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CORPO DEPRIMIDO:
Um Estudo sobre Corpo Vivido e Depressão sob
a Lente da Fenomenologia de Merleau-Ponty
DEPRESSED BODY:
A Study about Lived Body and Depression under the Prism of
Merleau-Ponty’s Phenomenology
Fortaleza
Universidade de Fortaleza – UNIFOR
2009
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CORPO DEPRIMIDO:
Um Estudo sobre Corpo Vivido e Depressão sob
a Lente da Fenomenologia de Merleau-Ponty
DEPRESSED BODY:
A Study about Lived Body and Depression under the Prism of
Merleau-Ponty’s Phenomenology
Fortaleza
Universidade de Fortaleza - UNIFOR
2009
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4
AGRADECIMENTOS
RESUMO
ABSTRACT
This research has as its objective to comprehend and discuss the meaning of
the experience lived in the depressed body, investigating the phenomenon of
depression in the lived body or the own body, under the lens of Merleau-Ponty‟s
Penomenology (1945/2006). The relevance of this subject consists in the
importance of the phenomenon of depression has acquired in the present days,
which is a target for increased preoccupation, due to its incidence and the
increase in the epidemiologic indexes (Nascimento, 1999; Lafer & Amaral,
2000; WHO, 2008). When such phenomenon is comprehended under the point
of view of the phenomenological pathology, the essay points towards the
necessity of overcoming the standard model of psychopathology, proposing,
from the contact with the lived experience of the people with depression, an
approach which gives priority to the rupture with the paradigm of duality, and
one that does not conceive man as a purely biological organism, but imbricated
in one‟s history and culture. To attain the proposed goals, a qualitative research
was conducted, using the mundane phenomenological method – which is based
on Merleau-Ponty‟s Phenomenology. The research revealed that the
phenomenon of depression is difficult to be described by the patients, and that
they recognize it through the signals in their body. However, the concept of
body of these patients consists in the division between body and mind, which
hampers the patients‟ correlation between corporality and existence. The
testimonies from the collaborating subjects also revealed: depression is an
external phenomenon to the subject; the body posture and the body rhythm of
the subjects is marked by isolation, retardation and stagnation; they live a
paradoxical relation with death; their self-esteem and personal value are deeply
compromised; they carry a feeling of unpowerment and guilt and they establish
a barrier in their relationships with other people. The conclusion is that the view
of the depressed body through the lens of Merleau-Ponty‟s Phenomenology can
contribute to the understanding of depression as an expression of the existence
of individuals not only as a group of symptoms marked by organic
circumstances.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 10
4 MÉTODO ............................................................................. 84
4.1 A Pesquisa Qualitativa ............................................................. 85
4.2 O Método Fenomenológico ..................................................... 88
4.3 O Método Fenomenológico Crítico .......................................... 91
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INTRODUÇÃO
que nos ronda e para a qual nem sempre encontramos resposta. No mito de
eternamente, realizar um inútil trabalho: empurrar uma pedra até o alto de uma
montanha para vê-la rolar montanha abaixo, pouco antes do final da tarefa,
peso da sua existência, que não é mais do que uma inútil sucessão de tarefas
Ouvir tais pessoas e fazer contato com sua experiência tem sido uma tarefa
de corpo deprimido. É com o corpo que Sísifo realiza sua tarefa. Compreender
fazem por livre iniciativa, mesmo que não tenham diagnóstico médico, mas
comunicação. O trabalho com tais clientes é bastante desafiador, uma vez que
campo (Del Porto, 1999; Rodrigues, 2000; Widlöcher, 2001; Maj & Sartorius,
2005; Moreira, 2007b; Baztán, 2008; Facó, 2008; Kehl, 2009), assim como pelo
saúde pública. Segundo projeção da OMS, tal síndrome, no ano de 2020, será
sobre se ele seria um fenômeno novo, uma tendência que acompanha o modo
observada em descrições na Grécia antiga, há mais de dois mil anos atrás, sob
alteração até o termo depressão maior, mais utilizado nos dias de hoje. A partir
égide do individualismo (Moreira & Sloan, 2002; Lipovetsky, 2005; Kehl, 2009).
sinalizador do „mal estar na civilização‟ que desde a idade média até o início da
modernidade foi ocupado pela melancolia” (p. 22). Isto significa que o
transtorno.
idealizado e absorve o ego de tal forma a gerar uma profunda inibição. Assim,
para esta perspectiva teórica, o luto que não pode ser considerado patológico
Moreira & Sloan, 2002; Moreira, 2007b), mostrando que há diversas formas de
outras culturas.
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global, ou seja, que afeta o indivíduo em seu encontro consigo mesmo com o
amiga que se mostrava ausente do meu convívio social, há algum tempo, ouvi
aperto, uma dor no peito. Minhas pernas não me obedecem. A minha cabeça
parece que vai explodir. O mais interessante é que o médico falou que eu estou
constituição com o mundo. O filósofo afirma que “o mundo não é aquilo que eu
penso, mas aquilo que eu vivo” (p. 14), deixando claro seu pensamento em
ele, sem que o homem, no entanto, possua o mundo, pois ele é inesgotável.
18
mundo ocorre por meio do seu corpo. Assim, a ideia do filósofo rompe com a
corpo como objeto. Tal perspectiva, o leva a afirmar que “eu não estou diante
do meu corpo, estou em meu corpo, ou antes, sou o meu corpo” (p. 208). As
significa ter depressão? A escuta do cliente revela “a depressão que ele tem”
“o corpo que ele tem” ou “o corpo que ele é”? Portanto, considerando a
do corpo deprimido?
objetivo, foram tomados como aliados teóricos desta pesquisa: a literatura atual
sobre a depressão (Widlöcher, 2001; Moreira & Sloan, 2002; Stefanis &
constituídos:
Objetivo Geral:
Objetivos Específicos:
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contornos;
psicopatologia fenomenológica;
(1945/2006);
ATUALIDADE
Rodrigues, 2000; Widlöcher, 2001; Maj & Sartorius, 2005; Moreira, 2007b;
que seremos alvo de tais sentimentos para sempre. Tal fenômeno, no entanto,
das amarras ideológicas impostas por uma sociedade que dita normas de
conduta e bem-estar.
transtorno de humor, não constituindo uma entidade clínica única, pois pode
cada vez mais precisos, já que observa, nos transtornos depressivos, uma
afetivos incluídos nas seções de F30 a F39. Esta classificação assim designa
tais transtornos:
estressantes (p 110).
depressão nos remete à antiga dicotomia entre mente e corpo, bem como à
Facó nos põe em contato com uma crítica bastante pertinente quanto ao
Como não são conhecidas causas comuns da depressão que permitam uma
associados a elas.
do doente. É, portanto, uma tristeza vital, marcada pelo remorso, pela nostalgia
afetiva também está presente e marca tanto a relação com os outros quanto o
vista a sua compreensão biológica (Moreira & Sloan, 2002). A prática clínica
134-135).
que ele constrói de si e do mundo” (Tenório, 2003, p. 31). Tal postura diante do
intersubjetiva.
não se limita ao sintoma: “[...] uma tal psiquiatria, não pode se ater ao plano do
perspectiva.
sociedade (Moreira & Sloan, 2002). Revê também, a concepção de cultura, que
passa a ser entendida não como sinônimo de mundo, mas como constituinte
psicopatologia.
2002).
psicopatológico:
neste caso, o ser humano e a gama de significados que ele atribui ao seu ser-
ou uma dimensão social e outra individual, pois o ser humano está implicado
Tais questões podem ser mais bem discutidas a partir de uma abordagem que
pode ser assim classificada pelos sistemas tradicionais (DSM-IV e CID-10) que
Freire, 2009):
a impossibilidade de uma redução completa” (p. 10), uma vez que é impossível
endogeneidade.
43
negativo.
que tem caráter vital no homem, mas se apresenta como unidade. Tal
1979/2006, p. 181).
sentido, fica claro que tais manifestações sejam chamadas de fenômenos, não
há, aí, oposição entre fatores constitucionais e do meio, nem relação causal
temporalidade. Não se pode obter uma descrição do vivido a não ser a partir do
consigo mesmo.
si mesmo e a do sujeito comum, todos nós que vivemos sob a égide de uma
descrita:
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trabalho, sendo a relação inversa também verdadeira, o que faz com que tal
tipo aumente mais ainda o caráter obsessivo de seu traço para que nem a
são vividas pelo tipo melancólico de duas formas bastante evidentes: o “ser-
bastante, sendo sua importância para o outro medida pelo grau de rendimento
50
considera, ainda, que este mesmo traço possa ser encontrado na forma como
Sentir-se sob a pressão da culpa é, portanto, o pior dos males para o tipo
de uma consciência moral bastante rígida e de, na maioria das vezes, se impor
tarefas cujo nível elevado de exigência pode levar não ao cumprimento devido.
clara e precisa de como se pode fazer contato com a melancolia, por exemplo,
não apenas sua sintomatologia. Para que isto seja possível, deve-se
adverte que é impossível abolir totalmente a “atitude natural” (p. 24) proposta
pela ciência tradicional, cabendo ao fenomenólogo estar ciente de tal fato para
tema com muita frequência, tal sua importância no que concerne à perspectiva
descreve como uma experiência global, ou seja, que afeta o indivíduo em seu
encontro consigo mesmo, com o mundo e com outrem. Revela-se como uma
depressão.
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ou seja, saindo dela e raciocinando sobre ela, mas sobre e na experiência. Isto
quer dizer que, no contato com o depressivo, temos não apenas a experiência
pois engloba o que é visado e aquilo que o visa. É a partir de uma postura que
mas permite uma nova construção teórica que transcende as duas posturas no
melancólica?
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aproximar do que constitui a tristeza nela. A noção de “tristeza vital” (p. 117)
ordem que afeta todo o ser, sendo priorizada, então, não a tristeza, mas o
quem a vive. É como se nem mesmo a tristeza pudesse, de fato, ser sentida
pelo indivíduo, que não sustenta mais do que “um sentimento de vazio, de
contato” (p. 120). De fato, a tristeza parece estar presente, mas ela não é mais
experiência melancólica e toda a ação do sujeito. Tal descrição pode ser mais
estabelecer relação com ela. Tal incapacidade invade, também, toda a ação do
(p. 122), aquele que não é senão peso e carga insuportável. O melancólico
ele atribuídos a sério demais, sem considerar a sua própria subjetividade como
são bastante dificultados por tal traço e, portanto, não podemos deixar de
(p. 125).
ser impotente para viver, o que implica numa relação peculiar com a morte, que
mortes parciais.
separado do outro, está separado de si” (p. 132). Ou seja, toda a presença do
tempo vivido, o que o leva à barreira do futuro, que passa a ser ameaçador e
suscita o não-poder.
mundo:
com o mundo a partir de uma existência no vazio. Tal tipo de relação com o
noção de espaço: o espaço vivido é vazio, oco, sem significado. Para Tatossian
que vive o melancólico. O contato vital com o mundo se perde, uma vez que,
distante das coisas, não é capaz de apreender sua utilidade e, muito menos, de
capacidade de se projetar no mundo e o espaço não pode ser mais que vazio”
(p. 135). Ou seja, o vivido melancólico é marcado pelo corpo pesado no espaço
distinção que se faz necessária diz respeito ao corpo que eu sou – que se
está disponível. Tal distinção, que envolve a noção de corpo, muitas vezes não
Körper, é mais artificial para o francês, que oporá o corpo fenomenal, o corpo
e Leib – comumente traduzidos como corpo vivo e corpo vivido – como forma
certos contextos sociais e históricos não significa que deva haver uma cisão
com os outros e com as coisas. Tal perspectiva nos remete, mais uma vez, à
corpo; não é falso, mas não é toda a verdade do corpo (p. 193).
Posso, portanto, afirmar que o meu corpo é, antes de tudo, o corpo que eu sou,
passando seu corpo a ser o lugar do encontro com o outro. Por meio do gesto
que “não há consciência separada do corpo próprio” (p. 492). Tal afirmação é
sentido, sou o meu corpo, ou seja, meu corpo se reconhece no mundo vivido e,
a partir dele, se revela como dado de minha consciência, porém não como
sujeito.
pode ter grandes implicações na clínica psicológica, uma vez que ele não
fenomenológica que ignore o corpo, seja como experiência vivida, seja como
forma com ele um sistema” (p. 273). É assim, portanto, que Merleau-Ponty
no mundo.
corpo como corpo vivido, ou seja, como meio de acesso ao mundo e a toda
no que diz respeito à forma como a ciência tem tratado o corpo, pois a
Assim, posso afirmar que o estudo do fenômeno psicopatológico, sob tal ótica,
explicar nem de analisar” (p. 3). É, então, um jeito de ver. E o que é “ver”,
senão demarcar o olhar sobre o mundo que está aí? Afirma Merleau-Ponty que
tratado de filosofia” (p. 19). É este o estatuto que ele atribui à fenomenologia: o
contato com o objeto, ocorra por meio de um olhar que o habita e que permita
para começar, o do corpo próprio, consiste no fato de que tudo reside ali” (p.
homem e corpo, em que fica claro que nós somos o nosso corpo:
Assim, tal ideia rompe com a noção do corpo como objeto, à medida que
psicologia
considera que o corpo próprio não é corpo objetivo, como fora pensado pelas
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engrenam:
afirmando que ele não requer nem mesmo uma explicação fisiológica – que o
o seu argumento de que “o corpo é o veículo do ser no mundo” (p. 122). Tal
Coelho Junior (1991), “é a partir do corpo próprio, do „corpo vivido‟ que posso
estar no „mundo‟, em relação com os outros e com as coisas” (p. 49). É em tal
corpo vivo isento de intenções psíquicas, nem ato psíquico em que não haja o
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distanciar-se dele. O corpo é, então, “um objeto que não me deixa” (p. 134).
próprio, no entanto, é diferente daquela dos objetos: ele existe comigo. Mas o
posso observar meu próprio corpo, pois, para fazer isto, precisaria de outro
permite percebê-lo:
que define o corpo próprio, segundo Merleau-Ponty (1945/2006), é que ele não
corpo se surpreende em sua função de tocar e ser tocado, de forma que não se
reconhece quem toca e quem é tocado, o que, no caso dos objetos, representa
equívoco:
pré-reflexiva, na qual não se distingue aquele que sente e aquilo que é sentido.
compreendido:
78
[...] meu corpo inteiro não é para mim uma reunião de órgãos
existência, na qual “ser corpo é estar atado a um certo mundo” (p. 205), o que
confirma que o corpo não está no espaço, mas que ele é no espaço. Nesta
um modo de unidade que não é a subsunção a uma lei” (p. 207), pois ele
mesmo é a lei, a medida que não está sujeita a relações entre seus fragmentos
nem a correlações entre o tátil e o visual. Nós mesmos somos, por meio da
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corpo pode ser comparado, mas, antes, à obra de arte” (p. 208). Toma como
comunicada pelo desdobramento das cores e dos sons. Toma, ainda, como
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3. Paul Cézanne foi um pintor pós-impressionista francês do final do século XIX que
influenciou a pintura do século XX. A característica mais marcante de sua obra é que
ela não se subordinava às leis da perspectiva e, talvez, por tal motivo, tenha servido
de inspiração à obra de Merleau-Ponty.
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se. Entretanto, como não se destaca de todo o apoio material, ou seja, o texto,
para ser conservado, precisa ser escrito e, portanto, não reside no plano das
ideias, o poema não subsiste, eternamente, como uma verdade, mas existe à
direto, e que irradia sua significação sem abandonar seu lugar temporal e
espacial” (p. 209-210). É assim que o corpo pode ser comparado à obra de
termos co-variantes” (p. 210). As suas partes não se reúnem, uma a uma, para
total porque a existência se realiza nele por meio de uma operação primordial
sobre a pessoa que é e que sente? Não traria este olhar objetivante da
o pensamento dualista.
p. 269).
sugere:
(p. 110).
responde à questão do corpo que eu sou, não do corpo que eu tenho, abolindo
compreende o corpo como um objeto, tomado como “partes extra partes” (p.
83
(1945/2006).
84
4. MÉTODO
nunca se deve perder de vista o ser humano, que é o fim de todas as coisas. A
se deseja conhecer. Para este fim, deve-se considerar duas questões que, na
aquilo que nos salta aos olhos no quadro geral e que, por isto mesmo, nos faz
debruçar sobre ele. Como realizar uma construção sem que se coloque nela
tema de pesquisa.
depressão por ser uma das questões que mais me inquietam na prática clínica
partir do depoimento do outro, aquilo que meu olhar, meu corpo e meus
credenciais para atender aos objetivos propostos nesta pesquisa, uma vez que:
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perspectiva do corpo próprio, tendo como foco o modo como as pessoas que a
qualitativa:
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saber que fale deles mesmos e de sua existência ou do mundo vivido, ou seja,
que vivencia tal fenômeno. A riqueza de informações obtidas por meio das
determinadas.
fenomenológico crítico.
88
século XIX e no início do século XX, tendo em Husserl seu maior expoente
pelo sentimento de uma crise de cultura, uma vez que inicia seus escritos no
lida com o significado da vivência” (p. 5). Ou seja, o que caracteriza a pesquisa
a sua intensidade;
descrevam;
(Amatuzzi, 2001).
que embasou a pesquisa, uma vez que, como afirma Moreira (2004), ao nos
acordo com a qual a realidade percebida está sempre em movimento. Tal ideia
sua mútua constituição com o contexto sociocultural. Neste sentido, utiliza uma
(p. 449).
sobre o mundo vivido e é justamente tal perspectiva que corrobora com o rigor
compreensão ideológica dos sintomas (Moreira & Sloan, 2002). Assim, foi
materialistas.
pode nos revelar muito acerca da pessoa que vive a experiência da depressão,
parti do princípio de que a pessoa com depressão é a que mais sabe sobre tal
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com os quais são efetuados mais de 430 mil procedimentos, desde consultas
vocacional. Tais serviços são ofertados à clientela que busca o SPA por meio
pessoa mais indicada para descrevê-la, uma vez que ele vive ou vivenciou tal
de pesquisa.
entrevistas.
antidepressiva;
100
suspendeu a medicação;
medicação antidepressiva;
antidepressiva;
antidepressiva;
antidepressiva;
antidepressiva;
psiquiátrico e a medicação;
antidepressiva;
101
antidepressiva.
fenomenológicas, uma vez que, por meio dela, emerge mais facilmente o
repentinamente e dita como que pela primeira vez. Outra característica de tal
de julho de 2009. Foi realizada com cada sujeito colaborador uma entrevista
entrevista piloto, por meio da qual compreendi que inquirir diretamente sobre o
seguintes passos:
colaboradores;
necessário. Acredito que tal fenômeno se deve ao fato de, como pesquisadora
Pesquisas recentes neste enfoque mostram que tal postura por parte do
107
2. O corpo dividido;
fragilidade;
desencadeador em que, ao fazer contato com seus corpos, fazem contato com
(Mauro)
Porque é como eu digo: eu num quero isso nem pro meu pior
depressão.
(Paulo)
112
você é uma dona de casa, você num tem vontade de zelar pela
casa, porque qualquer mulher zela pelo que é seu. Você não
(Maria)
próprio, ou a relação existencial corpo-mundo: não poder ser e não poder fazer
ela do ponto de vista das relações causais, uma vez que, na concepção do
depoimentos abaixo:
é movido por isso aqui. Sem isso aqui a gente não é ninguém.
(Paulo)
Não era o corpo que não estava bem, era a cabeça que não
você desenvolve. Mas a cabeça tando ruim você quer ir, ela
não deixa você ir. (...) Aí o corpo padece né? O corpo... você
(Francisco)
deprimido... (Mauro)
em cadeia:
Num tem uma coisa isolada. São vários fatores que contribui. É
uma reação em cadeia. Num é algo que você diga: ah... agora
reação em cadeia, tudo vem junto tudo é pesado e tudo é... lhe
interessante notar que, no relato de sua história, ela se apresenta como uma
forma de estar-no-mundo. Ela descreve sua relação com ele da seguinte forma:
marido eu sabia que ia ser pra mim. Ele ia assumir minha mãe
vozes... (Vítor)
como um monstro:
118
Pois é...o que você quer saber mais sobre essa doença que é
uma constante luta contra a depressão, o que corrobora a ideia de que ele a
A depressão ela é tão potente que ela pega uma cara de quase
100 Kg igual a mim e joga no chão. Ela é muito forte. (...) Olha,
meu corpo é como se...(...) a coisa era tão forte dentro de mim
remédios.(Jane)
É uma doença que ela mata você aos poucos. E é muito difícil
sair dela... só com muito ajuda mesmo e você ter que correr
um sentimento de que vive algo de fora dele, com o qual ele tem que lutar
sinalizado por sua história. A ideia do filósofo é que “não se deve dizer que
nosso corpo está no espaço nem tampouco que ele está no tempo” (p. 193),
pois ele os habita. A partir desta concepção, percebo claramente, na fala dos
Olha, eu passei foi quase um ano meio pra abrir a boca dentro
(Maria)
Tudo pra mim é... como se nada pra mim desse certo. Como se
você não fosse nada e as que estão ali ainda te pisam! Não tão
nada. (Vítor)
o quarto. (Maria)
que você tem quando você não está doente é como se... tudo
acho que você... talvez por pensar demais, num sei, num
(Carlos)
horas. E eu ficava até nove hora, dez horas da noite. Pra ajeitar
entendendo?” (Maria)
anos sem estudar, ainda não terminei os estudos, já era pra ter
não conseguia esquecer. Pra mim aquilo dali era muito difícil,
pra mim aquilo dali tinha marcado e nunca ia sair do meu juízo.
vou ficar assim pra sempre. Não vou melhorar? Vou só viver
processo depressivo, que, embora tenham ocorrido há quase dez anos, ainda
perdi... (Ana)
se melhor como ele habita o espaço e também o tempo” (p. 149). A lentidão e o
vontade de não mais viver... de... tão pesado, de tão ruim que
muitos chegam até a morrer. Porque você fica tão triste, você
acha que a única saída é morrer. Você acha que você sair...Pra
você sair daquele problema, pra você sair daquilo que você
não quer ver, daquela situação que você não quer viver você
concretamente:
daí eu falei que minha vida não era boa, mas eu num queria
não queria era morrer era acabar com isso, mas não via
sofrimento do deprimido:
teria medo, eu teria até... ôôô meus filhos talvez fossem sentir
Tatossian (1979/2006). Ele afirma que a angústia vital que marca o fenômeno
ser impotente para viver, o que leva o deprimido a uma relação com a morte
parcial seria o seu recurso para suportar o peso que o corpo carrega em
relação à sua existência. No entanto, sendo este projeto inviável, pois não se
reconhece que partem de uma experiência vivida única, que reflete uma
história pessoal, mesmo quando tais falas parecem repetidas, por estarem
se achando uma nada. Acha que... não tem mais valor. Você
Você perde seu amor próprio, você perde sua dignidade, você
anular, eu não ser mais a pessoa, eu não ser mais aquilo que
130
qualquer coisa. Medo de não ter feito nada. O que você fez na
vida, nada adiantou você ter feito. Você acha que não serviu de
reflete a ideia do sujeito que, ao viver no vazio, se designa como “um nada”.
se realiza nele. Tal afirmação expressa, então, todo o sentido que se manifesta
descreve-se a si mesmo.
baixa, achando que... não sei fazer nada, que num... pessoas
eu. (Mauro)
1945/2006), pois é por meio do meu corpo que percebo o mundo e que
Fragilidade
mudar um problema que não tem jeito, muitas vezes você fica
não consegue mais decidir o que você vai fazer, o que você
vegetando. (Carlos)
prejuízo? (Ana)
pra mim tomar essa decisão, pra mim é a coisa mais difícil do
mim... (Norma)
com nada, tanto fazia fechar portão como deixar portão aberto
delegacia dá parte dela, não fui falar com o gerente da ***** pra
que ele botasse ela pra fora, nem nada.(...) Eu sempre dizia:
Meu Deus! Tu vai pagar, mais cedo ou mais tarde. Tu vai pagar
muita coisa. Hoje em dia não.(...) Por isso que eu acho que eu
(Maria)
comportamento arrogante:
135
afetividade, marcada pelo contato com o outro, não pode ser excluída de tal
outro, o sujeito parece abrir mão de sua própria vida na busca de atenção e
apreço do outro:
pais no interior, pra não deixar ele só talvez até por... querer
valorizar, lhe amar pra depois vir eu. E às vezes esse eu nunca
angustia... Aí até que um dia ele resolveu falar num sei com
quem e essa pessoa disse pra ele: Olha fulano a tua esposa tá
Você perde a alegria não consegue mais ter uma vida social
então assim...se você não tiver boas pessoa pra... que lhe
entenda, que lhe ajude, você chega até a incomodar por isso
manifesta como forma de viver tais relações, quer seja por se sentir incapaz de
viver tal encontro com o mundo, a partir do outro, quer seja pela necessidade
depressão, ela diz assim: não vá! Fique aqui! Não vá, fique
aqui! Se você tiver fortalecido, você faz, vai, vai, vai e vai
foi. (Paulo)
danado! (Paulo)
(Francisco)
sempre contava que minha vida era triste, por causa disso... Eu
dava certo, que eu era uma derrotada, que não tinha mais
afastavam. (Norma)
num entendia porque que ah... era tão alegre, sorria, contava
(Norma)
compreendo o outro, assim como é por meu corpo que percebo coisas” (p.
mundo, e nem conhecer o mundo sem que seja por meio do corpo. Na
CONSIDERAÇÕES FINAIS
lente da psicopatologia crítica (Moreira & Sloan, 2002), ou seja, fazer contato
do seu corpo. A leitura destes sinais revela muito mais do que um complexo de
próprio, tais sinais revelam uma existência pesada, marcada pela indisposição
mundo, são difíceis, uma vez que a nossa cultura tende a reproduzir o modelo
uma mente que comanda e que adoece e um corpo que padece –, é muito
descrevendo-o como algo que se apodera deles , seja uma “coisa” que não
com que as pessoas que vivem tal experiência se sintam limitadas quanto ao
poder de exercer suas próprias vidas e passam a travar exaustivas lutas com
algo que elas percebem como um processo externo. Na minha prática clinica,
noção de tempo que é marcada pela lentidão e pela estagnação do corpo, bem
mundo alia-se a relação que ele mantém com a morte ou com o suicídio. Tal
relação se torna bastante paradoxal, uma vez que é unânime a ideia, expressa
nas entrevistas, de que o sofrimento causado pela depressão faz com que tais
à psicoterapiaterapia humanista-fenomenológica.
fazer contato com a dor que permeia sua corporalidade, me proporcionou vê-
las em uma perspectiva para além dos rótulos das descrições clássicas dos
existência se o mundo, para nós, fosse sempre uma novidade? Observo tal
descoberta do mundo. Foi com tal perspectiva que me lancei nesta pesquisa,
outro por meio do corpo próprio. Concluo, com esta pesquisa, que investigar o
REFERÊNCIAS
Freud, S. (1974). Luto e melancolia, In: Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. 14. Rio de Janeiro: Imago.
(Originalmente publicado em 1917[1915]).
ANEXOS
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Colaborador: _________________________________________
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