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A poética da heterogênese:
Acerca de dispositivos artísticos com aparatos computacionais
INTRODUÇÃO.................................................................................................................11
CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................114
REFERÊNCIAS..............................................................................................................117
GLOSSÁRIO........................................................................................................... 121
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A Tecnologia não é considerada como objetos que existem objetivamente fora da vida social,
política e, sobretudo, estética. Porém, antes de considerá-la assim, consideramos importante
delinear um domínio inicial para, então, estabelecer as linhas de fuga, as linhas de
heterogeneização que possibilitam que esse termo seja expandido a partir de alguma noção
inicial.
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fundamentais, tal como nos filmes de Cao Guimarães ou nas obras de Lozano-
Hemmer.
Marca fundamental do dispositivo, a heterogeneidade foi discutida em
diversos campos. George Lakoff (1990), descreveu os problemas epistemológicos
de categorias homogêneas e pontuou, como proposta, agrupamentos heterogêneos
como uma forma de compreensão da cognição ao lidar com atividades como, por
exemplo, a da experimentação artística. Com os agrupamentos homogêneos,
racionalizações através de classificações, buscaríamos encontrar uma semelhança
que uniria os elementos em uma mesma classe. Como exemplo, temos a classe das
linguagens de programação de computadores, na qual todas as linguagens
integrantes têm a característica de serem definidas por uma gramática formal. Esta
classe abarca linguagens com características diferentes, com potencialidades
distintas. Por exemplo, a sintaxe de cada uma é diferente, porém, todas são
definidas com alguma sintaxe. Então, ao classificar, agrupamos os diferentes por
meio da seleção de características essenciais comuns. Embora haja uma agregação
por classificação das várias linguagens, essa agregação não tem nenhuma
característica explicitamente posta que tensione seus integrantes e a própria classe.
Vejamos: na classe das linguagens de programação, não há nenhuma linguagem
que, com a ajuda de uma outra, se redefina e se torne uma não-linguagem. Esta
tensão, ao produzir exceções, diferenças, descomporia e desterritorializaria nossa
classe de exemplo, produzindo novas classes ou identidades. Sobre a crise de
agrupamentos homogêneos, Foucault já alertava que:
claro que “o dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos”
(p.224) heterogêneos, aponta o caráter relacional entre os diferentes como uma
noção fundamental envolvida com o termo em questão. Portanto, ao contrário de
enunciados homogêneos, o dispositivo artístico busca, na heterogeneidade dos seus
componentes, a produção de comportamentos, de devires de si que possibilitam
subjetivações, sensações heterogêneas.
Ainda que especifiquemos o dispositivo – dispositivo computacional,
dispositivo social, dispositivo artístico –, delimitando o campo que circunscreve os
elementos envolvidos, só há sentido, ao abordar elementos em um mesmo
dispositivo, na medida em que é preservada não só a heterogeneidade, mas
também a potência atrelada na junção das diferenças. Afinal, as obras artísticas
consideradas como dispositivos, jamais se referem a agregados homogêneos de
materiais de um determinado domínio, ou nem mesmo a modos constantes de
composição, ao contrário, só podemos tratar de dispositivos artísticos na medida em
que podem abranger “enunciados contraditórios” (DELEUZE, 1989, p.5), de fora de
seus próprios domínios e, por isso mesmo, são heterogêneos. Esses enunciados
contraditórios dizem respeito às linhas de subjetivação, com as quais em “cada
dispositivo, as linhas transpõem alguns limiares, em função do que são estéticas,
científicas, políticas, etc” (DELEUZE,1989, p. 2). Assim, um dispositivo artístico
define-se pelo modo como ele transpõe, criando subjetividades nos materiais
heterogêneos com os quais é composto, e, tal como nos exemplos das obras de
Lozano-Hemmer, que exploram a potência expressiva em um dispositivo, deve haver
intenção estratégica na composição com seus elementos heterogêneos.
Na continuidade dos enunciados acerca do dispositivo, Foucault explicita as
características das relações que podem estar envolvidas:
Há, então, uma tensão intrínseca na obra de arte quando considerada como
um dispositivo: a composição com o fugidio, com o vir a ser dos materiais, com
comportamentos que estão na incessante luta entre o reconhecimento de
semelhanças e a imaginação das diferenças. Mas, como obras que intervêm em
conjuntos de forças já constituídos, “por toda parte, há misturas a serem desfeitas:
as produções de subjetividade escapam dos poderes e dos saberes de um
dispositivo para se reinvestirem nos poderes e saberes de um outro dispositivo, sob
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Ainda que tenhamos descrito a forma como as obras podem ser tratadas
como dispositivos, há duas categorias importantes dentre os componentes
heterogêneos que requerem maior atenção para o tratamento das composições
artísticas. São elas os aparelhos e os aparatos envolvidos nos dispositivos. Tais
categorias são importantes pois, como veremos no Capítulo 3, as heterogeneidades
produzidas no dispositivo, que possibilitam composições estéticas, se dão através
da transferência de comportamentos entre objetos computacionais e não
computacionais. Portanto, é importante identificar as diferenças para imaginar as
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heterogeneidades entre aqueles que, a princípio, podem ser tratados como meros
aparelhos, mas que, na experimentação, podem fazer surgir sensações
heterogêneas nas composições.
Para essa diferenciação, a noção de aparato se aproxima tradicionalmente
daquela designada pelo termo Aparelho. Não raramente, Aparelho é tratado como
um conjunto cujos componentes se acoplam em torno de um propósito: seu
funcionamento. Nessa direção, a expressão aparelhos computacionais designaria
claramente hardware ou software, agregados ou não, acoplados ou não, em torno
do propósito de cumprir sua função técnica. Porém, o aparato experimental a que
nos referimos não é um conjunto de elementos cujo único propósito – aquilo que une
– é da ordem da funcionalidade.
O aparelho computacional trata de seus componentes, partes integrantes,
como peças inertes. Uma caixa de som, quando tratada como output técnico, em
nada influencia a Unidade Central de Processamento – C.P.U. - e seu computador
na sua totalidade, e também não se deixa contaminar pela ausência de um dos
demais componentes de output. Uma montagem de aparelhos computacionais é
composta por peças, objetos, partes que cumprem um propósito, mas que, na sua
totalidade, em nada se deixam influenciar. Nessa perspectiva, o aparelho é
funcional, seu propósito é a orientação de suas partes para o bom funcionamento.
Seguindo ainda essa concepção, o termo Máquina pode ser também tratado como
um tipo de aparelho quando considerado somente sob seu aspecto de
funcionalidade, ou seja, quando visto sob a ótica de que a totalidade, a máquina , é
uma entidade que tem partes orientadas unicamente para cumprir uma função
predeterminada. Destarte, o aparelho, de acordo com o exposto, é unidimensional,
atendendo somente a sua funcionalidade. Não nos interessa a perspectiva de que o
aparelho é um conjunto de componentes funcionais, mas, ao contrário, assumimos a
visada de que tais componentes sempre exercem alguma força extra-funcional,
tensionando o conjunto que compõem. Então, estamos nos referindo a um tipo de
aparato que se diferencia do aparelho em duas fundamentais direções:
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2012.
Filmografia:
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Cinegrafista: Euber Silva. Belo Horizonte, 2017. 2 arquivos .mp4 (34 min.). O registro
audiovisual na íntegra encontra-se nos endereços https://goo.gl/Yr9PhP e
https://goo.gl/kiJf1H
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GLOSSÁRIO