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Atividade 2 – Letras e Vozes da Vida Cotidiana

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Pedro Nava (1903-1984) foram dois mineiros que
viveram na cidade de Belo Horizonte durante suas primeiras décadas. Em suas obras a cidade
aparece frequentemente, suas ruas, seus locais, as pessoas, os políticos, os amigos são
retratados nas memorias e poesias dos dois autores.

Durante o tempo em que morou em Belo Horizonte, Carlos Drummond de Andrade trabalhou
como cronista no Minas Gerais, órgão oficial do Estado, durante esse período ele publicava sob
dois pseudônimos, Barba Azul e Antônio Crispim. Nos trechos a seguir, que cobrem o período
de 1930 a 1934, o autor buscar falar sobre a cidade e seus moradores.

Em uma velha cidade... Senti-me outra vez na Belo Horizonte de 1915, 1920, idades mitológicas,
de que não há memória entre os homens e as mulheres de hoje... O mundo era pequeno e
limitava-se ao norte pelo Café Estrela, na rua da Bahia, e a leste pela casa Oscar Marques, na
Avenida Afonso Pena. Podia-se correr o Parque Municipal sobre essa coisa ingênua e primitiva,
uma bicicleta. E os sorvetes daquele tempo?... (p. 124) ANDRADE, Carlos Drummond de . Da
Velha Cidade In: Crônicas – 1930-1934, Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, 1984, p.124

Da Serra até a antiga Praça do Mercado, duas fieiras de luzes compõem uma “feerie”
geométrica. A cidade acabou de jantar... Na rua Piauí há cadeiras de palhinha pelas calçadas...
Enquanto isso, as moças fazem o footing na Avenida Paraúna (atual Avenida Getúlio Vargas),
cujo asfalto brilha como um sapato novo... As vitrines expõem o último modelo de sweater e a
aquarela da senhorita X... (p.96) ANDRADE, Carlos Drummond de. Vamos Ver a Cidade. In:
Crônicas – 1930-1934, Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, 1984, p.96

Pedro da Silva Nava, se mudou para a capital mineira em 1913, posteriormente se mudou para
o Rio de Janeiro, voltando à Belo Horizonte somente em 1921, quando ingressou no curso de
medicina na Universidade Federal de Minas Gerais. Nava só publicou seu primeiro livro, Baú de
Ossos em 1972, seguido de outras seis obras que passaram a ser referência do gênero de
memórias no Brasil. Em vários trechos de seus livros, o autor fala sobre a época em que viveu
na cidade de Belo Horizonte, como nos casos a seguir:

A urbe poeirenta e pobre acabava no Quartel, na Rua Maranhão, na Avenida Paraúna [atual Av.
Getúlio Vargas], na Rua Tomé de Sousa, na rua dos Tupis, na Avenida Paraná, no Mercado, no
Arrudas, nos leitos da Central e da Oeste. A Avenida Amazonas só tinha quatro quarteirões e a
cidade mandava tímidos prolongamentos para a Serra, a Barroca, o Calafate, o Bonfim, a
Floresta. Mais tarde vieram as enceintes de Carlos V, a de Luís XIII, do Dr. Artur Bernardes, do
Coronel Cristo, da Olímpia, do Dr. Melo Viana, da Elza Brunatti, da Petronilha (Petró), do Dr.
Antônio Carlos, da Leonídia (Lió), da sessão Fox no Odeon, dos porres de cerveja gelada, da
decadência do Clube Belo Horizonte e esplendor do Automóvel Clube, da Universidade, da sua
invasão, dum moço baleado chamado Viana, da retirada do Reitor e da dispersão dos Pimentéis.
Era ainda uma cidade triste, de donzelas enclausuradas, de estudantes desmandados, de agiotas
insaciáveis (o duto Murta, o gélido Moreira), de funcionários contidos e carentes, dos primeiros
desfalques, das negociatas inaugurais e quase honestas … Entretanto crescera para além do
Cruzeiro, materializara o círculo da Avenida do Contorno, tomara conta do Barro Preto,
canalizara o Córrego Leitão( atual Avenida Prudente de Morais), asfaltara o Centro e ligava-se,
sem descontinuidade, ao Calafate, ao Carlos Prates, ao Bonfim, à Lagoinha. Estendeu-se mais
ainda, em todas as direções; pulou os limites dos fermiers généraux, dos interventores da
Ditadura, dos enriquecimentos mirabolantes, dos imensos negócios. Excedeu a de Thiers, a de
Milton Campos (este – dizia Rodrigo – é um prêmio que Minas não merecia!), a de Juscelino,
Bias, Magalhães Pinto, Israel, está na de Rondon, mas não vai parar! Porque a cidade sem limites
continuará, passará a Baleia, as Mangabeiras, o Curral, o Rola-Moça, o Pindorama, a Pampulha,
a Providência, Santo Agostinho, a Severa... Está livre dos velhos complexos sexuais do tempo de
Totônio Pacheco, é a mais linda do sertão, a terceira do Brasil, passou aos pileques de uísque,
tem inferninhos, instalou a livre-fodança, mas jamais, ah! Jamais sacudirá o jugo do velho
crepúsculo, daquela tristeza da tarde morrendo varrida de ventos, da lembrança submarina dos
fícus e dos moços que subiam e desciam a Rua da Bahia. Não a Rua da Bahia de hoje. A de ontem.
A dos anos vinte. A de todos os tempos, a sem fim no espaço, a inconclusa nos amanhãs. Nela
andarão sempre as sombras de Carlos Drummond de Andrade, de seus sequazes, cúmplices,
amigos, acólitos, satélites... (Balão Cativo, pp. 144-45) NAVA, Pedro. Balão Cativo. Memórias
2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. (2ª ed, J. Olympio, 1974)

Nas plantas primitivas de Belo Horizonte o Parque Municipal era um vasto quadrilátero limitado
por Mantiqueira; Francisco Sales; pelos logradouros ocupados hoje pelo viaduto Santa Teresa,
Rua Assis Chateaubriand; e Afonso Pena. Seus ângulos eram cortados ligeiramente (o que lhe
conferia aspecto octogonal) por Bahia, pelo trecho desaparecido do quarteirão limitado por
Itambé, Itatiaia, Assis Chateaubriand e Francisco Sales, por Bernardo Monteiro e Carandaí. Hoje
ele ocupa a quarta parte do espaço previsto para essa zona verde central e está reduzido ao
triângulo demarcado pela Alameda Ezequiel Dias, Avenida dos Andradas e sua velha marca
anterior de Afonso Pena. Parabéns aos senhores Prefeitos progressistas. Pêsames à população
de Belo Horizonte, particularmente às crianças residentes nos arranha-céus do centro. A invasão
foi sendo lenta e sorrateira. (Chão de Ferro, p. 315) NAVA, Pedro. Chão de Ferro. Memórias 3.
Rio de Janeiro: J. Olympio, 1976.

Atividades:

1- A partir dos trechos das crônicas e memorias dos autores, os estudantes deverão
identificar as ruas, avenidas, praças, parques e outros edifícios citados nos textos.
2- Belo Horizonte, nasceu como um marco da nova Republica que se apresentava,
anunciada como uma cidade moderna, o antigo Curral Del Rei deu origem para o traçado
da nova Capital de Minas, com clara inspiração francesa. Como a ideia de modernidade
e a construção de Belo Horizonte são tradadas nos relatos analisados.
3- No trecho do livro Chão de Ferro, Pedro Nava lembra como era o Parque Municipal nos
primeiros tempos da capital, e em como ele foi diminuindo a partir do crescimento
urbano da cidade. De que maneira o autor enxerga o crescimento acelerado da cidade,
para além de seu traçado original, e como esse crescimento refletiu, na perspectiva dele
no próprio parque.

Para o Professor:
1- Faça uma atividade oral com os alunos, no qual após uma primeira leitura dos trechos
trabalhados, eles deverão dizer quais palavras e/ou expressões eles não conhecem, para
que elas possam ser explicadas antes do início das atividades.
Expressões em francês:
Feerie: Magia, espetáculo, encantamento
Fermiers généraux: Agricultores Gerais, é uma expressão francesa usada no Antigo
Regime para denominar os homens que coletavam os impostos em nome do Rei para
os contratos de terra.
Expressão em inglês:
Footing: foi uma pratica comum das moças da sociedade, no início do século XX, era
através do footing que o flerte acontecia, principalmente nas praças da cidade, através
da caminhada, as moças podiam ser observadas pelos rapazes e também podiam
observa-los.
2- Se surgir alguma duvida sobre os locais mencionados nos textos, como prédios que não
existem mais, ou ruas e avenidas que mudaram de nome, o professor deve explicar aos
alunos a localização “atual” destes lugares.
3- Perguntar oralmente aos alunos, quais personalidades e políticos citados nos textos eles
conhecem, e como eles os conhecem, se são através da escola ou de histórias de
parentes, livros, televisão, etc. (Isso possibilita o professor entender mais qual o
conhecimento prévio dos alunos sobre a história de Belo Horizonte)
4- Discutir com os alunos o que é uma crônica e o que é o gênero literário de memória.
 Chama-se memórias ao gênero de literatura em que o narrador conta fatos da sua
vida. É tipicamente um gênero do modo narrativo, assim como a novela e o conto,
porém essa classificação é predominantemente atribuída a histórias verídicas ou
mesmo sim baseadas em fatos. Diferencia-se da biografia pois não se prende a
contar a vida de alguém em particular, mas sim narrar as suas lembranças.
 A Crônica é um tipo de texto narrativo curto, geralmente produzido para meios de
comunicação, por exemplo, jornais, revistas, etc. Além de ser um texto curto, possui
uma "vida curta", ou seja, as crônicas tratam de acontecimentos corriqueiros do
cotidiano.Portanto, elas estão extremamente conectadas ao contexto em que são
produzidas, por isso, com o passar do tempo ela perde sua “validade”, ou seja, fica
fora do contexto.

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