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RITMO: ALGUMAS DEFINIÇÕES E OS FATORES ACENTUAIS

•  O ritmo pode ser entendido como uma qualificação do tempo ou, no caso do ritmo musical, um processo de
‘escultura’ da massa sonora no tempo em que diferentes durações, densidades, proporções e contrastes nele se
estabeleçam. Portanto não são apenas as proporções duracionais que definem o ritmo, mas sim todos os
elementos texturais da música que vão pontuando e qualificando o tempo.

(Cooper & Meyer, 1971).


•  O ritmo é a “maneira pela qual um ou mais tempos (pulsos) são agrupados em relação a um tempo acentuado”.
Associação do ritmo aos cinco agrupamentos básicos usados tradicionalmente pela terminologia da prosódia que
serão discutidos mais adiante: a. iambo - b. anapesto - c. trocaico - d. dáctilo – e. anfibráco. Os autores
complementam que “devido ao fato da organização rítmica ser arquitetônica, outros níveis exibem esses padrões
básicos, tanto em estruturas mais extensas, como frases e períodos etc., quanto menores, tais como motivos
rítmicos”

(Cooper, 1974, p.30)


•  Outro teórico, Paul Cooper (Perpectives in Music Theory), também se refere aos mesmos padrões da prosódia,
mas os associa não ao ritmo e sim ao metro. Cooper afirma que os esquemas métricos derivam dos ritmos
modais usados pela musica do século XII e XIII e prossegue expondo os mesmos agrupamentos citados por
Cooper e Meyer. Para Paul Cooper, métrica está sempre associada ao conceito de compasso, conceito que
considera originado exatamente dos chamados modos rítmicos da Idade Média: “o ritmo métrico é sem dúvida a
organização temporal mais comum da Música ocidental”.
(Cooper e Meyer ,1974, p. 6)
•  O ritmo é independente da métrica em dois sentidos: primeiro, o ritmo pode existir sem haver metro regular, como
nos casos do Canto Gregoriano e do Recitativo Seco, pois as notas não acentuadas podem ser agrupadas em torno
de uma acentuada sem haver acentos recorrentes para medir unidades métricas de duração igual. Neste caso o ritmo
é independente do pulso. O segundo no sentido de que qualquer dos agrupamentos rítmicos (indicados
anteriormente, imbico anapesto, etc.) ocorrerem em qualquer tipo de organização métrica (compasso).
Provavelmente devido a esta segunda possibilidade é que os autores classificam os “esquemas métricos” como
ritmo e não como métrica como indica o texto de Paul Cooper.

(Arom, 1994)
•  Em Arom não há diferenciação conceitual entre métrica e ritmo, mas apenas grau de complexidade. Para o autor a
rítmica ocidental opera geralmente em dois níveis diferentes na música de acentuação regular. O primeiro nível se
define pela “distribuição de batidas (beats ou tempos) em um número de agrupamentos de referencia similares
(compassos) que são definidos pela repetição regular de uma batida (pulso) acentuada”. O segundo nível é
determinado pelas “durações dos sons e silêncios”. Nos outros textos citados estes dois níveis correspondem
respectivamente à métrica e ao ritmo. Arom conclui que a conjunção entre estes dois níveis resulta no ritmo e que a
sua “complexidade é diretamente proporcional ao equilíbrio e ambigüidade entre os dois níveis”.
ACENTO MÉTRICO E ACENTOS RÍTMICOS (recuperação)`
(Cooper & Meyer, 1960)
•  Estímulo sonoro marcante numa série de estímulos (pulsos) que se “destaca dos demais por diferenças de
intensidade, duração, altura, timbre, etc”.... O tempo acentuado é o ponto focal ou o núcleo do ritmo, ao redor
do qual os tempos não acentuados são agrupados e em relação ao qual são ouvidos”.

(Lester, 1989, p.15)


•  Há vários tipos de acento e o ponto focal é o acento métrico, o tempo forte do compasso.
•  Outros tipos de acento: “acentos causados por notas longas, notas agudas ou graves, mudança harmônica,
intensificação dinâmica e outras semelhantes”. *[esses denominados “outros acentos” são estudados mais à
frente como características mais exatamente rítmicas]

(Lerdahl e Jackendorff, 1990, 17).


•  Há três tipos de acento em música: fenomenal*, estrutural* e métrico. Acento fenomenal: “qualquer evento que
cause um ênfase ou pressão sobre o fluir musical”. Entre estes os autores citam “pontos de ataques de altura,
mudanças bruscas de dinâmica ou timbre, notas longas, saltos melódicos relativamente grandes, mudanças
harmônicas e assim por diante”. Acento estrutural: “acento causado por pontos de gravidade melódico/
harmônico na frase ou seção (especialmente a cadência). Acento métrico: qualquer pulso (beat) que é
“relativamente forte em seu contexto métrico”.
•  Comentário: na maioria dos casos o acento métrico não é alterado pela presença de outros tipos de acento que
são mais propriamente denominados como acentos rítmicos. De qualquer modo as relações entre métrica e
ritmo são bem complexas e resultam em toda a riqueza musical do ritmo em seu sentido geral.
(Lester, 1989, p.15).
•  O termo ritmo se refere aos “aspectos musicais que lidam com o tempo e a organização do tempo” e entende as
durações como o aspecto mais geral do ritmo: duração “das notas, de harmonias (ritmo harmônico), de todas as partes
de uma textura musical (ritmo composto), da extensão de frases, de mudanças nas dinâmicas, mudanças na textura,
entre outras”

(Arom, 1994)
•  O ritmo se refere a sequências de eventos contrastantes. O contraste referido “deve ser criado de três modos diferentes:
por acentos, timbre, ou durações”. O autor observa que na prática “esses três parâmetros usualmente operam junto. Em
Arom não há diferenciação conceitual entre métrica e ritmo, mas apenas uma distinção de grau de complexidade. Para o
autor a rítmica ocidental é bilateral, pois o ritmo opera geralmente em dois níveis diferentes na música de acentuação
regular, tanto a monódica quanto a polifônica. O primeiro nível se define pela “distribuição de batidas (beats ou
tempos) em um número de agrupamentos de referencia similares (compassos) que são definidos pela repetição regular
de uma batida (pulso) acentuada”. O segundo nível é determinado pelas “durações dos sons e silêncios”. Nos outros
textos citados estes dois níveis correspondem respectivamente à métrica e ao ritmo. A conjunção entre estes dois níveis
resulta no ritmo e que a sua “complexidade é diretamente proporcional ao equilíbrio e ambiguidade entre os dois
níveis”.
AGRUPAMENTOS: NIVEIS DE ESTRUTURA RÍTMICA E
MÉTRICA
Níveis de Agrupamentos
Rítmicos (segmentos de
frase e frase)

Haydn, Sinfonia 104,


II Movimento

Níveis de
Agrupamentos métricos
Alguns fatores acentuais do ritmo:

•  Agógico (duracional): por alteração de duração

•  Melódico: se refere alteração de altura de uma determinada nota em relação ás outras criando um
diferencial que a destaca das demais

•  Harmônico: deslocamento de um acorde ou mudança do ritmo harmônico fortalecendo um ponto


metricamente não acentuado

•  Dinâmico: realizados por reforço de intensidade

•  Articulação: se refere às possibilidades de agrupamento pela utilização de ligadura, staccato e outros sinais
de articulação

•  Textural: alteração repentina de textura que destaca um elemento métrico

Obs.: Estas categorias são apenas sugestivas e aproximadas. Geralmente mais de um tipo de acento rítmico pode ser
identificado num mesmo ponto de uma composição.
6 1- 5 6 1- 5

6 1- 5

1-5 1-5 1-5 3 - 3

1- 5 1- 5 1- 5

Os acentos causados por saltos de intervalos melódicos e de padrão melódico indicam configurações diversificadas para as semicolcheias
como as assinaladas pelos colchetes e pelos agrupamentos numéricos (6; 1-5; 3-3;)
Acentos de intensidade (dinâmicos) e de duração
Ex.2 Ravel:
Gaspard de la
Nuit , I - Ondine

O acento melódico nas fusas cria ritmo mais rico do que aquele que aparece na figuração
repetitiva de fusas presente na linha da mão direita.
Ex.1
Poliritmia

Harvard Dictionary of Music, Apel, W. (Editor)

•  Presença simultânea de ritmos muito contrastantes.

•  Genericamente, toda a musica polifônica é polirritmica, pois a variedade rítmica nas partes simultâneas causa,
mais do que qualquer outro fator, a individualidade de cada uma das vozes do contraponto.

•  Num sentido mais restrito o termo polirritmia pode ser e ser aplicado aos casos em que a diversidade rítmica
simultânea surge “como um efeito especial frequentemente denominado de ‘ritmo cruzado’

•  Pode-se distinguir dois tipos de polirritmia em que o ‘ritmo cruzado’ se apresenta: ritmos simultâneos e
contrastantes inseridos dentro de um mesmo esquema métrico e de acentos; ritmos contrastantes e simultâneos
que envolvem um conflito entre métricas ou acentos. O último caso muitas vezes é denominado de polimétrico
por envolver a sobreposição de metros diferentes simultaneamente com compassos explicitamente diferentes
ou sugeridos dentro de uma mesma formula.

Aron, 1985, p.464


•  O ‘ritmo cruzado’ é a “sobreposição de duas ou várias figuras rítmicas possuindo cada uma delas uma
articulação em que as configurações que as constituem - determinadas por acentuação, modificação de timbre
ou alteração das durações - se intercalam umas com as outras para criar um efeito de entrecruzamento
perpétuo.
W. Byrd (1539/ 43 – 1623), Moteto: Non relinquam orphanos

A palavra latina vado (caminhar, passar) é imitada quase sempre com a mesma figuração rítmica em cada uma das vozes
em pontos diversos da estrutura métrica. A acentuação prosódica não se altera e causa a sobreposição dos padrões rítmicos.
G. Dufay (c.1397 – 1474) Ballade: Mon chier amy

•  figuras rítmicas opostas: compassos 2 e 7;


•  3 contra dois: compassos 3 e 5;
Padrões rítmicos diferentes e simultâneos:
Variedade de acentos criando poliritmo:
Messiaen, Quarteto para o fim dos tempos, IV (fragmento)
9/16 7/16 5/4

4/8

Os grupos métricos indicados se formam pelo uso de ligaduras pelo compositor.


Brahms, Intermezzo opus 119, 2

Na mão esquerda as semicolcheias se agrupam de três em três em função do acento melódico. Este padrão é repetido mais
duas vezes. Na mão direita o padrão rítmico se encaixa no agrupamento métrico de 3/4.

1 2 3 4
MODULAÇÃO MÉTRICA

Alteração métrica definida pelo compositor americano Elliot Carter que consiste em tomar, como referência na mudança
de tempo, valor de uma figura anterior equalizando-o com outra figura presente no compasso seguinte. O esquema
abaixo foi desenvolvido pelo compositor Almeida Prado para explicar a seus alunos o princípio da modulação métrica.


Elliot Carter, Oito peças para Rmpano - V

No terceiro compasso o compositor


realiza 4 valores iguais contra os 3
tempos do compasso. Carter ao
igualar a colcheia pontuada à
semínima no compasso seguinte
torna o andamento mais rápido (126 x
4/3 =168 bpm). No sexto compasso a
mínima fica igual a mínima, baixando
o andamento para a metade do
anterior (168/2 =84)
Elliot Carter, Eight Pieces for Four Timpani, nº 7 (Canaries)

13

♩. = 120 ; no 8º compasso (3/4) ♩ = 180 [120 x 3/2] (nova semínima, tempo igual à soma de 2 colcheias anteriores)

♩ = 180 x 3/2 = 270 (nova semínima, tempo igual à soma de 2 quialteras anteriores)
As duas primeiras mudanças de andamento deste fragmento foram realizadas a partir de uma relação de 3 para dois (3/2) , pois os valores da
semínima do tempo seguinte são calculados a partir da soma de duas colcheias (agrupadas em ternário) anteriores.
Na mudança do 13º compasso (3/4) para os seguintes (6/8) a referência anterior é a unidade de de compasso igualada com a unidade de tempo
seguinte.
Charles Ives, Calcium Light Night

A semínima pontuada + semicolcheia (divisão em duas partes iguais do compasso de 7/8) se iguala por
modulação métrica a uma mínima. A terceira linha realiza um acelerando e ralentando escritos enquanto as vozes
superiores estão em andamento fixo.
Fase e Defasagem Rítmica

Processo de composição desenvolvido principalmente por compositores norte – americanos, entre eles Steve Reich, na
segunda metade do século XX com provável influência da música centro africana.

As duas linhas iniciam exatamente em fase, mas a cada bloco


de repetições a linha inferior entra em defasagem de uma
colcheia à frente. Esgotadas as 12 possibilidades progressivas
de defasagem entram em fase novamente no último bloco.
G. Ligeti, Continum para Cravo

4 4 4 4 4 Simile .............

5 5 5 5 Simile .............

As colcheias em ambas as mão têm o mesmo valor, mas são agrupadas diferentemente pela configuração das alturas: mão direita de quatro em
quatro e na mão esquerda de cinco em cinco. Esta diferença de configuração causa uma defasagem entre as linhas da mão direita e esquerda.
Valor adicionado
Processo rítmico, desenvolvido por Olivier Messiaen e definido em seu livro The Technique of My Musical Language,
em que se cria uma alteração de duração de notas por meio de um acréscimo a um padrão regular de uma figura, um
ponto de aumento, uma ligadura de valor ou uma pausa. Deste modo um padrão rítmico (no exemplo um dáctilo) é
alterado como o indicado no modelo seguinte:

O. Messiaen, Quarteto para o Fim dos Tempos – VI Movimento

Messiaen não indica nenhuma fórmula de compasso e vai expandindo progressivamente os tamanhos dos
compassos ao acrescentar uma ou mais semicolcheias aos tempos de um compasso inicial (notar que há quatro
tempos no primeiro compasso, mas o segundo tempo possui 5 semicolcheias). A progressão do fragmento toma a
seguinte configuração: 17/16; 17/16; 18/16; 19/16; 21/16; 39/16
Ravel, Ma Mère L’Oye, II- Petit Poucet

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