias repro-
dução de conhecimentos não atende dutivas. (BEHRENS, 2000, p.88)
às necessidades da sociedade atual,
Esse processo de divisão do co-
que, de forma progressiva, tem apre-
nhecimento levou o homem a entrar
sentado aos indivíduos desafios de
em conflito com os próprios sentimen-
naturezas diversas, exigindo raciocí-
tos. A separação entre emoção e ra-
nio e ações que integram diversos
zão provocou insegurança e o homem
campos de conhecimento.
não desenvolveu valores necessári-
A educação na sociedade moder-
os para uma vida saudável, como a
na deve, ao mesmo tempo, usar os
espiritualidade, a solidariedade, a hu-
conhecimentos existentes e superar
mildade, a paciência, o amor ao próxi-
as dificuldades resultantes dos avan-
mo. Para Behrens (2000), a exacerba-
ços tecnológicos e científicos, os
ção da competitividade na sociedade
quais em parte trouxeram grandes con-
atual, somada às influências do
tribuições para a humanidade, mas
racionalismo, vem empurrando o ho-
também graves problemas para a na-
mem a uma constante e crescente cri-
tureza e para o homem.
se pessoal, alimentada pela cobrança
Durante um longo período tivemos
de “eficiência e eficácia em favor de
um modelo de educação marcado pelo
um produto e de um capital”, condu-
paradigma newtoniano-cartesiano,
zindo a um processo de auto-destrui-
que separava a razão da emoção, dan-
ção e violência generalizada.
do mais ênfase à primeira. Formava,
Percebe-se uma preocupação com
assim, um ser humano insensível, pre-
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a produção, com o capital, com a ne- dos que permitem a explicação de cer-
cessidade de acompanhar o desen- tos aspectos da realidade, partilhados
volvimento tecnológico, como se isso pelos membros de uma comunidade
fosse gerar algum benefício para o científica”. Assim, determinada comu-
próprio homem. As pessoas esque- nidade ou sociedade conhecem, pen-
cem que o que alimenta a vida são os sam e agem segundo a força de um
valores agregados ao ser humano. paradigma vivido culturalmente duran-
Sobre essa situação, Weil afirma: te um determinado período histórico.
Nosso mundo está em crise, pro- A resistência quanto à superação
vocada por lacunas e falhas do dos paradigmas conservadores da
paradigma reinante e suas educação tem apontado para uma cres-
extrapolações. A felicidade cente marginalização e exclusão de
prome-tida pelas aplicações grande parcela da população, acen-
indiscri-minadas da ciência mo- tuando o processo de desigualdade
derna sob forma de tecnologia social. O avanço tecnológico e cientí-
está se transformando no seu con- fico alcançado pela sociedade
trário; de um lado, temos a falta globalizada, quando não democrati-
elementar de alimento e confron- zado, acaba servindo como instru-
to, que traz fome e miséria física mento de exclusão.
ao Terceiro Mundo; do outro O grande desafio que os educa-
lado, temos a miséria psicológi- dores vivenciam é superar esse mo-
ca que acompanha o excesso de delo conservador, que consiste no
alimento e confronto dos países ensino autoritário, mecânico e
desenvolvidos, onde crescem a descontextualizado, em que professor
solidão, a indiferença, a violên- e aluno ficam restritos à reprodução
cia sob todas as suas formas; o do conhecimento.
conforto não trouxe a felicidade, De acordo com Behrens (2003,
qualquer que seja o regime polí- p.103), o desafio do paradigma inova-
tico reinante. (1991, p.17) dor é buscar a recuperação do senti-
do educador da escola, devendo op-
Nesse contexto, buscamos a su-
tar por uma visão de totalidade que
peração de antigos paradigmas, que
integra ensino e vida, levando alunos
permearam a educação durante um
e professores a encontrarem cami-
longo período. Para tanto, precisamos
nhos intelectuais, emocionais e pro-
entender o conceito de paradigmas
fissionais.
para compreender a sua relação com
o ensino.
PARADIGMAS CONSERVADORES
Segundo Kuhn (1994, p.225),
“paradigma refere-se a modelo, pa-
A mudança paradigmática gerada
drões, crenças e valores compartilha-
pelo pensamento newtoniano –

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cartesiano, a partir do século XVI, transmissores da neutralidade cientí-
resulta na troca de “senhor” ao qual a fica, a qual é inquestionável, imutá-
sociedade estava submissa: ela liber- vel, dogmática, unívoca, universal.
ta-se da hegemonia religiosa, para A serviço da transmissão do co-
aprisionar-se à hegemonia da ciência. nhecimento, identificamos, na prática
De acordo com Corazza (2004), o co- pedagógica, modelos educativos as-
nhecimento continua neutro e ilumi- sentados em paradigmas conservado-
nado, uma vez que a ciência o condu- res da Ciência, com o objetivo de re-
ziria para os retos caminhos do bem, produzir e repetir a produção científi-
da verdade e da vida. ca com uma visão mecanicista. São
A ciência passa a ser o único ins- eles: paradigma tradicional, paradigma
trumento de representação do saber, escolanovista e paradigma tecnicista.
relegando a humanidade e todo seu É impossível determinarmos períodos
conhecimento para segundo plano. O históricos para cada um desses mo-
principal pressuposto desse delos pedagógicos, uma vez que eles
paradigma, infelizmente presente até não se sucedem linearmente. Inclusi-
a atualidade nas mais diversas práti- ve, coexistem e se interpenetram, cri-
cas pedagógicas, é o de que para ando novos referenciais e influenci-
compreender o complexo é necessá- ando novos comportamentos e pos-
rio compreender cada parte turas.
constitutiva. Ele aponta, portanto, A Pedagogia Tradicional, funda-
para, a divinização da fragmentação. mentada na reprodução do conheci-
Além da fragmentação como ins- mento, valoriza o ensino humanístico,
trumento legitimador necessário para buscando conduzir o aluno ao conhe-
a compreensão do todo complexo, o cimento das grandes realizações da
racionalismo científico, na constante humanidade. Conforme Libâneo:
busca da neutralidade, desumanizou o (...) se caracteriza por acentuar
conhecimento, afastando a emoção da o ensino humanístico tradicional
razão, o corpo da mente, a ciência da de cultura geral, onde o aluno é
ética. Na educação, separou o sujeito educado para atingir pelo pró-
do objeto, o educador do educando, o prio esforço sua plena realização
conteúdo da forma. Nesse contexto, como pessoa. Toda a prática
subjetividade, sensibilidade e humani- educativa é desvinculada do co-
dade são características que ameaçam tidiano do aluno e muito menos
a neutralidade científica. das realidades pessoais; as re-
Influenciados pela teoria gras são impostas e existe o cul-
newtoniana – cartesiana, muitos pro- tivo do exclusivamente intelectu-
fessores ainda concebem seus conhe- al. (1986, p.22)
cimentos e saberes acima de qualquer
O aluno é considerado um recep-
suspeita. Caracterizam-se como meros
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tor passivo das informações. É o ou- da transmissão de conteúdos e
vinte, assimilador de conteúdos e in- confrontação com modelos e de-
formações que são ensinadas pelo monstrações. A ênfase não é co-
professor. Não existe liberdade de di- locada no educando, mas na in-
álogo, ele é treinado para reproduzir. tervenção do professor, para que
E, quanto mais, melhor. Existe uma re- a aquisição do patrimônio cul-
lação vertical entre professor e aluno. tural seja garantida. O indivíduo
O professor é considerado o detentor nada mais é do que um ser passi-
do saber: impõe, disciplina e se man- vo, um receptáculo de conheci-
tém distante do aluno. Tem a função mentos escolhidos e elaborados
de informar e conduzir seus alunos por outros para que ele deles se
para a repetição (memorização) de in- aproprie.
formações, com autonomia de expor e Percebe-se que o paradigma tra-
analisar os conteúdos. As aulas são dicional não contribui para uma mu-
previamente preparadas (artificiais) e dança social: ao contrário, o seu pa-
expositivas; nelas, o professor faz pel – que ainda persiste nas escolas –
demonstrações à classe e trabalha com é o de impedir todo o processo de
exercícios de repetição. A aula é uma mudança. Diante disso, a reflexão de
arte centrada no professor, que é a Behrens (1996, p. 82) torna-se perti-
figura principal desse processo. A nente: “A primeira impressão que se
aprendizagem é garantida, principal- tem ao percorrer os corredores das
mente, pela repetição. universidades, salvaguardando as
Nesse modelo, a escola é, exclusi- exceções, é que o paradigma tradicio-
vamente, o lugar onde se realiza a edu- nal de ensino nunca abandonou a
cação, onde se raciocina. É uma agên- sala de aula”.
cia sistematizadora de uma cultura Em tal paradigma, observa-se o
complexa, na qual aprender é consi- professor expondo os conteúdos e os
derado um ato cerimonial. O proces- alunos em silêncio, copiando receitas
so avaliativo busca a exatidão da re- e modelos propostos. Com alguma
produção da disciplina repassada em habilidade, os alunos conseguem fa-
sala de aula; para isso, utilizam-se in- zer questionamentos sobre os con-
terrogatórios orais, exercícios de casa, teúdos, mas nem sempre encontram
provas escritas e trabalhos. respostas que venham estabelecer um
A pedagogia tradicional trabalha significado para a sua formação.
com uma pedagogia liberal, com o in- O Paradigma Escolanovista sur-
tuito de preparar o aluno moral e inte- ge nas décadas de 20 e 30 no Brasil,
lectualmente. Para Mizukami (1986, como um movimento crítico à peda-
p.18): gogia tradicional. As informações de
A escola é o local da apropria- um novo tipo de escola - que surgiu
ção do conhecimento, por meio na Europa e nos Estados Unidos, com
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as características de liberdade, do suas individualidades. É importan-
obrigatoriedade e gratuidade no en- te fazê-lo perceber que é capaz de atin-
sino – despertaram a atenção de edu- gir suas metas pessoais.
cadores brasileiros, especialmente Para Luckesi (apud NIETSCHE,
Anísio Teixeira, o qual lutava pela 1998, p.48), a “pedagogia escolano-
democratização do ensino. vista é centrada nos sentimentos, na
Vários teóricos, como Dewey, espontaneidade da produção do co-
Montessori, Decroly e Piaget, defen- nhecimento e no educando com suas
diam a democratização e socialização diferenças individuais”. A escola deve
do ensino, com escolas para todos, promover experiências que permitam
desencadeando um movimento de re- ao aluno educar-se num processo ati-
ação à pedagogia tradicional. Eles vo de construção e reconstrução do
baseavam-se nos fundamentos da bi- conhecimento, num processo de
ologia e da psicologia, dando ênfase interação entre as estruturas
ao indivíduo. cognitivas do indivíduo e as relações
O aluno assume um papel mais li- com o ambiente.
beral na abordagem escolanovista: é Vale ressaltar que a Escola Nova
um ser único e livre, que busca a auto- também não contemplou todo siste-
realização. É importante ressaltar que ma educacional, pois foi incorporada
ele é considerado como um projeto apenas pelas escolas bem equipadas,
permanente e inacabado, ou seja, or- destinadas à elite burguesa. O fato
ganismo em processo de integração. evidencia a desvinculação existente
Seus sentimentos e capacidades têm entre a Escola Nova e a realidade so-
valor considerável e percebe-se uma cial, como destaca Leão:
preocupação com a postura, algo que A Escola Nova, apesar do princí-
não existia no ensino tradicional. Com pio de que a ação educativa deve
isso, o professor não apenas transmi- estar intimamente ligada à vida,
te conteúdos, mas dá assistência ao aos interesses e necessidades do
aluno, sendo um facilitador da apren- aluno a partir da sua realidade,
dizagem. Existe uma relação mais ami- está também, como a Escola Tra-
gável entre ele e os alunos. O profes- dicional, desvinculada do con-
sor cria situações para que o aluno texto sócio-econômico-político e
aprenda e desenvolva seu próprio re- é, portanto considerada uma es-
pertório, considerando-o como ele é. cola não crítica, uma escola que
As aulas são centradas no aluno, não contribui para uma mudan-
que tem liberdade de criticar; promo- ça significativa na sociedade,
vem-se todos os tipos de recursos que uma vez que omite a realidade
estimulem a sua curiosidade. A esco- social, contribuindo desta forma
la é formadora de atitudes, possibilita para perpetuação da estrutura
a autonomia do educando, respeitan- social vigente. (apud NIETSCHE,
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1998, p.134) ação pedagógica que tem em vista a
Ao final do século XX, surge a produção de mão-de-obra para a in-
Pedagogia Tecnicista, fundamentada dústria. A escola tem liberdade de pro-
no Positivismo, inspirada nos princí- gramar o ensino das disciplinas, o que
pios de racionalidade, eficiência, pro- garante a aprendizagem. É uma agên-
dutividade e nos pressupostos da cia educacional e democrática que tem
neutralidade científica. o objetivo de produzir sujeitos com-
Aparece numa época de grande petentes.
avanço do sistema industrial, o qual A avaliação na abordagem
estava ligado à questão da automação tecnicista tem como principal meta a
e da divisão do trabalho. O elemento reprodução, exigindo do aluno a
principal da abordagem tecnicista não memorização e retenção dos conteú-
é o professor nem o aluno, mas a or- dos.
ganização racional dos meios. O pla- As escolas organizadas de acor-
nejamento e o controle asseguram a do com o modelo tecnicista educavam
produtividade do processo. Nesse para atender ao mercado, não contri-
modelo, como destaca Behrens (2003, buindo com o desenvolvimento do
p.51), “ao separar corpo e mente, a indivíduo crítico, comprometido com
ciência transfere para a educação um a transformação social. Reforçavam
sistema fechado, compartilhado e di- assim o cultivo de um modelo social
vidido, e o ensino recai na técnica pela conservador, presente ainda hoje em
técnica”. algumas escolas.
Na abordagem tecnicista a aluno
é considerado um produto do meio PARADIGMAS INOVADORES
em que está inserido, responsivo e
reativo. Segundo Mizukami (1986, A sociedade atual aponta-nos para
p.35), “As categorias apresentadas a impropriedade de continuarmos atre-
colocam em evidência a consideração lados a paradigmas que compreendem
do homem como produto do meio e o mundo de maneira fragmentada. De
reativo a ele”. O professor é o elo de acordo com Moraes (1998), os pro-
ligação entre a ciência e o aluno, é blemas da sociedade atual não são
planejador e analista de contingênci- unilaterais, unívocos, têm caracterís-
as que projeta e desenvolve no siste- ticas trans: transnacionais, transtemá-
ma de ensino-aprendizagem. ticos, transversais, transdiscipli-
No paradigma tecnicista, a nares... Apontam, pois, para a neces-
metodologia promove o envolvimento sidade do estabelecimento de rela-
do aluno, respeitando o ritmo indivi- ções na busca de soluções.
dual de cada um. Através da instru- A ausência de relações e conexões
ção programada, desenvolve-se uma nos processos de produção de no-
vos conhecimentos é responsável por

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uma sociedade que está gerando de- processo de alienação e a uma
senvolvimento e expansão de extre- crise planetária de abrangência
mos. Como exemplo disso, temos a multidimensional, traduzidos por
expansão da tecnologia e também da processos de fragmentação,
miséria, extremos que fazem com que atomização e desvinculação. Em
a desigualdade social seja agravada conseqüência, a cultura foi fican-
pelo processo de exclusão digital. do dividida, os valores, cada vez
A fragmentação enraizada no pen- mais individualizados, e os esti-
samento newtoniano – cartesiano, los de vida, mais patológicos.
que separa, entre outras coisas, ética (1998, p.92)
e ciência, tem gerado uma sociedade É necessário que a escola assu-
capaz de realizar grandiosos avanços ma a necessidade de trabalhar com a
tecnológicos e científicos, mas que multidimensionalidade humana, não
não está preparada eticamente para tratando o aluno como anjo barroco
acompanhar o desenvolvimento com- (que só tem cabeça). As dimensões
plexo da humanidade. Tal fato pode espiritual, psicológica, social, cultu-
ser comprovado pela utilização ral, política e cósmica têm que ser con-
indevida da rede de informações templadas de maneira sistêmica,
(internet) como instrumento de pro- explicitando a dinâmica de interdepen-
pagação e comunicação para crimino- dência presente entre as partes cons-
sos da pedofilia. Portanto, um dos tituintes do educando e todos os de-
desafios que temos a enfrentar na mais envolvidos no processo educa-
passagem da sociedade da reprodu- tivo.
ção para a sociedade da produção do A prática pedagógica do século
conhecimento é o seguinte: como de- XXI, que atende aos pressupostos da
senvolver talentos para a ciência e sociedade do conhecimento, é carac-
para a paz? terizada por educandos e educadores
A educação tem um importante inter-relacionados, interdependentes
papel nesse processo. O abandono em suas atividades, ambos com a fun-
da subjetividade, das emoções, da ção de refletir, defender suas idéias,
sensibilidade, a fragmentação das re- construir, criticar, produzir e projetar
lações humanas, incentivado nos úl- sua existência. Dialética, teoria da in-
timos séculos em nome da neutralida- certeza e lei da complementaridade
de e racionalidade científica, gerou um balizam suas ações e relações.
processo de desumanização da edu- A transposição do paradigma que
cação. Para Moraes: visava à reprodução do conhecimen-
Insensível aos valores, o método to para o paradigma da produção do
reducionista foi se enraizando em conhecimento, na área da Educação,
nossa cultura e levou-nos a um não pressupõe uma teoria de curva-

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tura da vara, ou seja, superar não sig- sociedades, estamos todos encai-
nifica simplesmente negar. Não pre- xados nos processos cíclicos da
tendemos postular a negação da natureza (e, em última análise,
racionalidade, mas a possibilidade de somos dependentes desses proces-
aliar, de trabalhar de forma sistêmica so).
emoção e racionalidade, entre outras No Paradigma Progressista te-
dualidades. mos uma nova visão em relação aos
Uma prática educativa atrelada às papéis de professor, aluno e escola.
mudanças paradigmáticas da ciência O aluno é instigado a produzir o co-
deve caracterizar-se e constituir-se, nhecimento. É considerado um ser
como afirma Behrens (2000), na alian- crítico, criativo, sério e principalmen-
ça formada entre paradigmas inova- te inacabado, ou seja, em permanente
dores - a abordagem progressista, a construção do saber. Para Freire (1997,
visão holística (que abrange toda uma p.50): “Aqui chegamos ao ponto de
atitude de vida) e a metodologia do que talvez devêssemos ter partido. O
ensino com pesquisa - do inacabamento do ser humano. Na
instrumentalizados pela tecnologia verdade, o inacabamento de ser ou
também inovadora. Somente a partir sua inconclusão é próprio da experi-
da constituição da teia entre essas ência vital. Onde há vida, há
abordagens é que teremos uma peda- inacabamento.”
gogia capaz de atender aos desafios Nessa perspectiva, além de edu-
da sociedade moderna, contribuindo cador, o professor é também sujeito
para a construção do conhecimento. no processo. É um mediador, líder éti-
Segundo Capra (1996, p.25): co, democrático e autêntico, existin-
O novo paradigma pode ser cha- do uma relação horizontal entre ele e
mado de uma visão de mundo o aluno. Já a escola tem um papel de
holística, que concebe o mundo instigar professor e aluno para refle-
como um todo integrado, e não xão num contexto histórico de inter-
como uma coleção de partes venção para a transformação social.
dissociadas. Pode também ser No Paradigma Holístico a escola
denominado visão ecológica, se visa a aprofundar relações com a co-
o termo “ecológica” for empre- munidade global, com o planeta e com
gado num sentido muito mais o cosmo. O homem deve recuperar a
amplo e mais profundo que o usu- visão do todo e superar a fragmenta-
al. A percepção ecológica pro- ção. Principalmente, precisa conside-
funda reconhece a rar a intuição, a emoção, a paixão, o
interdependência fundamental amor, o sentimento, com o objetivo
de todos os fenômenos, e o fato de provocar um repensar no univer-
de que, enquanto indivíduos e so. São consideradas e estimuladas,

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segundo Gardner (2000), todas as in- com independência e cidadania
teligências dos alunos: lingüística, os desafios do mundo tecnológico
lógica ou matemática, musical, espa- que se avizinha.
cial ou visual, sinestésica ou física, Apontar novos paradigmas para
interpessoal e intrapessoal. Os alunos a educação deve significar, necessa-
são instigados a estimular os dois riamente, novos trajetos na formação
hemisférios do cérebro. Nesse con- de professores, ou todas as proposi-
texto, o professor tem papel funda- ções feitas cairão na ineficiência e no
mental na superação do paradigma da discurso vazio e superficial. Se o alu-
fragmentação. Ele busca passar da no irá percorrer seu processo de for-
reprodução para a produção do co- mação em um novo contexto, com
nhecimento. novas demandas e exigências, os pro-
A abordagem do Ensino com Pes- fissionais co-responsáveis pela con-
quisa propõe uma formação diferen- dução desse processo devem
ciada: formar para atender às novas direcionar suas ações para a mesma
exigências com criatividade, curiosi- direção, visando verdadeiramente à
dade, espírito crítico e reflexivo. O pro- efetivação de uma sociedade não
fissional deve desenvolver capacida- reprodutora, mas consciente e autô-
des operativas e estar apto para o uso noma de sua possibilidade criadora.
de novas tecnologias. A escola tem a
preocupação em formar o aluno para PARADIGMAS DACIÊNCIAE FOR-
o exercício da cidadania crítica e o MAÇÃO DE PROFESSORES
comprometimento com a ética plane-
tária. O aluno é sujeito no processo, Historicamente, possuir um certo
questionador, investigador e conhecimento formal era assumir a
problematizador. Interage com o pro- capacidade de ensiná-lo. Embora não
fessor, o qual tem que instigar o alu- se discuta que essa característica his-
no a “aprender a aprender”. O profes- tórica seja necessária, no contexto
sor é orientador e parceiro na forma- atual apenas o domínio do conteúdo
ção do educando. Segundo Cunha é insuficiente, uma vez que a profis-
(1996, p.125): são docente deixou de ser responsá-
Recuperar a relação entre ensi- vel pela pura transmissão do conhe-
no e pesquisa é partir do pressu- cimento acadêmico, assumindo impor-
posto de que pelo ensino também tante papel na criação de espaços de
se faz produção do conhecimen- participação, reflexão e formação dos
to, incluindo a produção da cons- educandos.
ciência das novas gerações, fa- O modelo que marcou toda a nos-
zendo-as sujeitos da própria sa formação teve como princípio
historia, capazes de enfrentar uma ciência absoluta, verdadei-

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ra, até dogmática, que atualmen- tante desenvolvimento intelectual e
te, diante de um novo paradigma que é isso que vai alimentar a sua prá-
que se impõe, exige mudanças de tica e dar-lhe suporte para poder acom-
natureza epistemológica que in- panhar a evolução tecnológica emer-
terferirão, diretamente, no modo gente. Essa conscientização é neces-
de conceber o ensino e a apren- sária para que escola e sociedade an-
dizagem. Durante toda a nossa dem juntas na formação dos profissi-
formação sempre consideramos o onais. Segundo Freire, “por isso é que,
ensino como transmissão de co- na formação permanente dos profes-
nhecimento, onde o professor sores, o momento fundamental é o da
tudo sabia e o aluno era uma ver- reflexão crítica sobre a prática. É pen-
dadeira folha em branco a quem sando criticamente a prática de hoje
competia memorizar e repetir o ou de ontem que se pode melhorar a
conhecimento transmitido. próxima prática” (1997, p.39).
(KULLOK, GOMES, 2000, p.23) Há urgência em se pensar a for-
O conhecimento do professor não mação dos professores como um
é meramente acadêmico, racional, fei- todo. Um processo atrelado a
to de fatos, noções e teorias, como paradigmas conservadores, voltado
também não é um conhecimento feito apenas à atualização científica, peda-
só de experiências. É um saber que gógica e didática do profissional,
consiste em gerir a informação dispo- mostra-se desvinculado e descom-
nível e adequá-la estrategicamente ao prometido com a realidade, gerando o
contexto. É um saber agir em situa- existente descompasso entre a forma-
ção. ção e o campo de trabalho.
Essa nova abordagem exige do Faz-se necessário que os cursos
educador um re-pensar da prática pe- de formação de profissionais docen-
dagógica, questionando-se se ela está tes assumam a aliança dos para-
atingindo todos os seus educandos, digmas inovadores, caracterizando
se a sua linguagem está adaptada à assim uma nova forma do fazer peda-
realidade do aluno. Freire (1997) afir- gógico, tomando o conhecimento
ma que ensinar não é transferir co- como fruto de uma elaboração na qual
nhecimento, mas criar as possibilida- o aprender resulta de um processo de
des para a sua produção ou sua cons- construção. Como afirma Freire, “o
trução. Nesse processo, o educador homem, como um ser histórico, inse-
é desafiado a perceber sua dimensão rido num permanente movimento de
dodiscente, pois ao formar, também procura, faz e refaz constantemente o
se forma. seu saber” (1997, p.21).
Portanto, o professor precisa Para atender às exigências e desa-
conscientizar-se de que está em cons- fios da sociedade moderna, as práti-
cas de formação de professores de-

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vem gerar reflexão sobre os conteú- REFERÊNCIAS
dos da escolaridade, no sentido de
possibilitar a transformação da com- ALARCÃO, I. Formação continuada
preensão sobre o vivido e de como instrumento de profissionalização
oportunizar a construção de conheci- docente. In: PASSOS, I. e VEIGA, A.
mentos significativos, que se reorga- (orgs.). Caminhos da profissiona-
nizam na relação entre os conceitos lização do magistério. Campinas:
cotidianos e científicos. Ao fazer re- Papirus, 1998.
ferência à formação de professores, ASSMANN, H. Metáforas novas para
Gadotti afirma: “O educador que se reencantar a educação. São Paulo:
pretende formar para o próximo milê- Unimep, 1998.
nio, deverá ter consciência e atuar em BEHRENS, M. A. Formação continua-
favor de um planeta saudável onde da e a prática pedagógica. Curitiba:
todos possam viver com qualidade e Champagnat, 1996.
em harmonia universal com todos os __________. O paradigma emergente
seres com os quais compartilhamos a e a prática pedagógica. 2 ed. Curitiba:
Terra” (2000, p.111). Champagnat, 2000.
À luz dos preceitos do paradigma __________. O paradigma emergente
emergente, é imperativo que o profes- e a prática pedagógica. 2. ed. Curitiba:
sor esteja ciente da função que a edu- Champagnat, 2003.
cação assume na sociedade atual, CAPRA, F. A teia da vida: uma nova
onde o conhecimento proporciona ao compreensão científica dos sistemas vi-
educando a possibilidade de atuar de vos. São Paulo: Cultrix, 1996.
forma transformadora sobre a realida- CARDOSO, C. A canção da inteireza:
de. Isso implica a superação, pelo uma visão holística da educação. São Pau-
professor, da compreensão ingênua e lo: Summus, 1995.
historicamente arraigada, de que sua CORAZZA, S. M. Educação da dife-
função é simplesmente transmitir co- rença, mimeo, 2004.
nhecimento ao educando. Coerente-
CUNHA, M. I. da. Relação ensino e
mente adequada aos paradigmas ino- pesquisa. São Paulo: Papirus, 1996
vadores, a formação do professor da
__________. Aula universitária: inovação
sociedade atual deve torná-lo capaz
e pesquisa. In: MOROSINI, M. & LEI-
de ultrapassar as visões clássicas que TE, D. Universidade futurante. Cam-
o situam no espaço restrito da sala de pinas: Papirus, 1997.
aula, para reconhecer-se multidime-
__________. O bom professor e sua
nsionalmente como homem/cidadão/
prática. Campinas: Papirus, 1998.
profissional, inserido e em ação na
sociedade de seu tempo. DEMO, P. Educar pela pesquisa. Cam-
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