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Aula de 19/02/2015 (Mafalda)

Ora bem, nós na aula passada vimos, ainda que de uma forma muito ligeira, do que é que se
tratava quando falamos de situações privadas internacionais.

No fundo estamos a falar de situações em que estão em causa, em princípio, pode ser uma
pessoa, podem ser duas pessoas ou mais, em que não estão dotadas de ius imperii e essa situação está
em contacto com mais de um ordenamento jurídico.

E vimos que, o problema ou um dos problemas que se suscita em termos de direito


internacional privado é o de ver, nestes casos, onde nós temos uma situação plurilocalizada qual é
que é a lei que vai regular essa situação.

Para nós sabermos como é que vamos resolver esta questão, o problema que vamos ter é de
determinação do método. É o método que nós vamos adoptar para resolver esta questão. Se nós
definirmos o método, há uma questão prévia, que é:

Nós temos de saber quais é que são os valores que estão, eles próprios, subjacentes ao direito
internacional privado, já sabemos que depois, destes valores conseguimos identificar princípios e esses
princípios hão-de-se reflectir nas normas que são adoptadas, logo, também no próprio método que é
adoptado.

E porque é que os valores são importantes? Bom, é que se nós bem nos recordarmos das aulas
de introdução ao estudo do direito, nessa altura nós vimos que as leis jurídicas,não contrário das leis
naturais, reflectem valores e é por essa razão, que nós quando definimos o método,quando
encontramos as normas para resolver estes nossos problemas de direito internacional privado,
precisamos de saber quais é que são os valores que estão subjacentes. Mas a relevância dos valores
aqui também não se cinge apenas a questão da própria opção do método. O método nós vamos tratar
dele na próxima aula.

Os valores também nos ajudam a determinar quais é que são os fins das próprias normas, das
regras de direito internacional privado e por isso a indagação dos valores desta disciplina também têm
relevância no que respeita a própria dogmática. Para além disso, as regras de conflitos de leis no
espaço, também, como todas as regras, (aqui voltando aos vossos conhecimentos de IED) também têm
de ser interpretadas e nós já sabemos que a interpretação tem de ser feita, também ela, atendendo
aos valores do sistema jurídico onde estas regras se integram. Portanto, também a determinação dos
valores do direito internacional privado têm relevância hermenêutica.

Depois, também nós sabemos (ainda da IED) que as vezes há resultados que têm de ser
corrigidos. Por exemplo, em alguns casos há autores que discutem se sim, se não, se a redução
teleológica é admissível. Mas a verdade é que temos no direito internacional privado, pela aplicação
das regras de direito internacional privado, podemos chegar a resultados que são contrários ao fim das
próprias normas e nesse caso podemos ter de fazer ali alguma correcção.

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Para além disso, tal como nos outros ramos do direito, também em direito internacional
privado, podemos ter lacunas. A integração de lacunas, como é que é feita? Atendendo, uma vez mais,
aos valores. Daí a importância, de facto, dos valores também nesta perspectiva.

Então, quais é que são os valores que estão subjacentes aqui ao direito internacional privado?
E quando nos falamos dos valores que estão subjacentes ao direito internacional privado, estou a falar
dos valores que estão subjacentes as regras de conflitos. As regras de conflitos são aquelas regras
que nos vão permitir saber qual é que é a lei que se vai aplicar. Por exemplo, o artigo 53º do CC diz o
seguinte: “ a substância e efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens legal ou
convencional são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento”. O
que é que nós aqui temos?

Sabemos que, por exemplo, se tivermos dois cidadãos brasileiros que se casem em Portugal, se
nós quisermos saber qual é que é a lei que vai regular o regime de bens deste casal, o artigo 53º CC diz-
nos que se aplica a lei nacional comum. Se eles são os dois brasileiros, então a lei é a lei brasileira que
nos vai dizer qual é que é o regime de bens aplicável. Não aplicamos a lei material portuguesa, vamos
aplicar a lei material brasileira. O artigo 53º CC é o quê? É uma norma de conflitos.

Em bom rigor, a norma pode-se sentir um bocadinho ofendida quando nós dizemos que ela é
uma norma de conflitos. Na verdade, o que ela faz é resolver conflitos, é uma norma de resolução, de
conciliação. Mas tradicionalmente chama-se uma norma de conflitos. Porquê? Porque nos permite
resolver um conflito de leis no espaço. Neste exemplo que vos dei, que normas é que poderiam ser
potencialmente aplicáveis ? A portuguesa (do lugar onde as pessoas vivem, onde o casamento foi
celebrado) e a brasileira (a lei da nacionalidade dos nubentes).

Portanto, o artigo 53º CC é uma norma de conflitos, que vai responder, que vai dar resposta,
que vai dar a solução a este conflito. Aquilo que nós queremos saber é quais é que são os valores que
estão subjacentes às normas de conflitos e a outras normas que nós também vamos ver que são
relevantes no âmbito do direito internacional privado.

Também vos disse na última aula, que o direito internacional privado não abrange apenas este
problema de conflito de leis no espaço, mas, também, os problemas que se prendem com a
competência internacional e com o reconhecimento de sentenças estrangeiras. Os valores que estão
subjacentes ao DIP, estão subjacentes não apenas ao conflito de leis, mas também a competência
internacional e ao reconhecimento de sentenças. Nós só vamos tratar do conflito de leis, não vamos
tratar do reconhecimento de sentenças, nem da determinação do tribunal internacionalmente
competente.

Bom, posto isto, o primeiro valor que eu aqui tenho é a dignidade da pessoa humana. A
dignidade da pessoa humana é um valor transversal aos vários ramos do direito e naturalmente
também não poderia deixar de ser um valor que está subjacente ao DIP. Nós já sabemos que a
dignidade da pessoa humana está prevista desde logo no artigo 1º da CRP, também está previsto no
artigo 2º da carta da união europeia, no artigo 1º da carta dos direitos fundamentais da UE, na
convenção europeia dos direitos do homem, enfim. A dignidade da pessoa humana está plasmada em
vários diplomas. Como é que ela se manifesta?
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Manifesta-se, por exemplo, no reconhecimento da personalidade jurídica. Tal como também se
manifesta no facto de existir um certo número de direitos de personalidade que cada pessoa humana é
titular. No DIP, este personalismo vai projectar-se também em diferentes planos.

Desde logo, projecta-se reclamando o reconhecimento aos estrangeiros da susceptibilidade de


serem titulares de direitos na ordem interna. Ou seja, tanto os cidadãos portugueses como os cidadãos
estrangeiros são titulares de direitos. No ordenamento jurídico português nos encontramos
manifestações desta ideia na constituição. Também, por exemplo, no artigo 14º do código civil, no n.1
que diz aqui que os estrangeiros são equiparados aos nacionais quanto aos direitos civis, salvo
disposição legal em contrário. Portanto, temos aqui esta ideia de reconhecimento aos estrangeiros da
susceptibilidade de serem titulares de direitos.

Depois, também este personalismo se manifesta na medida em vai fundamentar a sujeição de


matérias que estão compreendidas no estatuto pessoal dos indivíduos à respectiva lei pessoal. Ponto 1.
O que é que é isto da matéria de estatuto pessoal? A matéria de estatuto pessoal é toda aquela que
está directamente relacionada com a própria pessoa. Por exemplo: personalidade jurídica, a
capacidade jurídica, direitos de personalidade, sucessões – tudo isto é matéria de estatuto pessoal.

Todas estas matérias vão ser sujeitas aquilo que se chama a lei pessoal. É o que é que é a lei
pessoal? O ordenamento jurídico português, por regra, a lei pessoal é a lei da nacionalidade. O artigo
31º n. 1 do CC assim o determina. E reparem, em que medida é que isto está relacionado com a
dignidade da pessoa humana?

Bom, todos nós tendemos a pautar os nossos comportamentos e a assumir certos direitos e
deveres que temos, aqueles que estão directamente relacionados com a nossa própria existência, à luz
de uma lei que nos é muito próxima. Que leis é que podem ser estas? Ou a da nacionalidade ou a da
residência habitual. O legislador português estabeleceu em primeira instância a aplicação da lei da
nacionalidade. Assim respeita este valor da dignidade da pessoa humana. Podia haver uma outra
solução. As questões que se prendem, por exemplo, com a capacidade jurídica podiam ter aplicação
territorial. E aí o que é que acontecia? Por exemplo, só se aplicaria a lei portuguesa as pessoas que
estivessem em Portugal, fossem portuguesas, mexicanas ou espanholas.

E podia acontecer também o quê? Saíamos de Portugal, íamos para Espanha e já deixava de ser
aplicada a lei portuguesa, passava a ser aplicada a lei espanhola.

Este valor visa evitar estes inconvenientes que resultam exactamente daquilo que vos disse. Isto
é, saindo nós de Portugal, então todas as questões que se prendiam com o nosso estatuto pessoal já
seriam reguladas pelo Estado para onde nós estávamos. E podíamos ter ainda um outro problema, que
era:

Por exemplo, as matérias de casamento, de família estão também incluídas na matéria de


estatuto pessoal. Em princípio, no exemplo que vimos, regime de bens, por exemplo, o artigo 53º diz
que se aplica que lei?

A lei da nacionalidade comum dos cônjuges. Sendo os cônjuges brasileiros, aplicava-se a lei
material brasileira. Se os cônjuges fossem portugueses, obviamente seria aplicada a lei portuguesa,
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mas aí poderíamos nem estar perante uma situação privada internacional. Agora vamos lá ver: se nós
disséssemos que era aplicada a lei portuguesa enquanto as pessoas estivessem em Portugal. Vamos
imaginar um casal que ia passar um fim-de-semana a Espanha. Chegando a Espanha, o casamento
entre eles poderia eventualmente já não ser reconhecido. Obviamente isto é contrário a todos os
princípios.

Portanto, visa-se evitar que os indivíduos sejam despojados dos estados que já assumiram num
determinado ordenamento jurídico que seja reconhecido num outro ordenamento jurídico.

Outro princípio muito importante é o princípio da autonomia privada. O princípio da


autonomia privada também é vosso conhecido desde sempre. Ele manifesta-se no DIP pela
possibilidade que é dada as partes, em algumas matérias, de escolherem a lei aplicável. Por exemplo:
no regulamento Roma I (é um regulamento europeu, que por ser justamente um regulamento
europeu, tem aplicação directa no ordenamento jurídico português. Neste regulamento estão previstas
várias normas de conflitos relativas a obrigações contratuais) temos uma regra prevista no artigo 3º n.
1 que permite que as partes escolham a lei aplicável ao contrato.

Por exemplo: se um português fizer um contrato de compra e venda com um espanhol, eles
decidem que a lei que vai regular o contrato será a lei portuguesa, ou a lei espanhola ou a lei mexicana,
ou a lei francesa. Aqui se manifesta a autonomia da vontade. Isto existe no regulamento Roma I, como
também existe, por exemplo, no artigo 14º do regulamento Roma II (regulamento que trata da lei
aplicável às obrigações extracontratuais). Portanto, também aqui vamos encontrar manifestações
deste princípio da autonomia privada.

Qual é que é a grande vantagem? Não há uma, há várias vantagens. Nesta autonomia privada,
primeiro, existe certeza na lei aplicável. Porque se as partes, elas próprias, escolheram e decidiram que
o contrato ia ser regulado, por exemplo, pela lei francesa, não vai haver dúvidas que vai ser a lei
francesa que vai ser aplicável ao contrato. Portanto, primeiro, certeza. Segundo, as partes vão em
princípio escolher uma lei que é adequada para elas e se são as duas as partes que estão interessadas,
porque não escolher a lei que for mais adequada? Portanto, também permite a aplicação da lei que é
mais adequada.

Depois, este princípio acaba por estar ligado com o próprio princípio da dignidade da pessoa
humana, porque ele representa também a consagração do DIP na esfera de liberdade que é necessária
a realização da própria pessoa. E já sabemos que a realização da própria pessoa se prende também
com a dignidade da pessoa humana. É claro que estas escolhas poderão ser sempre limitadas no
âmbito do DIP sempre que, da autonomia da vontade resulte alguma contrariedade ao bem comum.

Terceiro princípio, é o da tutela da confiança. A tutela da confiança é fundamental na medida


em que é também, ela própria, condição do equilíbrio social e da paz jurídica. No que é que se traduz
está tutela da confiança? Ela traduz-se, por exemplo, na permanência das posições jurídicas. O
exemplo que eu vos dei do casal que se casou em Portugal e que vai passar um fim-de-semana a
Espanha – permanência da situação jurídica. Se as pessoas são consideradas casadas em Portugal,
devem continuar a ser casadas em Espanha. E também, na realização das legítimas expectativas que
são geradas nas relações entre os privados ou entre eles é um estado. Ou seja, a lei que vai regular
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uma determinada situação não há-de ser uma lei completamente imprevisível para aquelas pessoas.
Por exemplo, o caso que nos vimos dos dois cidadãos brasileiros, que se casam em Portugal. E nós
vimos que de acordo com a nossa norma de conflitos a lei que ia regular o regime de bens deste casal
era a lei brasileira. Se fosse a lei portuguesa, também na seria grande surpresa, ou seja, se nós
tivéssemos um elemento de conexão (um elemento de conexão é a lei da nacionalidade, residência
habitual)...

A nossa norma de conflitos o que é que diz? O regime de bens será regulado pela lei da
nacionalidade comum dos cônjuges. A lei da nacionalidade comum dos cônjuges é a lei pela qual eles
muito provavelmente contariam. Se em vez disso, a nossa norma de conflitos dissesse que se aplicava a
lei da residência habitual, também seria previsível. Portanto, existe aqui alguma margem. Agora, já
seria estranho se por exemplo a nossa norma de conflitos dissesse que se aplicava a lei da
nacionalidade da avó da nubente, que era por exemplo, mexicana. Já nada tinha que ver com a
situação. Portanto, a norma de conflitos tem de determinar o quê? A aplicação de uma lei que seja
mais ou menos previsível para as partes.

Este princípio da tutela da confiança é muito importante porque o seu desaparecimento iria por
em causa o próprio tráfego jurídico. Se as pessoas não soubessem, quando se casavam, qual é que era
a lei que eventualmente lhes seria aplicável, muito provavelmente não casariam. Daí que o princípio da
tutela da confiança é importante para a segurança do próprio tráfego jurídico e porque, se não
existisse, iria inviabilizar a própria vida colectiva pacífica.

Portanto, desta tutela da confiança nós conseguimos retirar algumas consequências. Primeiro,
desta tutela da confiança vai resultar que devemos exigir o reconhecimento da eficácia da lei
estrangeira na ordem jurídica interna. Por exemplo, no caso em que nos vimos do casamento dos
cidadãos brasileiros, qual vai ser a consequência?

A consequência vai ser a aplicação da lei brasileira porque é a lei com a qual eles provavelmente
contavam. Portanto, uma das consequências vai ter de ser o reconhecimento da aplicação da lei
material estrangeira no estado do foro.

Depois, também, uma outra consequência vai ter de ser o reconhecimento das situações que
foram constituídas noutros estados. Por exemplo, o casamento entre dois cidadãos espanhóis que se
casaram em Espanha, este casamento vai continuar a ser reconhecido em Portugal. Não se vai exigir
que as pessoas voltem a casar em Portugal.

Para além disso, em algumas situações que nós depois vamos ver, está tutela da confiança pode
inclusive levar a que seja protegida a aparência de um negócio jurídico que foi considerado válido e
eficaz num determinado ordenamento jurídico, mas que seria considerado inválido ou ineficaz a luz de
outro ordenamento jurídico. Ou seja, vamos imaginar que por força da aplicação da nossa norma de
conflitos, chegávamos a conclusão que um determinado testamento era inválido( por norma, a lei da
nacionalidade da pessoa). Mas, por exemplo, este negócio seria válido a luz da lei da residência
habitual. Nesse caso, o nosso ordenamento admite que em algumas circunstâncias, este negócio
jurídico seja considerado válido porque ele era válido a luz da lei da residência habitual. É a situação do
artigo 31º n. 2, mas depois vamos vê-lo melhor.
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A tutela da confiança reflecte-se por isso em várias regras jurídicas. Por exemplo, no artigo 28º
do CC, que tem uma aplicação muitíssimo residual. A regra que se aplica é actualmente o artigo 13º do
regulamento Roma I e poderá levar a que, em vez de ser aplicada a lei da nacionalidade para aferir a
capacidade jurídica para celebrar um negócio, o negócio poderá ser considerado válido se a pessoa
fosse capaz a luz da lei do país onde o negócio foi celebrado (tutela da aparência).

Também aqui poderá justificar-se alguns limites a competência da lei que regula um contrato
quanto ao valor de uma determinada conduta ou ao valor do silêncio. Podemos aceitar que uma certa
declaração tem valor negocial porque a tutela da confiança o poderá justificar. Depois veremos que
isto poderá justificar outros institutos, como por exemplo o reenvio.

A confiança também está, necessariamente, associada à segurança jurídica porque a tutela da


confiança esta necessariamente associada a previsibilidade do direito aplicável. Só se as pessoas
souberem qual é que é o direito aplicável é que poderão pautar a sua conduta por essa lei. Por
exemplo, quem conduz em Portugal deve saber que deve respeitar as regras de trânsito que estão em
vigor em Portugal. Mas também devemos saber, que se formos para Espanha, convém que levemos
lâmpadas extra e o segundo triângulo, pois temos de respeitar as regras de trânsito espanholas.

Depois, há o princípio da igualdade perante a lei. E aqui. Quando falamos em igualdade


perante a lei, devemos pensar na igualdade das leis (aparte da igualdade entre as pessoas).

Ou seja, uma lei material portuguesa não é melhor nem pior que a lei material espanhola ou
brasileira. Podem ter conteúdos diferente, mas temos de admitir a possibilidade de em Portugal aplicar
ou a lei material portuguesa ou a lei material brasileira. Portanto, não pode haver preconceitos
relativamente a lei material estrangeira. As leis materiais dos vários estados são iguais. E a verdade é
que um dos objectivos do DIP é de tentar o seguinte objectivo: independentemente de uma acção ser
intentada em Portugal, em Espanha, em França ou no Brasil, a lei que será aplicável será sempre a
mesma. É isto só se consegue se cada estado aceitar que pode aplicar a uma determinada situação a
sua própria lei material ou uma lei material estrangeira. Porque é que é importante ?

Se cada estado só aplicasse a sua própria lei material, quem queria intentar acções ia ver qual é
que era a lei material que lhe dava mais jeito é ia intentar a acção no país que lhe fosse mais
conveniente. Iria fazer aquilo a que nós chamamos forum shoping (compra do foro). Vamos ao
mercado para ver qual é que é a lei que é mais favorável e por isso eu vou intentar a acção no país que
tiver a lei material mais favorável. Ora, isto é o que se pretende evitar. O que se quer alcançar eé que
independentemente de onde a acção for intentada, a lei material aplicável seja sempre a mesma.
Como é que isto se consegue?

Vamos imaginar que temos um problema de direitos reais, que está prevista no artigo 46º do
CC. Este artigo diz que o regime da posse, da propriedade e demais direitos reais é definido pela lei do
estado em cujo território as coisas se encontrem situadas. Se a coisa estiver situada em Portugal, eu
vou aplicar a lei material portuguesa. Mas se a coisa estiver situada em Espanha, eu vou aplicar a lei
material espanhola. Então, perante uma coisa que esteja colocada em França, se a questão for
colocada em Portugal, Portugal vai aplicar a lei francesa. Se a questão for colocada no Brasil
(imaginando que tem uma regra semelhante), o Brasil vai aplicar a lei francesa.
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O que se evita com isto? O forum shoping. Porquê? Porque aqui, já vai ser irrelevante que a
acção seja intentada em Portugal ou em Espanha porque o resultado vai ser sempre o mesmo. Claro
que isto tem subjacente uma ideia de igualdade das leis. Quando os tentamos alcançar este objectivo,
que é, independentemente de onde a questão for colocada que se aplique sempre a mesma lei
material, nós temos aqui subjacente o

princípio da harmonia internacional de julgados.

Harmonia internacional de julgados, porque independentemente do país onde a questão for


colocada, todos os estados vão estar em harmonia no que respeita a aplicação da lei material francesa
que é o país onde o imóvel está situado.

Não vale dizer só que é o princípio da harmonia que aí perguntar-vos-ei se estamos em


Woodstock. Ou harmonia internacional também podia ser Woodstock no plano internacional. A
questão é harmonia internacional de julgados.

A harmonia internacional de julgados consegue-se então de várias formas: Primeiro, pela


adopção pelos vários estados de normas de conflitos que tenham redacções semelhantes. Se as leis
dos diversos estados tiverem regras semelhantes a esse nosso artigo 46º.

A harmonia internacional de é alcançada também, por exemplo, pela adopção de convenções


internacionais ou de outros textos internacionais, como é o caso dos regulamentos europeus que eu
vos falei, como o Roma I e Roma II. Porquê? Quando nós estamos a falar no regulamento Roma I e II,
tem normas de conflitos que dizem qual a lei que vamos aplicar em matéria de obrigações contratuais
e esse regulamento está em vigor nos vários estados membros da UE, com excepção da Dinamarca.

Depois, se a questão estiver a ser apreciada em Portugal, aplica-se as normas de conflitos do


regulamento Roma I. Se a questão for colocada em França, vamos aplicar o regulamento Roma I e
vamos dar a mesma solução ao caso, porque o texto é sempre o mesmo.

A outra forma de alcançar esta harmonia prende-se com o reenvio (matéria que vamos ver um
pouco mais à frente), existem também outras formas, que se prende, por exemplo, com a competência
internacional, não havendo competências exorbitantes no que respeita aos tribunais.

Por outro lado, este valor da igualdade vai postular a uniformidade de tratamento das questões
privadas internacionais no seio da mesma ordem jurídica. E esta ideia é referida por referência ao
princípio da harmonia jurídica material ou harmonia jurídica moderna.

Por exemplo, continuando com o casal brasileiro que casa em Portugal. Esta situação que nos
parece ser só isto, vamos ver que vamos ter vários problemas. Primeiro, qual é que é a lei que vai
regular a capacidade matrimonial deste casal? Qual é a lei que vai regular a forma do casamento? Qual
é que é a lei que vai regular o regime de bens? Qual é a lei que vai regular as relações pessoais deste
casal? Na prática, podemos ter leis diferentes a regular várias partes da mesma situação. Neste caso a
capacidade vai ser regulada pela lei brasileira, mas forma do casamento do casamento, segundo o
artigo 50º do CC já vai ser regulada por lei portuguesa. E as vezes pode os ter problemas de adequação
entre as várias leis que vão ser aplicadas aquela que nos parece ser uma mesma situação. Vamos ter de

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conseguir conciliar estas leis de modo a que a sua aplicação seja coerente. De modo também a que
uma situação privada internacional não seja tratada de forma menos adequada do que aquela que é
uma situação interna.

Para além destes valores, temos ainda outros valores importantes que são valores sociais.
Dentro destes valores sociais, o DIP vai ter também preocupações.

Por exemplo: a protecção da parte mais fraca. Nós sabemos que é um princípio que está
subjacente ao nosso ordenamento jurídico, a protecção da parte mais fraca. No nosso direito material
temos regras materiais que visam a protecção dos consumidores ou dos trabalhadores, do agentes, por
exemplo.

Como se consegue a proteção da parte mais fraca em DIP?

O caso dos consumidores: no regulamento Roma I, no artigo 6º, temos aí como se determina a
lei aplicável aos contratos celebrados com consumidores. Admite-se que em determinadas
circunstâncias o contrato seja regulado pela lei da residência habitual do consumidor, porque é a lei
com a qual o consumidor está mais familiarizado. Portanto, a própria norma de conflitos é redigida, de
forma a que seja aplicada uma lei que visa garantir a maior protecção do consumidor.

Um outro valor é o da salvaguarda da soberania nacional. Este valor poderá estar subjacente à
regras de conflitos como por exemplo o artigo 46º que vos falei, porque aos imóveis que estejam
situados em Portugal, vamos aplicar a lei material portuguesa. Estamos a falar da aplicação da lei do
próprio território para regular estas situações.

Um outro valor ainda é o valor da paz social. No fundo, da aplicação das regras de DIP vamos
tentar garantir sempre a paz social. A paz social pode manifestar-se na excepção da reserva da ordem
pública internacional. Se nós por aplicação da norma de conflitos concluirmos que se aplica a lei
material de um determinado estado, mas a aplicação desta lei seja profundamente contrária aos
princípios mais fundamentais do ordenamento português. A aplicação desta lei ao caso poderá ser
afastada. Imaginemos a situação de compra e venda de uma pessoa. O juiz x não vai aplicar a lei
material que permite este negócio, porque dai resultaria uma contrariedade aos princípios
estruturantes do ordenamento jurídico português.

Por último, temos o princípio da preservação da identidade cultural dos indivíduos.

Na medida do possível, tenta-se aplicar uma lei que garanta a identidade cultural dos
indivíduos. Não é por acaso que em matéria de estatuto pessoal, as nossas normas de conflitos
determinam a aplicação da lei da nacionalidade, porque em princípio é a lei com que a pessoa está
mais ligada e é com ele que sente está maior identidade cultural.

Na próxima aula, vamos olhar para o método. Ou seja, tendo presentes estes princípios, vamos
ver qual o método que vamos adoptar.

24 de Fevereiro

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Nas últimas aulas, primeiro vimos o que eram situações jurídicas plurilocalizadas internacionais,
vimos que haviam situações que precisávamos de resolver, designadamente saber qual é a lei que iria
regular uma determinada situação, na aula passada vimos quais eram os valores que deviam estar
subjacentes a esta questão.
Agora que já temos estes valores presentes, já podemos decidir qual é o melhor método para
solucionar o nosso problema e é isso que vamos ver.
Como também se trata de uma faculdade em que a liberdade cientifica é um dos valores que
está subjacente eu vou-vos dar vário métodos, vamos apreciá-lo analisá-los criticamente e no final vou-
vos dar pelo menos a minha opinião.

No que respeita aos métodos podemos identificar 3 métodos principais:


O primeiro método que vamos analisar segue uma orientação jurisdicionalista, em que é que
isto consiste uma visão jurisdiocionalista?
Basicamente a ideia desta orientação que também é chamada de Lex Fori, vem sustentar que as
situações privadas internacionais devem de estar sujeitas à aplicação das normas materiais que estão
em vigor na ordem jurídica onde se encontra o tribunal.
O que é que isto quer dizer?
Isto quereria dizer que se uma determinada situação estivesse a ser apreciada por tribunais
Portugueses, e quando eu falo em tribunais portugueses, também poderia estar falar de uma
conservatória do registo civil português se fosse um problema da competência da conservatória do
registo civil. Mas a ideia é , falando em sentido amplo, se a situação estivesse a ser apreciada por um
tribunal de um determinado país será aplicada a lei material desse país onde o tribunal está inserido.
Este método de resolução das situações internacionais prevaleceu na Europa mais ou menos até ao
século XXII e agora em alguns países ainda poderá ser aplicado embora de uma forma talvez não
completamente óbvia, por exemplo em alguns tribunais dos Estados Unidos ainda se tenta seguir esta
Orientação.
E a verdade é que nós também vamos encontrar no nosso próprio ordenamento jurídico
algumas manifestações desta orientação, nós não seguimos esta orientação, mas encontramos
manifestações desta orientação em que nós encontramos esta influência.
Por exemplo no Regulamento 1346/2000 do Conselho, este é o regulamento relativo aos
processos de insolvência neste regulamento determina-se no artigo 4º n.º1 que “salvo disposição em
contrário no presente regulamento a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos, é a lei
do estado membro em cujo o território é aberto o processo a seguir designado estado de abertura do
processo.” ou seja a lei a ser aplicada será de facto a lei do foro, escusado será dizer no entanto que
depois existem regras muito especificas no que respeita à determinação da competência internacional
dos estados para apreciarem estes litígios, portanto na prática aqui acaba-se por transferir a
preocupação na determinação da lei aplicável uma vez que o tribunal vai a aplicar a sua, a lei do estado
no qual está inserido então vamos ter uma preocupação a montante que é a de saber como vamos
determinar o tribunal que é internacionalmente competente.
De qualquer forma isto para dizer de facto aqui temos uma manifestação desta orientação
jurisdionalista por exemplo neste regulamento no artigo 4.º n.º1 . Mas também no Decreto-lei 7/2004
de 7 de Janeiro é o Dec.Lei transposto para o direito interno a directiva sobre o comércio electrónico, e

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no artigo 5.º n.º3 deste dec.lei determina-se a aplicação da lei material portuguesa aos serviços da
sociedade de informação que tenham origem em estados não membros da União Europeia, ou seja
sempre que houver um plano qualquer em que se coloque com um serviço da sociedade de
informação que tenha origem, que tenha sede num estado não membro da União Europeia se a
questão estiver a ser discutida em tribunais portugueses é aplicável a lei material portuguesa, escusado
será dizer que este artigo 5.º n.º3 tem sido objecto de diversas criticas na ordem jurídica portuguesa,
justamente por ele estabelecer aqui uma orientação lex forista.
Agora vamos lá ver, este método de regulação das situações plurilocalizadas, no fundo
determina a aplicação da lei material do estado onde o tribunal se encontra localizado, este método
tem vantagens, não hajam dúvidas relativamente a isso.
Primeira vantagem que tem: desde logo vai possibilitar a melhor administração da justiça,
porquê? porque os juízes, por exemplo, imagine-se o tribunal competente é o tribunal português,
seguindo esta orientação que lei material é iria ser aplicada pelos juízes? a lei material portuguesa, com
que lei estão os juízes dos tribunais portugueses mais familiarizados? com a lei material portuguesa,
logo esta orientação vem permitir o quê? uma melhor administração da justiça, o que é que isto
significa? significa que a probabilidade de erro na decisão que é dada pelo juiz é menor, é menor
porquê? porque o juiz vai estar a aplicar a lei material do ordenamento jurídico com o qual está mais
familiarizado, a sua própria lei material. Portanto esta é de facto uma das vantagens desta orientação.
Em segundo lugar também esta orientação envolve menor dispêndio de recursos, porquê?
Porque se se aplica a lei material do tribunal onde a questão está a ser apreciada, a lei material
do estado onde o tribunal está localizado e onde a questão está a ser apreciada, se se aplica esta lei
material, não é preciso um juiz vir a indagar, ou ir investigar qual é a lei estrangeira que será aplicada,
porque reparem se um juiz português tiver de aplicar por exemplo lei material alemã, vai ter de
descobrir o que determina a lei material alemã, vai ter de interpretá-la, vai ter de saber o que diz a
doutrina a jurisprudência e tudo isto significa aqui obviamente um dispêndio de recursos.
Agora, estas são de facto duas vantagens que podemos apontar a esta orientação, mas contra
estas duas vantagens nós podemos apresentar outras desvantagens muito mais significativas, pelo
menos no meu entender.
Primeiro, a lei do foro ou a lei material do foro pode na prática não ter qualquer ligação com a
situação que está a ser apreciada, pode não ter qualquer contacto com a situação e as partes poderão
ter desenvolvido toda a sua actividade observando a lei do estado com o qual de facto elas se
encontravam quando a situação foi constituída, por exemplo, imaginem que lei aplicável ao regime de
bens d um casal, a questão está a ser discutida em tribunais portugueses, mas imaginem que o casal
um é do país X outro é do país Y quando se casaram viviam no país Z e lá permaneceram a viver e
actualmente vivem no país R, porque é que haveria de ser aplicada a lei material portuguesa neste
caso?
Na prática as partes sempre desenvolveram a sua actividade e sempre contaram com a
aplicação de que lei, com a lei dos países que estão em contacto com essas próprias pessoas, se esta
questão por alguma razão está agora a ser discutida em tribunais portugueses a lei material portuguesa
não teve nenhum contacto com a constituição da situação e por isso nesta hipótese a aplicação da lei
material portuguesa iria até contrariar a própria tutela da confiança das partes, as partes têm

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confiança na aplicação de que lei? da lei de um dos países, de um dos estados, com o qual apresentem
alguma conexão, alguma ligação.
Uma outra desvantagem ainda desta orientação prende-se com o seguinte facto, se cada
Estado aplicasse a lei material desse mesmo estado então o que é que os demandantes iriam fazer, iam
procurar a lei material que lhes era mais favorável para a solução do seu caso e iriam intentar a acção
nesse tribunal por exemplo se a lei material portuguesa fosse mais favorável intentavam a acção em
Portugal se a lei material italiana fosse mais favorável intentavam a acção em Itália e por aí adiante,
consequência, iríamos ter aquilo que já chamámos na última aula “ foro shopping” ou seja ía-se à
procurado foro que tivesse a lei mais vantajosa para o demandante e reparem que era para o
demandante que era quem intentava a acção, e intentava lá a acção, portanto esta solução propicia o
foro shopping, e em contrapartida não permite a consagração de um principio que também vimos que
era muito importante em Direito internacional Privado, que é o da harmonia internacional de
julgados, ou seja, qual é que é o objectivo que se visa independentemente do país onde a acção for
intentada, por exemplo se uma acção for intentada em tribunais portugueses que o tribunal português
vá aplicar a mesma lei que por exemplo um tribunal italiano aplicaria se a mesma acção fosse
apreciada em tribunais italianos.
O exemplo que eu vos dei foi o do artigo 46.º que trata do regime da posse propriedade e
demais direitos reais, o artigo determina que na matéria da posse propriedade e demais direitos reais
se aplica a lei do país onde a coisa se encontra situada se todos os estados tivessem normas de conflito
como estas, o que é que nós íamos conseguir? se o imóvel estiver em Espanha e a acção for intentada
em Portugal, Portugal aplica que lei? a espanhola, se em frança existir a mesma regra os tribunais
franceses aplicam que lei? a espanhola, e o que é que se consegue? harmonia internacional de
soluções, que não se alcança se cada estado aplicar a sua própria lei material.
Para além disso esta orientação jurisdicionalista tem ainda uma outra desvantagem, é que no
limite, se nós aplicássemos sempre a lei material do foro inviabilizar-se-ía a possibilidade de as parte
poderem escolher a lei aplicável, nós vamos ver ao longo do semestre que não existe sempre a
possibilidade de escolha pelas partes da lei aplicável, mas em algumas matérias isso é admissível, por
exemplo em matéria de obrigações contratuais. e de facto se se aplicasse sempre a lei material do foro
tal possibilidade de escolha não seria admissível o que conduziria aqui a um retrocesso na liberdade de
acção da pessoas.
Agora cabe também a cada estado num âmbito das políticas legislativas que cada estado
adopte, e aqui consequentemente o exercício da su própria soberania tomar as opções de política
legislativa que considerem mais adequadas e portanto vai sempre caber a cada estado a decisão de
tomarem a orientação que vai ser seguida.
Tudo isto também sem prejuízo de um ponto que importante desde já sublinhar, é que em
algumas situações, convém, é de facto muito vantajoso que cada estado possa determinar a aplicação
das suas próprias regras, ou de pelo menos algumas das suas próprias regras, o exemplo que eu dei na
última aula, as regras de trânsito, é muito vantajoso Portugal dizer, “ atenção mesmo que venham
conduzir para cá, para território português, condutores britânicos, faz favor de respeitar as nossas
normas de trânsito, as normas que estão em vigor em Portugal, e não se ponham a conduzir no
sentido oposto da estrada.” portanto de facto em algumas situações nós temos mesmo de no foro

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aplicar as suas próprias regras, exemplo, no caso das regras de trânsito, isto relativamente à orientação
jurisdicionalista.
Passemos então a uma segunda orientação, é a orientação substancialista, aqui iríamos dizer
que a regulação das situações privadas internacionais deveriam sempre de resultar de normas ou
princípios que facultem directamente a respectiva disciplina material, quer tenham sido especialmente
criados para o efeito, quer tenham também por objecto situações puramente internas, ou seja, o que
é que se iria exigir com esta orientação?
Exigir-se-ía, que fossem constituídas que existissem regras materiais que regulassem as
questões privadas internacionais, não sei se se recordam há uns anos, actualmente este é um projecto
que não se ouve falar muito dele, que era de um código civil europeu, essa opção vinha beber a esta
orientação substancialista porquê? o que é que se conseguia? conseguiam-se regras materiais que
estavam plasmadas nesse código civil europeu e essas regras materiais resolviam-se directamente
estas questões, teria de se saber em que casos se aplicavam, mas isso seria outra história, mas aí
teríamos uma solução substancialista. essa solução acabou por cair, do código civil europeu, eu nunca
fui fã desse projecto, continuo a não ser, mesmo porque nós também vimos na aula passada, que as
regras jurídicas que estão em vigor numa determinada sociedade, num determinado ordenamento
jurídico reflectem os valores dessa mesma sociedade, portanto, estar a querer aplainar os valo de
todos os povos, mesmo que europeus temos muitos pontos em comum, mas temos outros que nem
tanto, parece me que fosse talvez um bocadinho forçado, uma vez que o direito reflete os valores que
subjazem às sociedades então essa unificação iria pôr isso em causa, mas esse projecto caiu era só para
percebermos a ideia dessa orientação substancialista.
Outra possibilidade desta tese ambiciosa consiste em por exemplo celebrar convenções
internacionais em que determinadas matérias ficam reguladas materialmente, por exemplo há a
convenção das nações unidas sobre os contratos de compra e venda internacional de mercadorias a
famosa convenção de Viena de 1980 que ninguém entende por que é que Portugal ainda não ratificou
mas, um dia chegamos lá, encontramos nesta convenção regras materiais que regulam a compra e
venda internacional de mercadorias temos aqui uma manifestação desta orientação substancialista, e
assim como nós encontramos esta convenção, encontramos outros diplomas que estão em vigor em
Portugal. há aqui uma questão óbvia, por mui que exista um esforço pelos estados no sentido de
celebrar convenções que regulem materialmente determinadas matérias, nunca se consegue uma
regulação completa de todas as matérias, e aqui esta orientação substancialista também acaba por não
consagrar por si só uma solução para o caso, além do mais todos os estado assinam estas convenções
elas não estão em vigor em todos os estado, teríamos sempre de saber quando as aplicávamos ou não,
e por isso nós vamos também encontrar dificuldades que são inerentes `formação quer por via
legislativa quer por via convencional de regras materiais dirigidas à regulação das situações privadas
internacionais. um outro exemplo também desta noção substancialista poderia também consistir, na
adopção de textos que sejam aplicados especificamente nas situações privadas internacionais por
exemplo na altura da Checoslováquia chegou a ser adoptado um código do comércio que seria aplicado
apenas nas relações privadas internacionais, dou-vos ainda outro exemplo este em vigor em Portugal a
lei uniforme das letras e livranças ou lei uniforme dos cheques, o que se trata é na verdade de regime
material que está em vigor em diversos estados e é a a mesma lei e no caso até é aplicado quer em
situações internas quer em situações internacionais.

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Agora voltamos sempre à mesma questão, aquilo que na verdade vamos ter é uma manta de
retalhos, porque vamos ter determinadas regras que vão regular certos aspectos da vida em sociedade
mas que não regulam tudo, ainda com respeito a esta orientação e atendendo às dificuldades que se
encontram aqui dos estados legislarem, importa também falar aqui da lex mercatoria, seguramente já
ouviram falar dela, esta lei remonta ao direito romano posteriormente veio a encontrar grande
desenvolvimento na idade média e mais recentemente a doutrina da lex mercatoria surgiu no séc XX
falando se já da nova lex mercatoria, sobretudo teve desenvolvimentos nos anos 60 essencialmente na
altura pela mão de de dois autores Goldman e Schimipel estes autores acabaram por rebuscar a lex
mercatoria entendendo aqui, mas as orientações variam, mas no fundo entendendo como regras que
resultam do próprio costume das práticas que se foram desenvolvendo no comércio internacional, esta
lex mercatoria acabou por fazer eco essencialmente nos tribunais arbitrais constituídos sobre a égide
da câmara de comércio internacional, pelos tribunais arbitrais porque existe realmente uma maior
flexibilidade na aplicação da lei, das regras que forem designadas pelas partes, mas a verdade é que
quando tentamos definir o que é a lex mercatoria vamos encontrar grandes dificuldades, podemos
dizer em temos amplos que se prende, ou que a lex mercatoria é composta pelos usos pelos costumes,
que são desenvolvidos pelas boas práticas no âmbito do comércio internacional, e podemos desde
logo distinguir duas orientações principais, uma minimalista e outra maximalista.
A tese maximalista acaba por assumir a lex mercatoria como uma verdadeira ordem jurídica
autónoma, no fundo tem a ver com a ideia que a lex mercatoria tem autonomia suficiente de modo a
que se possa de facto falar de uma ordem jurídica autónoma, autónoma relativamente ao quê?
relativamente aos próprios direitos estaduais, e que poderia ser também alternativa deste direitos
estaduais.
Para alguns autores a lex mercatoria seria essencialmente apenas composta pelas regras
consuetudinárias as práticas os costumes desenvolvidos pelos comerciantes no âmbito do comércio
internacional, para outros também se poderia incluir nesta lex mercatoria inclusive as regras que
resultam das próprias convenções internacionais que foram adoptadas pelos estados, por exemplo a
convenção de Viena 1980 apesar de não estar em vigor em Portugal, segundo alguns autores poderá
ser relevante na medida em que pode ser entendida como parte integrante desta lex mercatoria, isto
em sentido mais amplo.
Segundo a tese minimalista a lex mercatoria poderá exercer quanto muito uma função
complementar do direito dos estados, ou seja esta tese minimalista vem considerar a que a lex
mercatoria não constitui uma ordem jurídica autónoma e eu atrever-me-ia a dizer que a maioria da
doutrina é assim que a entende, que a lex mercatoria não constitui uma ordem jurídica autónoma no
entanto ela pode ser relevante como tendo uma função complementar dos direitos nacionais. E aqui
como pode ser esta lex mercatore ser relevante? pode ser relevante na interpretação de algumas
regras ou na integração, eventualmente até, de algumas lacunas. Agora de facto quem vier a adoptar
uma concepção maximalista vai encontrar um problema muito significativo, é que uma vez mais na
lex mercatoria, conseguimos encontrar alguns conjuntos de regras que têm uma coerência interna,
remos encontrar por assim dizer “ilhotas” destes conjuntos de regras e não temos nem sequer todos
os problemas que se prendem do âmbito do comércio internacional regulados pela lex mercatioria.
Portanto, a lex mercatoria apresenta como uma das dificuldades esta incompletude que pode
depois também gerar insegurança, porquê?

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Porque imaginem que é aplicado a um determinado contrato a lex mercatoria, mas se a lex
mercatoria depois não regula determinados aspectos, determinadas questões nós vamos ter de
determinar como é que essas questões vão ser reguladas e a lex mercatoria por si só não vai dar
resposta. Mas pode a lex mercatoria ser relevante, esta lei ainda assim para mim parece-me relevante,
mesmo para quem adopte esta concepção que não é a maximalista, que é exactamente a que eu
adopto, pode ser relevante nomeadamente no âmbito da arbitragem internacional, ou mesmo que
não estejamos no âmbito da arbitragem internacional, que as situações estejam a ser reguladas ou
decididas por tribunais estaduais, por exemplo no âmbito do regulamento Roma 1 e o Roma 1 é aquele
regulamento europeu que nos permite determinar quel é que é a lei que vai ser aplicada em contratos
obrigacionais, e no âmbito desse regulamento existe uma regra que é o artigo 3º n.º1 que diz “As
partes podem escolher a lei que vai ser aplicável ao contrato obrigacional” quando se diz aqui que as
partes podem escolher a lei que vai ser aplicável a pergunta que se pode colocar é: então e as partes
podem escolher a lex mercatoria para regular o contrato, a orientação aqui vai no sentido que não.
não podem escolher SÓ a lex mercatoria para regular o contrato.
Quando se fala em lei está-se a falar de lei de um estado, todavia e conjugando este artigo 3º
nº1 com o considerando 13, ( considerando 13 são aqueles considerandos que estão antes dos artigos
dos regulamentos) admite-se que possa ser incorporado no contrato algumas regras que não são de
fonte estadual, o que é que isto quer dizer, quer dizer que as partes vão ter sempre de determinar
qual é que é a lei estadual que irá regular o contrato, mas podem para além de dizer : aplica-se a lei
francesa, mas podem dizer imagine-se no que respeita às questões aos problemas que se colocam
com alteração das circunstâncias chamada clausula de artship, nós queremos que esta parte do
contrato seja regulada pela lex mercatoria, mais especificamente podem dizer nós queremos que esta
parte seja regulada pelos princípios uni droit, que já veremos que é isto. o que se consegue aqui?
Consegue -se certeza e determinação do regime para ser aplicado àquele contrato será aplicado
por isso lei material francesa mas na parte em que a lei material francesa o permita, ou seja na parte
em que as normas imperativas francesas não imponham um determinado regime as partes poderão
por referência material aceitar que certas partes do seu contrato sejam reguladas por regras da lex
mercatoria.
Portanto, acaba por haver uma certa complementaridade consegue se aproveitar o que há de
bom na lex mercatoria porque, sublinho, a lex mercatoria tem grande vantagens, existem regras que
estão incluídas no âmbito da lex mercatoria que são de extraordinária riqueza técnica e cientifica e são
de aproveitar , ao mesmo tempo consegue-se segurança jurídica, porque existe uma lei estadual que
será aplicável sempre também as esses casos.
As inseguranças ou incertezas que se prendem com a lex mercatoria pelo facto desta lei não
abranger todo o regime material que poderá ter e ser eventualmente relevante e podemos encontrar
regras muito lacunares e até porque podemos encontrar conjuntos de regras que são coerentes entre
si, mas encontramos apenas alguns grupos e não encontramos depois uma codificação, tudo isto é
verdade e atendendo a esta realidade que alguns doutrinadores e alguns especialistas internacionais
vieram redigir algumas regras tentando compilar nas principais orientações internacionais que eram
seguidas em certas áreas.
E é assim, por exemplo que vamos encontrar os princípios uni droit aplicados aos contratos
internacionais, os principios unidroit, não se deixem enganar, não são principio, são verdadeiras regras,

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e são regras que estão muitíssimo bem elaboradas, que estão tecnicamente fantásticas, em que vamos
encontrar aí o próprio regime dos contratos estas regras foram elaboradas por académicos por
especialistas no âmbito de direito de vários estados conseguiram incluir nesses princípios aquilo que
entenderam que seriam “créme de la créme” no âmbito do contratos, por isso o exemplo que vos dei
que se as partes nada disserem no âmbito de várias matérias, imagine-se impossibilidade do
cumprimento, ou alteração das circunstâncias o contrato poderá ser regulado nessa matéria pelos
principio unidroit, mas aí está especificamente indicado.
Outro exemplo para além dos principios unidroit são os draft common frame of reference
também vão encontrar regras que foram elaboradas dentro do mesmo espirito.
Quer os principio unidroit quer o draft common frame reference não são obviamente fonte de
direito, eles não são vinculativos, não há propriamente um estado que os imponha, e por isso as partes
só vão recorrer a eles se assim o entenderem. mas com isto no que respeita a esta orientação
substancialista podemos também ir buscar pedacinho a esta orientação, no fundo tentando aproveitas
o que há de bom nesta orientação, agora devíamos também e é fácil concluir que pela orientação
substancialista não vamos conseguir resolver todos os problemas que se colocam desde logo porque
as várias regras materiais que existem poderão ser lacunares, e é por isso que atendendo então às
fragilidades dos dois métodos anteriores, que nós vamos propor uma outra solução, ou outro método
melhor dizendo, que nos permita determinar que é a lei aplicável quando nós temos uma determinada
situação privada internacional que está em contacto com mais do que um ordenamento jurídico.
E a forma que nós temos de o fazer é recorrendo às normas de conflitos, qual a vantagem?
As normas de conflitos, não nos võ dar a resposta material ao problema, o que nos irão dizer é
que é que será a lei materal de que Estado vamos aplicar, para resolver a nossa situação e aqui não
temos problemas de lacunas, porquê?
Porque a norma de conflitos vai-nos indicar as normas de um dterminado país, se a lei material
desse país tem lacunas ou não, isso já é outra histórias, mas o que a norma de conflitos nos vai dizer é
qual é que vai ser a lei material que nós vamos aplicar. no qu respeita a estas normas de conflitos nós
podemos encontrá-las em fontes diversas, em convenções de unificação de direito internacional
privado por exemplo vamos encontrar convenções internacionais, existem diversas convenções da AIA
em que nessas convenções que foram ratificadas por diversos estados aquilo que existe são normas de
conflitos, que qual vai ser a consequência vai ser que os estado que ratificaram vão todos ele aplicar
aquelas mesmas normas de conflitos? porquê?
Porque é aquela mesma convenção que é aplicável a todos, imaginem que por exemplo temos
uma convenção internacional que em matéria de direito ao nome é aplicável a lei da nacionalidade, se
tivermos vários estados que tiverem ratificado esta convenção o que vai acontecer? quer a questão
seja colocada no país A,B ou C todos eles vão aplicar em matéria de direito ao nome a lei da
nacionalidade da pessoa, é assim que se consegue esta unificação, outro exemplo, os regulamentos
europeus de facto aquilo que vão fazer é esta unificação no âmbito do direito de conflitos, no
regulamento Roma 1, aplica-se para podermos determinar qual a lei material que vamos aplicar para
resolver uma situação plurilocalizada, mas uma situação que se prende com obrigações contratuais,
basicamente teremos a lei a aplicar para regular um determinado contrato obrigacional. neste caso o
que nos diz o regulamento Roma 1 ? por regra é aplicável a lei que for escolhida pelas partes, o que é
que nós temos?

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Quer a situação esteja a ser colocada em Portugal, Espanha, Itália frança todos este países, uma
vez que lá vigora este regulamento europeu vão aplicar esta mesma regra, ou seja, vão regular o
contrato pela lei que for escolhida pelas partes, este regulamento está em vigor em todos os estados
membros da UE, com excepção da Dinamarca. Todavia e apesar de termos convenções internacionais e
regulamentos europeus, nem sempre nós vamos encontrar nas convenções internacionais e
regulamentos europeus a resposta a todas as questões, por exemplo em matéria de capacidade para
contrair casamento, nós queremos saber qual a lei que se aplica para determinar a capacidade para
contrair casamento de uma determinada pessoa, nós não vamos encontrar nem convenção
internacional nem regulamento europeu que nos resolva a questão, aí recorremos a quê?
As normas de conflitos de fonte interna, estão previstas no CC mais especificamente no artigo
25 a 65, e no artigo 14 a 24 iremos encontrar normas de direito internacional privado mas que não são
normas de conflitos. para além disso vamos encontrar também em vários diplomas avulsos normas de
conflitos, por exemplo nas clausulas contratuais gerais há normas de conflitos, no dec.lei 7/2004 a
mesma coisa e vamos encontrando em vário diplomas normas de conflitos. Estas normas de conflitos
que nos vão indicar? qual a lei que vai regular uma determinada situação jurídica, mas como são esta
regras elaboradas? quais são os critérios subjacentes?
Primeiro os valores que já vimos na última aula, para além disso de acordo com a doutrina
clássica é a localização espacial das situações que nos vai dar um dos critérios que pode ser o critério
principal, ou seja, será em principio aplicada a lei de um estado que apresente alguma conexão com a
situação e por isso vamos encontrar normas de conflitos que dizem o quê? por exemplo em matéria
de capacidade para contrair casamento é aplicável a lei da nacionalidade o que é que nós temos aqui?
A conexão com um determinado momento espacial, o país da nacionalidade da pessoa ou do
nubente, em matéria de posse propriedade e demais direitos reais? é aplicavé nos termos do artigo
46º do Cód. Civ. a lei do estado onde o imóvel se encontra situado, e portanto o que é que estas
normas de conflitos vão dizer? vão permitir fazer a ponte por assim dizer, entre um determinado
problema, por exemplo capacidade para contrair casamento artigo 49º do cód.civ. e dizem-nos que a
lei que vai regular esta situação será alei da nacionalidade e será essa mesma lei que irá regular o caso.
E reparem será aplicável a lei da nacionalidade independentemente do teor material desta
norma, nestas normas de conflito nós não estamos para já a atender ao que diz o teor material das
normas, a única coisa que estamos a ver é uma determinada localização. Esta é a essência do método
conflitual que também é chamado o método da conexão e é este o método que foi essencialmente
adoptado pelo legislador Português, o método da conexão porquê? porque conecta uma determinada
situação com um determinado ordenamento jurídico, por exemplo, o problema que nós temos, posse
propriedade e demais direitos reais, artigo 46 o que é que diz? que se aplica a lei de onde o imóvel está
situado, o imóvel está situado em Espanha, vamos aplicar a lei material espanhola para regular a
situação.
Este método remonta a Savigny, foi o autor mais importante no âmbito do Dto. Internacional
Privado ele escreveu no oitavo volume da sua obra o sistema do Dto. Romano actual ele tratou
especificamente do assunto dos conflitos de leis no tempo e no espaço, aquilo que nos interessa é no
espaço, e basicamente aqui savigny colocou questões importantes, Primeira: Qual o fundamento de
aplicação da lei estrangeira? podemos ou não podemos aplicar lei material estrangeira? Qual é que é o
fundamento para aplicar lei material estrangeira? e o fundamento prendia-se aquilo a que ele chamava

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a comunidade do Direito, ou seja, ele partia do pressuposto que entre as nações civilizadas, e quando
falava em nações civilizadas ele estava a falar mais concretamente em estados ocidentais, temos de ter
em atenção que isto era séc. IXX.Ou seja ele partia do pressuposto que entre estas havia uma
comunidade do Direito, essa comunidade de Direito o que é que tinha em comum?
Determinados valores e princípios que eram comuns a essa comunidade de Direito, e por isso
seria um pouco indiferente se uma determinada situação estivessemos a aplicar a lei francesa a lei a
alemã ou a lei espanhola, porquê? porque todos partilhávamos desta comunidade de Direito. É claro
que esta ideia tem subjacente um principio que já vimos na última aula, que é o principio da igualdade
entre os vários ordenamentos jurídicos ou seja que as varias leis são iguais entre si e é tão legitimo
aplicar lei material portuguesa, lei material espanhola ou alemã.
Depois aquilo que se conseguiria partindo desta ideia era encontrar o normas que permitissem
o principio da harmonia internacional de soluções, e que era, independentemente do país onde a
questão estivesse a ser apreciada que a lei aplicável fosse sempre a mesma, esta é a ideia base para
nós determinarmos que é que é a lei aplicável.

Teórica de 26/02 (Ricardo Damas)

Tínhamos ficado na conexão, e tínhamos visto que… tínhamos falado do Savigny e tínhamos
visto que, de acordo com o método conflitual, existem normas de conflito que são aquelas que vão
permitir determinar qual é a lei material aplicada.
Tínhamos visto que subjacente a este problema estava a ideia da comunidade de direito, no
fundo entendendo que, segundo o que Savigny defendia, era que, no fundo existia uma comunidade
de direito que tinha uma base comum, claro que quando falava desta base de direito estava a falar dos
ordenamentos jurídicos ocidentais como por exemplo o nosso, mas basicamente a ideia que está
subjacente é uma ideia de fungibilidade entre as várias ordens jurídicas ou de confiança na aplicação
de outra lei que não a do fori.
Por exemplo, o Tribunal português teria tanta confiança em aplicar a lei material portuguesa,
como a lei material alemã ou a lei material francesa ou italiana.
Portanto, esta é a ideia que está subjacente, uma ideia de igualdade entre as leis dos vários
Estados, e é justamente esta paridade de tratamento das leis que está na base deste modelo, que é
proposto por Savigny e este modelo que nós dizemos que é o modelo conflitual ou método conflitual
tem por base a regra de conflitos bilateral.
A regra de conflitos bilateral, em contraposição à regra de conflitos unilateral, mas regra de
conflitos bilateral é uma norma de conflitos que irá resolver o problema de determinação da lei
aplicável a uma situação plurilocalizada e que, tanto pode determinar a aplicação da lei material do
foro como a lei material estrangeira.
Exemplo: art.46º do CC, é uma norma de conflitos bilateral. O que é que esta norma nos diz?
ARTIGO 46º
(Direitos reais)
1. O regime da posse, propriedade e demais direitos reais, é definido pela lei do Estado em cujo
território as coisas se encontrem situadas.
Se a coisa se encontrar situada em Portugal, aplicamos a lei material portuguesa, se a coisa se
encontrar situada em Espanha, aplicamos a lei material espanhola, se a coisa se encontrar situada em
Itália, aplicamos a lei material italiana.
Este art.46º CC, é uma norma de conflitos bilateral, ela tanto pode determinar a aplicação da lei
material do foro, como a lei material de um outro Estado estrangeiro.

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Dentro desta datação metodológica, nós vamos encontrando diversas correntes, (Depois ainda
vamos desenvolver as várias multiplicidades de normas de conflitos), mas desde já, nós podemos fazer
aqui uma distinção entre estas normas de conflitos bilaterais, por exemplo, o art.46º por um lado, e
por outro lado as normas de conflitos unilaterais.
As normas de conflitos unilaterais, por contraposição às bilaterais, são aquelas que apenas
determinam a aplicação da lei material do foro.
Por exemplo: o Art.3º nº3 do Código Civil francês, determina que as leis relativas ao estado e
capacidade das pessoas aplicam-se aos franceses, mesmo que residam no estrangeiro.
Então, temos uma norma de conflitos que é uma norma unilateral, porque ela apenas está a
dizer qual é que é o campo de aplicação no espaço da norma material francesa. No fundo temos, a
norma material francesa que trata da capacidade e temos uma norma de conflitos unilateral que diz
que, estas normas materiais serão apenas aplicadas aos cidadãos franceses. Está limitado o seu campo
de aplicação no espaço.
Agora podem perguntar. Então como é que os tribunais franceses… qual é a lei que será
aplicada, por exemplo, para resolver um problema qualquer de capacidade de um cidadão espanhol?
E este é o problema das normas de conflitos unilateral, elas não resolvem esse problema.
Os franceses resolvem (depois vamos ver), mas este é o problema da norma de conflitos
unilateral, ela apenas delimita o campo de aplicação no espaço da norma material do foro, e não
resolve todos os problemas.
Depois, podemos ainda, diferenciar as normas de conflitos quanto à atendibilidade do resultado
material da aplicação de uma determinada lei, e por isso, vamos encontrar, por exemplo, normas que
são puramente localizadoras e que elas dizem apenas aplica-se a lei, por exemplo, o art.46º “aplica-se
a lei do lugar onde a coisa está situada” e não interessa o que diz a lei material do Estado onde a coisa
está situada. É essa lei que vai ser aplicada. Se a coisa se encontrar em Portugal aplica-se a lei
portuguesa, se a coisa se encontrar em Espanha aplica-se a lei espanhola. Não vamos ver se é mais
favorável aplicar a portuguesa ou a espanhola, são normas puramente localizadoras.
Por outro lado, vamos encontrar outras normas que têm em atenção o resultado da aplicação
da lei de um ou outro ordenamento jurídico.
Por exemplo: o art. 65º nº1 do CC., diz-nos qual a lei aplicável para regular a forma de um testamento,
a validade formal de um testamento. Nós vamos ver que (vamos estudar mais adiante) no art.65º nº1
vamos encontrar quatro (4) conexões possíveis. Podemos aplicar, ou a lei do país onde o acto foi
celebrado, ou a lei da nacionalidade do de cujos ao tempo da celebração, ou a lei da nacionalidade do
de cujos ao tempo da morte ou ainda, a lei para onde remete a lei do lugar da celebração. Portanto,
temos 4 possibilidades. E qual é que escolhemos?
O artigo diz: Vamos aplicar destas quatro aquela que garantir a validade formal do testamento.
Temos aqui uma norma de conflitos que é materialmente orientada, mas estas acabam por ser a
excepção e não a regra.
Depois, podemos encontrar normas de conflitos que são mais rígidas, por exemplo, a do art.46º
CC lei do lugar da celebração da coisa, mas também podemos encontrar outras que são mais flexíveis.
Podemos encontrar normas de conflitos que dizem, por exemplo, que é aplicável a lei que apresentar
uma situação de conexão mais estreita e esta acaba por ser um conceito muito amplo e portanto, esta
é uma norma manifestamente mais flexível.
E depois, ainda podemos ter outras normas de conflitos que se desviam deste modelo comum,
que acabam por prescindir de um elemento de conexão espacial, por exemplo, o art.3º nº1 do
Regulamento Roma I que nos diz que as obrigações contratuais são reguladas pela lei escolhida pelas
partes, então, o que é que se admite? Que é aplicável ao contrato a lei que for escolhida pelas partes,
atendendo-se à autonomia da vontade das partes.
Este papel nuclear que é desenrolado pelas normas de conflitos na regulação das situações
privadas internacionais, não prejudica a relevância que eventualmente pode ter a lei do foro, das
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regras que estão em vigor no foro. Em que medida? Desde logo, se nós chegarmos à conclusão por
aplicação das normas de conflitos… temos um problema, situação plurilocalizada, atacamos a norma de
conflitos e chegamos à conclusão que para regular aquela situação é aplicável a lei do país X, vamos
imaginar que a lei do país X é profundamente contrária aos princípios fundamentais da ordem jurídica
portuguesa.
Imagine-se por exemplo, que está em causa um problema de capacidade matrimonial. Imagine-
se que de acordo com a lei do país X as pessoas têm capacidade matrimonial a partir do momento em
que nascem, no sentido de permitir os casamentos por arranjos na infância. Neste caso, um Juiz
português não iria aplicar essa lei, porque a aplicação dessa lei é profundamente contrária aos
princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa. Neste caso, funcionaria aquilo que vamos
estudar mais adiante, que se designa por reserva de lei pública internacional, que está prevista no
art.22º do nosso CC., ou seja, apesar de nós termos normas de conflitos que nos permitem determinar,
qual é que é a lei material aplicável para regular uma determinada situação, no final, nós podemos ter
de proceder a alguns ajustamentos e não aplicar exactamente aquela lei.
Agora que temos presente vários métodos, e a verdade é que, conforme eu vos fui falando dos
vários métodos, fui dando exemplos de manifestações desses métodos no ordenamento jurídico
português, nós podemos dizer que o método que está presente, que está plasmado no ordenamento
jurídico português é essencialmente o método conflitual, recorrendo-se às normas de conflitos, o
que não significa que em algumas situações, em alguns casos não vamos encontrar normas onde
também existem manifestações do método substancialista.
Portanto, o que na prática nós vamos encontrar é uma pluralidade de métodos, no fundo,
acabamos por ir buscar o melhor que há em cada um dos métodos e aproveitamos o melhor
possível, sendo que a prevalência vai ser manifestamente para o método conflitual ou da conexão.
Posto isto, e vista esta panorâmica dos métodos, vamos passar ao ponto seguinte.
Fontes
Internacionais
Antes de mais importa falarmos numa tendência que se tem verificado nos últimos anos que
tem sido a codificação das questões que se prendem com o DIPrivado.
Vamos encontrar em vários ordenamentos jurídicos esta tendência para a codificação. Outro
fenómeno que se tem verificado, consiste na internacionalização das fontes.
Internacionalização das fontes que resulta de diferentes vias:
Existe uma tendência para adoptar Convenções internacionais em matéria de DIPrivado, sendo
que isto significa que vamos encontrar Convenções Internacionais que tratam determinados aspectos
de DIPrivado, estabelecendo normas de conflitos. Essas normas de conflitos, uma vez que se
encontram plasmadas nessas Convenções Internacionais, vão ser aplicadas de igual modo em todos os
Estados contratantes. A vantagem destas Convenções Internacionais é a de garantir uma maior
uniformização entre os vários Estados no que respeita às normas de conflitos aplicáveis a uma
determinada matéria, e se as normas de conflitos são as mesmas nos diversos Estados, porque a
mesma Convenção está em vigor nos mesmos Estados, então, vai-se conseguir uma maior harmonia
internacional de julgados, porque os vários Estados ao aplicarem a mesma Convenção, aplicam as
mesmas normas de conflitos, o que vai levar à aplicação de uma determinada lei material para a
resolução do caso.
Vantagem; a segurança, porque as pessoas contam com a aplicação dessas Convenções
Internacionais, é mais fácil nós conhecermos Convenções Internacionais do que conhecermos o Direito
interno dos vários Estados e portanto, a aplicação das próprias normas de conflitos vai depender do
foro onde a acção é intentada. Se a acção for intentada em Portugal aplicam-se as normas de
conflitos que estão em vigor em Portugal, se a acção for intentada em Espanha aplicam-se as normas
de conflito que estão em vigor em Espanha. Se em Portugal e Espanha vigorar a mesma Convenção,

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então, as normas de conflitos são iguais, o que permite uma maior previsibilidade na determinação
da lei aplicada.
Há várias Organizações Internacionais que se têm dedicado à elaboração destas Convenções,
exemplo, Conferência de Haia de DIPrivado tem produzido imensas normas, nomeadamente no que diz
respeito ao rapto parental (Convenção de Haia de 1980). Também vamos encontrar várias Convenções
que foram celebradas sob a égide da ONU, nomeadamente a Convenção sobre o reconhecimento e
execução de Sentenças arbitrais estrangeiras, que foi celebrada em Nova York em 1958.
Há também uma outra Instituição de onde têm imanado várias Convenções de DIPrivado, no
âmbito do estado civil, que é Comissão Internacional do Estado Civil (CIEC) vamos também ai encontrar
várias Convenções, por exemplo, no que respeita ao nome.
Qual é a relevância destas Convenções no ordenamento jurídico interno:
Sabemos que, por força do art.8º nº2 CRP, as normas constantes de Convenções Internacionais,
regularmente ratificadas ou aprovadas, vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e
enquanto vincularem internacionalmente o Estado português.
Sabemos também que, nos termos do art.8º nº3 CRP, as normas que são imanadas dos Órgãos
competentes das Organizações Internacionais de que Portugal seja parte, também vigoram
directamente na ordem interna, desde que tal esteja estabelecido nos respectivos Tratados
constitutivos.
Depois, no art.8º nº4 CRP, temos a relevância do Direito da EU, este vamos abordar no ponto
seguinte e que tem algumas especificidades.
Estas são Convenções que se Portugal tiver aderido a elas, se as tiver ratificado, então elas
estão em vigor em Portugal e elas vão ser aplicadas e terão primazia sobre o direito interno,
portanto, se tivermos Convenção Internacional não vamos aplicar as normas de conflitos de fonte
interna.
Há aqui também uma outra questão muito importante, se a ideia que está subjacente à
adopção a estas Convenções Internacionais é a de que, nos vários Estados parte destas Convenções,
sejam sempre aplicadas as mesmas normas de conflitos, as que estão naquelas Convenções, então,
também as regras destas Convenções têm de ser interpretadas da mesma forma em todos os
Estados, sob pena de sobre um mesmo texto, termos interpretações diferentes e esta uniformização
que se pretende cairia por terra.
Aqui, eu sublinho a existência da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 23 de
Maio de 1969. Esta Convenção está em vigor em Portugal e fornece-nos os cânones hermenêuticos
sobre os quais se deve fazer a interpretação das Convenções Internacionais, de modo a respeitar o
mais possível o espírito destas Convenções e a uniformização da sua aplicação nos vários Estados.
No que respeita ao Direito da EU e das fontes do Direito da EU, quero aqui fazer um ponto que
deve de ser sublinhado nos vossos apontamentos, porque, cada vez mais, o Direito da EU tem uma
importância muitíssimo significativa no âmbito do DIPrivado, de tal modo que se falava de uma
comunitarização do DIPrivado, agora fala-se na europeização do DIPrivado.
A quando da assinatura do Tratado de Amesterdão a 02 de Outubro de 1997, que entrou em
vigor em Maio de 1999, determinou-se que as coordenadas relativas à cooperação judiciária em
matérias civis, foram deslocadas do 3º Pilar (âmbito intergovernamental, portanto, era necessário o
acordo dos vários Governos dos vários Estados membros) para o Pilar comunitário.
A relevância desta alteração, foi a determinação no art.61º al.c) TUE, que o Conselho adoptaria
as medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil, previstas no art.65º TUE, com vista a
criar um espaço de liberdade, segurança e justiça.
E nos termos do art.65º al.d) TUE, determinava-se que as referidas medidas teriam como
objectivo a função da compatibilidade das normas aplicáveis nos Estados membros, em matéria de
conflitos de leis e conflitos de jurisdição. Isto significa que o Conselho e o Parlamento passaram a ter
legitimidade para adoptarem medidas no âmbito do próprio conflito de leis.
20
Nos termos do art.65º nº1 do Tratado de Lisboa, também no que respeita à cooperação
judicial em matéria civil, determina-se que a UE desenvolverá a cooperação judicial em matéria civil
que tem aplicações transfronteiriças, no princípio do reconhecimento mútuo das decisões judiciais e
extra-judiciais, podendo esta cooperação incluir a adopção de medidas que visem a aproximação das
leis dos Estados membros, incluindo-se, nos termos do art.65º nº2 al.c), a adopção de medidas que
visam a compatibilidade das regras de conflitos de leis e de jurisdição aplicáveis nos Estados
membros. Portanto, isto significa que estes órgãos europeus (Parlamento e Conselho) têm
legitimidade para legislar em matéria de conflitos de leis e conflitos de jurisdição, desde que, estas
questões se revelem pertinentes para o exercício das liberdades europeias.
É por esta razão que actualmente, nós vamos encontrar diversos Regulamentos Europeus que
tratam destas matérias.
Por exemplo: o Regulamento 44/2001 (trata dos conflitos de jurisdição e foi revogado pelo
Regulamento 1215/2012) que nos termos do art.8º nº4 da CRP e do TSFUE, resulta que este
Regulamento tem aplicação directa nos vários Estados membros da UE, não existe a necessidade de
transposição do Regulamento para as ordens internas, pois, eles têm aplicação directa e, quem diz o
regulamento 1215/2012, diz por exemplo o Regulamento Roma I (trata de conflitos de leis no espaço
em matéria de obrigações contratuais) neste regulamento nós vamos encontrar normas de conflitos
que nos permitem determinar qual é que é a lei aplicável às obrigações contratuais nas situações
plurilocalizadas.
 Regulamento Roma I – Obrigações contratuais;
 Regulamento Roma II – Obrigações extra-contratuais;
 Regulamento Roma III – Relevante em matéria de divórcio;
 Regulamento Roma V – Relevante em matéria de sucessão por morte.

Portanto, todos estes Regulamentos estão em vigor (excepto o Roma V, vai estar) na ordem
jurídica portuguesa, assim, nós não aplicamos as nossas normas de conflitos nessas matérias, vamos
aplicar os Regulamentos por primazia do DUE sobre o direito nacional.
Portanto, se tivermos Regulamento europeu aplicável numa determinada matéria, é esse
Regulamento que vamos aplicar, as normas de conflitos que resultam desse Regulamento e não as
nossas normas de conflitos.
Para além dos Regulamentos europeus podemos relevar a importância de Directivas europeias.
Em várias Directivas europeias nós também encontramos normas de conflitos, sendo que a diferença
consiste no facto de as Directivas terem de ser transpostas para o ordenamento interno, ou seja, em
princípio elas não têm aplicação directa, no entanto, quando é feita a transposição para o direito
interno o legislador terá de ter por base essas Directivas europeias.
Exemplo da relevância das Directivas:
A nossa lei sobre as cláusulas contratuais gerais tem normas de conflitos que resultam da
transposição da Directiva europeia sobre as cláusulas abusivas. A mesma coisa no que respeita ao
regime do time sharing, também esse resulta da transposição para o direito interno de Directivas
europeias, portanto, verificamos uma relevância do direito da UE por via das Directivas.
É ainda devida uma palavra ao TJUE (Tribunal de Justiça da UE), pois, este órgão tem tido um
labor muito intenso no que respeita à interpretação destes diplomas e a interpretação que é feita de
um deles não é estanque e tem relevância na interpretação que é feita de outros, por exemplo, no
regulamento 44/2001, havia conceitos (obrigações contratuais ou de obrigações extra-contratuais)
também no Regulamento Roma I ou o Regulamento Roma II, vamos aproveitar a Jurisprudência do
TJUE na densificação desses conceitos, portanto, a Jurisprudência do TJUE é muito importante mesmo
porque, aquilo que disse relativamente às Convenções é válido para os Regulamentos e que é o
seguinte: O Regulamento Roma I é só um, e ele está em vigor em todos os Estados membros da UE

21
(excepto na Dinamarca), porque o legislador europeu entendeu que era importante haver uma
uniformização em matéria de direito de conflitos, estabelecendo normas de conflitos iguais em todos
os Estados membros da UE em matéria de obrigações contratuais.
Só se consegue este objectivo se as regras, se os conceitos que estão previstos no Regulamento
europeu, forem interpretados exactamente da mesma forma em todos os Estados membros da UE.
Pois se os mesmos termos fossem interpretados de diferentes formas pelos Estados, esta
uniformização que é visada não se alcança, portanto, a interpretação tem de ser uniforme e o TJUE é o
órgão por excelência para nos dar estas orientações.

Internas
Sempre que estejamos perante uma matéria que não esteja regulada em nenhuma Convenção
Internacional, não esteja regulada em nenhum Regulamento europeu ou outro instrumento de fonte
internacional, vamos recorrer às normas de conflito de fonte interna.

Disposições relevantes:
Art.14º ao art.65º CC, as normas de conflito em espacial vão do art.25º ao art.65º CC, para
além disso também vamos encontrar leis extravagantes onde estão previstas regras de conflitos, por
exemplo, o Código das Sociedades Comerciais (art.3º), o Código dos Valores Mobiliários, o regime
jurídico das cláusulas contratuais gerais (Dec.Lei 7/2004), o diploma que regula o contrato de
agência, tudo isto são diplomas que vamos ver ao longo deste semestre, mas tudo isto para dizer que,
para além das normas de conflito que nós vamos encontrar no CC., vamos encontrar ainda outras
normas de conflitos que constam de leis extravagantes.
A Jurisprudência em Portugal em matéria de DIPrivado é escassa.
A doutrina (não é fonte de direito) no sentido em que não é modo de criação de normas
jurídicas.
Com isto encerramos o ponto das fontes e passamos ao ponto seguinte.

Relação entre o DIPrivado e as outras disciplinas jurídicas


Com respeito a este ponto, vamos começar a ver a relação entre o DIPrivado e o Direito
Constitucional.
As relações entre DIPriado e o DC são muitas, nomeadamente na incidência do DC no direito da
nacionalidade, podemos falar na incidência do DC sobre o direito dos estrangeiros, podemos falar na
incidência do DC sobre o regime do reconhecimento se sentenças estrangeiras, mas hoje, vamos incidir
a nossa atenção na relevância do DC sobre as regras de conflitos de leis no espaço.
Só nesta questão, ainda podemos encontrar diversos problemas:
1. Temos o problema de saber se as normas de conflitos de fonte nacional estão ou não
sujeitas à CRP, ou seja, saber se as normas e os princípios constitucionais impõem ou prescrevem ao
legislador a escolha de determinados elementos de conexão, ou inclusive, até a inclusão de
determinadas normas de conflitos. Portanto, saber se as regras e princípios constitucionais têm ou
não têm alguma relevância na redacção das normas de conflito ou até na própria existência de
algumas normas de conflitos.
2. Problema da admissibilidade ou não, do controlo da compatibilidade das normas
materiais do ordenamento jurídico estrangeiro que é acionado por força das normas de conflitos, com
a nossa Constituição, ou seja, saber se nós vamos submeter a lei material estrangeira que é designada
por força da norma de conflitos, ao crivo da nossa Constituição.

Imaginem que, por força da nossa norma de conflitos chegamos à conclusão de que é aplicável
a norma do país X. Pergunta:
22
Vamos saber se aa leis materiais do país X são ou não conforme à nossa Constituição?
3. Temos o problema da fiscalização da constitucionalidade do direito estrangeiro que é
designado ser aplicável pelos tribunais portugueses, à luz da Constituição do Estado de onde dimana
esse direito material, ou seja, se nós chegarmos à conclusão, por aplicação da nossa norma de
conflitos que é aplicável lei material francesa, por exemplo, a pergunta é: se nós vamos verificar se
esta lei material francesa, é ou não, conforme à Constituição francesa.

Começando pelo 1º problema: Saber se as regras de conflito de fonte nacional, devem ou não
devem de ser sujeitas à CRP, devem ou não devem de respeitar a CRP.
E aqui, nós vamos encontrar duas orientações diferentes: uma que no meu entender já se
encontra ultrapassada (e é defendida por um autor estrangeiro cujo nome não consegui identificar)
que dizia que o DIPrivado é um domínio estranho à Constituição, porque entendia que o DIPrivado,
mas explicitamente, as normas de conflitos, eram normas axiologicamente neutras e que visavam uma
justiça meramente formal. Como eram normas axiologicamente neutras e visavam uma justiça
meramente formal, então, elas não deviam de ser submetidas, não tinham de ser submetidas à
Constituição pois não eram susceptíveis de infringir os preceitos constitucionais. E por isso, por
exemplo, um princípio da igualdade dos cônjuges não era extensível às normas de conflitos.
Outros autores, (a esmagadora maioria) onde se inclui o Professor Moura Ramos, entende que
as regras de conflitos não são preceitos axiologicamente neutros, nem são indiferentes aos critérios de
justiça. Entende que as normas de conflitos visam a realização dos valores que inspiram a própria
ordem jurídica a que pertencem, e que estes valores, estes princípios se exprimem na própria escolha
do elemento de conexão que é relevante, portanto, da própria redacção da norma de conflitos. É óbvio
que esta é também a minha orientação, porque há duas aulas atrás eu estive a falar nos valores que
estão subjacentes ao DIPrivado, ora, se estive a falar nos valores que estão subjacentes ao DIPrivado, é
porque as normas de DIPrivado não são axiologicamente neutras.
Este problema da influência da Constituição nas normas de conflitos, colocou-se entre nós com
especial acuidade depois da entrada em vigor da Constituição de 1976.
Se repararem, o art.59º do CC. determina:
ARTIGO 59º
(Revogado pelo Dec.-Lei 496/77, de 25-11)

Este artigo que falava da filiação ilegítima foi revogado, pois, com a CRP de 76 passou a ser
contrário à CRP fazer a distinção entre filhos legítimos e filhos ilegítimos, e como passou a ser contrário
à Constituição, entendeu-se revogar também esta norma de conflitos, porque qualquer norma que
permitisse esta distinção era considerada inconstitucional.
Outro exemplo: o art.52º e o art.53º CC, se repararem na redacção do CC, é também a redacção
de 1977, porque a redacção que existia antes era a de que era relevante a lei da nacionalidade (em
matéria de relações entre os cônjuges) comum dos cônjuges, mas se não tivessem nacionalidade
comum era aplicada a lei da residência habitual, e na falta desta era aplicada a lei pessoal do marido.
Ora bem, esta regra também foi alterada pelo facto de ser contrária à CRP que prevê a igualdade entre
os cônjuges.
Portanto, com isto verificamos que as normas de conflitos podem, não devem, mas podem ser
contrárias à Constituição, elas podem desrespeitar os princípios constitucionais, por exemplo, se em
matéria de relação entre os cônjuges determinarmos a aplicação da lei da nacionalidade do marido,
porque feriria o princípio da igualdade entre os cônjuges, por isso, as normas de conflitos não são
axiologicamente neutras e elas estão sujeitas ao crivo da Constituição.
Na próxima aula vamos continuar esta matéria.

23
3/3/15
Nós na última aula estivemos a ver a relação que existe entre a CRP e o DIP. Na altura convidei-vos a
ver o que disponham os artigos 58º e 59º, e verificamos que tinham sido revogados pois eram normas
de conflitos que respeitavam a questões que se prendiam com a diferença entre a filiação legítima e
ilegítima e a CRP não permite essa distinção. Por isso a norma foi revogada. Vimos outro exemplo, o
disposto nos artigos 52º e 53º do CC, um deles relativo às relações aplicáveis entre os cônjuges e o 53º
relativo à determinação da lei que vai regular o regime de bens entre os cônjuges. Verificámos também
ai que tinha havido uma alteração legislativa, porque de acordo com a redacção anterior se os cônjuges
não tivessem a mesma nacionalidade, nem residência habitual comum, era aplicada a lei da
nacionalidade do marido. Ora, este elemento de conexão (a nacionalidade do marido) é contrário à
CRP pois esta prevê igualdade entre os cônjuges. Assim, não se pode dar prevalência a um dos
cônjuges. Mesmo que se determinasse que nos casamentos heterossexuais era aplicada a lei da
nacionalidade do marido ia estar-se a dar prevalência ao marido porque, primeiro, era a nacionalidade
dele que determinava qual era a lei aplicada, segundo, se o marido não quisesse aplicar uma
determinada lei e quisesse que fosse aplicada outra, era ele quem tinha o poder de mudar de
nacionalidade para que lhe fosse aplicada uma outra lei ( claro que isto daria muito trabalho, mas de
qualquer forma era possível). Por isso, a conclusão que daqui retiramos é a de que as normas de
conflitos têm, também, elas próprias de estar sujeitas à CRP e têm de ser conformes à CRP.
Agora, passamos a outro problema que é aquele que se prende com a aplicabilidade de preceitos
materiais estrangeiros que lidam com a constituição do estado do foro. O primeiro problema que nós
vimos era o de saber se as normas de conflitos tinham ou não de ser conformes à constituição, já vimos
que sim! A questão agora é outra. Já não estamos a apreciar a constitucionalidade da norma de
conflitos. Imagine-se que por força de uma determinada norma de conflitos aplicada ao caso, por
exemplo em matéria de regime de bens é aplicável a lei do país X, o problema que se coloca aqui é o de
saber se os tribunais portugueses quando vão aplicar a lei desse país X têm de submeter lei material
desse país X ao crivo da nossa constituição, ou seja, se a lei material estrangeira designada aplicável
deve, também ela, ser ou não sujeita às regras e aos princípios previstos na CRP. Isto, como é óbvio,
quando a questão esteja a ser analisada pelos tribunais portugueses. Esta questão é passível de três
respostas diferentes.
Primeiro, vamos encontrar a mais restritiva, que é do senhor professor Ferrer Correia. Este vai
reconduzir esta questão da apreciação ou não da constitucionalidade da lei material estrangeira da
seguinte forma: isto só pode ser relevante no âmbito do funcionamento da reserva de ordem pública
internacional (nós iremos ter uma aula em que trataremos só da reserva de ordem pública
internacional e iremos ver que ela está prevista em várias disposições e em vários diplomas. Mas só
para percebermos a ideia, temos no nosso artigo 22º do CC uma cláusula de reserva de ordem pública
internacional. O que significa esta cláusula? Significa que se chegarmos à conclusão que por aplicação
da norma material estrangeira à situação em apreço resultam efeitos que são contrários aos princípios
mais estruturantes do ordenamento jurídico português, então a aplicação desta lei material
estrangeira pode ser afastada. Por exemplo, imagine-se que se chegava à conclusão de que as pessoas
podiam ser objecto de negócios jurídicos. Neste caso, um juiz português não iria aplicar uma regra
como esta porque ela seria contrária aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português).
Destarte, o professor Ferrer Correia, vem dizer que as nossas regras constitucionais só poderão ser
relevantes, no sentido de limitar a aplicação da lei material estrangeira ao caso, na medida em que elas
funcionem através da reserva de ordem pública internacional. Porque é restritiva? Porque nem todas
as regras, nem todos os princípios, que estão previstos na nossa CRP integram a reserva de ordem
pública internacional. Temos, de facto, regras e princípios na nossa CRP que são, absolutamente,
estruturantes do ordenamento jurídico português e outras que não o são. Por isso, quando o professor
24
Ferrer Correia diz que as nossas regras e princípios constitucionais só podem funcionar como limite da
aplicação da lei material estrangeira por via da reserva de ordem pública internacional, podemos
afirmar que esta posição é, de facto, restritiva. Mesmo porque (e vai depender do principio
fundamental que esteja a ser atingido) em princípio para funcionar a reserva de ordem pública
internacional tem de haver alguma ligação entre a situação em apreço e o ordenamento jurídico
português.
Uma outra orientação, que se encontra no polo oposto sendo, assim, mais abrangente, é que é
defendida pelo senhor professor Jorge Miranda. Este vem entender que a constituição pode obstar à
aplicação de direito material estrangeiro independentemente do funcionamento da reserva de ordem
pública internacional. Para tal, invoca o artigo 204º da CRP que nos seus termos se diz que nos feitos
submetidos a julgamento, os tribunais portugueses não podem aplicar normas que infrinjam o disposto
na CRP ou nos princípios nela consignados. Portanto, o professor Jorge Miranda entende, com base no
que foi dito supra, que as nossas regras e princípios constitucionais impedirão, sempre, a aplicação de
normas materiais estrangeiras quando estas lhes sejam contrárias.
Uma terceira orientação ( digamos que intermédia), que defendo, é a seguinte: de acordo com ela não
podemos restringir a intervenção da CRP, exclusivamente, aos casos em que estejam em causa
princípios que integrem a reserva de ordem pública internacional. Mas por outro lado, também, não é
admissível submetermos à CRP a aplicação de todas as normas matérias estrangeiras que
eventualmente sejam aplicáveis pelos tribunais portugueses. Nesse caso, estaríamos a submeter à CRP
todo o direito material de todos os estados que existem no Mundo. Ora, se a ideia que está subjacente
ao DIP é uma ideia de harmonia internacional de julgados (ou seja, tentar que, na medida do possível, a
uma mesma situação, independentemente do país onde ela esteja a ser apreciada, se aplique sempre a
mesma lei material - para evitar o fórum shopping) não podemos sujeitar sempre todas as leis
materiais estrangeiras ao crivo da constituição de cada um dos estados, pois nesse caso é óbvio que o
objectivo da harmonia internacional de julgados caía por terra. Por isso, entende-se que, de acordo
com esta orientação, não se deve seguir a doutrina do professor Jorge Miranda. De acordo com esta
posição intermédia, temos de olhar para as regras constitucionais e verificar em que medida é que elas
têm um âmbito de aplicação no espaço que vai para lá dos casos em que se aplica só direito material
interno. Obviamente, se aplicarmos direito material interno, ele vai estar sempre submetido à CRP.
Como vemos quando é que essas normas vão ter esse âmbito de aplicação mais amplo?
Em primeiro lugar, vão tê-lo em situações, absolutamente, excepcionais, não é a regra. Por exemplo,
há uma norma constitucional que proíbe os despedimentos sem justa causa. Regra prevista na CRP. De
acordo com o professor Moura Ramos e, também, Lima Pinheiro, esta norma visa aplicar-se para lá dos
casos em que se vise apenas aplicar lei material portuguesa. Ou seja, vamos imaginar que estamos
perante um contrato de trabalho que é executado em Portugal, e que a lei aplicável a este contrato é a
lei do país X. De acordo com a lei do país X, não é necessário justa causa para haver despedimento. Por
aplicação das normas de conflitos gerais, a que conclusão chegávamos? Aplica-se a lei material do país
X. No entanto, temos uma regra constitucional que proíbe os despedimentos sem justa causa.
Chegados aqui, temos de perguntar: esta norma apenas se quer aplicar nos casos em que a lei que
regula o contrato de trabalho é a lei material portuguesa? Não. Esta regra também tem vontade de se
aplicar nas hipóteses em que o CT esteja a ser executado em Portugal. No fundo, temos de apreciar
qual é que é a vontade de aplicação destas normas (Só vos estou a dar este exemplo porque é o único
que me ocorre e que possa funcionar sem ser, necessariamente, pela reserva de ordem pública
internacional). Na maior parte dos casos vamos ter situações em que a reserva de ordem pública
internacional vai funcionar e resolve-nos o problema. No caso visto supra, não funcionaria. Portanto,
tínhamos de delimitar este âmbito espacial da norma como fizemos. Assim, ela funcionaria como limite
autónomo à aplicação do direito material estrangeiro. De acordo com esta regra constitucional que
proíbe os despedimentos sem justa causa, vai ter uma actuação, um funcionamento, que é semelhante
às normas de aplicação imediata, ou seja, são normas que se querem aplicar independentemente do
25
que determina as normas de conflitos. Basicamente é isto, mas, quanto a esta matéria, mais adiante
vamos tratar desta categoria de normas.
Posto isto, já vimos que as regras e princípios constitucionais são relevantes no que respeita à própria
norma de conflitos, ou seja, esta tem de ser conforme à constituição. Vimos, também, que a
constituição pode ser relevante nesta hipótese restrita que eu defendo. É óbvio que são
absolutamente livres de defender qualquer outra orientação, desde que devidamente fundamentada.
A constituição pode também ser relevante no sentido de limitar a aplicação de lei material estrangeira.
E a terceira relação entre a constituição e o DIP, que vamos ver, é aquela que se prende com a
aplicabilidade dos preceitos materiais estrangeiros que sejam incompatíveis com a constituição do
próprio país de onde emanam essas normas materiais.
Ou seja, se chegarmos à conclusão, por aplicação das nossas normas de conflitos, que é aplicável a lei
do país X temos de ver se as normas materiais do país X são ou não conformes à constituição desse
mesmo país? Aqui, uma vez mais, o princípio da harmonia internacional de julgados dá-nos resposta.
Evita-se a aplicação, no estado do foro, da lei de um estado que é inconstitucional à luz desse mesmo
estado. Qual é o objectivo de acordo com o princípio da harmonia internacional de julgados? É que a
questão, independentemente do tribunal onde estiver a ser apreciada, tenha a mesma solução. Ora, só
poderá ser a mesma se, por exemplo em Portugal chegarmos à conclusão que é aplicável a lei do país X
e esta seja aplicada como o é no seu próprio país. Só assim conseguimos atingir uma harmonia
internacional de julgados. Portanto, se no país X aquela lei é considerada inconstitucional, e se os
próprios tribunais não aplicam essa lei, então nós também não vamos aplicar. No fundo, nós vamos
aplicar a lei do país X tal como os tribunais do país X a aplicam.
Chegados aqui, vamos ter de distinguir duas hipóteses fundamentais. A primeira é aquela que as
normas materiais estrangeiras já foram declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, no
estado de um emanam. Nesta hipótese do país X, é óbvio que não vamos aplicar a lei material que já
tenha sido declarada inconstitucional. A outra hipótese que nós temos é aquela em que as normas
materiais em questão ainda não foram declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral. Neste
caso vamos ter de distinguir consoante no estado estrangeiro não há um controlo da
constitucionalidade das leis pelos tribunais ordinários, ou seja, a lei ainda não foi considerada e
declarada inconstitucional e nesse país os tribunais ordinários não podem fazer um controlo da
constitucionalidade das leis. Este é o exemplo de França, em que a competência para fazer o controlo
da constitucionalidade das leis está reservada ao conselho constitucional. Por isso, enquanto este não
declarar que uma determinada norma é inconstitucional, os tribunais ordinários continuam a ter de
aplicar aquela lei material. Isto significa que se por exemplo estivermos a aplicar lei francesa e o juíz
português olhando para ela pode achar que se trata de uma norma material contrária à constituição
francesa mas, como ainda não foi declarada inconstitucional pelo conselho constitucional, terá de a
aplicar.
Situação diferente verifica-se nos casos em que o controlo da constitucionalidade pertence aos
tribunais comuns como é o caso dos EUA. Se estivermos a aplicar a lei de um estado dos EUA e o juíz
entender que aquela norma material é contrária à constituição norte americana poderá ou não afastar
a aplicação desta lei? E consoante o que? O juiz português teria de fazer uma pergunta ao estado
norte-americano. Teria de saber se há jurisprudência dominante nessa matéria. Ou seja, tinha de ver se
a maioria dos tribunais tinham já considerado aquela norma inconstitucional ou se a maioria tinha
entendido que aquela norma não é inconstitucional. Neste caso, a orientação que tende a ser seguida
é a de que os tribunais portugueses só não iriam aplicar a lei material estrangeira se houvesse uma
orientação jurisprudencial esmagadora no sentido de que aquela norma é de facto inconstitucional.
Portanto, a ideia aqui é sempre a mesma. Vamos ter de aplicar a lei material estrangeira tal como ela é
aplicada pelos seus próprios tribunais. E, com isto, terminamos a relação entre DIP e a constituição.
Passamos, agora, à relação entre o DIPrivado e DIPúblico.

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O DIPúblico, segundo o professor Gonçalves Pereira e o professor Fausto Quadros, compreende todas
as normas criadas segundo o processo de produção jurídica, próprios da comunidade internacional e
que transcendem o âmbito estadual. Aqui, vamos encontrar várias normas de conflitos que constam de
convenções internacionais e estas são constituídas por esta via. Agora, existe aqui uma distinção muito
importante que nós vamos ter de fazer entre o DIPúblico e o DIPrivado. O primeiro, essencialmente,
versa sobre a relação entre os estados e outros membros da comunidade internacional enquanto
membros dessa comunidade internacional. No segundo, são as situações privadas que são objecto de
apreciação. Quando falamos nas situações privadas internacionais estamos a falar das situações em
que as partes actuam fora do Ius imperium. O que não significa que de vez em quando não se
entrecruzem. Por exemplo, nós vemos que podem existir recursos, por hipótese, para o TEDH (quando
falamos nestes tribunais estamos a falar de direito internacional público) e assim, podemos ter
privados a recorrer para o TEDH para ver as suas situações privadas tuteladas face a determinados
estados. Portanto, o que quero dizer com isto é que apesar de tudo o direito internacional público
pode ser relevante nas relações relativamente aos próprios privados.
Depois, há aqui uma ideia que pretendo já afastar que é a seguinte: havia uma orientação doutrinária,
já está afastada, que entendia que o direito internacional privado servia, de certa forma, para delimitar
a soberania dos estados entendendo-se que quando o tribunal de um determinado estado aceitava a
aplicação de direito material estrangeiro estaria, também de certa forma, a abdicar da sua soberania
permitindo que o direito material estrangeiro fosse aplicado. No fundo, o direito de conflitos acabava
por servir de certa forma para estabelecer algumas fronteiras no que respeita à própria soberania dos
estados. Hoje está completamente afastada. O estado não vê a sua soberania beliscada. Não está a
abrir nenhuma brecha na sua soberania, está pura e simplesmente a aplicar lei material estrangeira
porque o próprio tribunal do foro está a aplicar as normas de conflitos que estão em vigor no
ordenamento jurídico e que dizem que se aplica a lei material estrangeira. Aliás, em bom rigor, se
estivessem em causa questões de soberania, então nós só poderíamos ter normas de conflitos
unilaterais. Ou seja, só podíamos dizer qual é que era o âmbito de aplicação no espaço das nossas
normas materiais.
Agora, relação entre DIP e o direito do comércio internacional.
Têm em comum o facto de, tendencialmente, terem que ver com situações plurilocalizadas. Mas, a
verdade é que o direito comercial internacional integra, essencialmente, normas materiais que
regulam situações privadas internacionais. No DIP, tendencialmente, o método adoptado é o das
normas de conflitos. O direito do comércio internacional contém muitas normas materiais que regulam
directamente a situação do comércio internacional. Em que mediada? Por exemplo, quando falei da lex
mercatoria, esta é um conjunto de práticas desenvolvidas no âmbito do comércio internacional (muitas
delas acabaram por ser codificadas, por exemplo códigos de conduta ou em outro diplomas que não
têm força vinculativa). Acresce que estas regras do comércio internacional, como vimos, não regulam
todos os problemas que se suscitam no direito internacional, elas são lacunares e não conseguem
estabelecer um regime completo.
Relação entre o DIP e o direito comparado.
Quando vamos aplicar a lei material estrangeira, como vimos, vamos aplicar a lei material estrangeira
tal como ela é aplicada no próprio país de origem. O artigo 23º do CC determina que a lei estrangeira é
interpretada dentro do sistema a que pertence de acordo com as regras interpretativas nele fixadas.
Ou seja, precisamos de conhecer o direito material estrangeiro, precisamos de o interpretar, de ver
qual é o conteúdo e a função das normas que existem nesse ordenamento jurídico estrangeiro. Por
isso, vamos de facto precisar do direito comparado. Devemos fazer uma distinção entre macro -
comparação e micro – comparação. A última serve para quando nós quisermos saber especificamente
um problema que se está a colocar nesse ordenamento jurídico estrangeiro. Na primeira vamos ter de
estudar essa questão específica à luz dos parâmetros mais gerais que organizam esse mesmo sistema

27
jurídico. Em matéria de qualificação, que vamos dar mais adiante, vamos ver que esta é uma matéria
importante.
Com isto, terminamos este breve ponto da relação entre o DIP e outros ramos, áreas do direito. O
ponto seguinte é muito importante. É o que se prende com a relação entre o DIP e as liberdades
europeias. Estas influenciam muito o DIP.

Relação entre o DIP e as liberdades europeias.


Antes que me esqueça, há um artigo do professor Dário Moura Vicente que está publicado nos temas
do professor, na revista da ordem dos advogados e numa revista online, espanhola, mas escrito em
português, (Cuadernos de Derecho Transnacional), volume I, nº 2 de 2009. Aí vão encontrar um artigo
muito interessante que tem esta matéria desenvolvida.
Em primeiro lugar, a UE estabelece um mercado único. Quando falamos neste tipo de mercado
estamos a falar de uma espaço sem fronteiras internas, no qual a livre circulação de mercadorias, das
pessoas, dos serviços e dos capitais é assegurada. Este espaço sem fronteiras internas é todo o espaço
que compreende o território dos estados membros da UE. A verdade é que, de facto, a liberdade de
circulação é uma das traves mestras do direito da UE e só se admite que possam existir restrições a
esta liberdade de circulação se estiverem em causa exigências imperativas que visem, por exemplo,
salvaguardar a saúde pública. Não sei se recordam que há uns anos atrás houve um problema na
Alemanha, em que várias pessoas morreram por causa de uns pepinos que aí eram consumidos.
Devido a essa história, a Alemanha impediu a importação dos pepinos que vinham de Espanha, salvo
erro, porque houve uma altura em que se suspeitou que o problema era dos pepinos que provinham
de Espanha. Ou seja, o que aconteceu? Eu recordo me disto porque são situações muito raras. Houve
um limite ao exercício da liberdade de circulação porque estava em causa um problema de saúde
pública em que tinha, inclusive, morrido gente. Portanto, se não estiver em causa problemas de saúde
pública, ou de segurança ou o que seja, o que vai existir? Liberdade de circulação, e quando falamos
em liberdade de circulação, de prestação de serviços, estamos a falar não apenas nos pepinos que são
vendidos de Espanha para a Alemanha, mas estamos a falar, também, das pessoas, dos cidadãos dos
estados-membros da união europeia que se podem fixar em qualquer país desta união. E nós dizemos,
pelo menos em termos abstractos: sim, neste espaço as pessoas podem circular, prestar serviços,
vender os seus bens para qualquer outro país. E têm de o poder fazer sem restrições porque senão
estas liberdades deixam de existir.
Mas podemos ter aqui um problema. E o problema que nós temos é o seguinte: é verdade que existe
liberdade de circulação mas nem todos os estados – membros têm leis iguais. Então e essa diversidade
de leis materiais aplicáveis, pode ou não traduzir-se em limites à liberdade de circulação? Vou dar-vos
dois exemplos, um relativamente a bens e outro a pessoas:
1- Vamos imaginar que temos um produtor, em Portugal, de sabonetes. Este decide vender os seus
sabonetes para todos os estados – membros da UE. Produz os sabonetes em Portugal de acordo com
as regras vigentes em Portugal e a seguir vai exportá-los para todos esses países. Se os estados de cada
um dos países para onde ele exporta os sabonetes exigirem que este produtor respeite também as
suas próprias regras de produção de sabonetes, teremos uma limitação ao exercício da liberdade de
fornecimento de bens. Porquê? Porque o produtor português que está em Portugal tem de respeitar as
regras vigentes de Portugal e se quer vender para Espanha também tem de respeitar as regras
espanholas, se vende para itália, idem, etc. Ou seja se quem quiser fazer produção de um determinado
bem e vendê-lo para outros estados membros da união e tiver de respeitar as regras vigentes no país
de origem e no país do destino teremos uma dificuldade. Podemos ter este produtor a queixar-se de
que a diversidade de leis materiais vai implicar um limite ao exercício à sua liberdade de fornecer bens
para outros estados da união.

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2- Vamos imaginar que temos um casal alemão que foi viver para a Dinamarca. Tiveram um filho e
quando o foram registar fizeram-no conforme a lei dinamarquesa o prevê. Deram-lhe o nome do pai e
o nome da mãe. Passou a ter os apelidos, Grunkin – Paul. A seguir, os país quiseram registá-lo,
também, na Alemanha. O estado Alemão disse que se a criança era registada na Alemanha, vamos
aplicar a lei material Alemã e a criança tem de ser registada de acordo com o que diz a lei material
Alemã. A lei material da Alemanha diz que terá de ter o nome próprio e o nome do pai, mas não o da
mãe. Este casal fez uma queixa perante o TJUE dizendo que o não reconhecimento, na Alemanha, do
nome que tinha sido dado à criança na Dinamarca implicava um limite a sua liberdade de circulação e à
sua liberdade de estabelecimento. Porquê? Porque se tiver dois nomes diferentes terá de dar grandes
explicações no aeroporto cada vez que queira mudar de país. Portanto, temos novamente um
problema que é o da diversidade de leis materiais vigentes nos vários estados- membros da UE
aplicado a uma determinada situação pode, de facto, ter como consequência um limite ao exercício
das liberdades europeias.

Então, quais são as duas propostas de solução para este problema? Segundo uma orientação
considerasse que as liberdades europeias reclamam a consagração de regras de conflitos especiais, em
especial a que comanda a aplicação da lei do país de origem às situações intracomunitárias. Ou seja, de
acordo com esta orientação todos estes problemas ficariam resolvidos se nós tivéssemos normas de
conflitos que determinassem sempre a aplicação da lei do país de origem. Por exemplo, no caso dos
sabonetes, a lei do país de origem seria a lei portuguesa. No caso do Grunkin-Paul, a lei do país de
origem era a lei Dinamarquesa porque era lá que a criança tinha sido inicialmente registada.
Segundo uma outra orientação, afasta-se desta. Vai considerar que a tutela das liberdades europeias
poderá ser respeitada se for consagrado um princípio de reconhecimento mútuo das situações
constituídas no estrangeiro. Ou seja, não vai necessariamente aplicar-se a lei do país de origem, a única
coisa que vai acontecer é que nos países de destino, por exemplo no caso dos sabonetes seria onde
fossem importados os sabonetes, se iria reconhecer as situações tal como elas foram constituídas no
país de origem.
Na próxima aula, vamos continuar com esta matéria.

Teórica de DIP 05-03-2015 (Mafalda)

O que começámos a ver na aula passada foi que, dentro do espaço da união europeia é suposto
haver livre circulação de pessoas, de capitais ou seja deve haver esta liberdade dentro do espaço da
UE. Mas a verdade também é que nos vários estados membros da UE estão em vigor legislações
diferentes e a aplicação de leis diversas pode colocar em causa o exercício destas liberdades. Na aula
passada, vimos dois exemplos. Vimos o exemplo da criança que tinha nascido na Dinamarca mas que
os pais queriam que ela fosse registada também na Alemanha. E qual era o problema? É que tínhamos
leis materiais diferentes na Dinamarca e na Alemanha relativamente à composição do nome.
Outro exemplo que nós vimos foi a questão de um produtor de sabonetes querer vender para
vários estados membros da UE. A questão que se colocaria era a de saber se ele deve respeitar apenas
as leis do país onde ele fazia a produção dos sabonetes (Portugal) ou se também tinha de respeitar as
leis dos países para onde ia vender esses sabonetes. Aqui, podemos ter um problema, porque a
aplicação cumulativa de leis diferentes pode limitar o exercício destas liberdades.
A UE tem tido isto presente e não é por acaso que vamos encontrar legislação europeia muito
significativa relativamente à qual já existe ou uniformização a nível dos estados membros (caso dos
regulamentos), ou em que existe harmonização da legislação vigente nos vários estados membros da
UE por via das directivas europeias.

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Aqui há uns tempos eu fiz um estudo no que respeita a publicidade nos produtos perigosos e verifiquei
que praticamente a legislação nos estados membros da UE está muito uniformizada quanto a esta
matéria. Porquê? Porque assim se consegue que seja respeitado um único conjunto de regras em todos
os estados membros.
Se nós encontramos áreas em que já existe ou uniformização do regime material, ou
harmonização desse mesmo regime material, existem outras áreas em que não existe essa
harmonização ou uniformização, e aí vamos ter um problema no que respeita ao exercício das
liberdades europeias e vamos ter também um problema de direito internacional privado. Porquê?
Porque estando em causa uma situação privada internacional, nós vamos ter de saber qual é que é a lei
que vai ser aplicada e aqui vamos ter um cuidado. É que na determinação desta lei aplicável, daqui não
resulte nenhum limite ao exercício das liberdades europeias. E é por isso que nós vamos encontrar
uma corrente doutrinária que considerava que a melhor forma de resolver esta questão era sempre
estabelecendo uma regra que determinasse reiteradamente a aplicação da lei do país de origem.
Ou seja, se em todas as situações em que estivesse em causa o exercício de liberdades
europeias, se se aplicasse sempre a lei do país de origem, o exercício destas liberdades ficaria sempre
tutelado. Porquê? Por exemplo, no caso da produção dos sabonetes seria aplicável a lei do país onde o
fabricante produzia os sabonetes. Isto significava que independentemente dos países para onde ele
exportasse, era sempre a mesma lei a aplicável.
Outro caso, o caso da criança, a questão era a mesma.
A verdade é que a maioria da doutrina tem actualmente entendido que não é necessária a
aplicação de uma regra tão rígida/rigorosa e que há aqui consequências no que respeita a confiança
dos vários estados. Porquê? Só poderia ser admissível estabelecer-se esta regra geral se todos os
estados membros já tivessem as suas leis materiais todas uniformizadas. Porque se todos os estados
membros da UE tivessem as suas leis devidamente uniformizadas, elas seriam iguais nos vários estados
membros da UE e aí seria indiferente aplicar a lei portuguesa, a lei espanhola ou a lei italiana, porque a
lei aplicável seria sempre a mesma. Já é mais difícil esta harmonização para efeitos de composição do
nome.
Por exemplo, em Portugal, as pessoas têm nomes próprios, apelido da mãe, apelido do pai.
Mas na Alemanha é nome próprio, apelido do pai. Vamos dizer a estes países para mudarem as suas
leis de forma a uniformizar todas as regras?
Nem pensar nisso, porque o que está aqui em causa são questões culturais. Agora estamos a
falar de questões que se prendem muito com a cultura dos países e o ordenamento jurídico é suposto
reflectir está identidade cultural.
Daí que, há uma outra doutrina que é a doutrina que vem tentar encontrar uma solução
conforme ao exercício das liberdades europeias e que vem dizer que não é necessária a aplicação da lei
do país de origem. Poderá ser aplicada uma outra lei. A única questão é que da aplicação dessa outra
lei, não pode resultar nenhuma limitação ao exercício das liberdades europeias. Ou seja, no caso da
produção dos sabonetes, vamos imaginar que é aplicável a lei do país do destino, essa lei pode ser
aplicável a mesma desde que dai não resulte nenhuma limitação ao exercício das liberdades europeias.
Na prática, nós mantínhamos as normas de conflitos tal como elas existem (e que têm subjacentes
todos aqueles valores que nos vimos na nossa segunda aula), depois, se da aplicação da lei que é
designada pela regra de conflitos, resultar uma limitação ao exercício das liberdades europeias, essa lei
poderá vir a ser afastada. Por exemplo, no caso Brunkin Poul (– caso da criança da Dinamarca/
Alemanha).
A norma de conflitos alemã aplicava a lei da nacionalidade. O problema a foi que aplicando esta
regra de conflitos ao caso prático, a consequência é que a composição do nome daquela criança ia ser
determinada a luz da lei alemã. Pela lei alemã a criança só podia chamar-se polle.
Uma vez que a situação já tinha sido constituída na Dinamarca e a norma de conflitos diz que é
aplicável a lei da residência habitual, então a Dinamarca aplicava a lei dinamarquesa e a Alemanha
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aplicava a lei alemã. Até aqui não havia nenhum problema de respeito das liberdades europeias, as
normas em si não são contrárias ao exercício das liberdades europeias. O problema foi que, aplicada a
este caso prático, a criança ia ter de ter dois nomes. Portanto, daqui resultou que a lei alemã não pode
ser aplicada e as autoridades alemãs tiveram de reconhecer uma situação jurídica previamente
constituída a luz da lei de um outro estado membro (Dinamarca).
Qual será o raciocínio em termos gerais? Aplicamos as normas de conflitos. Se do resultado da
aplicação da norma de conflitos resultar algum resultado limitador do exercício das liberdades
europeias, então, poderá essa lei não ser potencialmente aplicada.
Se nós olharmos para o regulamento Roma I (obrigações contratuais), nós vamos verificar que o
regulamento Roma I determina como regra geral que as partes podem escolher a lei aplicável ao
contrato. Se as partes não tiverem escolhido a lei aplicável ao contrato, nos termos do artigo 4º, é
aplicada a lei do país onde aquele que cumpre a prestação característica tem a sua residência habitual.
Em termos práticos, isto significa que num contrato de compra e venda a lei que vai ser aplicada será a
lei da residência habitual do vendedor. No caso da prestação de serviços, a lei que vai ser aplicada vai
ser a lei da residência habitual do prestador de serviços. A partir do momento em que nós temos
normas de conflitos que nos dizem que no caso do contrato de compra e venda de mercadorias é
aplicável a lei da residência habitual do vendedor, porque a norma de conflitos já está pensada,
atendendo ao exercício das liberdades europeias.
Outros problemas que se podem colocar depois, prendem-se por exemplo: no caso dos
trabalhadores, a lei aplicável aos trabalhadores, aí vamos também encontrar, por exemplo, o art. 8º do
regulamento Roma I, que nos diz que será aplicável a lei que as partes tiverem escolhido. Vamos
encontrar regras específicas que dizem que independentemente desta lei que for escolhida existem
regras que devem ser sempre aplicadas aos trabalhadores. E aqui voltamos a ter a mesma
preocupação, tentarmos encontrar soluções que garantam o exercício das liberdades europeias, mas
que ao mesmo tempo não provém os trabalhadores da protecção que lhes é devida.
Aqui vamos ter de ponderar não apenas o exercício das liberdades europeias, vamos ter de
ponderar também a protecção dos próprios trabalhadores (partes mais fracas).
Tudo isto para chegarmos aqui a conclusão de que o exercício das liberdades europeias têm de
ser respeitado. O DIP não tem necessariamente de estabelecer regras de conflitos especiais no sentido
de garantir o exercício de liberdades europeias. Vamos aplicar as normas de conflitos, elas vão
conduzir a produção de um determinado resultado e se da aplicação dessa lei material resultarem
limites às liberdades europeias, então aí a aplicação desta lei poderá ser afastada e poderemos ter de
reconhecer uma situação conforme ela foi constituída noutro estado.
No caso centrus temos dois cidadãos dinamarqueses que resolveram constituir uma sociedade
comercial em Londres e depois fixaram-se novamente na Dinamarca. É o que é que as autoridades
dinamarquesas disseram quando eles se quiseram registar?
Disseram que eles se tinham de registar a luz da lei dinamarquesa. Ao que eles responderam
que não porque a sociedade já estava constituída e existe liberdade de circulação e de estabelecimento
na UE. O tribunal de justiça da UE veio dizer que não estava provada a fraude e que as sociedades têm
de facto a possibilidade de se constituírem num estado e depois exercer a sua actividade num outro
estado.
Nós temos uma norma de conflitos no art. 3º/1 do CSC que diz que por regra, em matéria de estatuto
pessoal das sociedades comerciais, é aplicável a lei do país onde essa sociedade tem a sua sede
principal efectiva. Da aplicação desta lei pode resultar exigências que se considerem limitadoras da
liberdade de circulação e de estabelecimento e que levem a que se aplica em matéria de estatuto
pessoal, não a lei da sede principal e efectiva, mas sim a lei do país onde a sociedade se constituiu. Foi
o que aconteceu neste caso centrus.

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Nos mudamos o nosso artigo 3º do CSC? Não mudamos. Todavia, se da aplicação da lei da sede
principal e efectiva, resultarem limitações ao exercício das liberdades europeias, poderemos ter de
reconhecer, por exemplo, uma sociedade que foi constituída a luz da lei de um outro estado membro.
Com isto nós conseguimos perceber qual é que é a ligação entre o DIP e o exercício das liberdades
europeias.
As normas de conflitos não têm apenas subjacente os valores relativos ao exercício das
liberdades europeias. Ou seja, as normas de conflitos não podem só ser elaboradas pensando no
exercício das liberdades europeias. Há outros interesses que também estão em causa. Por exemplo:
protecção dos consumidores, protecção dos trabalhadores, outros valores sociais, a autonomia da
vontade. Tudo isso são eles também valores relevantes que vão ser atendidos quando se elaboram as
próprias normas de conflitos.

Ponto 9 do programa.
A norma de conflitos ou a regra de conflitos:

Nós vimos nas últimas aulas que o método preferível para disciplinar as situações privadas
internacionais consiste em recorrer às normas materiais de um ou mais ordenamentos jurídicos com os
quais a situação se apresente em conexão. Mas para nós determinarmos quais é que são as normas
materiais aplicáveis vamos recorrer às normas de conflitos.
As normas de conflitos devem ser analisadas na sua estrutura. Estas normas têm, como todas as
outras, uma previsão é uma estatuição. Para além disso, as normas de conflitos têm um elemento
extra que é o elemento de conexão. A previsão da regra de conflitos consiste na situação da vida que
ela visa regular. Há previsão da norma de conflitos também se costuma chamar conceito-quadro. Por
exemplo, o artigo 46º/1do CC , a previsão desta norma é posse, propriedade e demais direitos reais,
porque são essas as situações da vida que essa norma visa regular. Aqui vamos ter de saber como
delimitamos estas situações e como delimitamos a previsão da norma. Na maioria dos casos, a
delimitação da previsão da norma é feita através de conceitos técnico-juridicos. É o caso do
ártico 46º, ou seja, posse, propriedade e demais direitos reais são conceitos jurídicos.
No artigo 49º, capacidade para contrair casamento e celebrar convenções ante-nupciais,
também são conceitos jurídicos. Artigo 45º, responsabilidade extracontratual, mais um conceito
jurídico.
Depois, podemos ter normas que apenas regulam uma parcela de uma determinada situação.
Por exemplo, quando olhamos para o artigo 49º, ele trata especificamente da capacidade para contrair
casamento. Mas depois quando olhamos para o artigo 50º, vemos que ele trata da forma do
casamento. Ou seja, vamos ter normas de conflitos que regulam partes específicas de uma
determinada situação. A própria norma de conflitos delimita o seu próprio âmbito de aplicação.
Porque chamamos a esta previsão da norma, conceitos-quadro? Estes conceitos são capazes de
incorporar uma multiplicidade de conteúdos jurídicos. Por exemplo, posse, propriedade e demais
direitos reais abrange uma multiplicidade muito significativa de realidades jurídicas. E por isso nos
chamou conceito-quadro, justamente por ter esse sentido abrangente.
Quanto à estatuição da norma.

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Ela consiste na consequência da aplicação da norma. Qual vai ser a consequência? Vai ser a
aplicação de uma determinada norma jurídica. Por exemplo, a aplicação da lei francesa, por hipótese,
para regular um problema de posse, propriedade e demais direitos reais.
Não confundir a conexão e a estatuição da norma. Não confundir a conexão com o elemento de
conexão, que é aquele que nos permite associar uma situação jurídica a um certo ordenamento
jurídico.
Nos termos do art. 46º, o elemento de conexão é o lugar da situação da coisa. Em matéria de
posse, propriedade e demais direitos reais é aplicável a lei do país onde a coisa se encontrar situada. O
elemento de conexão é o lugar da situação da coisa. Se a coisa se encontrar, por exemplo, situada em
Portugal, aplicamos lei material portuguesa e agora sim, a aplicação da lei material portuguesa já é a
estatuição da norma.
O elemento de conexão é o que nos permite determinar qual é a lei aplicável, mas não
confundir com a estatuição (que é a aplicação dessa lei).
Quanto a estatuição, no fundo consiste na aplicação da lei de um determinado país, nós
podemos aqui distinguir três modalidades principais.
1. Regras de conflitos unilaterais. São aquelas que apenas remetem para o direito material
interno do estado onde elas estão previstas. Por exemplo, o art. 3º/3 do código civil francês prevê que
as leis respeitantes ao estado e a capacidade das pessoas regem os franceses, mesmo que residam no
estrangeiro. Temos aqui uma norma de conflitos que limita o âmbito de aplicação no espaço das
normas materiais francesas que respeitam a matéria de estatuto pessoal.

2. Normas de conflitos bilaterais. São aquelas que indicam a lei competente para dirimir uma
qualquer questão jurídica concreta que seja subsumivel à sua previsão. Ou seja, que seja subsumivel ao
seu conceito quadro. Estas normas de conflitos bilaterais tanto podem determinar a aplicação da lei
material do foro, como da lei material estrangeira. O artigo 46º do CC determina que em matéria de
posse, propriedade e demais direitos reais, é aplicável a lei do lugar da situação da coisa. Esta é uma
norma bilateral porque se a coisa estiver situada em Portugal, aplicamos a lei portuguesa, mas se a
coisa estiver situada em Espanha, aplicamos a lei espanhola.
Agora, há um exercício importante que é, tornem está norma bilateral numa norma de conflitos
unilateral. A resposta será: a lei material portuguesa, respeitante a posse, propriedade e demais
direitos reais é aplicável sempre que o imóvel se situe em Portugal.
3. Normas de conflitos bilaterais imperfeitas. Tanto remetem para a lei nacional como para a lei
estrangeira, mas elas só se ocupam de algumas hipóteses que apresentam com o estado do foro
alguma ligação. Por exemplo, o art. 51º CC, porque nós termos deste artigo determina-se que o
casamento de dois parceiros em Portugal pode ser celebrado segundo a forma prescrita na lei nacional
dos contraentes.
Depois, temos o art. 51º/2 CC que admite idêntica solução para o casamento celebrado no
estrangeiro por dois portugueses. Ou ainda, o casamento celebrado no estrangeiro por um português e
um estrangeiro. Mas este artigo 51º não prevê a hipótese de dois cidadãos estrangeiros celebrarem no
estrangeiro o casamento. Por isso nós dizemos que está é uma norma de conflitos bilateral imperfeita,
porque não prevê a hipótese de casamento no estrangeiro por dois estrangeiros. Depois, aqui por
analogia, vamos aplicar a lei nacional dos nubentes estrangeiros, mas é apenas por analogia.

Quer o bilateralismo, quer o unilateralismo são duas formas de a norma de conflitos


desempenhar a sua função de determinar a lei material que vai ser aplicável. Ou seja, quando falamos
em bilateralismo e unilateralismo nós não estamos a falar de dois métodos diferentes. É sempre o
método da conexão.

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Portanto, as normas de conflitos unilaterais são ainda normas de conexão, só que apenas podem
determinar a aplicação da lei do foro. No exemplo dado acima do artigo 3º do código civil francês, o
elemento de conexão é a nacionalidade francesa.
Depois, a conexão pode ser operada pela norma de conflitos e esta conexão pode ser de dois
tipos : singular ou plural.

1) Conexão singular. Ocorre quando a regra de conflitos remete para uma só ordem jurídica.
I. Conexão simples. A regra de conflitos designa uma só lei aplicável a questão. Por
exemplo, art. 46º do CC.

II. Conexão subsidiária. A regra de conflitos designa duas ou mais leis, mas a aplicação da
segunda lei que é designada pela norma de conflitos depende da não aplicação da primeira. Por
exemplo, art. 52º, em matéria de relações entre os cônjuges, determina que se aplica a lei da
nacionalidade comum dos cônjuges. Se os cônjuges não tiverem nacionalidade comum, então vamos
aplicar a lei da residência habitual comum.

III. Conexão alternativa. A regra de conflitos consagra dois ou mais elementos de conexão,
dos quais funcionará aquele que permite alcançar no caso concreto, um determinado resultado que é
visado pela própria regra de conflitos. Por exemplo, art. 65º/1 CC. Este artigo diz que no que respeita a
forma das disposições por morte é aplicável ou a a lei do país onde o testamento foi celebrado ou a lei
da nacionalidade do de cujus ao tempo em que fez o testamento ou a lei da nacionalidade do de cujus
ao tempo da mortes ou ainda a lei do país para onde remete a norma de conflitos do lugar onde o
testamento foi celebrado. Temos quatro conexões possíveis, mas vamos aplicar só uma lei, a lei que
destas quatro garantir a validade formal do testamento.

IV. Conexão optativa. A regra de conflitos confere a um determinado sujeito, o direito de


optar por duas ou mais leis designadas por outros tantos elementos de conexão. Por exemplo, art. 7º
do regulamento Roma II(obrigações extracontratuais). Este artigo vem dizer qual é a lei aplicável em
matéria de danos ambientais. Aqui determina-se que o demandante pode optar por basear o seu
pedido na lei do país onde ocorre o dano ou pode optar pela aplicação da lei do país onde ocorreu o
facto que deu origem ao dano. Podemos ter, por exemplo, uma fábrica que faz despejos para um rio, o
rio situa-se no país A, mas o rio não fica quieto no país A, ele corre para o país B. Nesta altura, os danos
podem produzir-se no país B.

V. Conexão acessória. A norma de conflitos manda aplicar a lei aplicável a uma outra
questão que está em conexão com esta situação que vai ser regulada. Por exemplo, o artigo 36º/1 do
CC vem dizer que a forma da declaração negocial é regulada pela lei aplicável à substância do negócio.
Nós vamos aplicar à forma do negócio, a lei que é aplicada à substância do negócio.

2) Conexão plural ou cumulativa. Ocorre quando a regra de conflitos remete para duas ou mais
ordens jurídicas.

Na próxima aula, vamos concluir esta matéria.

Aula DIPrivado 10 de Março

Na aula passada estávamos a ver e não terminámos, a estrutura da regra de conflitos,


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mas tínhamos ficado mais concretamente na parte relativa às conexões.
Vimos que as regras de conflito podiam ter conexões singulares e conexões plurais, na aula passada
vimos as conexões singulares, dentro das conexões singulares, a conexão simples, a subsidiária, a
alternativa a optativa e a acessória, e hoje vamos então olhar para a conexão plural.
A conexão plural, como contraposição, claro, à singular é aquela que ocorre quando a regra de
conflitos remete para duas ou mais ordens jurídicas, ou seja, vamos ter de aplicar mais do que a lei de
apenas uma determinada ordem jurídica, e aqui podemos ter, também diferentes modalidades.
podemos ter uma conexão cumulativa simples e nesta o que temos é que para que se produzam
determinados efeitos jurídicos é necessário que estes sejam reconhecidos por dois ou mais
ordenamentos jurídicos, por exemplo o artigo 33º nº 3 do Código Civil, que trata das pessoas
colectivas, um parêntesis só, se estivermos a falar de sociedades comerciais, já não aplicamos o artigo
33º mas o artigo 3º do código das sociedades comerciais, porque é uma normas especial, portanto este
(33º) é para as outras pessoas colectivas. e diz o 33º nº3 do CC que a transferência de um estado para
o outro da pessoa colectiva não extingue a personalidade jurídica desta se nisso convierem as leis de
uma e outra sede, ou seja se tivermos uma pessoa colectiva que transfira a sua sede do país A para o
país B se a lei do país A e do país B concordarem as duas que esta pessoa colectiva mantenha a sua
personalidade colectiva, ela manter-se-á. temos uma aplicação cumulativa, temos de aplicar duas leis.
Outra modalidade que podemos ter é da conexão cumulativa condicionante ou limitativa aqui temos
um ordenamento jurídico que tem um papel primordialmente competente e depois temos um outro
que vai ter uma função condicionante ou limitativa da produção dos efeitos jurídicos que estão
previstos no primeiro, vamos voltar a olhar para o artigo 27º do CC que diz o seguinte: “ aos direitos de
personalidade no que respeita à sua existência e tutela, e restrições impostas ao seu exercício, é
também aplicável a lei pessoal.” ou seja direitos de personalidade, aplica-se a lei pessoal, em principio
nos termos do artigo 31º nº1 é a lei da nacionalidade, mas depois diz o 27º nº 2, “o estrangeiro ou
apátrida não goza porém de qualquer forma de tutela jurídica que não seja reconhecida na lei
portuguesa.” o que é que isto quer dizer, se nós estivermos por exemplo a apreciar uma forma de
tutela de direitos de personalidade de um cidadão natural do país X a lei que se iria aplicar seria a lei do
país X, mas se a lei do país X prevê formas de tutela que a lei Portuguesa não permite, então nós não
vamos admitir essas formas de tutela. imaginemos que à luz do país X eram atribuídos primitive
damages, os primitive damages não estão previstos no ordenamento jurídico português, portanto em
principio não iríamos atribuir esses primitive damages. Portanto neste caso a lei portuguesa vai ter
uma função condicionante ou limitativa, com isto terminamos então a questão das classificações das
conexões.

Agora há aqui um ponto para o qual quero chamar a vossa atenção, que é o de que a conexão não se
confunde com o elemento de conexão. A conexão consiste, é a estatuição da norma e aplicação da
norma num determinado país, como é que nós encontramos essa lei?? através do elemento de
conexão, uma coisa é a conexão outra coisa é o elemento de conexão, portanto o elemento de
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conexão, é o elemento da situação privada internacional que nos vai indicar qual é a ordem jurídica
onde tende, para regular uma determinada situação, e aqui também no que respeita ao elementos de
conexão nós vamos encontrar vários picos de elementos de conexão, temos elementos de conexão
relativos aos sujeitos da relação ou da situação jurídica, por exemplo, a nacionalidade, aqui temos um
elemento de conexão relativo ao sujeito que está previsto no artigo 31º nº1 temos a residência
habitual, prevista no artigo 52º nº2 do CC, caso da residência habitual comum, temos a sede principal e
efectiva da administração da pessoa colectiva prevista no artigo 33º nº1 do CC, todos este exemplos
são elementos de conexão relativos aos sujeitos sejam eles pessoas singulares ou colectivos.
Depois vamos também encontrar elementos de conexão que são relativos ao objecto, por exemplo o
46º nº1 que determina a aplicação do lugar da situação da coisa, aqui o elemento de conexão é o lugar
da situação da coisa, para além disso temos ainda elementos de conexão que podem consistir no
lugar da prática de um determinado acto jurídico, por exemplo o lugar da principal actividade
causadora do prejuízo, o artigo 45º nº1 do código civil determina “a responsabilidade extra-contratual
fundada quer em acto ilícito, quer num risco ou em qualquer conduta licita, é regulado pela lei do
estado onde decorreu a principal actividade causadora do prejuízo.” portanto o lugar da actuação, mas
se olharmos para o regulamento ROMA II no artº 4º nº 1 determina-se a aplicação da lei do lugar do
danos, uma vez mais um elemento de conexão que consiste no lugar , no caso não é da prática, mas da
consequência da prática de um determinado acto jurídico, noutros casos a determinação da lei
aplicável não se faz por um elemento que conecte a situação com um território, portanto estes
exemplo que nós vimos, estes elementos de conexão, nacionalidade, residência habitual, lugar da
situação da coisa, conectam a situação com um território. No artigo 3º nº1 do ROMA I, determina-se
que em matéria de obrigações contratuais é aplicável a lei que for escolhida pelas partes, a lei
escolhida pelas partes, aqui já não temos um elemento de conexão que permita fazer uma ligação a
um território, é a lei que fôr escolhida pelas partes.
Noutros casos como é a hipótese prevista no artigo 52º nº2 parte final do código civil, determina-se a
aplicação da lei que apresenta com a situação conexão mais estreita, ou seja, num caso em que
estejamos perante um problema de relações entre os cônjuges se eles não tiverem nacionalidade
comum, nem residência habitual comum, 52º nº2 parte final diz-nos que se aplica a lei que apresente a
conexão mais estreita, aqui apesar do conceito em si ser muito amplo, nós ainda conseguimos
identificar uma conexão com um determinado lugar no espaço, mas neste caso a concretização vai ter
de ser feita casuísticamente, caso a caso é que vamos ter de ver qual é que é a lei que com a situação
apresenta a conexão mais estreita.

Posto isto passamos à questão seguinte que ainda se prende com a regra de conflitos que são
as questões que se prendem com a interpretação a integração e a aplicação da regra de conflitos, no
que respeita à interpretação da norma de conflitos, vamos começar por dar uma noções muito gerais
que depois desenvolveremos quer em relação à interpretação do conceito de facto quer enquanto ao
elemento de conexão. mas nós aqui vamos ter sempre de fazer, uma distinção prévia quando falamos
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em norma de conflitos, e essa distinção é entre as normas de conflitos que estão integradas em
diplomas de fonte interna ou em de fonte internacional, seja essa fonte Europeia ou convencional.
Quanto às normas de conflito de fonte interna aqui os principio gerais que presidem à sua
interpretação são aqueles que nós já referimos nas primeiras aulas, e os principio que referimos são
também importantes obviamente na interpretação das regras de conflitos. o artigo 9º do código civil
continua também aqui a ter relevância, embora a interpretação das normas de conflitos, obedeça a
umas normas um pouco especiais. Agora, porque é que obedece a estes problemas especiais?? por
exemplo quando nós vamos interpretar os conceitos quadro das normas, por exemplo artigo 46º do CC
o conceito de posse propriedade e demais efeitos reais, ou quando vamos interpretar o artigo 49º o
conceito de capacidade para contrair casamento, ou o artigo 62º o conceito de sucessão por morte,
nós aqui vamos ter de fazer uma interpretação destes conceitos que não vão poder significar
exactamente o mesmo que significam os conceitos homólogos que estão previstos no direito interno,
ou seja, nós não podemos interpretar o conceito de sucessão por morte prevista no artigo 62º do CC
exactamente da mesma forma como ele é previsto na ordem jurídica portuguesa no livro das
sucessões, também não podemos interpretar da mesma forma a capacidade para contrair casamento
do artº49 da mesma forma como ele é entendido no nosso livro que trata do direito da família. E isto
porquê? Porque nós em DIPrivado necessariamente vamos estar em contacto com realidades que são
diferentes da portuguesa, e portanto as situações jurídicas que estão constituídas no direito
estrangeiro não têm de ser exactamente iguais às nossas, e por isso nesta interpretação nós vamos ter
de incluir nos conceitos quadro conteúdos normativos que não são exactamente aqueles que são
iguais aqueles que estão previstos na nossa ordem jurídica interna, vou dar um exemplo: nós já
sabemos de quando estudamos a matéria da relação entre direito internacional privado e a
constituição, nós já sabemos que com a reforma do código civil de 1977 foi abolida a norma de
conflitos relativa à filiação ilegítima que antes estava prevista no artigo 59 do CC, foi revogado, e
tratava do quê, tinha como conceito quadro o quê, a filiação ilegítima, agora vamos imaginar que
estamos perante um problema em que de facto, uma situação regulada num país X e a lei desse país X
regula essa situação exactamente como filiação ilegítima, porquê? Porque no país X ainda existe a
distinção entre filiação legitima e ilegítima, e à luz do país X aquela situação é regulada relativamente
às regras da filiação ilegítima.
A esta altura podem perguntar, mas então se nós não temos uma norma de conflitos que tenha como
conceito quadro a filiação ilegítima como é que nós vamos resolver o problema, não temos previsão da
norma, não temos uma norma que preveja este caso, nesta hipótese que iríamos fazer? iríamos olhar
para o nosso CC e víamos que temos no artigo 56º uma norma de conflitos que tem como conceito
quadro a constituição da filiação, portanto se estivesse em causa um problema de constituição da
filiação seja legitima ou ilegítima, o que tínhamos de aplicar? Este artigo 56º.
Se estivesse em causa uma relação entre pais e filhos em que à luz do ordenamento X o filho é por
exemplo considerado como filho ilegítimo, mas ainda assim o que está em causa? um problema de

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relações entre pais e filhos, e aí temos o quê, o artigo 57º que tem como previsão da norma, que tem
como conceito quadro as relações entre pais e filhos.
Quero chamar à atenção para o facto de os conceitos quadro das nossas normas de conflitos não
serem necessariamente o espelho daquilo que nós temos previsto no nosso direito material, mas que
estes conceito quadro, vão ter eles sim, que ter um conteúdo mais abrangente no sentido de admitir a
aplicação de realidades que não estão exactamente previstas no ordenamento jurídico português. E é
por esta razão, que se estiver em causa uma relação entre pais e filhos do país X mas que nesse país X
existe a filiação ilegítima, não é por isso que deixamos de aplicar esta norma. vamos admitir que ela
seja aplicada por força de que norma de conflitos? se estiver em causa um problema de constituição de
filiação artigo 56º, se estiver em causa um problema de relações entre pais e filhos, artigo 57º. A
abrangência dos conceito quadro vai ter de ser maior do que aquela que existe no nosso direito
material.
Depois poderíamos ter outro problema, que era, imaginemos que tínhamos um problema de
constituição de filiação, era aplicada a lei do país X, a lei do país X estabelecia que o filho era ilegítimo,
nós íamos aplicar a norma de conflitos, chegávamos à conclusão que era aplicável a lei do país X
quando fossemos aplicar a lei do país X ao caso concreto é que poderíamos ter aqui um problema de
reserva de ordem pública internacional, chegávamos à conclusão que fazer esta distinção entre filhos
legítimos e ilegítimos era contrário aos nossos princípios fundamentais, mas notem, isto era só no
final, antes disso aplicávamos a norma de conflitos, e entendemos no fundo aqui o conceito da
constituição da filiação no sentido amplo abrangendo quer a constituição de filiação legitima ou
ilegítima e o que mais houvesse. Outro exemplo, artigo 49º capacidade para contrair casamento, nós
precisamos de saber o que significa casamento, mas casamento nós só vamos entender que é
casamento exactamente aquilo que está previsto no direito material português? e se no país X de onde
a pessoa é originária, o casamento se realizar de outra forma? com pessoas a dançar com penas à volta
de uma fogueira, por exemplo, o exemplo é um pouco absurdo, mas o que é verdade desde que a
finalidade dessa dança com penas à volta da fogueira, seja das pessoas se unirem, para constituir vida
familiar e que esta união esteja formalizada perante alguma entidade, então aí, porque não? quando
entendemos o conceito quadro temos de fazê-lo com esta abertura.
Concluido portanto que os conceito quadro previstos nas normas de conflito tem um alcance mais
vasto do que aqueles previstos nos mesmos conceito do direito interno.
E aqui falamos de um principio, que é o principio da autonomia de Direito internacional Privado,
relativamente ao direito material interno, quanto à regras de conflitos de fonte internacional, aqui, já
sabemos que elas também vigoram na ordem jurídica portuguesa como regras de conflito de direito
internacional, a interpretação destes diplomas vai ter de se fazer segundo os cânones hermenêuticos
do Direito internacional Público, ou seja, também aqui vai valera autonomia do Direito Internacional
Privado, relativamente ao direito material interno, o que é que isto quer dizer? quer dizer que nós não
podemos interpretar os conceitos que estão previstos nas convenções internacionais exactamente
como eles estão previstos no direito material português, por exemplo, se nós tivermos uma convenção
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internacional que se aplique em matéria de casamento, nós não podemos interpretar o conceito de
casamento só como ele está previsto no direito material português, porque senão o que é que iria
acontecer? nós interpretávamos só consoante o conceito material português, em Espanha
interpretavam consoante o direito material espanhol e por aí fora, e que acontecia? sob a aparência de
uma uniformização, de se estar a aplicar a mesma convenção, cada país iria estar a preencher os
conceitos à sua maneira, e por isso esta uniformização não era alcançada, e por esta razão a
interpretação dos conceitos que constam das convenções internacionais tem de ser ele também feito
com autonomia, portanto das duas uma, ou esta convenções dizem logo do que elas tratam, no fundo
incluem definições de conceitos, ou então vamos ter de ver qual é o sentido, vamos ter de estudar qual
é o sentido, trabalhos preparatórios, ou até mais que não seja em última instância teremos de fazer um
estudo de direito comparado sobre os vario estados contratantes daquelas convenções.
Quanto às regras de fonte Europeia, aqui teremos de fazer um raciocínio semelhante, vamos ter de
atender às técnicas e aos princípios que presidem a interpretação do direito europeu como por
exemplo, o efeito útil, o principio da subsidiariedade, todos esses principios vão ser relevantes, quando
nós interpretamos por exemplo os diversos ROMA’S. na verdade depois temos outro elemento
importante, o Tribunal de Justiça da União Europeia, e nos termos do artigo 267º b) TFUE, este tribunal
é competente para decidir a titulo prejudicial sobre a validade e interpretação dos actos adoptados
pelas instituições, órgãos ou organismos da união, acontece, que se o tribunal de um estado membro
tiver dúvidas relativamente à interpretação de algum diploma de fonte europeu, que pode fazer? pode
pedir ao tribunal de justiça da UE que se pronuncie a esse respeito. Isto também não dá resposta a
tudo, porque os próprios juízes do tribunal de justiça da UE têm de se basear em qualquer coisa, e vão
se basear, se estiver em caus algum problema constante do ROMA I, vai começar-se por olhar para o
próprio regulamento para verificar se ele dá resposta à questão que queremos ver resolvida, se não
der resposta directa teremos de fazer uma interpretação sistemática do próprio diploma, teremos de
eventualmente ter de atender a outros diplomas de fonte europeia que já tenham tratado a questão.
Estou a pensar por exemplo Regulamento ROMA II há uma disposição que trata de responsabilidade
por produtos defeituosos, responsabilidade pelo produtor, nesse podemos atender a uma directiva
europeia que trata da questão. ainda obrigações contratuais, está prevista no regulamento ROMA I,
mas ainda antes disso e à parte estava prevista no regulamento 44/2001 relativamente à determinação
do tribunal competente haviam questões que se tinham colocado relativamente ao tribunal
internacionalmente competente para apreciar questões de obrigação contratual, artº5 na época do
reg. 44/2001 que já foi revogado e agora está em vigor 1215/2012 artº7. Vamos então aproveitar a
jurisprudência do tribunal da UE a respeito também desse regulamento, 44/2001, que sobre o novo
ainda não há jurisprudência, a respeito do próprio conceito de obrigações contratuais, ou de
obrigações extra-contratuais, em último caso e se aí não tivermos nenhuma interpretação teremos de
fazer um estudo de direito comparado, e ver por exemplo quais é que são os traços essenciais de um
determinado conceito aos vários ordenamentos jurídicos do estados da UE, tudo isto são elementos

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importantes que serão relevantes na interpretação dos conceitos. é a forma de fazer uma
interpretação real dos conceitos.
Um outro Problema que poderemos ter em DIPrivado é o da integração de lacunas, podemos dizer que
em Dip ocorre uma lacuna quando faltar uma norma de conflitos que indique directamente a lei
aplicável a uma situação ou relação privada internacional. note-se para podermos dizer que existe
lacuna, teremos de resolver primeiramente um problema de qualificação, que veremos no ponto a
seguir, porque podemos pensar que temos uma lacuna mas verdadeiramente não a temos. reparem
no exemplo dado acima da filiação ilegítima, está em causa por exemplo a aplicação da lei do país X
que regula um problema no âmbito da filiação ilegítima, mas nós poderíamos dizer que em Portugal
não existe uma norma de conflitos que tenha como previsão, como conceito quadro a filiação ilegítima,
e poderíamos ser tentados a dizer que tínhamos uma lacuna, mas não temos, porque este problema se
resolve pela qualificação, pesa de não temos uma norma de conflito que trate especificamente da
filiação ilegítima temos uma norma de conflitos que trata das relações entre pais e filhos, artº57, é um
conceito suficientemente abrangente, e portanto nesta hipótese nós não teríamos lacuna. Já podemos
ter lacuna numa situação em que se pretende determinar alguns efeitos pessoais, por hipótese da
união de facto, vamos imaginar que temos um casal que está unido de facto e nacionais do país X que
entretanto estão a viver em Portugal, e há uma das partes que entende que à luz da lei do país X os
unidos de facto têm determinadas obrigações, ao que a outra pessoa responde que em Portugal essas
obrigações não existem. qual a lei que vai ser aplicada? aqui teríamos um problema, porque nós não
temos normas de conflitos que regule a questão da união de facto, é verdade que temos normas de
conflitos que tratam do casamento mas união de facto, não é exactamente igual a casamento, aqui sim
nós poderíamos ter uma lacuna. E quando nós temos lacunas que fazemos? vamos basicamente seguir
o processo que aprendemos em introdução ao estudo do direito, vamos olhar para o artigo 10º do CC e
vamos ver se existe algum caso análogo se existir, vamos recorrer à analogia, se não existir, (mas nesta
hipótese dos efeitos pessoais da União de facto este caso admito que a solução possa passar por fazer
uma aplicação analógica do artigo 52º do código civil, que trata das relações entre os conjuges, aqui
não são conjuges porque não são casados mas são unidas de facto, embora esta questão seja
discutivel, porque a doutrina não é pacifica, mas eu admito esta solução pois existe uma união de vidas
tendencialmente para constituir familia, uma comunhão de interesses). Se não tivermos caso análogo,
então o artigo 10º nº3 do CC manda que a situação seja resolvida segundo a norma que o interprete
criaria se houvesse que legislar dentro do espirito do sistema, e aqui quando se pede para se recorrer à
norma que o interprete criaria, vamos ter de atende aos valores subjacentes ao DiPrivado, porque são
eles que traduzem aqui o espírito do sistema. Outra questão ainda relativamente à aplicação das
normas de conflito prende se com aplicação da lei no tempo, e em DIprivado coloca desde logo
problemas interessantes, existe alguma jurisprudência relativamente a esta matéria pelos tribunais
portugueses, porque como vos referi antes, houve uma alterações significativas em 1977, houve lei
que foram alteradas, por exemplo relativamente à relação entre os cônjuges relativamente ao regime
de bens, quer o artº52 e 53º, admitiam que na falta dos primeiros elementos de conexão era relevante
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a lei da nacionalidade do marido e tal foi alterado.Imagine-se que estamos a tratar de um problema de
um regime de bens de um casal casou e estava em vigor a lei anterior a 1977 e era aplicável a lei da
nacionalidade do marido, e que pretendemos saber, agora, qual o regime de bens deste casa, temos
um problema de sucessão de leis no tempo, porque quando se casaram era aplicável a lei da
nacionalidade do marido e se a questão fosse apreciada agora seria em principio a lei da primeira
residência conjugal.
Como resolvemos estes problemas, em primeiro lugar, nós aqui teremos sempre de atender às regras
de aplicação de leis no tempo que estão em vigor no nosso ordenamento jurídico, artº12º e 13º do CC
e é sabido que por força do 12º a nova norma de conflitos apenas se aplica em principio às situações
que forem constituídas após a sua entrada em vigor, está em causa a protecção da confiança, o que
significa que teremos de fazer uma distinção que o próprio artigo 12º assim exige. Vamos ter de ver se
a nova lei e se a situação que está em causa vai dispor directamente sobre o conteúdo de certas
relações jurídicas abstraindo os factos que lhe deram origem ou não, é neste ponto que nós teremos
de fazer a distinção. nesta hipótese temos uma situação constituída no momento em que o casal
casou, então que lei aplicaríamos? a lei antiga, se a questão fosse diferente, não de regime de bens
mas de relação entre os cônjuges, é relevante porquê? vamos imaginar que quando se casaram as
mulheres não tinham tantos direitos como hoje, não havia uma ideia de igualdade entre os cônjuges.
Então a pergunta que faço, é se nós quisermos saber hoje, quais os direitos e deveres dos cônjuges no
âmbito do seu casamento, então teremos de ver que é um problema do artigo 52º relação entre os
cônjuges, mas aqui não estamos a falar de uma situação que não versa sobre o artº 12º mas sim sobre
o conteúdo directamente do casamento as relações e os direitos e deveres de cada um, aqui vamos
aplicar a lei nova. é com base no critério previsto no 12º que vamos dar resposta a esta situações.
Podemos também fazer uma aplicação analógica, e há autores que falam nisso, é admissível, do
diploma preambular que aprovou o CC e que estabelece no artigo 14º e 15º e que dá resposta à
sucessão de leis no tempo, e reparem que aplicando analogicamente estes artigos a solução seria
exactamente a mesma, porque no fundo tudo está subjacente nesta ideia de tutela da confiança e
continuidade das situações jurídicas.
Agora nós podemos ter ainda outro problema diferente deste, é que nesta questão que vimos, temos
uma sucessão de leis no tempo, ou seja primeiro estava em vigor uma norma de conflitos e esta norma
de conflitos foi alterada e agora temos uma norma de conflitos nova, mas podemos ter um problema
diferente, aquilo a que chamamos de conflito móvel ou de sucessão de estatutos, e existe tal situação
quando ocorre uma alteração do conteúdo concreto do elemento de conexão e desta modificação
desta alteração resulta uma sucessão de leis aplicavel. Exemplo: Eu quero saber qual a lei pessoal da
Ana, a Ana hoje é portuguesa, e uma vez que a lei pessoal é a lei da nacionalidade à luz do artigo 31º
nº1 a lei pessoal da Ana é a portuguesa, mas se a Ana amanhã adquirir a nacionalidade Britânica e
renunciar à nacionalidade Portuguesa a lei que vai se aplicada à Ana já não vai ser a Portuguesa, vai ter
de ser a Britânica. O que temos aqui? uma sucessão de estatutos, outro exemplo, relações pessoais
entre os cônjuges, artigo 52º CC se os cônjuges tiverem nacionalidade diferentes é aplicada a lei da
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residência habitual comum, se os cônjuges residirem hoje em Portugal aplica-se a lei Portuguesa, se
eles amanhã residirem em Itália aplica-se a lei Italiana, sucessão de estatutos. E depois podemos ter
aqui um problema interessante, imaginem que a Ana é cidadã Portuguesa que tem 18 anos de idade, e
a Ana vendeu uma casa, não havia problema tendo em conta que é maior tem capacidade, mas vamos
imaginar que a Ana ainda com 18 anos de idade adquire a nacionalidade moçambicana e renuncia à
nacionalidade Portuguesa, e a Ana agora que apenas possui nacionalidade moçambicana se arrepende
da venda que fez e vem dizer o seguinte: Eu agora sou moçambicana, e à luz da lei moçambicana a
maioridade só se atinge aos 21 anos de idade, portanto eu sou menor, celebrei um contrato sem ter
capacidade e o contrato é inválido, o que é que ela estava a invocar aqui? o artigo 25º que trata da
capacidade jurídica diz que é aplicável a lei pessoal, mais o artigo 31º nº1 que diz que a lei pessoal é a
lei da nacionalidade, em principio ela agora era moçambicana e o problema estava a ser colocado
agora. mas não funciona, pois neste caso nós temos o artigo 29º do CC a dar-nos resposta a esta
questão, e diz-nos o seguinte “a mudança da lei pessoal não prejudica a maioridade adquirida, segundo
a lei pessoal anterior.” o que é que isto quer dizer, que ela uma vez tendo adquirido a maioridade à luz
da lei Portuguesa, ela vai continuar a ser considerada maior apesar de ter agora a nacionalidade
moçambicana. A ideia é, uma vez maior sempre maior. Nesta hipótese da maioridade nós temos a
resposta expressa no artigo 29º, mas podemos não ter, então nestes casos em que não temos
nenhuma regra especial que regule o conflito móvel, aqui deve a regra que nós tendencialmente
seguimos é a de que a lei correspondente à nova concretização do elemento de conexão não se aplica
aos factos constitutivos modificativos ou extintivos de situações jurídicas já verificadas ao tempo da
mudança do conteúdo concreto do elemento de conexão, e isto para que não sejam atingidas as
expectativas dos outros. Se a situação foi constituída, modificada ou extinta à luz da lei que
correspondia à concretização do elemento de conexão à data, é essa lei anterior que se aplica, haverá
sempre aqui uma ideia de tutela das legitimas expectativas dos interessados. A última questão deste
ponto ainda, é o problema da aplicação no espaço da regra de conflitos e este problema consiste em
saber se as regras de conflitos do estado do foro se aplicam a todas as situações e relações privadas
internacionais submetidas aos tribunais do foro, ao tribunais locais, ou se vamos apenas aplicar as
normas de conflitos às situações que tenham uma ligação com o foro, ou seja nós vamos só aplicar as
nossas normas de conflitos às situações que tem uma ligação com Portugal? ou vamos aplicar as
normas de conflitos a todas as situações que se coloquem em Portugal? Aqui o critério de solução, é o
que em principio, de facto as regras de conflitos se aplicam a todas as situações e a todas relações
privadas internacionais, mesmo aquelas que tenham sido constituídas no estrangeiro sem qualquer
ligação ao estado Português. Por isso aqui vale o principio da aplicação territorial do direito de
conflitos, ou seja, desde que o tribunal português seja o tribunal competente, o tribunal onde a
questão esteja a ser apreciada, o juiz Português vai aplicar as normas de conflitos portuguesas, mesmo
que a situação não tenha sido constituída em Portugal. Reparem se assim não fosse, se nós não
aplicássemos as nossas normas de conflitos íamos ter um problema, o juiz não iria ter como dar
resposta à questão, e já sabemos que o juiz tem sempre de resolver todos os litígio que lhe sejam
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apresentados. E com isto terminamos este ponto da matéria na próxima aula vamos desenvolver o
problemas da qualificação, e a questão da qualificação é uma das questões mais interessantes e
centrais do DIPrivado, a qualificação é uma operação que é necessária à aplicação de qualquer norma
jurídica, quando nós começámos no primeiro ano da faculdade a aplicar normas jurídicas, nós
começámos a fazer qualificação. Nós olhamos para a norma, olhamos para uma determinada situação
da vida e verificamos se esta situação da vida é ou não é reconduzivél à previsão da norma, isto é ser
subsumivél à previsão da norma. isto é a qualificação. quando nós olhamos para um contrato que é
celebrado entre duas pessoas, pelo qual uma delas se obriga a entregar à outra um imóvel, para que a
segunda pessoa se sirva dele durante um determinado tempo com a obrigação de o restituir, quando
nós olhamos para esta situação e tentamos determinar se isto é um arrendamento, um comodato ou a
cessão da exploração de um estabelecimento, nós estamos a fazer qualificação, na próxima aula
veremos como funciona isto em DiPrivado.

Teórica de 12/03

Hoje vamos tratar da matéria da qualificação, que aflorei na final da aula passada, e na verdade
a qualificação é uma operação que é necessária, sempre que aplicamos uma norma escrita, nós
precisamos de saber se uma determinada situação da vida é ou não é reconduzível ou subsumível na
previsão da norma.
Ainda em termos muito gerais… o exemplo que vos dei.
Quando nós queremos saber se um contrato celebrado entre duas pessoas, pelo qual uma delas
se obriga a entregar à outra um imóvel, para que a segunda se sirva dele por um determinado período
de tempo, com a obrigação de o restituir. Se este contrato é um arrendamento, um comodato ou a
cessão de estabelecimento.
O que é que nós estamos aqui a fazer? A qualificação.
Nós estamos a pegar numa situação jurídica e estamos a fazer o seu enquadramento para saber
que tipo de contrato é que está em causa.
Isto é a qualificação, isto é aquilo que nós fazemos desde o primeiro ano da licenciatura. Nós
qualificamos cada vez que aplicamos uma norma jurídica.
A especificidade da qualificação em DIPrivado, prende-se com a estrutura da regra de conflitos.
Conforme eu disse, nós já sabemos que no caso das normas de conflitos, a previsão da norma consiste
no seu conceito quadro. O conceito quadro é aquele que vai delimitar o âmbito de aplicação da norma
de conflitos.
A estatuição consiste no chamamento de normas de direito material de um determinado
ordenamento jurídico, que pode ser interno ou estrangeiro. Nós tanto podemos aplicar normas de
direito material interno, como direito material estrangeiro consoante para onde nos levar o
ordenamento.
Quando nós aplicamos as regras de conflitos às situações da vida surgem duas questões
principais:
1. Prende-se desde logo com o alcance da referência que é feita pela regra de conflitos. A
regra de conflitos remete-nos para uma determinada norma, ou melhor, remete-nos para um
determinado ordenamento jurídico e portanto, nós aqui vamos ter de saber se esta referência que é
feita para esse ordenamento jurídico é uma referência aberta ou se é uma referência selectiva.

O que é que significa isto de ser uma referência aberta ou uma referência selectiva?
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Nós podemos dizer que há uma referência aberta, ou que a nossa norma de conflitos contém
uma referência aberta, nos casos em que, por aplicação de uma determinada norma de conflitos, nós
chegamos à conclusão que vamos aplicar a lei do país X, para todas as questões que se suscitem.
Pelo contrário, a referência selectiva apenas determina a aplicação da lei do país X que regula
a questão que está prevista no conceito quadro.
Exemplo:
Nós temos o art.62º do CC que tem como conceito quadro “Sucessão por morte”, e este artigo
determina a aplicação da lei pessoal do de cujos, em princípio, nos termos do art.31º nº1 CC, é a lei da
nacionalidade.
Isto significa que, em princípio, para regular a sucessão por morte, vamos aplicar a sua lei da
nacionalidade, do de cujos. Se por exemplo, uma pessoa tiver nacionalidade francesa, a lei que vai
regular a sucessão por morte do F que morreu, é a lei material francesa.
Agora, nós vamos aplicar que normas materiais francesas?
As normas materiais francesas que regulam a sucessão por morte. Agora, vamos imaginar que
para além dos problemas da sucessão por morte, se suscitavam outros problemas que se prendiam
com direitos reais respeitantes aos imóveis do de cujos. Ai, se o problema se colocasse no âmbito dos
direitos reais dos imóveis do de cujos, essas normas materiais francesas já estavam a tratar de direitos
reais.
Portanto, ao fazermos uma referência selectiva, como aquela que nós fazemos, nós fazemos a
referência selectiva, quando a nossa norma de conflitos tem como conceito quadro “sucessão por
morte”, vai determinar a aplicação das leis de um determinado ordenamento jurídico. Que leis são
essas desse ordenamento jurídico? Aquelas que também tratem da sucessão por morte. Por isso é que
nós dizemos que o nosso sistema é um sistema de referência selectiva.
Quando o direito material francês é chamado por força do art.62º CC e o art.62º CC, tem como
conceito quadro “sucessão por morte”, nós só vamos aplicar as normas materiais francesas que tratem
elas também de “sucessão por morte”.
2. A outra questão da qualificação e da aplicação das regras de conflitos, prende-se com a
operação de qualificação propriamente dita.

Aqui, nós precisamos de saber quais são os critérios que presidem à subsunção das normas
materiais aplicadas ao conceito quadro. É isso que nós vamos tratar.
Vamos saber, então, qual é que é o âmbito da competência da lex causi.
Por exemplo, quando nós temos o A, solteiro, cidadão britânico e que morre domiciliado em
Portugal, sem ter feito disposição por morte e deixando bens em Lisboa, nós vamos querer saber qual
é que é a lei que vai ser aplicada, para determinar quem é que vai ficar com os bens deste cidadão.
Neste caso, a lei reguladora da sucessão por morte é a lei inglesa, por força do art.62º mais 31º
nº1 mais art.20º do nosso CC., e, de acordo com a lei inglesa, o de cujos não tinha deixado parentes
sucessíveis. Como não tinha deixado parentes sucessíveis, a Coroa britânica vem invocar perante o
Tribunal português, porque os imóveis estavam em Portugal, do direito que a Coroa britânica tem por
força do “administration of estates act” de recolher os bens que integram as heranças vagas.
Ou seja, no direito material inglês existe uma regra que diz que: os bens que não são de
ninguém são da Coroa. E por isso, é fácil de perceber que esta lei não é uma lei que nós possamos dizer
que trate de questões sucessórias. Quais é que são as leis que tratam de questões sucessórias? O que é
que são questões sucessórias?
Questões sucessórias são aquelas que se prendem com a determinação de quem é que vai ficar
com os bens de alguém, quando essa pessoa morre? Quem é que são os seus herdeiros?
Ora, de acordo com o direito inglês, entre o elenco de herdeiros não se encontra a Coroa, a
Coroa não é herdeira.
E o que é que se passa em Inglaterra?
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A Coroa não sendo herdeira, existem bens que não são herdados por ninguém, porque existem
pessoas que não têm herdeiros, nem fazem testamento.
O que é que acontece? A Coroa fica com os bens. Mas a Coroa adquire a propriedade dos bens
que não são de ninguém, e isto é o quê? É uma forma de aquisição da propriedade, isto trata de
matéria de direitos reais.
Então, nesta hipótese nós não podíamos aplicar a lei material inglesa que trata desta forma de
aquisição da Coroa britânica. Quando nós aplicamos a norma de conflitos, dissemos que este era um
problema de sucessão por morte (art.62º mais art.31º nº1 mais art.20º CC.) e a lei portuguesa estava a
remeter para a lei inglesa. Mas quando a lei portuguesa remete para a lei inglesa, sendo que a nossa
norma de conflitos tem como conceito quadro “sucessão por morte”, está a remeter para as normas
de direito material inglês que tratam de sucessão por morte.
E por isso, só as normas de direito material inglês que tratam da sucessão por morte é que
poderão ser aplicadas por força do art.62º CC. Esta é a única forma que nós temos de respeitar o nosso
próprio elemento de conexão.
Porque o legislador português entendeu que o direito material inglês, nesta hipótese, era
adequado para regular a situação, pois, o elemento de conexão do art.62º CC. remete para a lei da
nacionalidade, em matéria de sucessão por morte o legislador português entendeu que era de aplicar a
lei da nacionalidade, mas em matéria de direitos reais não, porque em matéria de direitos reais a
matéria de conflitos que nós temos é o art.46º que diz que se aplicam as leis do lugar da situação da
coisa, estando a coisa situada em Portugal, em matéria de direitos reais nós aplicamos as nossas
normas materiais e não as inglesas.
Portanto, quando nós fazemos esta referência na norma de conflitos portuguesa à lei
designada, esta referência é uma referência selectiva, porque nós só vamos aplicar as normas materiais
inglesas que tratam de sucessão por morte.
Esta referência selectiva está consagrada no art.15º do CC. O art.15º do CC. que tem na
epígrafe “Qualificações” diz o seguinte:
Artigo 15.º
(Qualificações)
A competência atribuída a uma lei “ou seja, nesta hipótese, a competência atribuída à lei inglesa”
abrange somente as normas “da lei material inglesa, no caso” que, pelo seu conteúdo e pela função
que têm nessa lei, “inglesa” integram o regime do instituto visado na regra de conflitos.
Ou seja, nós só vamos aplicar as normas materiais inglesas que tratam das sucessões, porque
são estas que são reconduzíveis ao conceito que trata o art.62º CC que também trata de sucessões.

A operação da qualificação entendida nestes termos, suscita-nos aqui três questões que
correspondem a três momentos da qualificação em que é possível analisar esta qualificação:
1. No primeiro momento da qualificação, aquilo que é feito é a interpretação do conceito
quadro, ou seja, a interpretação do conceito quadro que é o conceito vinculativo do objecto da
conexão das regras de conflitos que são potencialmente aplicáveis, portanto, interpretação da
previsão da norma. No caso do art.62º CC., interpretação do conceito de sucessão por morte.
2. O segundo momento vai ser o da caracterização do objecto da qualificação, ou seja,
qualificação do quid (Parte mais importante, mais central ou mais difícil de algo) da situação jurídica
que nós estamos a caracterizar, ou seja, vamos ver qual é que são as regras materiais inglesas que
serão aplicadas e como é que nós caracterizamos estas regras.
3. O terceiro momento consiste no apuramento da concreta apreensibilidade deste quid,
ou seja, destas regras do conceito quadro do art.62º CC. para nós vermos se estas normas que nós
encontramos no direito material inglês, são ou não são reconduzíveis ao conceito quadro.
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A melhor forma de perceber a qualificação, abro um parênteses com um aviso (a forma como
eu vou explicar agora não pode ser oficialmente usada em exames mas é só para perceberem a ideia
e já vão perceber porque é que isto não pode ser usado em provas orais ou nos exames).
Recordam-se daqueles jogos de criança que costumam ter umas bolas com uns formatos
geométricos, quadrados, bolas, círculos, etc. têm umas formas que vão encaixando nos respectivos
sítios.
Art.62º CC., trata da sucessão por morte, corresponde à previsão da norma. Vamos ver a
qualificação em termos de jogo de criança; nesse jogo, se nós tivermos que sucessão por morte
corresponde à forma de um triangulo, vamos aplicar que normas do direito material inglês? As normas
de direito material inglês que tratem de sucessão por morte, logo, triangulo. Primeiro momento da
qualificação: interpretação do conceito base. Segundo momento da qualificação: estamos a ver do que
é que trata estas normas, o que é que elas regulam? Qual é que é a função delas? Terceiro momento
da qualificação: vamos ver se estas normas que regulam a situação do direito inglês são ou não são
subsumíveis no conceito quadro, ou seja, se o triângulo encaixa neste outro triângulo. E encaixa,
porque é triângulo / triângulo, porque este triângulo corresponde às regras que tratam do direito das
sucessões.
Mas há bocadinho nós tínhamos visto que existiam regras no direito material inglês que diziam
que “quando não havia herdeiros, os bens que não eram de ninguém, eram da Coroa” e esta é uma
forma de aquisição da propriedade.
Estas regras do direito inglês são caracterizadas como tratando matéria de direitos reais.
Direitos reais já não são sucessões, então, temos de lhes dar uma forma geométrica diferente. Vamos
dar-lhe uma bola. Mas estas regras materiais que tratam de direitos reais já não são subsumíveis no
conceito quadro do art.62º CC. porque umas tratam de reais e as outras tratam de sucessões. Esta é
uma bola (lei material inglesa) e esta é um triangulo (art.62ºCC.).
Portanto, a qualificação é muito lógica por esta razão.
Agora que me parece que a ideia ficou percebida, vamos voltar a um registo mais cientifico.
O primeiro momento da qualificação consiste na interpretação do conceito quadro, o segundo
momento corresponde à caracterização do objecto da qualificação, e o terceiro momento corresponde
à subsunção ou não destas normas materiais potencialmente aplicáveis no conceito quadro da norma
de conflitos.
Como é que nós fazemos estes momentos?
Interpretação do conceito quadro
Quando nós fazemos a interpretação do conceito quadro…Sabemos que o conceito quadro
corresponde à previsão da norma. No nosso exemplo, o art.62º trata da sucessão por morte, mas
sucessão por morte é um conceito jurídico, se é um conceito jurídico tem de ser interpretado
juridicamente.
Então, neste caso, como é que nós vamos interpretar este conceito?
Em primeiro lugar não nos podemos esquecer que o art.62º está incluído no CC., portanto, o
nosso legislador quando escreveu no art.62º Sucessão por morte, estaria a pensar em qualquer coisa,
em princípio estaria a pensar naquilo que são as sucessões por morte à luz do direito material
português, mas o legislador português não pode limitar o conceito previsto no art.62º apenas àquilo
que é previsto como tal no direito material português, uma vez que pode haver realidades de outros
Estados que não são exactamente iguais às nossas.
Por isso se diz que, quando nós fazemos a interpretação do conceito quadro, devemos de fazer
essa interpretação partindo do direito material português mas com autonomia, ou seja, vamos
determinar qual é que é as notas essenciais dos nossos institutos e vamos fazer a interpretação apenas
com base nessas notas essenciais.
Exemplo que vimos na aula passada:
O caso da filiação legítima ou ilegítima.
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Nós temos o art.56º, no nosso CC., que trata da constituição da filiação ou no art.57º que trata
das relações entre pais e filhos. Quando se fala ai em filiação, qual é que é a ideia que está subjacente?
Pretende-se tratar do quê? Como é que nós interpretamos este conceito de filiação? Apenas como ele
está previsto no direito material português?
Se nós interpretássemos o conceito de filiação apenas como ele está previsto no direito
material português, não íamos aceitar a aplicação da nossa norma de conflitos para regular situações
que têm uma realidade jurídica completamente diferente da nossa, ou seja, a nossa norma de conflitos
não iria permitir, por exemplo, regularmos problemas de filiação ilegítima, portanto, quando o nosso
conceito. Se nós temos um conceito quadro, se a nossa norma de conflitos trata da filiação, esta
interpretação da filiação é feita como? Vamos buscar as notas essenciais do nosso ordenamento
jurídico material, mas, depois vamos interpretar este conceito com autonomia.
Nesse caso, se no ordenamento jurídico estrangeiro estiver em causa, por exemplo, um
problema de filiação ilegítima nós podemos continuar a aplicar estas normas de conflitos.
O que é que se consegue com isto?
Consegue-se resolver as situações jurídicas internacionais, que consubstanciam realidades
jurídicas diferentes das nossas;
Conseguimos respeitar o sentido que o legislador imprimiu à norma,
Conseguimos aplicar o elemento de conexão que o legislador intendeu que era o mais
adequado;
E por último, consegue-se uma harmonia internacional de soluções, porque aquilo que nos
interessa é a ideia que está subjacente ao conceito quadro da norma de conflitos.
Um outro argumento a favor.
Esta ideia de interpretação autónoma é ainda reforçada pelo art. 64º al.c) do CC., porque neste
artigo alude-se aos testamentos de mão comum e diz-se aqui:
Artigo 64.º
(Interpretação das disposições; falta e vícios da vontade)

É a lei pessoal do autor da herança ao tempo da declaração que regula:




c) A admissibilidade de testamentos de mão comum ou de pactos sucessórios, sem prejuízo, quanto a
estes, do disposto no artigo 53.º

Ora bem, no direito material português não são admissíveis os testamentos de mão comum.
Se a interpretação das nossas normas de conflitos for feita á luz do direito material português,
esta norma nunca poderia existir, pois, no direito material português não são admissíveis testamentos
de mão comum, então, o que é que o legislador aqui expressou?
Que, a pesar deles não estarem previstos no direito material português, se noutro
ordenamento jurídico eles forem admissíveis, nós até podemos aceitar essa admissibilidade.
Portanto, até temos uma norma que até considera uma situação que não é aceitável no direito
material português.
Estamos no primeiro momento da qualificação, que consiste na interpretação do conceito
quadro. Mas estes exemplos que eu vos estou a dar, são exemplos de normas de conflito de fonte
interna, mas nós podemos ter normas de conflitos que são de fonte internacional (Convenções
internacionais, Regulamentos Europeus) nesses casos a interpretação do conceito quadro não pode
ser feita desta forma, pois, caso contrário perdia-se o objectivo que está subjacente às próprias
Convenções Internacionais ou Regulamentos, por aquilo que eu já referi na última aula.

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Quando nós fazemos a interpretação dos conceitos que constam, ou das Convenções
Internacionais ou dos Regulamentos Europeus, nós temos de fazer essa interpretação da mesma
forma que é feita em Espanha, França, Itália, etc., portanto, não é admissível que cada Estado faça
uma interpretação de um mesmo diploma internacional, à luz da sua lei material, sob pena de a
unificação que é pretendida, ficar prejudicada, pois, sobre a mesma palavra haveria conteúdos
múltiplos.
Então, como é que nós temos de fazer essa interpretação?
Por exemplo, se estiver em causa regulamentos europeus, aquilo que nós vamos fazer é,
vamos interpretar os conceitos que constam do Regulamento, olhando para o próprio Regulamento,
ver se ele tem soluções ou não tem soluções, vamos ter de fazer uma interpretação sistemática do
próprio Regulamento, uma vez que se trate, por exemplo, de um Regulamento Europeu vamos
também atender a outros diplomas que tratem dos mesmo conceitos, atendemos também à
jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, mas os próprios Juízes do TJUE também têm
de saber como é que hão-de decidir e na falta de jurisprudência, a decisão vai olhar essencialmente
aos aspectos que são comuns aos ordenamentos jurídicos dos vários Estados.
Por exemplo, quando nós queremos interpretar o conceito de obrigações contratuais que está
previsto no Regulamento Roma I, nós vamos interpretar este conceito atendendo ao que se entende
por obrigações contratuais nos vários Estados membros da EU, e vamos encontrar uma linha comum,
um ponto comum, ou aspectos comuns aos vários ordenamentos jurídicos. Nesse caso a interpretação
deste conceito vai partir desse estudo de direito comparado.
Dou-vos ainda outro exemplo no âmbito das Convenções Internacionais.
A ideia é semelhante, porque iremos ter de atender ao direito dos vários Estados que são parte
nessas Convenções.
Há um exemplo interessante na Convenção de Roma, que estava em vigor antes do
Regulamento Roma I ser adoptado, mas ela ainda é aplicado aos contratos realizados antes da entrada
em vigor do Regulamento Roma I, no art.18º da Convenção de Roma, determinava-se que “na
interpretação e aplicação das regras uniformes que antecedem (a Convenção de Roma) deve de ser tido
em conta o seu carácter internacional e a conveniência de serrem interpretadas e aplicadas de modo
uniforme” porque só desta forma é que se consegue uma harmonia internacional de julgados.
Portanto, ponto 1:
1º momento da qualificação; interpretação do conceito quadro, temos de distinguir consoante
estejamos perante normas de conflito de fonte interna, ou normas de conflitos de fonte internacional,
pois, a interpretação do conceito quadro vai ser diferente. Este é o 1º momento da qualificação;`
No 2º momento da qualificação nós vamos caracterizar juridicamente a situação privada
internacional, ou seja, nesta hipótese nós íamos ver no ordenamento jurídico inglês, quais é que eram
as regras que iam regular a nossa situação e depois, íamos atender ao contudo e à função que essas
regras desempenham no ordenamento jurídico inglês para saber do que é que elas tratavam, para
saber como é que as íamos caracterizar.
Se no direito inglês nós tivéssemos regras que dizem “os sucessores são, o cônjuges, os
filhos…se tivéssemos uma regra que dissesse “quando uma pessoa morre são seus herdeiros o cônjuge,
os filhos, os país, os tios, ai nós tínhamos regras materiais que diziam quem é que é que fica com os
bens de uma pessoa quando essa pessoa morre.
O que é que trata o nosso conceito quadro quando trata de sucessão por morte?
Art.62º CC. Vai regular quem fica com os bens de uma pessoa quando essa pessoa morre, neste
caso, nós íamos verificar que essa norma que dizia quem ficava com os bens de uma pessoa quando
essa pessoa morria, era também caracterizada como sendo matéria de sucessões por morte, pois, a
sua função era de determinar que fica com os bens quando alguém morre.
Como é que nós vamos fazer a caracterização das normas jurídicas?

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Vamos fazer a caracterização das normas jurídicas que regulam a situação, à luz da sua própria
lei, ou seja, neste segundo momento vamos ver como é que as normas inglesas que regulam aquela
situação são caracterizadas, qual é que é a função que elas desenvolvem e se por exemplo, for de saber
quem é que fica com os bens quando alguém morre, podíamos dizer que a função é uma função
sucessória.
Outra hipótese:
Se em Inglaterra a Coroa não herda mas se fica com os bens que são de ninguém, esta regra
que diz que a Coroa se torna proprietária dos bens que não são propriedade de mais ninguém, vamos
ver a função que esta regra tem? O que é que ela vai determinar? É uma forma de aquisição da
propriedade. Se é uma forma de aquisição da propriedade vamos caracterizá-la como tratando de
direitos reais.
Outro exemplo:
Vamos imaginar o caso de dois cidadãos ingleses, A e B, que são casados e vendem em Lisboa
um imóvel ao seu filho C e D um outro filho, pede a anulação com fundamento no art.877º do CC.
O art.877º do CC. Proíbe a venda de pais a filhos ou avôs a netos, dizendo que nesses casos a
venda pode ser anulada.
Agora, a pergunta é:
Temos um filho a invocar a aplicação do art.877º do CC..
Este art.877º deve de ser caracterizado como? Do que é que ele trata?
Reparem o art.877º está incluído no livro do direito das obrigações, portanto, sistematicamente
nós poderíamos dizer: A função do art.877º prende-se com matéria de obrigações e se o art.877º fosse
entendido como matéria de direito das obrigações, quanto muito, ele poderia ser aplicado se por
aplicação do Regulamento Roma I, chegássemos à conclusão que a lei que regulava a questão era a lei
material portuguesa.
Mas terá o art.877º uma função que se prende com as obrigações? Estará ele aqui a estabelecer
um problema de obrigações?
Não. O art.877º visa garantir a igualdade de tratamento de todos os filhos de um casal. O
art.877º verdadeiramente tem uma função de garantir a igualdade de todos os filhos de um casal,
assim, trata de uma questão de relações entre pais e filhos, logo, o art.877º quando muito, poderá ser
aplicado se por força do art.57º CC (que trata de relações entre país e filhos), a lei que regula as
relações entre os pais e os filhos for a portuguesa.
Mas o art.57º vai-nos dizer que se aplicava a lei inglesa, porque eles eram ingleses.
Nesta hipótese, se nós fizéssemos a aplicação do art.57º CC. O art.57º trata das relações entre
país e filhos, uma vez que eles eram todos ingleses, o art.57º ia remeter para a lei inglesa. A lei inglesa
não proíbe a venda de pais a filhos. O imóvel estava situado em Portugal. Então, temos de fazer aqui
uma outra tentativa.
Vamos ver qual é a lei que se aplica às obrigações contratuais. Temos o Regulamento Roma I,
art.4º nº1 al.c) que diz “no caso da compra e venda de bens imóveis é aplicada a lei do lugar da
situação da coisa. A coisa encontrava-se situada em Portugal, significando isto que às obrigações
contratuais, iriamos aplicar a lei material portuguesa.
Pergunta:
Poderíamos aplicar o art.877º neste caso?
Não, porque o art.877º é caracterizando como tratando de um problema de relações entre pais
e filhos e a lei material portuguesa tinha dito para aplicar matéria de obrigações contratuais.
Se quisermos, obrigações contratuais correspondem a um quadrado. Art.877º que proíbe a
venda de país a filhos, trata das relações entre pais e filhos, bola, logo, não é reconduzível esta norma
não é reconduzível ao conceito quadro de obrigações contratuais.

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Portanto, quando nós queremos caracterizar a norma material que vai regular a nossa situação,
temos de ver qual é que é o conteúdo e a função que essa norma material tem no respectivo
ordenamento jurídico.
E quando nós fazemos isto, (qual é conteúdo e a função que essa norma material tem no
respectivo ordenamento jurídico) tanto pode ser no ordenamento jurídico estrangeiro como no
ordenamento jurídico interno, se o que estiver em causa for a aplicação do art.877º nós vamos ver qual
é a função e o conteúdo do art.877º.
Isto no que respeita ao segundo momento da qualificação.
No terceiro momento da qualificação
Aquilo que nós vamos decidir é se estas regras materiais aplicáveis à situação, são ou não são
reconduzíveis ao conceito quadro da nossa norma de conflitos. É nisto que consiste o terceiro
momento da qualificação.
Por exemplo, neste caso nós tínhamos feito a interpretação do conceito quadro de obrigações
contratuais, tínhamos visto o que é que significava. Depois, o que estava em causa, aplicação da lei
portuguesa, art.877º que era o que estava em causa. Alei material portuguesa de facto era aplicável,
mas era a lei material portuguesa que tratava de obrigações contratuais. O que é que um dos filhos
alegou? A aplicação do art.877º. Como é que nós caracterizamos o art.877º? O art.877º trata de
relações entre pais e filhos, pois, a função do art.877º é a de garantir a igualdade de tratamento entre
todos os filhos de um determinado casal ou de uma determinada pessoa. Então, neste caso nós
verificamos no terceiro momento se esta norma material conforme nós a caracteriza-mos, é ou não é
reconduzível ao conceito quadro da norma de conflitos, e neste caso verificamos que não é, porque o
conceito quadro trata de obrigações contratuais e o art.877º tem como função as relações entre pais e
filhos.
O terceiro momento da qualificação é nisto que consiste, verificar se podemos ou não
subsumir as normas materiais que nós caracterizámos, no conceito quadro da norma de conflitos.
Tendo nós agora presentes estes três momentos, temos de voltar a olhar para o art.15º agora já
se torna mais fácil de o perceber.
O art.15º CC. Não trata do 1º momento da qualificação, não trata da interpretação do
conceito quadro.
Ele diz o seguinte:
A competência atribuída a uma lei abrange somente as normas que, pelo seu conteúdo e pela
função que têm nessa lei, integram o regime do instituto visado na regra de conflitos.
Aqui, quando se diz “…pelo seu conteúdo e pela função que têm nessa lei…”está-se a referir ao
segundo momento da qualificação, vai-nos obrigar a ver qual é que é o conteúdo e a função que essas
normas materiais têm nesse ordenamento jurídico, e com isso nós vamos caracterizá-las.
“…integram o regime do instituto visado na regra de conflitos.” Quando se fala aqui do instituto
visado na regra de conflitos, o regime do conceito quadro visado na norma de conflitos, que trata a
norma de conflitos.
Agora, há ainda um último aspecto muito importante, quando nós estamos aqui a fazer este
terceiro momento, saber se as normas são ou não são reconduzíveis ao conceito quadro, atendendo ao
seu conteúdo e à sua função, nós aqui, vamos ter mesmo de olhar para as normas materiais aplicáveis,
num sentido funcional, ou seja, vamos ter de ver qual é a sua função.
Por exemplo:
No direito inglês há regras, no administration of estates act, são regras que determinam o
seguinte:
Existe um determinado prazo durante o qual, se as pessoas quiserem obter tutela jurídica para
um certo direito, durante esse prazo as acções têm de dar entrada em Tribunal, portanto, temos uma
determinação de um prazo para as acções darem entrada no Tribunal, sendo que, se o pedido não der
entrada até ao final desse prazo, então já não mais se pode intentar essa acção em Tribunal.
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Como no sistema inglês tudo isto está pensado em termos de acções que dão entrada nos
tribunais, não existem exactamente prazos de prescrição, existem prazos durante os quais as acções
podem dar entrada em Tribunal.
E por essa razão, esta regra é caracterizada no próprio direito inglês, como sendo uma regra
processual, e sendo ela uma regra processual, nós aqui iriamos ter uma dificuldade, porque no
DIPrivado existe uma regra que não está escrita, que consiste no facto de que cada Tribunal aplica as
suas próprias regras processuais.
Assim, ficávamos com um problema, pois, por exemplo, numa situação em que estivesse em
causa, um problema de prescrição em que fosse aplicável em matéria de prescrição a lei substantiva
inglesa, nós íamos ter uma dificuldade, porque, se a lei que trata da questão no ordenamento jurídico
inglês, caracteriza esta situação como sendo processual, nós não tínhamos como aplicar esta regra,
porque nós só podíamos aplicar o direito material inglês substantivo e não processual.
Mas a verdade é que, se nós entrarmos pela norma a dentro, se nós atendermos à função da
norma inglesa, nós vamos verificar que esta norma estabelece um prazo durante o qual as acções
devem de dar entrada no Tribunal, no fundo esta regra visa exactamente aquilo que visam as nossas
regras da prescrição. Garantir a estabilidade na ordem jurídica e a tutela da confiança, portanto,
funcionalmente esta regra inglesa acaba por ter uma função que é semelhante à nossa relativamente à
própria prescrição, e por isso se entende que estas regras inglesas poderão ainda, ser reconduzíveis ao
conceito quadro do art.40º CC. Que trata da prescrição e da caducidade. Isto se não estivermos no
âmbito do Regulamento Roma I e II, porque ai há regras de conflitos específicas de prescrição e
caducidade.
Portanto, daqui concluímos que neste processo da qualificação, para nós sabermos se as
normas materiais aplicáveis são ou não são reconduzíveis ao conceito quadro, nós temos sempre de
desenvolver um raciocínio de correspondência funcional.
Nós temos de verificar se funcionalmente, aquelas normas materiais funcionais aplicáveis,
correspondem ao conceito quadro da nossa norma de conflitos.

AULA DE DIP DE 17/3/15

É sobre o elemento de conexão que, hoje, vamos incidir a nossa atenção. Vamos ver como
interpretamos e concretizamos o elemento de conexão. Isto porque não são apenas os conceitos
quadro que são designados por conceitos técnico jurídicos (direitos reais, obrigações.etc.) também os
elementos de conexão podem ser designados por conceitos técnico jurídicos, é o caso de conceitos
cujo sentido e alcance pode ser obtido, apenas, por referência a outras normas jurídicas, px
nacionalidade previsto no 31º, também a residência habitual prevista no art 52º/2, o lugar da
actividade causadora do dano, artigo 45º/1. Ora, precisamos de saber o que eles significam e como se
concretizam, por isso, a interpretação e a concretização do próprio elemento de conexão suscita 3
ordens de problemas principais:
1- À luz de que ordem jurídica devemos fixar o sentido e o alcance dos conceitos que são usados
nos elementos de conexão das normas de conflitos. Ou seja, por exemplo a nacionalidade. À luz
de que ordem jurídica é que vamos interpretar o conceito de nacionalidade. Esta pergunta e
resposta é muito relevante porque aquilo que é entendido por nacionalidade para um país,
pode não o ser para outro país.
2- A concretização do conceito utilizado no elemento de conexão. Por exemplo a concretização do
conceito de nacionalidade. A que ordem jurídica vamos perguntar se o conteúdo desse conceito
técnico jurídico está ou não preenchido. Ou seja, a que país vamos perguntar se a pessoa é ou

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não nacional desse país? A relevância do problema resulta do facto de as condições de
atribuição da nacionalidade serem diferentes de país para país.
3- Casos em que existe pluralidade ou ausência de conteúdo concreto do elemento de conexão.
Ou seja, podemos ter um problema de estatuto pessoal em que o artigo 31/1 determina a
aplicação da lei da nacionalidade. Se uma pessoa tiver duas ou mais nacionalidades, qual é a
relevante? Ou se tivermos uma pessoa que é apátrida?

Destarte, em relação à primeira questão. Vamos interpretar o conceito de nacionalidade de acordo


com o direito do foro. Se a norma de conflitos é uma norma portuguesa, vamos interpretar este
conceito de nacionalidade à luz do ordenamento jurídico português. E, por isso, quando o nosso
legislador diz, nos termos do art 31º/1, que a lei pessoal é a da nacionalidade, devemos interpretar a
nacionalidade como o vínculo jurídico político que une um individuo a um estado soberano (aqui o
estado soberano é importante porque podia ser um estado federal ou um cantão, mas não o é).
Quanto à concretização do elemento de conexão, esta sim, já deve ser feita de acordo com a lege
causae. Ou seja, deve ser feita à luz do ordenamento jurídico ao qual estamos a perguntar se essa
pessoa é nacional ou não desse estado. Ou seja, se estiver em causa esta questão de nacionalidade
vamos ter de perguntar à lei da nacionalidade portuguesa se atribui ou não nacionalidade àquele
sujeito. Já se quisermos saber se aquela pessoa é francesa, vamos ter de perguntar ao estado francês.
Isto tanto vale para o elemento de conexão nacionalidade como para outros.
Quanto à questão do concurso ou da falta de conteúdo concreto do elemento de conexão temos de
fazer uma distinção entre as situações de casos de concurso dos casos em que existe falta do elemento
de conexão. Nos primeiros, se tivermos a mesma pessoa com duas ou mais nacionalidades, com dois
ou mais domicílios, temos de determinar qual é o relevante. Por vezes, o legislador resolve
expressamente o problema. Por exemplo em casos em que o individuo tem mais de uma
nacionalidade, o legislador resolve o problema nos artigos 27º e 28º da lei da nacionalidade. Se
quisermos saber, por exemplo, se o António tem ou não capacidade para contrair casamento
(49º,31º/1), recorremos ao art. 27ºe aplicamos a lei portuguesa.
Quando existe falta de conteúdo do elemento de conexão, resolvemos o problema recorrendo à
convenção de Nova Iorque de 1954 (ratificada por Portugal em 2012). Ora, nos termos do artigo 12º
desta convenção é dito que o estatuto pessoal do apátrida rege-se pela lei do seu domicílio ou, na falta
deste, pela lei do país da sua residência (não é residência habitual, é residência apenas).
Vamos prestar atenção ao elemento de conexão nacionalidade. Primeiro, porque é esta que pode
colocar mais dificuldades. Depois, porque já temos jurisprudência do TJUE a este respeito. E, também,
porque os critérios para resolver estes problemas poderão servir para outros elementos de conexão.
Já referi o que se entende por nacionalidade no ordenamento jurídico português. Contudo, também, já
se fala em cidadania europeia. Aliás, no artigo 20º do tratado sobre funcionamento da união europeia,
determina-se a cidadania da união. Já iremos ver que ser ou não cidadão da união é relevante. Em todo
o caso, quando temos uma norma de conflitos em que o elemento de conexão é a nacionalidade, ainda
se está a referir à nacionalidade como vinculo que une um individuo a um estado soberano e não à
união europeia.
Ora, tal como podemos falar nesta nacionalidade supra estadual, também podemos falar em
nacionalidade infra estadual. Por exemplo, um individuo que é nacional de um cantão. No entanto,
volto a frisar que o importante nos termos do artigo 31º/1 é o vínculo a um estado soberano e não ao
cantão, nem ao estado federado.
Temos na lei portuguesa, os critérios para atribuição da nacionalidade. Estes critérios não são iguais
nos outros estados. Cada estado determina esses critérios. Cabe à soberania de cada estado. Este
princípio está consagrado na convenção europeia sobre a nacionalidade que no seu artigo 3º/1 que
cada estado determinará quem são seus nacionais nos termos do seu direito interno. Esta liberdade
52
tem um limite. A nacionalidade deve corresponder a um vínculo efectivo, real, entre uma pessoa e um
estado. Um caso interessante foi discutido na altura da 2ª guerra mundial, apreciado pelo TIJ. Foi o
caso do senhor nottebohm. Este senhor tinha nascido em 1881 em Hamburgo e era nacional Alemão.
Entre 1905 e 1943, residiu, habitualmente, na Guatemala. Em 1939, depois do início da 2ª guerra
mundial, solicitou e obteve a nacionalidade do Liechtenstein (estado neutro na guerra). Qual era o
problema? O senhor nunca tinha residido no Liechtenstein, nem tinha bens neste país. Durante a
guerra, a Guatemala aplicou, ao senhor, as mesmas medidas que aplicou aos cidadãos alemães.
Prendeu, expulsou e confiscou os seus bens. O Liechtenstein no exercício da proteção diplomática veio
sustentar que as medidas tomadas violavam o direito internacional porque o senhor tinha adquirido a
nacionalidade do Liechtenstein e tinha renunciado à nacionalidade alemã. O TIJ considerou que a
naturalização do senhor não se baseava em qualquer vínculo real com o estado e tinha sido conseguida
sem observância dos princípios do direito internacional em matéria de nacionalidade. Ou seja, não
tinha sido respeitado o princípio da efectividade.
Esta limitação não impede que os estados adoptem critérios distintos para atribuição da nacionalidade.
Podemos identificar, essencialmente, dois critérios principais. Um é o ius solis e o ius sanguinis. No
primeiro, atende-se ao nascimento no território do estado cuja nacionalidade está em causa. Ou seja,
de acordo com este critério as pessoas que nascerem num determinado estado serão nacionais desse
mesmo estado. É maioritariamente seguido pelos países de forte imigração porque a melhor maneira
de integrar os estrangeiros é dar a nacionalidade aos filhos. No segundo, atende-se à nacionalidade dos
pais. Ou seja, filhos de pais portugueses seriam sempre portugueses, etc. este é um critério que é
seguido nos países de forte emigração porque os filhos dos seus nacionais nascem em outros estados e
a forma que existe para manter a ligação ao estado de origem é atribuir a nacionalidade aos seus
filhos.
Mas a verdade é qua actualmente a emigração e a imigração cruzam-se muito. A nossa lei reflecte
precisamente este cruzamento. Por isso, temos vários critérios. No artigo 1º da lei da nacionalidade
temos a indicação dos critérios que conferem a nacionalidade portuguesa originária (alínea a) a f))
representam o critério do ius sanguinis as 3 primeiras alíneas. Nas alíneas d) e e) temos o critério do ius
solis. Na alínea f) temos um último critério, uma ideia de generosidade que atribui a lei portuguesa aos
apátridas. Também podemos ter a aquisição derivada da nacionalidade. Por exemplo, nos termos dos
artigos 2º, 3º, 4º. Depois, ainda temos a aquisição derivada da nacionalidade por naturalização.
Com tudo isto, constatamos que não é difícil uma pessoa ter mais que uma nacionalidade. Quando
queremos saber qual é que é a lei que se vai aplicar em matéria de estatuto pessoal, quando existem
duas ou mais nacionalidades, se uma pessoa tiver nacionalidade estrangeira e portuguesa, já sabemos
que à luz do artigo 27º da lei da nacionalidade a nacionalidade relevante é a portuguesa. Se uma
pessoa tiver duas ou mais nacionalidade estrangeiras, a nacionalidade relevante vai ser a do estado, de
uma das suas nacionalidades, onde a pessoa tiver a sua residência habitual. Temos aqui presente o
princípio da efectividade, onde reside tem uma ligação mais estreita. Nos casos em que tem 3
nacionalidades (px. belga, italiana e francesa) mas reside habitualmente em Portugal, qual será a
nacionalidade relevante? Será, dentro destes 3 estados, a nacionalidade do país com o qual a pessoa
apresenta uma ligação mais estreita (onde nasceu, onde passou a infância, onde viveu mais anos, onde
tem família, etc.), é o que determina o artigo 28º da lei da nacionalidade. Agora, com respeito ao caso
do concurso de nacionalidades, há uma especificidade para a qual temos de estar atentos. São os casos
em que uma das nacionalidades seja de um estado membro da União europeia. Isto porque se pelo
menos uma for de um estado membro e estiver em causa o exercício de liberdades europeias será em
princípio a nacionalidade do estado membro que será relevante. Isto porquê? Em 1992, a 7 de julho, o
TJUE proferiu um acórdão, no processo 369/90 (sugiro que o obtenham na internet), conhecido como
acórdão micheletti. Ora, aqui a história era a seguinte: um cidadão italiano e argentino que tinha
obtido um diploma na Argentina, aliás, país onde ele residia. E, em 1989 ele solicitou às autoridades
espanholas um cartão de residência comunitário. Este cartão foi-lhe recusado. Porquê? Porque em
53
Espanha vigora uma regra semelhante à do nosso artigo 28º da lei da nacionalidade. Ou seja, a
nacionalidade relevante era a da Argentina pois era ai que tinha residência habitual. O senhor recorreu
até ao TJUE e este veio decidir o seguinte, as disposições de direito comunitário em matéria de
liberdade de estabelecimento (ele queria estabelecer-se como dentista em Espanha), não permitem
que um estado membro (ou seja a Espanha) recuse o benefício dessa liberdade a um cidadão de outro
estado membro, que possua simultaneamente a nacionalidade de um estado terceiro, pelo facto de a
legislação do estado de acolhimento o considerar nacional de estado terceiro. Portanto, retiramos
daqui que em caso de concurso de nacionalidades, sendo uma delas europeia e a outra não europeia,
mesmo que a pessoa tenha residência habitual no estado da nacionalidade não europeia a relevante
será a europeia. E, por isso, sempre que tiver em causa o exercício de liberdades europeias, segue-se
este acórdão. O nosso artigo 28º tem de ser interpretado com o auxílio deste acórdão, porque a lei de
fonte interna não pode contrariar os tratados relativos à união europeia.
O que esteve sempre em causa neste acórdão foi o exercício de uma liberdade europeia. Isto significa
que esta jurisprudência só tem relevância nestes casos. Se este senhor se quisesse casar, por exemplo,
em Portugal, tendo ele as supra referidas nacionalidades, e residir habitualmente na Argentina, não
está em causa o exercício de nenhuma liberdade europeia e, assim, já não há razão para se aplicar esta
jurisprudência. Esta é a minha orientação. Mas, existem outras orientações. Designadamente, o
professor Lima Pinheiro e Marques dos Santos. O professor Lima Pinheiro, que atendendo ao princípio
da coerência interna não faz sentido que a mesma pessoa seja considerada, pelas autoridades de um
mesmo estado, nacional de um estado para uns efeitos e nacional de outro estado para outros efeitos.
Destarte, deve ser feita uma aplicação analógica dos critérios previstos no acórdão a situações que não
envolvam questões de liberdade europeia.
Quero, ainda, fazer referência de que a lei da nacionalidade pode ser, também, relevante para regular
algumas matérias incluídas no estatuto pessoal. É o caso, por exemplo, dos refugiados. Está em vigor,
em Portugal, a convenção relativa aos estatutos dos refugiados, foi adoptada em 195, em vigor em
Portugal desde março de 1960, e nos termos do artigo 12º desta convenção prevê-se que o estatuto
pessoal de cada refugiado será regido pela lei do seu domicílio ou na falta deste pela lei do país da
residência.
Com isto terminámos a parte da matéria da conexão. Na próxima aula vamos entrar na matéria do
reenvio. Vamos ver qual é que é o alcance da referência que é feita pela lei portuguesa para uma lei
estrangeira.

Teórica 19-03-2015

A sessão que eu queria tratar hoje é a questão que se prende com o reenvio.
Quando nós olhamos para as normas de conflitos verificamos que elas tem um conceito quadro
é a previsão da norma e depois a estatuição da norma consiste na aplicação de um determinado direito
material. Para saber qual vai ser esse direito material, temos o elemento de conexão que nos diz qual é
que é o ordenamento jurídico a aplicar. Por exemplo, quando estamos a tratar de um problema de
capacidade para contrair casamento (49º CC), o que fazemos? Olhamos para o art. 49º que diz que é
aplicável a lei pessoal do sujeito. Se a pessoa tiver nacionalidade francesa, por exemplo, combinando o
49º com o 31º/1, chegamos à conclusão que a lei pessoal é a lei da nacionalidade e portanto a lei
portuguesa está a remeter para a lei francesa.
A pergunta que se coloca em sede de reenvio é se quando a lei portuguesa remete para a lei

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francesa, está a remeter para o que da lei francesa? No ordenamento jurídico português temos normas
de conflitos e temos normas materiais. No direito francês passa-se a mesma coisa. Daí que a pergunta
seja: quando a lei portuguesa, a nossa norma de conflitos, remete para a lei francesa, significa isto que
nós vamos aplicar o direito material francês, ou vamos atender ao que dizem as normas de conflitos
francesas? Isto é relevante porque a norma de conflitos francesa pode dizer coisa diferente do que diz
a nossa norma de conflitos. A nossa lei de conflitos determina que é aplicável a lei da nacionalidade e a
norma de conflitos francesa pode dizer que é aplicável a lei da residência habitual.
O problema coloca-se, por exemplo, relativamente à capacidade para contrair casamento de
um cidadão brasileiro que por hipótese tenha residência habitual em Itália. Por exemplo, o senhor
António (brasileiro) que tem residência habitual em Itália e quer casar em Portugal. O conservador do
registo português o que vai fazer? Temos o art. 49º CC que nos diz que se aplica a lei da nacionalidade,
ou seja, a lei brasileira. Se nós entendermos que quando a lei portuguesa remete para a lei brasileira,
está a remeter só para o direito material brasileiro é que vai por isso aplicar o direito material
brasileiro, vamos ter aquilo a que nós chamamos uma referência material. Ou seja, vai aplicar
directamente a normas materiais para onde a norma de conflitos remete.
Mas o legislador português tem ao seu alcance uma outra possibilidade (ou tinha na altura em
que fez o CC) que é a de dizer coisa diferente. Neste caso a lei portuguesa remete para a lei brasileira.
Podemos em vez de dizer que aplicamos a lei material brasileira, atendendo ao que dizem as normas
de conflitos brasileiras. E aqui nós iríamos verificar que as normas de conflitos brasileiras determinam
que em matéria de estatuto pessoal, por regra, é aplicável a lei da residência habitual. Então vamos ter
a lei portuguesa a remeter para a lei brasileira e por sua vez, a lei brasileira a remeter para a lei italiana.
As normas de conflitos italianas dizem que se aplica a lei da nacionalidade (brasileira).
Podíamos ter uma outra hipótese ainda, que era o senhor em vez de residir em Itália, residia,
por hipótese, em Portugal. Neste caso, a lei portuguesa remetia para a lei brasileira e a lei brasileira
remetia para a lei portuguesa.
O que os legisladores têm de decidir? Têm de decidir se querem consagrar nos seus
ordenamentos jurídicos soluções de referência material (quando uma norma de conflitos remete para
uma outra lei está a remeter para as suas leis materiais) ou uma outra alternativa, ou seja, um sistema
de referência global. Global porque vai abranger todo o sistema jurídico da lei para onde remete. É
como abrange todo o sistema jurídico da lei para onde remete, vai incluir também as normas de
conflitos da lei para onde remete.
Este problema da devolução coloca-se nas situações em que nós temos concursos negativos de
competências. Ou seja, se todas as leis tivessem o mesmo elemento de conexão, este problema não se
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suscitava. Se em matéria de capacidade para contrair casamento todos os países do mundo tivessem
normas de conflitos que consagrassem a aplicação da lei da nacionalidade, o que nós tínhamos? Por
exemplo, relativamente a um cidadão brasileiro com residência habitual em Itália. A lei portuguesa
determinava a aplicação da lei da nacionalidade (brasileira). Se a norma de conflitos brasileira tivesse
exactamente o mesmo elemento de conexão que a nossa, a lei brasileira considerava-se a si própria
competente. Portanto, nesta hipótese nós já não tínhamos nenhum reenvio. L2 já não estaria a
reenviar para nenhuma outra lei. L2 considerava-se a si própria competente.
Se o senhor, em vez de ser brasileiro, fosse português, a lei portuguesa considerava-se a si
própria competente.
Então, os problemas de reenvio só existem nas hipóteses em que os vários estados que estão
em contacto com a situação, têm normas de conflitos com elementos de conexão diferentes.
E então qual é a melhor solução? Qualquer dos sistemas tem vantagens. Quando seguirmos um
sistema de referência material, significa que vamos sempre aplicar a lei material do país para onde a
nossa norma de conflitos remete. Voltando ao exemplo do cidadão brasileiro que tem residência
habitual em Portugal. O que vamos ter? A lei portuguesa determina a aplicação da lei da nacionalidade
(brasileira). Se seguirmos o sistema da referência material, vamos aplicar a lei brasileira.
A lei brasileira, vamos imaginar que também prática um sistema de referência material. Neste
caso, a lei brasileira tem uma norma de conflitos que diz que em matéria de capacidade para contrair
casamento, é aplicável a lei da residência habitual. Ora, nos aplicamos a lei da nacionalidade, portanto
se a questão estiver a ser discutida em Portugal, aplicamos a lei brasileira. Se a questão estiver a ser
apreciada no Brasil, a norma de conflitos brasileira determina a aplicação da lei da residência habitual.
Como a residência habitual é em Portugal, a lei brasileira vai aplicar a lei material portuguesa. O que
não se consegue com este sistema? A harmonia internacional de julgados. Até se pode conseguir se
todos os ordenamentos jurídicos em contacto com a situação tiverem normas de conflitos com o
mesmo elemento de conexão. Por isso é que uma das críticas que pode ser feira à referência material é
que ela pode contrariar o princípio da harmonia internacional de soluções, porque não atende atende
ao que dizem as normas de conflitos da lei para onde remete.
Num sistema de referência global, ou seja, atende-se ao que dizem as normas de conflitos da
lei para onde se remete. Se a lei portuguesa fizesse referência global, a lei portuguesa remetia para a
lei brasileira, mas admitindo que faz referência global, vai atender ao que dizem as normas de conflitos
brasileiras.
Imaginando que a norma de conflitos brasileira diz que se aplica a lei da residência habitual, que era na
Argentina. A lei argentina por sua vez diz que é aplicável a lei da residência habitual. Então temos, a lei
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portuguesa remete para a lei brasileira, a lei brasileira remete para a lei argentina e a lei argentina
considera-se a si própria competente.
Neste caso, todas as leis do sistema aplicam a lei material Argentina. Então, qual é a possível
vantagem da referência global? É a harmonia internacional de soluções.
Agora podemos ter aqui um outro problema.
Vamos imaginar que a lei portuguesa faz referência global para a lei brasileira. Imaginemos que
a pessoa em causa tem residência habitual em Portugal. Então a lei portuguesa remete para a lei
brasileira (também o Brasil se faz referência global) e no Brasil determina-se que a lei aplicável é a lei
da residência habitual, que por sua vez é a lei portuguesa.
Então temos a lei portuguesa a remeter para a lei brasileira e a lei brasileira a devolver para a
portuguesa. O que temos aqui será uma referência ab infinito, porque, por exemplo, a lei portuguesa
remete para a brasileira, a brasileira para a italiana e por aí adiante. Mas claro que há limites, porque
os elementos de conexão também são limitados, mas em abstracto também podemos ter esta
situação.
A doutrina veio mitigar esta solução da referência global, ou seja, podemos ter países que
consagram a referência global, mas estabelecem limites para não termos estas situações de reenvio ab
infinito e para também não termos situações de ciclo vicioso.
Vantagens da referência material: a referência material tem este inconveniente de não
permitir a harmonia internacional de soluções, mas em termos gerais está é a solução que está
consagrada no nosso CC, mais especificamente no art. 16º cc. Só que depois temos os artigos 17º, 18º
e 19º CC que estabelecem as excepções e mais o 36º/2 e o 65º CC. As exceções são quase maiores do
que a regra geral.
Mas a verdade é que o nosso legislador estabeleceu no art. 16º a regra geral da referência material.

(A luz voltou e aparentemente ela voltou ao início da aula. Não incorporei em cima, fica separado para
fazerem como entenderem)

Então, a questão que se coloca com o reenvio prende-se com o sentido e o alcance que a
referência que é feita pela norma de conflitos portuguesa tem para a lei estrangeira. Ou seja, quando a
norma de conflitos portuguesa remete para a lei estrangeira, está a remeter directamente para as
normas materiais estrangeiras ou por sua vez, está a remeter para as normas de conflitos estrangeiras.
Porque os outros ordenamentos jurídicos têm normas materiais e normas de conflitos. Por isso,
está é a questão que queremos saber. Como vamos entender esta referência. E este problema do
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reenvio e destas remissões vai encontrar a sua gênese no séc. XIX, altura das grandes codificações do
direito internacional privado e que acabaram por consagrar soluções divergentes. Essencialmente em
matéria de estatuto pessoal. Nuns países seguiu-se a doutrina de mancini e noutros países seguiu-se a
doutrina de savigny. Porquê? Mancini considerava que em matéria de estatuto pessoal era de aplicar a
lei da nacionalidade. Savigny sustentava que em matéria de estatuto pessoal era de aplicar a lei do
domicílio. Então, imaginemos que temos uma situação de estatuto pessoal e a questão está a ser
colocada em L1 de uma pessoa que é nacional de L2. L1 tem uma norma de conflitos que determina
que em matéria de estatuto pessoal é aplicável a lei da nacionalidade, que é o caso da lei portuguesa
(mancini). Se a pessoa tiver residência habitual em outro país, por exemplo, em L2, então vamos ter L1
a remeter para L2. A lei do foro a remeter para a lei da nacionalidade e a lei da nacionalidade é a L2.
Mas depois podemos ter uma lei da nacionalidade que segue a orientação defendida por savigny (a lei
do domicílio). Se a pessoa tiver, por exemplo, domicílio numa L3, vamos ter L1 a remeter para a lei da
nacionalidade e a lei da nacionalidade (L2) a remeter para a lei do domicílio (L3). E depois aqui em L3
poderíamos ter várias soluções (aplicável a lei da nacionalidade ou do domicílio). É por esta razão, pelo
facto de existirem divergências de elementos de conexão adoptados pelos diferentes ordenamentos
jurídicos. Se todos os ordenamentos tivessem consagrado o mesmo elemento de conexão, o problema
não se suscitava porque tanto L1 como L2 estavam de acordo.
O problema, de facto, coloca-se quando as leis que estão em contacto com a situação têm
elementos de conexão diferentes. Neste caso acabamos por ter um conflito negativo porque nenhuma
das leis do sistema está a considerar-se a si própria competente.
Nos podemos ter duas espécies principais de reenvio:
1. Reenvio de 1º grau ou retorno.
2. Reenvio de 2º grau ou transmissão de competências.
Nós vamos ter um retorno na situação em que L1 diz que em matéria de capacidade para
contrair casamento é aplicável a lei da nacionalidade (L2). A lei da nacionalidade tem uma norma de
conflitos que diz que em matéria de capacidade para contrair casamento é aplicável a lei da residência
habitual. Se a residência habitual for em Portugal, vamos ter L1 a remeter para L2 e L2 a devolver para
L1. Temos uma situação de retorno porque a lei para onde a norma de conflitos remete, devolve
novamente para a lei do foro.
Esta situação está prevista no CC no artigo 18º.
O segundo caso de reenvio é o reenvio de 2º grau ou transmissão de competências, que está
previsto no artigo 17º do CC. Aqui, a lei portuguesa determina a aplicação da lei da nacionalidade (L2).
A L2 diz que se aplica a lei da residência habitual. Mas desta vez a residência habitual é, por exemplo
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em Itália. Então L2 remete para a lei italiana. Neste caso temos uma situação de transmissão de
competências. A norma de conflitos italiana vem dizer que se aplica a lei da residência habitual (L3).
Neste caso temos uma situação de transmissão de competências porque não existe um retorno para a
lei portuguesa. Não termos aqui uma situação de retorno.
Na jurisprudência do direito comparado nós podemos encontrar três orientações
fundamentais quanto a admissibilidade do reenvio. Quando L1 remete para L2, significa isto que vai
aplicar as normas materiais de L2 ou vai atender também ao que dizem as normas de conflitos de L2.
Esta é a questão que se coloca.
1. Teoria da referência material: orientação que condena o reenvio, ou seja, quando uma
norma de conflitos remete para um ordenamento jurídico estrangeiro, vai aplicar as normas materiais
deste ordenamento jurídico estrangeiro e não atende sequer ao que dizem as normas de conflitos
deste ordenamento jurídico. Num sistema em que L1 fizesse referência material, L1 iria aplicar as
normas materiais de L2 e era completamente indiferente que as normas de conflitos de L2 remetessem
para L1, L3 ou fizessem o que quisessem, porque o sistema é de referência material.
Esta é a solução que é consagrada, por exemplo, no direito brasileiro. É também o sistema
que está consagrado na convenção de Roma, no regulamento roma I, Roma II e também no
regulamento que trata do divórcio. Portanto, em todos estes diplomas, quando a norma de conflitos
remete para um determinado ordenamento jurídico, isto significa que vai aplicar as normas materiais
desse ordenamento jurídico.
Os argumentos favoráveis à esta teoria desde logo prendem-se com a seguinte situação:
quando as partes tenham escolhido uma lei aplicável, não faz sentido que a seguir ainda se pergunte se
a norma de conflitos dessa lei vai remeter para um outro ordenamento jurídico. Mas é verdade
também que quando temos normas de conflitos que consagram como elemento de conexão à escolha
da lei pelas partes, não existe reenvio. Porque se as partes escolhem uma determinada lei para regular
um contrato, nunca faria sentido que depois ainda se aplicassem as regras de conflitos da lei para onde
se remete porque as próprias partes já disseram que queriam aplicar aquela norma material.
Também nas hipóteses em que as normas de conflitos estabeleçam elementos de conexão
que consagrem a aplicação da lei com conexão mais estreita, por exemplo no caso do artigo 52º n.2,
parte final, que diz que em matéria de relações entre os cônjuges, se eles não tiverem a mesma
nacionalidade nem a mesma residência habitual, é aplicável a lei que apresenta com a situação a
conexão mais estreita. Neste caso também não faria sentido que se estivesse a atender para onde é
que remetem as normas de conflitos dessa lei, porque já estamos a aplicar a lei que tem com a
situação a conexão mais estreita.
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Também nos casos em que existe uniformização do direito de conflitos também não se
justifica, porque quando todos os países têm o mesmo elemento de conexão na norma de conflitos
que trata de uma determinada questão, vão sempre aplicar a mesma lei. Por exemplo, no regulamento
roma II é aplicável a lei do lugar do dano. Em Portugal está em vigor o regulamento, Portugal vai aplicar
a lei do lugar do dano. Em Espanha está em vigor o regulamento, Espanha vai aplicar a lei do lugar do
dano. Independentemente onde o lugar do dano ocorra e portanto neste caso também não se justifica
haver reenvio porque já existe reenvio que resulta da própria norma.
2. Teoria da referência global: é a teoria que é favorável ao reenvio. Ou seja, quando L1
remete para L2 está a remeter globalmente para o seu ordenamento jurídico. Quando remete para
todo o ordenamento jurídico de L2, está a remeter também para as normas de conflitos que estão em
vigor em L2. Portanto, se L1 praticar um sistema de referência global, não lhe é indiferente que L2
remeta para L1.
3. Orientações intermédias.

Aula Direito internacional Privado 24 Março

Nós hoje vamos continuar a matéria da aula passada em que tínhamos visto que quando é feita uma
referência a uma norma de conflitos poderá ser uma referência global, ou material, uma norma de
conflitos remete para um elemento de conexão de um determinado ordenamento jurídico, poderá
remeter directamente para as suas normas materiais ou para as suas normas de conflitos.
Se remeter directamente para as normas materiais, nós dizemos que pratica um sistema de referência
material, portanto aplica directamente as normas da lei para onde remete e esta é a solução
consagrada no direito brasileiro, do Quebec, no regulamento Roma I, Roma II, RomaII, a referência
material tem vantagens:
• desde logo quando as parte escolhem uma determinada lei aplicável é essa lei material que vai ser
aplicada, e aí já é respeitada a escolha que é feita pelas partes;
• também nos casos em que a norma de conflito determina a aplicação da lei que apresenta a conexão
mais estreita é essa a lei materialmente aplicável, portanto já não há outras remissões, no sentido que
a remissão é mesmo essa;
• Também nos casos em que existe uniformização de direito de conflitos já se consegue a harmonia
internacional de soluções em todos os países que aderiram a essa convenção, em todos os países onde
se aplicam os regulamentos Europeus, por exemplo aplicam sempre as mesmas normas de conflito, por
isso ele à partida aplicam sempre a mesma lei e norma de conflitos.

Portanto esta solução da referência material, para além disso significa basicamente que quando uma
norma de conflitos diz que em matéria de capacidade para contrair casamento é aplicável a lei da
nacionalidade, vai aplicar que lei? vai aplicar a lei material da nacionalidade, o que é que também
reflecte esta orientação, reflecte o respeito pelo elemento de conexão que está consagrado na norma
de conflitos, porquê? porque a norma de conflitos, tendo como exemplo de conexão a nacionalidade,
qual é que é a lei material que vai ser aplicada se um sistema praticar a referência material? a lei
material da nacionalidade, portanto, há aqui um respeito também pela justiça da conexão, pelo
elemento de conexão que está consagrado na norma de conflitos.
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A outra solução em alternativa, à teoria da referência material é a Teoria da Referência Global, nesta a
referência que é feita a uma lei estrangeira quando a norma de conflitos remete para uma lei
estrangeira está a fazer referência global, abrange inclusive as normas de conflito da lei para onde essa
norma de conflitos está a remeter.
Portanto quando temos L1 a remeter para a L2 o caso de se fazer referência global, o que é que isto
significa, que ainda terá de se perguntar a L2 o que é que as normas de conflito da L2 fazem, se ainda
se consideram a si próprias competentes ou se remetem para outra lei ou se até elas próprias remetem
para a lei do foro. A referência global é a solução adoptada essencialmente pela jurisprudência
francesa pela inglesa e também se encontra consagrada noutros sistemas de forma mais ou menos
mitigada, como é o caso da Alemanha, Itália, Áustria.

Qual é a vantagem da referência Global : é a harmonia internacional de julgados, porquê? porque se a


L1 praticar um sistema de referência global, ela vai remeter para as normas de conflitos da L2 e se por
hipótese a L2 determinar que é aplicável a L3 porque imaginem que L1 remete para a lei da
nacionalidade mas a lei da nacionalidade tem uma norma de conflitos que diz que a lei aplicável é a lei
da residência habitual, e por hipótese até a lei da residência habitual se considera a si própria
competente, fazendo uma referência global o que é que isto significa, que L1 vai remeter para L2 e vai
atender ao que dizem as normas de conflitos da L2, portanto nesta hipótese L1 poderá aplicar L3,
porquê? porque ela considerou o que dizem as normas de conflitos da L2, este é o sistema da
referência global e portanto atende ao que dizem as normas de conflitos para onde se remete, a
vantagem é sempre a harmonia internacional de julgados, porque se L2 aplica L3 e L3 também se
considera a si própria competente, L1 se fizer referência global, também irá aplicar L3, ou seja todas as
leis deste esquema, vão todas aplicar a mesma lei, a da residência habitual que é L3.

Este é um caso de transmissão para a lei de um terceiro estado, mas, se nós tivermos uma hipótese de
retorno, imaginemos que a residência habitual é em L1 o que é que nós temos aqui a L1 remete para
L2 lei da nacionalidade e lei da nacionalidade tem uma norma de conflitos que diz que aplica a lei da
residência habitual, neste caso se a L1 atender ao que dizem as normas de conflito de L2 o que é que
vai determinar a aplicação da L1, de si própria, neste caso caso também se conseguirá a aplicação da lei
do foro.

Quais são as desvantagens da referência global : podemos ter um problema de um ciclo vicioso, ou
seja, no esquema anterior se L1 tiver referência global e diz que vem atender ao que dizem as normas
de conflitos de L2, mas L2 por hipótese também pratica ela própria um sistema de referência global, ou
seja diz que também vai atender ao que dizem as normas de conflitos da lei para onde remete, temos
aqui um jogo de pingpong que temos L1 a remeter para L2, e a L2 a remeter para L1, e andam aqui a
remeter as normas de conflitos de umas para as outras e não saímos daqui.
Portanto um dos problemas que podemos ter pela referência global é este ciclo vicioso. Uma outra
possibilidade em abstracto, é que também podemos ter um reenvio ad infinitum porquê, imaginem no
esquema, podemos ter as normas de conflitos de L1 a remeter para as normas de conflitos de L2, as
normas de conflitos de L2 a remeter para as de L3, as de L3 para L4 e por aí em diante, em última
instância poderíamos andar aqui todos a remeter para as normas de conflitos dos outros e não
conseguimos chegar a um resultado. E foi precisamente para tentar superar estas dificuldades, quer do
ciclo vicioso como do reenvio ad infinitum que surgiu uma modalidade especial de reenvio, ou seja, o
que vamos encontrar é que dentro de alguns sistemas que praticam ainda a referência global,
que atendem às normas de conflitos da lei para onde remetem que nós vamos encontrar algumas
variações.

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Temos um sistema que é o da devolução simples, neste sistema, que é uma modalidade de reenvio, os
tribunais do estado que consagra este sistema de devolução simples vão fazer uma referência global
para a lei para onde remetem.
Por exemplo no esquema: se L1 praticar um sistema de devolução simples, o que é que ela vai fazer?
vai fazer uma referência global para a lei onde as suas normas de conflitos remetem, e as suas normas
de conflitos remetem para L2, como faz uma referência global vai atender ao que dizem as normas de
conflitos de L2, mas para evitar quer o ciclo vicioso quer o reenvio ad infinitum, a L1 diz desde logo “eu
atendo às normas de conflitos de L2, mas aplicarei as normas materiais da lei para onde a norma de
conflitos de L2 remeter.” Portanto a norma de conflitos de L2 remete para L3 logo nesta hipótese L1
iria aplicar L3.
Porquê? porque L1 faz devolução simples, o que é que isto significa? significa que faço uma referência
global para onde a sua norma de conflitos remete, a sua norma de conflitos remete para L2 logo
atendo ao que dizem as normas de conflitos de L2 mas para evitar o reenvio ad infinitum diz desde
logo que aplicará as normas materiais da lei para onde as normas de conflitos de L2 remeterem, como
as normas de conflitos de L2 remete para L3 então L1 vai aplicar L3. Ou seja a primeira referência é
uma referência global e desde logo assume que a referência que L2 fizer para uma outra lei há de ser
entendida por L1 como uma referência material. Portanto, atende às normas de conflitos de L2 e aplica
a lei material para onde L2 remete, logo nesta hipótese L1 aplica L3.
Se nesta mesma lógica, queremos saber que lei L2 aplica? se queremos saber o que cada uma das leis
aplica teremos de partir dessa mesma lei, partimos de L1 para chegar à conclusão que ela aplicava L3.
Agora queremos saber que lei L2 aplica, se fizermos devolução simples, o que é que isto significa?
significa que vai fazer uma referência global para L3, ou seja vai atender ao que dizem as normas de
conflitos de L3 dizendo que desde logo, irá aplicar a lei material para que as normas de conflitos L3
aplicarem, como L3 remete para L4 então L2 iria aplicar L4, e assim para diante. Eu costumo dizer a
brincar, que para sabermos a devolução só precisamos de saber contar até dois.
Não há qualquer ciclo vicioso porque L2 vai aplicar as normas materiais de L4 e porque L1 vai aplicar as
normas materiais de L3, não há é harmonia internacional de julgados.
Ainda na hipótese se nós tivermos devolução simples o raciocínio é exactamente o mesmo, o que é
que vamos fazer? L1 vai fazer devolução simples, a referência que L1 fizer a L2 será uma referência
global, ou seja atenderá às normas de conflitos de L2 dizendo desde logo que irá aplicar a lei material
para onde as normas de conflitos de L2 remeterem, como as normas de conflitos de L2 remetem para
L1, L1 irá aplicar L1.
Reparem que quando queremos saber o que L1 faz temos de partir de L1 se queremos saber que lei
aplica L2 faz temos partir de L2 e depois é só seguir o sentido das setas, não há que enganar.
Queremos saber que lei L2 aplica, L2 ao fazer devolução simples faz uma referência global para L1, ou
seja atende às normas de conflitos de L1 dizendo desde logo que irá aplicar as normas materiais para
onde L1 remeter. E as normas de conflito de L1 remetem para as normas de conflito de L2 logo nesta
hipótese L2 irá aplicar L2.
Esta modalidade de devolução é praticada pela jurisprudência francesa, pela italiana, mas como é
óbvio ela poderá colocar dificuldades, e uma das dificuldades que vai colocar, é o problema da
harmonia internacional de julgados, ou seja com este esquema não temos retorno ad infinitum,
porquê? porque diz desde logo que a segunda referência há de ser assumida como uma referência
material, assim não há problema de retorno ad infinito nem de ciclo vicioso, contudo o preço que nós
pagamos é nem sempre conseguir ter a harmonia internacional de julgados nos últimos casos referidos
não temos, porque L1 aplica L1 e L2 aplica L2. No caso em que L2 aplica L4 e L1 aplica L3 também não
se consegue. mas o problema resolve-se, podemos é não ter harmonia internacional de soluções.

Outra modalidade de reenvio que temos para além da devolução simples é a devolução dupla ou a
chamada devolução integral ou dupla devolução é praticado essencialmente em inglaterra ou nos
62
sistemas de common law de acordo com esta teoria a designação de uma lei estrangeira impõe aos
tribunais do foro o dever de julgar a causa tal como faria o do foro da lei para onde remetem, (mantive
L2 a fazer devolução simples e nós já sabemos que na hipótese que L2 aplica L4) ou seja se nós
tivermos L1 a fazer devolução dupla o que significa? significa que os tribunais de L1 vão aplicar a
mesma lei que os tribunais da lei para onde remetem aplica, ou seja L1 vai aplicar a mesma lei que
L2 aplicar, ou seja para sabermos que lei que L1 aplica, teremos de saber primeiro que lei L2 aplica.
Como L2 nesta hipótese pratica um sistema de devolução simples e L” aplica L4 então L1 também irá
aplicar L4, portanto este sistema é fácil pois o fazer devolução dupla irá fazer o mesmo que fará o
tribunal do país para onde remete. Aquilo que temos de saber é o que é que a lei a seguir faz e faremos
igual. mas imaginemos que L2 neste caso fazia referência material nesta hipótese L2 aplicava então L3.
Mas se tivermos uma situação de retorno em que L1 faz devolução dupla para L2, para nós sabermos
que lei L1 aplica, precisamos de saber primeiro que lei é que L2 aplica, como L2 faz devolução simples
para L1 já sabemos que faz uma referência global para L1 dizendo desde logo que vai aplicar as normas
materiais da lei para onde as normas de conflitos de L1 remeterem já sabemos então que L2 aplica L2 ,
faz devolução simples, L1 vai aplicar o quê? L2.
Grande vantagem deste sistema de devolução dupla? Harmonia internacional de julgados, consegue-
se aqui, porque os sistemas que praticam a devolução dupla vão sempre vão fazer o mesmo da lei para
onde remetem fizer.
A desvantagem é que se no esquema anterior os dois praticarem a devolução dupla, teremos uma
situação de ciclo vicioso, porquê? já o Professor Eduardo dos Santos dizia que este esquema, também
chamado de jogo de espelhos, era como aqueles cavalheiros muito bem educados que estão ambos à
entrada de uma porta e um diz “passe primeiro” e outro dizia “não, não, passe primeiro” e não saíamos
daqui. Portanto este pode ser o problema da devolução dupla e nestes casos não existe solução. não
dá resposta porque entramos num ciclo vicioso.
Outro problema pode ser em casos de transmissão de competência se todas as regras do sistema
fizerem devolução dupla, se L1 diz eu faço o mesmo que L2 fizer, e L2 diz eu faço o mesmo que L3 fizer
e L3 diz eu faço o mesmo que L4 fizer, temos um problema de reenvio ad infinitum e aqui não temos
solução.
Por esta razão é que de facto o ideal é termos sistema misturados que consigam combinar várias
soluções, destes dois sistemas a conclusão a que chegamos é que a devolução simples é sempre
praticável mas nem sempre garante a harmonia internacional de julgados, a devolução dupla, conduz
sempre à harmonia internacional de julgados mas nem sempre é praticável.
Portanto daqui a conclusão a que chegamos é que a própria devolução não pode ser dirigida em
principio geral de Direito internacional privado mas vamos ter de reconhecer também a sua utilidade
em alguns casos, que já vamos ver, porque de facto pela devolução podemos conseguir alcançar a
harmonia internacional de julgados e também conseguir o aproveitamento dos negócios jurídicos.
E é este o pensamento que está subjacente às orientações intermédias em matéria de devolução, ou
seja, vamos encontrar países como é o caso de Portugal em que não está em vigor nenhum sistema
comum, nós não temos em Portugal, um sistema de referência material, nem de devolução simples
nem de devolução dupla temos um sistema híbrido, interessante, como iremos ver, mas que de facto
pretende garantir dentro da medida do possível a harmonia internacional de soluções e também a
validade, o aproveitamento dos negócios jurídicos.
Também quando nós falamos do sistema de devolução que existe em Portugal, para não variar muito
teremos de fazer uma distinção. Dependendo se estiver em causa a aplicação dos regulamentos
europeu, ou a aplicação das regras do código civil, já sabemos se nós estivermos a aplicar os
regulamentos Europeus, por exemplo se estivermos a aplicar o Roma I, vamos ter de aplicar o Roma I
todo, não apenas as normas de conflitos do regulamento Roma I, mas também as regras do
regulamento Roma I que tratem da devolução. A mesma coisa no que respeita ao Roma II e por aí fora.
O que é que isto significa? significa que nós só vamos aplicar as regras de devolução que estão
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previstas no código Civil português se nós estivermos a aplicar normas de conflitos de fonte interna,
portanto nada de aplicar as regras de conflito do Roma I e a seguir aplicar o artigo 17º, 18º e 16º do
código civil. Não se faz, é um erro que não gosto de ver.
Entre nós as regras relativas à devolução são as seguintes, nós temos a referência material como
regra geral no artigo 16º do CC, volto a dizer nós só vamos aplicar este artigo se aplicarmos normas de
conflitos que estão previstas no código civil, 49º, 46º 45º o que seja, desde que sejam de fonte interna.
Artigo 16º consagra então a referência material, nos regulamentos também vamos encontrar esta
referência, por exemplo no Regulamento Roma I no artigo 20º também está consagrada a referência
material, significa que se no regulamento Roma queremos saber qual a lei que se aplica a um contrato
de compra e venda, em que o vendedor tem residência habitual em Espanha e o comprador em Itália,
se as partes não tiverem escolhido a lei aplicável, nos termos do artigo 4º nº1 alínea a) do Roma I é
aplicável a lei da residência habitual do vendedor, se o vendedor tinha residência habitual em Espanha
a lei material que vamos aplicar é a lei material Espanhola, porque no regulamento Roma I artigo 20º é
feita referência material, o que significa que quando as normas de conflitos remetem para uma
determinada lei estão a remeter exclusivamente para as normas materiais dessa lei, e não para as
normas de conflitos.
O mesmo se passa no artigo 15º da convenção de Roma, que estava em vigor antes do regulamento
Roma I, o mesmo se passa no artigo 24º do regulamento Roma II, e também no artigo 11º do
regulamento Roma III . Em todos estes regulamentos e na convenção de Roma é praticado um sistema
de referência material significa que vamos aplicar lei material do ordenamento jurídico para onde a
norma de conflitos remete. Se L1 fizer referência material o que isto significa é que L1 aplicará L2 e não
lhe interessa nada que L2 remeta depois para outra lei, isso já não interessa nada, porque faz
referência material.
No regulamento Roma V temos uma regra especial de devolução, está prevista no artigo 34º, que
iremos apreciar tendo em conta a sua especialidade quando tratarmos do regulamento Roma V, e aí
temos um sistema de devolução que já não é referência material.

Portanto estas são as regras que estão em vigor no ordenamento jurídico Português que consagram
a referência material, mas depois, vamos encontrar nos regulamentos ROMA I, II e III , referência
material e acabou, não há excepções, mas no código civil Português a história já é diferente, porque
temos o artigo 16º que de facto consagra a referência material, mas depois temos o artigo 17º e 18º
que consagram excepções à referência material que está prevista no 16º.

Vamos também encontrar excepções à referência material, e por isso admitindo-se o reenvio nos
artigos 36º nº2 e 65º nº1 parte final, e depois iremos encontrar excepções à excepção, e excepções à
exepção da excepção….
Vamos começar pelo artigo 16º, consagra então referência material o que significa que por regra, e não
há duvidas que consagra a excepção material porque diz o seguinte : “ a referência das normas de
conflito a qualquer lei estrangeira determina apenas, na falta de preceito em contrário a aplicação do
direito interno dessa lei.” portanto referência material.
Significa isto desde logo um respeito pelo elemento de conexão que foi seleccionado pelo legislador,
por exemplo em matéria de capacidade para contrair casamento determina em principio a aplicação da
lei da nacionalidade se vigorar de facto o sistema da referência material será facto a lei da
nacionalidade que será aplicada. portanto este sistema tem de facto subjacente este juízo de valor,
há aqui uma premência que foi formulada pelo legislador do foro quando entendeu que para um
determinado problema era adequada a aplicação da lei de um determinado ordenamento jurídico,
por exemplo: da nacionalidade, esta é a regra geral.
Significa então também que o direito internacional privado Português só vai admitir que estas opções
valorativas que estão consagradas nas suas regras de conflitos, pelo elemento de conexão, possam
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ceder se conseguirem obter qualquer outra vantagem, que beneficio é esse? pode ser por exemplo a
harmonia internacional de julgados, ou seja o nosso legislador entende que por regra a lei aplicável
será a lei material do ordenamento jurídico para onde se remeta mas admite a aplicação de uma outra
lei se com isso conseguir alcançar certos resultados que são tidos como úteis na óptica do direito
internacional privado designadamente a harmonia internacional de decisões ou eventualmente a
validade dos negócios jurídicos.
Vejamos que casos são esses, partimos do artigo 16º a regra é a referência material, mas há um
segmento dessa norma que diz : “na falta de preceito em contrário”, ora só é feita referência material
se não houver preceito em contrário, preceito em contrário pode ser desde logo o artigo 17º, que diz :
“se porém” , não estranhem uma norma que comece com se porém, e começa assim porque tem
desde logo antes dela o artigo 16º, e este artigo 16º consagra a referencia material e temos de ter isto
presente. “se porém o direito internacional privado da lei referida pela norma de conflitos portuguesa
remeter para outra legislação e esta se considerar competente para regular o caso, é o direito interno
desta legislação que deve de ser aplicado.”
Qual é a lei referida pela norma de conflito s Portuguesa? L2, o artigo tem cá tudo, nós temos é de o
saber ler, porém se o direito internacional privado de L2 remeter para outra legislação e remete,
remete para L3 e se esta se considerar a si própria competente, para regular o caso é o direito interno
desta legislação que deve de ser aplicado, direito interno de L3. Reparem que se tivermos uma situação
de um cidadão Brasileiro que quer saber se tem ou não capacidade para contrair casamento, a situação
está a ser colocada nos tribunais Portugueses, artigo 49º mais o artigo 31º nº1 determina que será
aplicada lei da nacionalidade. O cidadão tem nacionalidade Brasileira e a norma de conflitos Brasileira
determina a aplicação lei da residência habitual para regular os problemas que se prendam com
matéria de estatuto pessoal, a residência habitual é por exemplo na Argentina. A Lei Argentina
considera-se a si própria competente neste caso o que temos é a lei Portuguesa a remeter para a lei
brasileira, a lei Brasileira vai aplicar que lei? Vai aplicar a lei Argentina.
A lei Argentina aplica que lei? a lei Argentina porque ela se considera a si própria competente. e a lei
portuguesa, por força do artigo 17º nº1 vai aplicar que lei? a lei Argentina, porque a lei Brasileira, que é
a lei para onde a nossa norma de conflitos remete aplica uma terceira lei que se considera a si própria
competente. Esta é a situação clássica do artigo 17º nº1.
Podemos é ter aqui situações que não sejam exactamente assim, que não sejam tão lineares como esta,
porque o artigo 17º nº1 não pode ser tomado à letra, qual é o principio que está subjacente à
devolução, a harmonia internacional de julgados, ou seja o que é que se tenta, que em todos os
tribunais se aplique a mesma lei e isso neste caso consegue-se.

Quais são então os pressupostos que nós teremos de verificar sempre pra ver se o 17º nº1 está ou
não preenchido?
1º Que a lei Portuguesa remeta para uma lei estrangeira, L2;
2º Que L2 aplique uma outra lei;
3º Que esta outra lei se considere a si própria competente;

Neste caso L1 remete para L2, L2 aplica L3 e L3 considera-se competente.


O objectivo é a harmonia internacional de soluções, no entanto podemos ter uma situação diferente
que era, se o Senhor Brasileiro em vez de ter ter a residência na Argentina tinha residência habitual por
exemplo em Itália, e Itália também aplicava a lei da nacionalidade sendo que no Brasil é feita a
referência material e em Itália é feita devolução simples, isto significa que para nós os pressupostos de
aplicação do artigo 17º nº1 num esquema com três leis, são que L1 remeta para L2 que L2 aplica L3 e
que L3 se considera a si própria competente então nesta hipótese última, L2 aplica que lei L3 porque
faz referência material Italiana logo vai aplicar as normas materiais italianas, agora precisamos de
saber que lei L3 aplica, L3 faz devolução simples, isto significa que faz uma referência global para L2
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desde logo diz que a lei que L2 aplicar será a lei aplicada, então que lei é que L3 aplica? L3 aplica L3 e
temos desta feita preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 17º nº1, harmonia internacional
de julgados. Agora não podemos, e por isso onde se lê no artigo 17º “se porém o direito internacional
privado da lei referida pela norma de conflitos portuguesa…” por exemplo L2 está a remeter, mas não
basta que remeta tem de aplicar uma outra legislação e esta se considerar competente para regular o
caso, é o direito interno desta legislação que deve de ser aplicado, isto significa que no artigo 17º nº1
onde está escrito “remete” se deverá ler aplica. neste esquema ainda em vez de lei Brasileira fosse lei
Francesa, vamos imaginar que a lei francesa também faz devolução simples nesta hipótese teríamos L1
a remeter para L2, L2 nesta hipótese aplicava que lei, L2, agora queremos saber L2 aplica o quê?
partimos da L2, referência global, referência material porquê? porque faz devolução simples, significa
que atende ás normas de conflitos da lei para onde remete, mas diz desde logo que vai aplicar as
normas materiais da lei para onde esta norma de conflitos remeter, como esta norma de conflitos de
L3 remete para L2, neste caso L2 aplica L2, e L3 aplica L3, porque faz referência global para L2 e diz
desde logo para evitar cá ciclos viciosos que vai aplicar a lei para onde as normas de conflitos de L2
remeterem como as normas de conflitos de L2 remetem para L3, então L3 vai aplicar L3.
Desta vez temos nós preenchidos os pressupostos de aplicação do artigo 17º nº1? Não temos, se nós
fossemos ler o artigo de uma forma literal o que é que iríamos dizer? Sim neste caso L2 remete para L3
e L3 considera-se a si própria competente, mas os pressupostos de aplicação do 17º nº1 não são
apenas que L2 remeta para L3. L2 tem de aplicar a normas materiais de L3 e nesta hipótese, L2 não
aplica as regras materiais de L3, porque L2 aplica-se a si própria.
Reparem nesta hipótese temos que L3 aplica L3 e que L2 aplica L2, nós só abdicamos do nosso
elemento de conexão que é a L2 se com isso conseguirmos harmonia internacional de julgados,
conseguimos neste caso? Não, como não conseguimos então nesta hipótese não estão preenchidos os
pressupostos do 17º nº1 logo L1 iria aplicar L2, para a lei Portuguesa interessa-nos mais estar em
harmonia com L2 ou com L3? com L2, porquê? porque é para L2 que o nosso ordenamento jurídico
remete, é com ele que nos interessa estar em harmonia. O artigo 17º nº1 poderá depois ser
excepcionado, vejamos, no artigo 17º nº2 podemos encontrar uma excepção ao artigo 17ºnº1, diz nos
então o nº2 que: “ cessa o disposto no número anterior se a lei referida pela norma de conflitos
portuguesa for a lei pessoal.” ou seja se L2 for a lei pessoal e estivermos no âmbito de matéria do
estatuto pessoal, estão determinadas as matérias no artigo 25º do CC. são a capacidade, personalidade
jurídica sucessões, família, tudo isso é matéria de estatuto pessoal, cessa então o número anterior se a
lei for matéria de estatuto pessoal, se L2 for a lei pessoal nomeadamente a lei da nacionalidade …”e se
o interessado residir habitualmente em território Português, ou em país em que as normas de conflitos
considerem competente o direito interno do estado da sua nacionalidade”.
Por exemplo: se tivermos dois suecos residentes habituais em lisboa e que casam em Nova york, que
teríamos aqui, a Lei portuguesa remetia para a lei da nacionalidade, lei sueca, a lei sueca remetia para
a lei de Nova York e a lei de Nova York consideradas a si própria competente, tínhamos o artigo 17º nº1
preenchido porque L1 remetia para L2 L2 remetia para L3 e Le declarava-se a si própria competente,
estando este preenchido tínhamos de verificar se estava preenchido o 17º nº2 e então vamos ver “
cessa o disposto no número anterior se a lei referida pela norma de conflitos portuguesa for a lei
pessoal…” e é a lei pessoal porque estamos perante matéria de casamento, “e o
interessado residir habitualmente em território Português.” residia habitualmente em portugal, e nesta
hipótese cessa o disposto no artigo 17ºnº1, que significa que aquilo que vamos fazer é regressar à
regra geral, que é a regra do 16º, ou seja se artigo 17º nº2 estiver preenchido, vai cessar o resultado do
nº1 e voltamos à regra geral. Logo L1 aplicaria L2 porque cessaria o disposto do número anterior.

Teórica de 27/03/2015

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Na aula passada vimos os pressupostos de aplicação do art.17º nº1 CC., vimos que estávamos
presentes de uma situação do art.17º nº1 de estivéssemos perante um caso em que L1 remete para
L2, L2 aplica L3 e L3 aplica-se a si própria.
Vimos que também não tem de ser um esquema necessariamente assim, pois, atendendo ao
próprio sistema de devolução que é praticado é necessário é que num esquema como este L2 aplique
directa ou indirectamente L3 e que L3 se considere a si própria competente.
Para além deste esquema de três leis nós podemos ter esquemas de mais leis, por exemplo,
podemos ter um caso em que L1 remeta para L2, L2 para L3, L3 para L4 e L4 devolva novamente para
L2.
Neste esquema, se todas as leis deste esquema praticarem devolução simples, qual é que vai
ser o resultado.
L2 ao fazer devolução simples, fará uma referência global para L3 e a referência que L3 fará
para outra lei será uma referência material, portanto, L2 vai aplicar L4, L3 faz uma devolução
simples, portanto, referência global para L4 e a referência que L3 faz para L4 será uma referência
material, logo, nesta hipótese, L3 vai aplicar L3.
Se nós quisermos saber que lei é que L4 aplica, vamos fazer o mesmo raciocínio. Partindo de
L4, L4 faz referência global para L3 e L3 fará uma referência material, logo, L4 aplica L4.
Nesta hipótese nós também temos preenchido os pressupostos de aplicação do art.17º nº1,
porque L1 remete para L2, L2 aplica L4 e L4 considera-se a si própria competente, portanto, neste
caso, à luz do art.17º nº1 iriamos aplicar a lei de L4, porque os pressupostos de aplicação do art.17º
nº1 são: que L1 remeta para L2, que L2 aplique uma outra lei e que esta outra lei se considere a si
própria competente.
O que é que nos interessa; saber que lei L2 aplica porque o nosso elemento de conexão
remete-nos para L2, interessa-nos estar em harmonia com L2, que é para onde o nosso elemento de
conexão nos remete, e por isso, vamos querer saber que lei é que L2 vai aplicar.
L2 aplica que lei? L2 aplica L4, mas como subjacente a este esquema do art.17º nº1 está
também a harmonia internacional de julgados, vamos querer saber se a lei que L2 aplica também se
considera a si própria competente. E considera.
Nesta altura podem-me dizer, “mas não estamos em harmonia comL3”, pois não, paciência,
mas conseguimos estar em harmonia com L2 e com a lei que L2 aplica.
Portanto, nesta hipótese o art.17º nº1 também estava preenchido.
Vimos também na aula passada que, se nós estivermos num situação em que L2 seja matéria de
estatuto pessoal e será matéria de estatuto pessoal se nós estivermos em alguma das situações do
art.25º CC., (estado, capacidade, família sucessões), temos o art.17º nº2 a dizer-nos:
Cessa o disposto no número anterior, (ora, no nº anterior chegámos à conclusão que L1 iria
aplicar L3, logo, cessa) se a lei referida pela norma de conflitos portuguesa for a lei pessoal (logo, se L2
for a lei pessoal, matéria de estatuto pessoal, em princípio será a lei da nacionalidade) e o interessado
residir habitualmente em território português (vamos imaginar que estamos perante um problema de
capacidade de contrair casamento em que o interessado reside habitualmente em Portugal. Nesta
hipótese o art.17º diz-nos que cessa o disposto no nº anterior, portanto, teríamos preenchido neste
caso o 17º nº2, consequência, cessando o disposto no nº anterior a consequência seria que voltávamos
ao artigo 16º, L1 aplicaria L2. A razão subjacente a esta excepção do art.17º nº2, reparem, o art.17º
nº2 só se aplica se estivermos perante matéria do estatuto pessoal, em matéria de estatuto pessoal os
elementos de conexão mais importantes são a lei da nacionalidade ou a residência habitual, ora, se
estamos a tratar de matéria de estatuto pessoal e se o interessado residir habitualmente em território
português, reparem, se estamos a falar de matéria de estatuto pessoal, em princípio o art.31º vai estar
a remeter para a lei da nacionalidade, ora, para nós admitirmos o reenvio e admitirmos a aplicação de
L3, nós vamos prescindir daquilo que determina o nosso elemento de conexão, ou seja, da aplicação da
lei da nacionalidade.
67
Porém, se estivermos perante uma situação em que L1 remete para a lei pessoal que em
princípio é a lei da nacionalidade, (porque estamos perante matéria que é do estatuto pessoal) e para
além disso o interessado reside habitualmente em território português, neste caso, o legislador
português diz-nos que não vamos prescindir do nosso elemento de conexão, porque os elementos
relevantes em matéria de estatuto pessoal residem todos em Portugal.
A residência habitual é em Portugal, e Portugal determina a aplicação da lei da nacionalidade,
portanto, faz cessar o reenvio se estes pressupostos estiverem atingidos.
Na parte final do art.17º nº2 podemos ainda ter outra situação que faz cessar o nº1:
Cessa também o nº1, aplicando-se o nº2, nos casos em que se trate de matéria de estatuto
pessoal e o interessado resida não em Portugal mas “… em país cujas normas de conflitos considerem
competente o direito interno do Estado da sua nacionalidade. “
Vamos imaginar que o interessado tem residência habitual em LX. Lx é o país da sua residência
habitual, se o país da residência habitual considerar que deve de ser regulado por L2 que é a lei da
nacionalidade, a situação está a ser tratada em tribunais portugueses, os tribunais portugueses aplicam
as normas de conflito portuguesas, consideram que a lei que melhor regula a questão é a lei da
nacionalidade, uma vez que estamos a tratar de matéria do estatuto pessoal, o interessado não reside
em Portugal, mas reside num país que considera que esta questão também deve de ser regulada pela
lei da nacionalidade, ora, se temos, quer em Portugal, quer no país da residência habitual, a considerar
que deve de ser aplicada a lei da nacionalidade, então, fazemos cessar a aplicação do art.17º nº1,
porque se encontram preenchidos os pressupostos de aplicação do art.17º nº2.
Consequência estando preenchidos os pressupostos de aplicação do art.17º nº2.
L1 vai aplicar L2, passa a haver uma referência material que é a que resulta do art.16º.
Agora, nós temos aqui ainda uma outra indicação no art.17º nº3.
Vamos lá ver, só para nos localizarmos:
1. Começámos com o art.16º, regra geral, referência material;
2. Vemos que existe uma excepção ao art.16º, que é a que está prevista no art.17º nº1,
que admite o reenvio;
3. Depois vimos que existe uma excepção ao art.17º nº1, que paralisa o reenvio e
determina a aplicação de L2.

Agora, nós estamos a ver que existe no 17º nº3 uma excepção ao art.17º nº2.
Vamos ver.
O art.17º nº1 estava preenchido, resultado provisório: L1 vai aplicar L3.
Mas é um resultado provisório porque ainda vamos ter de ver se o art.17º nº2 está
preenchido. Se o art.17º nº2 também estiver preenchido, chegamos à conclusão de que L1 iria aplicar
L2, pois, o art.17º nº2 faz cessar o reenvio.
Agora, vamos ter de verificar o art.17º nº3.
O que é que nos diz o art.17º nº3?
Ficam, todavia, unicamente sujeitos à regra do n.º 1 (ou seja, excepciona o nº2) os casos da
tutela e curatela, relações patrimoniais entre os cônjuges, poder paternal, relações entre adoptante e
adoptado e sucessão por morte, se a lei nacional indicada pela norma de conflitos devolver para a lei da
situação dos bens imóveis e esta se considerar competente.
Por exemplo, se nós tivermos um problema de sucessão por morte, e temos que a lei
portuguesa remete para a lei da nacionalidade e a lei da nacionalidade (por exemplo em França)
remete para o lugar da situação dos imóveis (lex rei sitae) porque diz que essa lei é que deve de regular
a situação por morte no que diz respeito aos imóveis, mesmo que por hipótese se tratasse de um
cidadão que tivesse residência habitual em Portugal, nós iriamos verificar:

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Vamos imaginar o caso de um cidadão francês que tinha residência habitual em Portugal,
morre, e deixa bens imóveis em Inglaterra.
1. A lei portuguesa remetia para a lei francesa.
2. A lei francesa a remeter para a lei inglesa e a lei inglesa considerava-se a si própria
competente.

Então; art.17º nº1 estava preenchido porque L2 aplica L3 e L3 considera-se a si própria


competente, assim, chegávamos ao resultado provisório que L1 aplica L2.
Se o 17º nº1 está preenchido, temos de passar à regra seguinte. Se o 17 nº1 não estivesse
preenchido, nós não podíamos passar ao 17º nº2 e estávamos perante uma situação do 17º nº2,
porque a lei referida pela norma de conflitos era a lei pessoal (matéria de sucessões é matéria do
estatuto pessoal) e o interessado residia habitualmente em território português. O interessado nos
casos de sucessão por morte é o de cujos, não são os herdeiros, pois, os interessados são sempre
aqueles que fazem acionar o elemento de conexão, o elemento de conexão é a nacionalidade do de
cujos, o interessado era o de cujos.
Residência habitual do de cujos antes de morrer, era Portugal, logo, nós tínhamos o art.17º
nº2 preenchido, se temos o 17º nº2 preenchido, o resultado provisório a que vamos chegar é o de
que L1 vai aplicar L2, pois, o 17º nº2 diz-nos que se estiverem preenchidos os pressupostos cessa o
disposto no 17º nº1.
Mas agora que nós temos o 17º nº1 preenchido e o 17º nº2 preenchido, temos de passar ao
17º nº3 e o 17nº3 diz-nos:
Ficam, todavia, unicamente sujeitos à regra do n.º 1 os casos da tutela e curatela, relações
patrimoniais entre os cônjuges, poder paternal, relações entre adoptante e adoptado e sucessão por
morte, (que é o último exemplo, estamos perante um problema de sucessão por morte) se a lei
nacional indicada pela norma de conflitos (ou seja, se L2 que é a lei da nacionalidade) devolver para a
lei da situação dos bens imóveis e esta se considerar competente.
Devolve ou não devolve? A Lei da nacionalidade manda aplicar a lei do lugar onde se situam os
imóveis e a lei do lugar onde se situam os imóveis considera-se a si própria competente, logo, temos
também preenchidos os pressupostos de aplicação do 17º nº3.
Consequência:
L1 aplica L3.
O princípio que está subjacente ao 17º nº3 é o princípio da efectividade, pois, se se trata de
uma questão relativa a bens imóveis, esta decisão vai ter de ser executada no país onde os imóveis
se encontram situados, portanto, se nós estivermos a aplicar a lei do lugar da situação dos imóveis, a
probabilidade desta decisão ser lá reconhecida é muito maior.
Mais.
Mos termos do 17º nº3, não se estabelece como pressuposto único que L3 se considere a si
própria competente, nós aqui temos um outro pressuposto preenchido. É a lei da nacionalidade,
também considera competente a lei do lugar da situação da coisa.
Conclusão
L1 aplicaria L3
Para além das situações de transmissão de competências, temos também situações de retorno
e as situações de retorno são as que estão previstas no art.18º.
O art.18º constitui uma excepção ao art.16º.
Vamos pegar no art.18º para ver do que é que ele trata:
Temos de ter presente de que, quando olhamos para o art.18º temos de ter em atenção que o
art.16º nos fala na falta de preceito em contrário, ou seja, é feita referência material, pois que falta de
preceito em contrário pode ser este? Art.17º e art.18º.
O que é que nos diz o art.18º?
69
1. Se o direito internacional privado da lei designada pela norma de conflitos (L2) devolver
para o direito interno português, é este o direito aplicável.

A diferença que aqui temos, relativamente à situação anterior é a de que: na situação anterior
L2 remetia para L3 e eventualmente, L3 para L4. Aqui, aquilo que nós temos é L2 a fazer um retorno e
neste caso, diz-nos o art.18º nº1 que, se L2 aplicar o direito material português, nós também vamos
aplicar.
Portanto, se estivermos perante uma situação em que L1 remete para L2 e L2 entende que a
lei aplicável é a lei portuguesa, a norma de conflitos L2 considera que é a lei portuguesa. Nesta
hipótese, L2 ao fazer referência material para L1 vai fazer referência a uma aplicação material da L1.
Se L2 aplica L1, então, temos o 18º nº1 preenchido, e neste caso, L1 também vai aplicar L1.
Mas, se por exemplo, L2 fizer devolução simples, vamos ter L2 a remeter para as nossas
normas de conflitos, mas como L2 faz devolução simples, L2 faz referência global para L1 e diz que
vai aplicar as normas materiais da lei para onde as normas de conflitos de L1 remeterem, como L1
remete para L2, nesta hipótese, L2 aplica L2. Se L2 aplica L2, não aplica as normas materiais de L1,
nesta hipótese, não temos preenchidos os pressupostos de aplicação do art.18º nº1.
O próprio art.18º nº1 dá uma ajuda, porque diz “Se o direito internacional privado da lei
designada pela norma de conflitos (portanto, se o direito internacional privado de L2) devolver para o
direito interno português, (não basta que remeta para as nossas normas de conflitos, L2 tem de facto
de aplicar o direito material português) é este o direito aplicável.
Portanto, nesta hipótese nós não tínhamos preenchido os pressupostos de aplicação do art.18º
nº1, logo, íamos aplicar o art.16º.
Consequência
L1 iria aplicar L2 e desta forma conseguíamos a harmonia internacional de soluções.
Agora, podemos ter um problema diferente, nos casos em que L2 pratique uma devolução
dupla. Nos sistemas de dupla devolução L2 diz-nos que L2 faz uma referência global para L1, dizendo
que fará exactamente o mesmo que os tribunais portugueses fizerem.
Esta é uma questão que tem suscitado grandes questões na doutrina, pois existe uma
divergência, em que de um lado está o Professor Batista Machado e do outro toda a restante doutrina,
na qual eu me incluo.
Começando por aquela defendida por toda a restante doutrina.
Se nós temos L2 a fazer devolução dupla para L1, então L2 está a atender a todo o
ordenamento jurídico português, está a dizer “eu faço o mesmo que vocês fizerem”, portanto, não está
a dizer que vai aplicar normas matérias portuguesas, se está a fazer esta referência global pura ao dizer
que fará exactamente o mesmo que vocês fizerem, atendendo inclusive ao vosso sistema de
devolução, está a remeter para o nosso sistema na globalidade, o que significa que não está a aplicar
directamente o nosso direito material. Por isso, se entende que nesta hipótese, nós não temos
preenchidos os pressupostos de aplicação do art.18º nº1.
Nestes casos o 18º nº1 não está preenchido.
Mas isto pode suscitar dúvidas, pois, se L2 diz “ eu faço o mesmo que L1 fizer” e se L1 faz aquilo
que a outra lei faz, ficávamos aqui num jogo de espelhos. Mas não ficamos por isto: resolvemos a
questão desta forma, o 18º nº1 diz que, só se aplica o direito material português se L2 aplicar o direito
material português. Como L2 está com cerimónias, a dizer que remete para todo o nosso sistema
(normas de conflito, sistema de devolução) não está a remeter especificamente para o nosso direito
material, logo, o art.18º nº 1 não está preenchido.
O Professor Batista Machado se o art.18º nº1 não está preenchido, então L1 irá aplicar L2 por
força do art.16º e assim como assim L2 faz devolução dupla e antão L2 também aplica L2 e
conseguimos a harmonia internacional de soluções.

70
O Professor Batista Machado não concorda com esta solução pois entendia que esta era uma
situação que também cabia nos pressupostos de aplicação do art.18º nº1.
Fundamentos:
Se L2 faz o mesmo que L1 fizer, L2 vai sempre fazer dupla devolução portanto, tem de fazer
aquilo que L1 fizer, se nós dissermos que nos consideramos, neste caso, competentes, então, L2
também vai dizer que somos competentes e ai, temos os pressupostos de aplicação do art.18º nº1
preenchido.
Crítica
Petição de princípio, porque o Professor Batista Machado acaba por demonstrar aquilo que
queria demonstrar, ou seja, que L2 se aplica a si própria.
Argumento que o Professor Batista Machado utiliza para dizer que neste caso é preferível fazer
esta interpretação é o argumento do princípio da boa administração da justiça, ou seja, se neste caso
nós considerássemos que o 18º nº1 estava preenchido, a consequência seria a de que L1 aplicaria L1 e
L2 também aplicaria L1, isto segundo o Professor Batista Machado.
Se os tribunais portugueses aplicarem o seu próprio direito material, a probabilidade de erro
judiciário é muito menor, logo, o princípio da boa administração da justiça. Em todo caso, a harmonia
internacional de soluções está sempre garantida, porque L2 vai sempre fazer aquilo que L1 fizer.
Segundo a outra orientação responde a estes argumentos dizendo que o art.18º nº1 não está
feito para garantir ou para forçar a aplicação do direito material português, o art.18º nº1 visa a
harmonia internacional de soluções e o ordenamento jurídico português só abdica da aplicação de L2,
que é a lei que pelo nosso elemento de conexão considera a mais adequada, portanto, L1 só abdica da
aplicação de L2 se com isso conseguir a harmonia internacional de soluções.
De qualquer forma, como neste caso a harmonia internacional de soluções está sempre
garantida, nós preferimos aplicar L2, porque com isto também conseguimos respeitar o nosso
elemento de conexão.
Em todo o caso, o argumento principal parece-me que é mesmo o facto que L2 ao remeter para
L1 fazendo devolução dupla, está a remeter para todo o sistema português e não especificamente para
as normas materiais portuguesas, logo, o art.18º nº1 não está preenchido.
Podemos ainda ter situações em que temos retorno indirecto.
Vamos imaginar que temos um caso em que L1 remete para L2, L2 para L3, L3 para L1 e vamos
imaginar que L2 faz devolução simples e L3 faz referência material. Nesta hipótese temos um retorno
indirecto, porque L3 está a remeter para o direito material português, então, temos ou não temos
preenchidos os pressupostos de aplicação do art.18º nº1? Quais são os pressupostos de aplicação do
art.18º nº1?
Que L2 aplique o direito material de L1. Nesta hipótese, L2 ao fazer devolução simples vai fazer
referência global para L3, vai atender às normas de conflitos de L3 e diz que vai aplicar as normas
materiais da lei para onde as normas de conflitos de L3 remeterem. As normas de conflitos de L3
remetem para L1, logo, L2 aplica L1. Se L2 aplica L1 temos preenchidos os pressupostos de aplicação do
art.18º nº1, porque L2 aplica as normas materiais de L1.
Nesta hipótese, L3 também aplicava L1, porque L3 fazia devolução simples, mas mesmo que L3
não fizesse referência material mas fizesse, por exemplo, devolução simples, neste caso iria aplicar L2,
ainda assim, nós tínhamos preenchidos os pressupostos de aplicação do art.18º nº1, porque L2 aplica
L1, e o que nos interessa é estar em harmonia com L2.
O que é necessário é que L2 aplique as normas materiais de L1.
Se por exemplo, nós estivermos perante uma situação em que L1 remeta para L2 e L2 devolva
para L1 e L2 faça referência material, não temos dúvidas, L2 aplica o direito material de L1. Como L2
aplica o direito material de L1, temos o 18º nº1 preenchido, logo, L1 também vai aplicar L1, porquê?
18º nº1 do CC.
Mas temos uma excepção ao 18º nº1.
71
Diz-nos o art.18º nº2, e aqui a ideia também é a mesma. Nós só vamos olhar para o art.18º
nº2 se o 18 nº1 estiver preenchido. Neste caso está porque L1 faz referência material para L2.
2. Quando, porém, se trate de matéria compreendida no estatuto pessoal, a lei portuguesa só é
aplicável se o interessado tiver em território português a sua residência habitual…
Por exemplo, estamos a falar de um problema de capacidade para contrair casamento e
tratava-se, por exemplo, de um cidadão brasileiro que tinha residência habitual em Portugal.
O que é que tínhamos?
A lei portuguesa remetia para a lei brasileira, a lei brasileira para a lei portuguesa, a lei brasileira
fazia referência material, tínhamos o 18º nº1 preenchido porque L2 aplicava L1. E tínhamos também o
18º nº2 preenchido, porque tratando-se de matéria de estatuto pessoal, como se tratava por que
estávamos a falar de capacidade para contrair casamento, o interessado tinha em Portugal residência
habitual.
Porquê esta exigência do interessado ter em Portugal residência habitual?
Reparem, não se enganem, a forma de como funciona o 18º nº2 é diferente da forma de como
funciona o 17º nº2.
O 17º nº2 afasta a função do 17º nº1. Aqui o que é que nós temos? O 18º nº1 está preenchido.
Mantemos a solução do 18º nº1 e está também preenchido os pressupostos de aplicação do art.18º
n2. Aqui funcionam os pressupostos cumulativamente, porque o artigo diz:
Quando, porém, se trate de matéria compreendida no estatuto pessoal, a lei portuguesa só é
aplicável…, ou seja, só se mantém o resultado do art.18º nº1, que consiste na aplicação da lei material
portuguesa se o interessado tiver em território português a sua residência habitual…
Tem ou não tem?
Tem sim senhora, então, tendo ele residência habitual em território português, nós podemos
aqui manter a aplicação da lei material portuguesa.
Porquê este pressuposto?
Este artigo só se aplica se estivermos perante matéria de estatuto pessoal.
Em matéria de estatuto pessoal as duas leis relevantes? Nacionalidade e residência habitual.
É verdade que nós aqui remetemos para a lei brasileira, que é a lei da nacionalidade, mas
reparem, é a própria lei da nacionalidade que diz que é a lei portuguesa que é a aplicável, que diz
exactamente o quê? A lei da residência habitual.
E neste caso nós aceitamos em aplicar a nossa própria lei, porque me matéria de estatuto
pessoal… é verdade que não conseguimos aplicar a lei da nacionalidade, mas estamos a aplicar a lei da
residência habitual, que é a lei portuguesa.
Outra hipótese é:
2. Quando, porém, se trate de matéria compreendida no estatuto pessoal, a lei portuguesa só é
aplicável se o interessado tiver em território português a sua residência habitual…esta hipótese.
ou se a lei do país desta residência considerar igualmente competente o direito interno
português.
Imaginem que ele não tinha residência habitual em Portugal, mas tinha residência habitual em
LX, que dizia que era aplicável a lei portuguesa, fazia aqui referência material para a lei portuguesa.
Uma vez mais, qual é que é a ideia que está subjacente?
Nós aceitamos aplicar a lei material portuguesa nesta segunda hipótese porque, quer a lei da
nacionalidade, quer a lei da residência habitual estão a dizer que é competente Portugal, portanto, os
dois elementos de conexão que são mais importantes em matéria de estatuto pessoal estão a dizer
que se aplica a lei portuguesa.
Portanto, nestas hipóteses nós vamos manter a aplicação da lei portuguesa.
Significa então que; 18º nº1 está preenchido, resultado: L1 vai aplicar L1, a seguir vamos ter de
verificar se o 18º nº2 está ou não está preenchido, e neste caso, se o 18º nº2 CC estiver preenchido L1
vai continuar a aplicar L1.
72
Agora, temos uma excepção a isto tudo, que é:
Sempre que nós cheguemos à conclusão, quer por força do 17º quer por força do 18º que existe
reenvio, ou seja, sempre que cheguemos à conclusão, nesta hipótese, que L1 aplica L1 ou nestas
hipóteses que L1 aplica L3, sempre que exista devolução, ou seja, sempre que cheguemos à conclusão
que L1 vai aplicar L3 ou que L1 vai aplicar L1, por foça do 18º, temos ainda de verificar que estão ainda
preenchidos os pressupostos do art.19º do CC.
Art.19º nº1 o que é que diz?
1. Cessa o disposto nos dois artigos anteriores, (ou seja, cessa a devolução e em consequência
regressamos à regra do art.16º) quando da aplicação deles resulte a invalidade ou ineficácia de um
negócio jurídico que seria válido ou eficaz segundo a regra fixada no artigo 16.º, ou a ilegitimidade de
um estado que de outro modo seria legítimo.
Exemplo:
Está em causa o problema da validade de um testamento.
Chegamos à conclusão que L1 aplica L3, para já o 17º 1, 2 e 3 estavam preenchidos, L1 aplica
L3. Mas, vamos imaginar que este testamento seria válido à luz de L2, mas inválido à luz de L3.
Neste caso o 19º nº1 diz-nos que cessa o reenvio, e neste caso L1 vai aplicar L2, o princípio
que aqui está subjacente é o favor negotii.
Outra situação
L1 já vimos, iria aplicar L1 (problema para celebrar casamento), o que é que teríamos de
verificar?
Se o art.19º nº1 estava ou não estava preenchido.
Imaginem, por exemplo, que de acordo com L2 o cidadão que estava em causa tinha
capacidade para contrair casamento, mas se aplicássemos L1 era incapaz para contrair casamento, se
aplicássemos o art.16º, havia legitimidade para celebrar casamento, se aplicássemos a lei portuguesa
ele não podia casar.
Uma vez mais, temos cumpridos os pressupostos de aplicação do art.19º nº1, em
consequência paralisava-se o reenvio e L1 em vez de aplicar L1, iria aplicar L2, porque com isto se
conseguia atribuir capacidade à pessoa para casar, sendo que o princípio subjacente é o do favor
negotii.
Agora, não queria ainda terminar esta aula sem vos falar de duas definições que consagram a
devolução.
Art.36º nº2 e art.65º nº1 parte final.
Vamos começar pelo 65º CC que diz respeito à lei aplicável à forma do testamento.
O art.65º diz-nos que, para regular a forma do testamento vamos aplicar a lei do lugar onde foi
celebrado o testamento ou a lei da nacionalidade do de cujos ao tempo em que fez o testamento, ou a
lei da nacionalidade do de cujos ao tempo da morte, ou, parte final …ou ainda às prescrições da lei
para que remeta a norma de conflitos da lei local.
Isto quer dizer que, se o testamento não for válido nem á luz do país onde ele foi celebrado,
nem á luz do último lugar do de cujos. Mas imaginem, por exemplo que L1 remete para L2, L2 é a lei do
lugar da celebração e vamos imaginar que L2 remete para L3, e que o testamento é formalmente
válido à luz de L3. Nesta hipótese, o art.65º nº1 parte final determina a aplicação de L3.
Temos aqui a devolução a funcionar para garantir a validade formal do negócio, no caso, o
testamento.
Encontramos um esquema semelhante no art.36º nº2, que também se aplica à forma da
declaração e diz que em princípio de aplica a lei da substância mas também pode ser a lei do lugar da
celebração e depois, diz o nº2:
2. A declaração negocial é ainda formalmente válida se, em vez da forma prescrita na lei local,
(quando se fala aqui na lei local, é a lei do lugar onde o acto foi celebrado) tiver sido observada a forma
prescrita pelo Estado para que remete a norma de conflitos daquela lei, (isto significa que, se nós
73
tivermos L1 que remete para a lei do lugar da celebração, que é a lei do local da celebração negocial, e
se esta lei não se considerar a ela própria competente, a sua norma de conflitos remete para uma
terceira lei, que considera que a declaração é formalmente válida, determina a aplicação de L3).
Portanto, aqui temos situações em que a devolução visa a validade formal dos negócios.
Queria chamar-vos a atenção para uma divergência doutrinal no que diz respeito a estes casos.
Autores como o Professor Lima Pinheiro consideram que, para que se aplique L3, L3 tem de se
considerar a si própria competente.
Outra orientação, na qual eu me incluo, considera que, se o princípio que aqui está subjacente é
o do favor negotti, então, não se vão acrescentar outras exigências que possam paralisar o favor
negotti e portanto, segundo esta orientação, admite-se a aplicação de L3 mesmo que L3 não se
considere a si própria competente.
Com isto saímos da matéria da devolução.
Na próxima aula vamos começar com a matéria dos ordenamentos jurídicos complexos.

07 Abril 2015

Hoje iremos falar do parágrafo 13º que se prende com a remissão para ordenamentos jurídicos
complexos.

Nós até agora temos estado a ver exemplos em que por exemplo a lei portuguesa a remeter
para a lei nacional, a lei portuguesa a remeter para a lei italiana, mas a verdade é que podemos ter
problemas um pouco mais complicados nós podemos ter ordenamentos jurídicos para onde a nossa lei
remete que não têm um único ordenamento jurídico, mas que têm vários ordenamentos jurídicos, por
exemplo: nos Estado Unidos da América em cada estado federado está em vigor um ordenamento
jurídico especifico, portanto aí temos um conjunto de regras que formam um sistema jurídico que
estão em vigor numa determinada unidade territorial, no caso os Estados Unidos, é um estado
federado e portanto o que verificamos é que no mesmo estado soberano estão em vigor diversos
sistemas jurídicos, diversos ordenamentos jurídicos, cada um em vigor nessa unidade territorial.

Podemos ter ainda outra situação, termos normas de conflitos a remeterem para países onde
sejam aplicadas leis diferentes consoante os grupos de pessoas, por exemplo : podemos ter países com
regras que são aplicadas a pessoas de certas religiões, Religião A são aplicadas um determinado tipo de
regras, pessoas da Religião B são aplicadas outro conjunto de regras. E por isso nestes casos vamos
precisar de saber para onde o nosso ordenamento jurídico está a remeter, que normas é que nós
vamos ter de aplicar.

Outro exemplo à parte das religiões, um pouco menos, mas que ainda existem algumas regras,
o exemplo paradigmático e típico que se costuma dar é o dos países onde vigoram diferentes sistemas
jurídicos válidos para os diferentes tipos de pessoas, era por exemplo na India com o sistema das
castas, que supostamente já não existe.

74
A questão que se coloca é então a de saber como é que nós vamos interpretar, concretizar o
nosso elemento de conexão, porque quando por exemplo se diz no nosso ordenamento jurídico que é
aplicável, imaginem em estatuto pessoal, que é aplicável a lei da nacionalidade a uma determinada
pessoa, quando diz que é aplicada a lei da nacionalidade nós vamos aplicar a lei do estado de onde
essa pessoa é nacional quando a nossa norma de conflitos remete para uma determinada lei está a
remeter para a lei do estado soberano ou está a remeter para a unidade territorial desse estado
urbano onde estão em vigor essas regras, esta é a questão que aqui se coloca.

Aqui a pergunta é a de saber se a função da norma de conflitos do estado do foro se esgota


com a designação do ordenamento estadual competente ou se ao invés está a remeter de facto para a
unidade territorial especifica.

E aqui obviamente existem vários critérios de solução que respondem à questão, há quem
considere que as regras de conflitos se referem em principio ao direito de um estado soberano e por
isso quando está a remeter para o estado soberano, por exemplo quando se diz que é aplicada a lei
Francesa, está a remeter para a lei francesa incluindo eventuais regras de direito interlocal que possam
existir dentro do ordenamento jurídico Francês. Nós por exemplo temos em Espanha que é um
ordenamento jurídico complexo nas várias províncias estão em vigor regras especificas, mas no
ordenamento jurídico espanhol existem também regras jurídicas de direito interlocal, que fazem essas
regras de direito interlocal?
Elas resolvem internamente os conflitos, dizem qual é que é a lei da unidade territorial que
deve de ser aplicada e segundo esta orientação quando nós estamos a dizer que é a aplicada a lei de
um estado soberano, é aplicada a lei desse estado soberano, ou seja no caso de Espanha, estamos a
remeter para Espanha, a seguir cabe ao ordenamento jurídico espanhol resolver este problema que
acaba por ser um problema interno do ordenamento jurídico espanhol.

Esta concepção é de facto a que se afirmou essencialmente na Europa ocidental, que bem se
entende, porque houve um esforço significativo, em especial no final do séc XIX inicio do séc.XX no
sentido de tentar a unificação legislativa, que levou de facto a que os conflitos de leis passassem a ser
concebidos essencialmente entre leis estaduais, depois as questões internas cabe a cada estado
resolver.

Para uma segunda concepção as regras de conflitos referem se directa e imediatamente ao


sistemas jurídicos territoriais e por isso nos casos em que por exemplo se determina a aplicação da lei
do local da situação da coisa, se a coisa se encontrar por exemplo situada no estado de Nova York
aplicar se ía directamente a lei do estado de Nova York. isto segundo esta outra concepção, esta
concepção vingou essencialmente nos países de Common Law onde de facto o problema de direito
internacional privado tem sido encarado como um problema de escolha entre os sistemas de direito
75
privado em vigor nos diversos territórios, no fundo isto é um breve parêntesis, nós podemos pensar
nos estados unidos como um laboratório de direito internacional privado, só que não é privado é
interno, é EUA e sempre EUA mas a verdade é que cada estado dos EUA tem as suas próprias regras,
tem o seu próprio ordenamento jurídico e portanto colocam-se problemas diversos aos juízes norte
americanos no problema da determinação das regras aplicáveis em questões internas, internas porque
tudo se passa dentro dos EUA.

Depois como não podia deixar de ser, podemos identificar também correntes de pensamento
intermédias, que são aquelas que determinam que as regras de conflitos referem se à ordem jurídica
estadual complexa quando esta ordem jurídica constitua um sistema de direito privado unitário ou se
compões de diversos sistemas de direito privado que estão cordenados por um sistema unitário do
direito interlocal, como acontece em espanha. Ou seja entende se que quando uma norma de
conflitos remete para a lei de um determinado estado há de remeter para um estado soberano, desde
que esse estado soberano vigore um único ordenamento jurídico e não regras diferentes consoante as
diversas unidades territoriais com um conjunto de pessoas, como é o caso de Portugal.

Ou então está também a remeter para o estado soberano nos casos em que apesar de haver
essa divisão, de nas diversas unidades territoriais estarem em vigor regras especificas, o próprio
ordenamento jurídico resolve esses problemas, como é o caso de espanha que existem regras de
direito interlocal que resolvem esses problemas internos. Segundo ainda esta corrente intermédia, e
intermédia porque conforme se entende nestas hipóteses está a remeter para o estado soberano mas
entendem por outro lado que se o ordenamento jurídico complexo para onde a norma de conflitos
remete não tiver sistema unitário de regras de conflitos interlocais como é por exemplo o caso do EUA,
em que cada estado tem as suas próprias regras e não existe nos EUA regras de direito interlocal nem
tampouco de direito internacional privado unificado, cada estado tem as suas próprias regras, por
exemplo no estado do Louisiana que é um exemplo paradigmático, onde a influência é Francesa,
portanto neste estado existe um código de direito internacional privado, noutros estados já não é
assim, varia de estado para estado consoante as suas regras.
De acordo com esta orientação, nos casos em que a norma de conflitos está a remeter para
ordenamentos jurídicos como é o caso dos EUA como os próprios EUA não resolvem o problema então
a remissão seria para a unidade territorial completa.

Existem divergências na Doutrina contudo a maioria está de acordo num ponto é que quando a
remissão é feita pela norma de conflitos se dirige a um ordenamento complexo que esteja assente
numa diferenciação por grupos de pessoas, em razão da etnia, da religião ou de outro critério pessoal,
as regras de conflitos do estado do foro nunca conseguem indicar directamente que regras são essas, e
portanto nesse caso tem de necessariamente pedir ajuda ao país para onde as nossas normas de
76
conflito remetem para que ele diga de facto quais é que são as leis que se aplicam a cada grupo de
pessoas, porque aí são eles que têm de resolver a questão.

Em Portugal nós temos fontes diferentes, como já é costume, temos o código civil e temos os
regulamentos Europeus, vamos começar pelas regras que estão previstas no CC.
No CC esta questão está prevista desde logo no artigo 20º e o artigo tem como epígrafe
ordenamentos jurídicos plurilegislativos, eu comecei por dizer que hoje íamos falar dos ordenamentos
jurídicos complexos e não de ordenamentos plurilegislativos porque na verdade é preferivel falar de
ordenamentos jurídicos complexos porque os ordenamentos jurídicos poderão não ter
necessariamente uma base legislativa e por isso é que é preferivel falar em ordenamentos jurídicos
complexos.

Temos então o artigo 20º e que nos termos do mesmo, prevê no n.º1 “quando em razão da
nacionalidade de uma pessoa for competente a lei de um estado em que existam diferentes sistemas
legislativos locais.” portanto quando a nossa norma de conflitos tiver como elemento de conexão
nacionalidade, porque reparem que o artigo 20º nº1 diz aí “quando em razão da nacionalidade de uma
pessoa” desde logo restringe no seu campo de aplicação às hipóteses em que nós estamos a aplicar
normas de conflitos que têm como norma de conexão elemento nacionalidade e mais nós vamos ver,
que no termos do artigo 20º nº2 fala-se aí em lei pessoal, portanto este artigo 20º só se aplica
directamente nas hipóteses em que a norma de conflitos trate de estatuto pessoal e a lei designada
seja a lei da nacionalidade. Isto é o que resulta do elemento literal da interpretação desta disposição,
este é o primeiro ponto.

Portanto dizer aqui que ““quando em razão da nacionalidade de uma pessoa for competente a
lei de um estado em que existam diferentes sistemas legislativos locais.” e como eu estava a dizer, nos
termos do nº2 temos aqui na parte final uma referência à lei pessoal do interessado, limita-nos aqui à
matéria de estatuto pessoal, isto é importante porque nós podemos aplicar a lei da nacionalidade de
alguém fora da matéria de estatuto pessoal, por exemplo o artigo 45º nº3 do CC admite a aplicação da
lei da nacionalidade comum, e o artigo trata de matéria da responsabilidade extra contratual, e aqui
teremos de aplicar lei da nacionalidade se eles tiverem nacionalidade comum, mas não é a lei pessoal
porque estamos a tratar da matéria da responsabilidade extra-contratual não estamos a tratar de
matéria de estatuto pessoal.
Portanto:

1º nacionalidade e matéria de estatuto pessoal, o artº 20 não regula em termos genéricos o


problema da remissão para ordenamentos jurídicos complexos, apenas resolve esta questão
especifico, qual é que é a solução que aqui está consagrada? Artº 20 nº1 diz “quando em razão da
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nacionalidade de uma pessoa for competente a lei de um estado em que coexistam diferentes sistemas
legislativos locais.” quando remeta para um ordenamentos jurídico complexo, “é o direito desse estado
que fixa em cada caso o sistema aplicável.” e aqui quando se fala do direito interno desse estado não
estamos a falar do direito material desse estado que vai regular a questão estamos a falar das regras
de direito interlocal que existam nesse estado.

O exemplo que eu vos dei de espanha, em espanha, se a nossa norma de conflitos remeter
para a lei espanhola, espanha é um ordenamentos jurídico complexo mas aí como existem regras de
direito interlocal que resolvem os conflitos internos, a nossa norma jurídica remete para espanha e
aplicamos as regras de direito interlocais espanholas.
Por isso continua o 20º nº2 “na falta de normas de direito intelocal” daí sabemos que como o
nº1 fala do direito interno desse estado é o direito interlocal desse estado e por isso continua o nº2
“recorre-se ao direito interlocal desse estado.” ou seja se a nossa norma jurídica remete para um
ordenamento jurídico complexo onde não existem regras de direito interlocal, mas onde existem
regras de direito internacional privado unificadas então nós vamos aplicar as regras de direito
internacional privado unificadas desse estado, é o que determina o nº2. mas que ainda continua na
parte final “ se este não bastar” se o direito internacional privado desse estado não bastar ou não
existir como é por exemplo o caso do EUA, “considera-se como lei pessoal do interessado a lei da sua
residência habitual.”

Este ultimo segmento da disposição do 20º nº2 levanta um problema de interpretação que é o
seguinte, é o de saber se nós vamos aplicar esta regra, e por isso vamos aplicar a lei da residência
habitual, nos caso em que a residência habitual se localiza no país da nacionalidade ou se nós também
vamos aplicar a residência habitual nos casos em que essa residência habitual se situa fora da
nacionalidade.
Exemplo: queremos saber qual a lei aplicável à sucessão por morte de um cidadão Britânico que
faleceu com residência habitual em Portugal, nesta hipótese tínhamos a lei portuguesa nos termos do
artigo 62º mais 31º nº1 do CC a remeter para a lei da nacionalidade, que é Britânica, tínhamos a lei
Portuguesa a remeter para a lei do Reino Unido que é um sistema jurídico complexo, e nós dizemos
“pronto aplicamos a lei do Reino Unido”, não podemos aplicar a lei do UK porque é um sistema jurídico
complexo e em cada unidade territorial temos regras diferentes, “então vamos aplicar as regras de
direito interlocal do UK” não existem, “ então vamos aplicar,(20º nº2) as regras de direito internacional
privado do UK” também não existem, passamos à ultima parte do 20º nº2 que diz que se aplica que lei,
a lei da residência habitual, mas este nosso cidadão Britânico tinha residência habitual em Lisboa, se
nós formos aplicar literalmente esta disposição do 20º nº2 parte final, qual vai ser a consequência?
vamos aplicar a lei portuguesa que é a lei da residência habitual.

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De facto se nós fizermos uma interpretação demasiado apegada à letra da lei esta vai ser a
solução, de facto esta é a solução defendida pelo Professor Ferrer Correia,
Mas desde já nós podemos oferecer várias críticas a esta solução:

O nosso legislador entendeu que em matéria de sucessão por morte devia ser aplicada a lei da
nacionalidade, e aqui estamos a aplicar a lei da residência habitual, em que caso aplicamos a lei da
residência habitual? o caso dos apátridas, o Sr não era apátrida, no fundo se seguirmos esta solução,
vamos estar a considerar este senhor que tem nacionalidade como se fosse um apátrida e vamos estar
a desrespeitar o próprio comando que o nosso legislador nos deu, indicando que nos termos do artigo
62º que em matéria de estatuto pessoal a lei aplicável era a lei pessoal que em principio é a lei da
nacionalidade, nos termos do artº 31 nº1.

Por esta razão se tem entendido e nomeadamente a professora Magalhães Colaço o professor
Dário Moura Vicente, Lima Pinheiro, Marques dos Santos e eu própria também defendo esta posição,
que o artigo 20º nº 2 deve de ser submetido a uma redução teleológica, de modo a que fique ou que
seja compatível com as valorações que referi, ou seja que se aplique em matéria de estatuto pessoal
de facto a lei da nacionalidade, porque é a lei que a nossa norma de conflitos determina que deve de
ser aplicada, e para não estarmos a tratar como apátrida uma pessoa que na verdade tem
nacionalidade além de que no fundo se nós tivéssemos em termo comparativos a tratar da sucessão
por morte de um Sr. Francês, como França não é um ordenamento jurídico complexo não havia grande
dúvidas que seria 62º mais 31º nº1 e nós íamos remeter para a lei Francesa, no fundo o que distingue
as soluções é que um dos sujeitos calhou a ser nacional de um país onde vigora um ordenamento
jurídico complexo e o outro não.

Não se justifica este tratamento diferenciado, daí então esta orientação que entende que deve
de ser feita uma redução teleológica desta disposição e neste caso o que vai acontecer é que nós só
vamos aplicar a lei da residência habitual se a residência habitual se localizar no estado da
nacionalidade. Vamos então alterar um pouco a hipótese : temos à mesma o cidadão Britânico, mas
que desta vez tinha a residência habitual em Londres neste caso o que temos é 62º mais 31ºnº1 o
elemento de conexão que está a ser utilizado é a nacionalidade que está remeter nos para o UK que é
um ordenamento jurídico complexo vamos aplicar o artigo 20º nº2 parte final que nos diz que se
aplica a lei da residência habitual se o Sr tinha última residência habitual em Londres então a lei
portuguesa vai estar a remeter para a lei inglesa porque a residência habitual se localizava dentro do
estado da nacionalidade, com isto nós conseguimos resolver de facto um problema de um
ordenamento jurídico complexo porque nós precisamos de saber e não nos basta dizer que se aplica a
lei do UK, até porque a lei do UK não existe, existe sim a lei de cada uma das unidades territoriais e nós
precisávamos de saber se aplicávamos a lei inglesa ou a lei escocesa ou galesa, e o artº 20 nº2 diz que

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se aplica a lei da residência habitual, nós fazemos a redução teleológica neste caso só vamos aplicar a
lei da residência habitual se a residência habitual se localizar dentro do estado da nacionalidade.

Mas se nós fazemos uma redução teleológica do artº20 nº2 dizendo que só vamos aplicar a lei
da residência habitual se a residência habitual se situar dentro do estado da nacionalidade ficamos
com um problema, ficamos com uma lacuna, ficamos sem solução para este caso.

Ficamos sem solução para o primeiro caso porque não seria permitida a aplicação da lei da residência
habitual, porque a residência habitual era fora do estado da nacionalidade, nós temos uma lacuna que
resultou da redução telelógica que fizemos, vamos ter de ver como a resolvemos, vamos ver se existe
caso análogo ou não e de facto não existe caso análogo, mas nos termos do artº 10º nº3 podemos
encontrar a norma que o legislador criaria.

Ora bem no espírito do sistema vai no sentido de aplicar ao estatuto pessoal do indivíduo a lei
que esteja mais próxima, só assim ficam salvaguardadas as suas legitimas expectativas e por isso vamos
ter de procurar o ordenamento jurídico local com o qual o interessado possui a conexão mais estreita.

O que vamos fazer, é respeitar à mesma o elemento de conexão, e este remete-nos para a
nacionalidade, vamos então aplicar uma lei que esteja em vigor dentro do estado da nacionalidade,
qual? aquela com a qual a pessoa tenha a vinculação mais estreita, por exemplo imaginemos que o Sr
Britânico que vivia habitualmente em Lisboa e antes de ter vivido em Lisboa tinha vivido sempre em
Londres até aos 40 anos e faleceu em Portugal aos 90 anos, neste caso apesar de tudo nós íamos
verificar e tentar determinar dentro do UK com que unidade territorial é que apresentava a conexão
mais estreita, e a conexão mais estreita era com Londres porque era onde ele tinha sempre vivido
antes de ter vindo para Portugal, então nesta hipótese nós íamos aplicar a lei inglesa.
Aliás esta solução é também já preconizada no sentido análogo no artº 28º da Lei da Nacionalidade,
que nos diz que se a pessoa tiver duas ou mais nacionalidades a nacionalidade relevante é a do país
onde a pessoa tiver residência habitual se a pessoa não tiver residência habitual em nenhum dos
estados das suas nacionalidades, o que vamos à procura é da lei, dos estados com o qual ele apresente
a conexão mais estreita, e aqui estamos a fazer o mesmo raciocínio.

Podemos é depois ter outro problema, o de o julgador não conseguir determinar no caso
concreto a conexão mais estreita entre o interessado e o ordenamento do estado do qual ele era
nacional, ou seja de ele não conseguir determinar qual é de facto a unidade territorial com a qual a
pessoa apresenta a conexão mais estreita.

Aqui havia várias soluções e a professora Isabel Magalhães Colaço sugeria até em última
instância, se não se conseguisse determinar, a aplicação da lei da capital do estado da nacionalidade.
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O professor Dário Moura Vicente apresenta uma solução com a qual tendo a concordar mais, e vem
dizer que nesta hipótese entende que se está numa situação análoga ao artº 23º nº2 parte final que
manda recorrer à lei que for subsidiariamente competente mas reparem que isto é mesmo só se nós
não conseguirmos encontrar de todo em todo qual é que é a lei da unidade territorial com a a qual a
pessoa apresenta a ligação mais estreita, e de facto neste caso em última instância aplicaríamos a
conexão subsidiária e esta seria a residência habitual.

Nós podemos ainda ter outro problema, que é por hipótese termos uma remissão para um
ordenamento jurídico complexo que não seja feito a título de nacionalidade, ou seja o elemento de
conexão não ser a nacionalidade, porque nós já vimos que o artigo 20º nº1 e 2º não deixa margem
para dúvidas, só se aplica se a norma de conflitos tiver como elemento de conexão a nacionalidade e
em matéria de estatuto pessoal.

Vamos imaginar por exemplo que temos um problema de determinação da lei aplicável em
matéria de posse propriedade e demais direitos reais de um imóvel que está situado no Texas.
Queremos saber quais as regras que se aplicam e aqui o que vamos ter de saber é o atº46º que
diz que se aplica a lei do país onde a coisa está situada a coisa está nos EUA e assumimos esta
orientação porque a nossa norma de conflitos quando remete está a remeter para o estado soberano
no caso está a remeter para o estado Federal e não está a remeter para o estado federado.
Mas se remete então para os EUA temos um problema, porque não temos nos EUA uma lei material
que regule esta questão como resolvemos? o artº20 não oferece solução, há autores que defendem
que neste caso o nosso legislador não resolve e o que significa que se aplica directamente a lei do
ordenamento jurídico local para onde a nossa norma de conflitos remete, neste caso se a coisa se
encontra situada no Texas, seria aplicada a lei do Texas.

Segundo outros autores no qual eu me incluo, sustentam que de facto quando a nossa norma
de conflitos está a remeter para a lei de um determinado estado, está a remeter para o estado
soberano, e portanto caberá sempre ao estado soberano dar-se a hipótese de resolver a questão que é
um problema interno.
Segundo estes autores aquilo que deve de ser feito, é que pelo facto de termos uma lacuna,
porque no nosso ordenamento jurídico não existe uma regra como a que temos no artº20 que se
aplique nos casos em que o elemento de conexão não é a nacionalidade, tendo nós uma lacuna vamos
ter de ver como a vamos integrar. Então segundo esta orientação, desde logo a lacuna terá de ser
integrada recorrendo a caso análogo o artº 20. Mas nem todo o artº 20 pode ser aplicado
analogicamente.

Então neste caso do imóvel situado no Texas, aplicando analogicamente o artº 20 temos a lei
portuguesa a remeter para os EUA, tínhamos de questionar desde logo se existia nos EUA, isto por
81
aplicação analógica do 20º nº1, se existia direito interlocal, não existindo nos EUA direito interlocal,
passávamos ao 20º nº2 aplicado analogicamente e perguntaríamos se existe nos EUA direito
internacional privado unificado, e também não existe, o que nós fizemos foi tentar aplicar
analogicamente estas primeiras hipóteses de solução que encontramos no artº20, porque tentamos
sempre fazer esta forma de aplicação analógica?
Porque a nossa norma de conflitos remete para o estado soberano e no fundo se o estado
soberano tiver uma resposta a dar a esta questão seja pelo direito interlocal seja pelo DIP unificado
segue se essa orientação.
Mas se e como é esta hipótese nós não temos solução que nos seja dada nem pelo direito local
nem pelo DIP unificado então nesta hipótese já não vamos poder aplicar analogicamente o 20º nº2 2ª
parte porque este quando remete para a lei da residência habitual, está pensado para casos em que a
norma de conflitos estabelece como elemento de conexão nacionalidade e estamos a tratar de matéria
de estatuto pessoal, em matéria de estatuto pessoal os elementos de conexão relevantes são
nacionalidade e residência habitual, ora se nesta hipótese nós não estamos a tratar de matéria de
estatuto pessoal também já não faz sentido sequer esta última parte, a residência habitual aqui já não
se enquadraria, além do mais se aplicássemos esta última parte levanta-se a questão, residência
habitual de quem? quanto muito do proprietário, mas isso também não faria sentido porque as
pessoas podem ter residência habitual fora do local onde a coisa se encontra situada e não pode ser a
residência habitual do proprietário porque não é esse o elemento de conexão.
Neste caso vamos ter de aplicar de facto a lei da unidade territorial com a qual a coisa apresenta a
conexão mais estreita, tratando-se de um imóvel que está situado no Texas a lei aplicável será a do
Texas.

Portanto nos casos em que o elemento de conexão não seja nacionalidade, o que vamos fazer
na minha opinião, vamos aplicar analogicamente o artº 20º nº1 e nº2 primeira parte porque a última
parte já não podemos aplicar analogicamente.

1º direito interlocal se não existir,


2º DIP unificado se também não existir
3º vamos aplicar a lei da unidade territorial com a qual a situação apresente uma conexão mais
estreita.
É esta a forma de no fundo respeitar o sentido que o legislador quis incutir na norma de
conflitos.

O artigo 20º nº3 já estamos a falar de ordenamentos jurídicos complexos em que os conjuntos
de normas são aplicáveis consoante determinadas categorias de pessoas então neste caso sendo a
remissão feita para um tal ordenamento jurídico à que recorrer às regras de conflitos interpessoais do
sistema jurídico em questão ou eventuais regras materiais à doc que disciplinem as situações de
82
conflitos interpessoal, por exemplo as regras materiais que regulem os casamentos entre pessoas de
credos religiosos diferentes.
Se não existirem tais regras e se não se conseguir determinar de todo em todo quais é que são
as regras aplicáveis em última instância podemos aplicar o artigo 23º nº2 que é aquele que se aplica
nos casos em que nós não conseguimos determinar os elementos de facto ou de direito que dependa a
designação da lei aplicável e nesse caso vamos passar à conexão subsidiària. Mas esta é uma hipótese
de recurso, esta é a solução que está consagrada no CC Português, mas nos regulamentos Europeus
temos soluções diferentes, vejamos:

Na Convenção de Roma no artigo 19º nº 1;


No Reg. Roma I artº 22º nº1;
No ROMA II artº 25º Nº1;

Nós temos aí sempre regras, com ligeiras diferenças de redacção que dizem todas elas qualquer
coisa como: “sempre que um estado englobe várias unidades territoriais , tendo cada uma normas de
direito próprias em matéria (que for) cada unidade territorial é considerada um país para fins de
determinação aplicável por força do presente regulamento.”

Ou seja se por exemplo estivermos a tratar de matéria de Roma I obrigações contratuais,


queremos saber qual é que é a lei que se aplica a uma compra e venda, sendo que o vendedor tem
residência habitual em Nova York e o comprador em Portugal nos termos do artº 4º nº1 a) do Roma I
a lei aplicável ao contrato de compra e venda na falta de escolha de lei é a lei da residência habitual do
vendedor, o vendedor tinha residência habitual em Nova York nós íamos aplicar a lei de Nova York,
porque nos termos do artº 22º nº1 do regulamento Roma I determina-se aqui que qualquer unidade
territorial é considerada um país para fins de aplicação da lei aplicável. Nós neste caso vamos
considerar o estado de Nova YorK como se fosse um estado e portanto é a lei de Nova York que vamos
aplicar.

Se nós tivéssemos por exemplo uma situação de responsabilidade extra-contratual de um


acidente que tivesse acontecido por exemplo em Nova York nos termos do artº 4º nº1 do reg. Roma II
íamos aplicar a lei do lugar do danos, se o dano aconteceu em Nova York é essa a lei a aplicar, isto é o
que dizem estes dois regulamentos ou seja aplicamos directamente a lei que está em vigor na unidade
territorial, estes não deixam margem para dúvidas.

No reg. Roma III que se aplica em matéria de divórcio nós já vamos encontrar regras especiais,
porque diz o seguinte no artº 14º :

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“sempre que um estado englobe váris unidades territoriais tendo cada uma delas o seu próprio
sistema jurídico ou um conjunto de normas respeitantes às matérias regidas pelo presente
regulamento :

a) Qualquer referência à lei desse Estado será entendida, para efeitos de determinar a lei
aplicável ao abrigo do presente regulamento, como referindo-se à lei em vigor na unidade territorial
pertinente;
portanto esta é a regra à semelhança do reg. Roma I e Roma II.

b) Qualquer referência à residência habitual nesse Estado será entendida como referindo-se à
residência habitual numa unidade territorial;
mesma solução também, no fundo cada unidade territorial vale como um país.

c) Qualquer referência à nacionalidade dirá respeito à unidade territorial designada pela lei
desse Estado ou, na ausência de regras pertinentes, à unidade territorial escolhida pelas partes ou, na
falta de escolha, à unidade territorial com a qual o cônjuge ou cônjuges tenham uma ligação mais
estreita.

Aqui nós já encontramos uma especificação, e temos depois o artº 15 que é muito importante
porque estamos a falar de matérias de divórcio, a solução que é dada nas hipóteses que é dada nas
situações em que se remete para estados com dois ou mais sistemas jurídicos em matéria de conflitos
de leis interpessoais, ou seja uma vez mais quando temos regras diferentes aplicáveis a diferentes
grupos de pessoas, aqui a solução que está consagrada é que em relação a este estados e qualquer
referência a esse estado será entendida como referindo se ao sistema jurídico determinado pelas
normas em vigor nesse estado, ou seja a mesma solução está consagrada no 20º nº3 depois diz “Na
ausência de tais normas, aplica-se o sistema jurídico ou o conjunto de regras com o qual o cônjuge ou
cônjuges tenham uma ligação mais estreita.” é a solução subsidiária.

Por último só para dar nota que no Reg. Roma V que trata das sucessões nós temos também no
artigo 36º e 37º regras que se aplicam, caso existam conflitos territoriais de leis ou o 37º que regula o
conflito de leis interpessoais. e nos termos do artigo 36º vem dizer o nº1 “Caso a lei designada pelo
presente regulamento seja a de um Estado que englobe várias unidades territoriais, tendo cada uma
delas as suas próprias normas jurídicas em matéria de sucessões, as normas internas de conflitos de
leis desse Estado determinam a unidade territorial cujas normas jurídicas são aplicáveis.”
Ou seja vai estar a remeter para as regras de cada estado no que respeita a soluções dos seus
próprios conflitos internos, solução semelhante então ao nosso artº 20º nº1 e 2. depois o nº 2 vem
prever a solução no caso de falta dessas regras internas com vários critérios.

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Aula de DIP de 14/4/15
Na aula passada terminei a matéria da fraude à lei. Quanto à cláusula de excepção, faltam dizer
duas ou três coisas.
As normas que dei como exemplos na última aula, são exemplos de cláusulas de excepção
especiais.
O professor Moura Ramos dizia em relação a algumas parecidas com estas (pois estas ainda não
existiam) que eram cláusulas de excepção especiais abertas, isto para contrapor com as que ele
designou como cláusulas de excepção especiais fechadas.
Por exemplo, no nosso ordenamento jurídico existiria uma, a do artigo 45/3 do CC. Vocês já
conhecem este artigo, no nº1 em matéria de responsabilidade civil extracontratual manda aplicar a lei
do lugar da prática do facto, no nº 2 manda aplicar a lei do lugar do efeito lesivo, e no nº 3 manda
aplicar a lei da nacionalidade comum ou a lei da residência habitual comum.
Ora, a aplicação da lei da nacionalidade comum do agente e lesado ou a residência habitual
comum do agente e lesado, diz o professor Moura Ramos, consubstancia uma cláusula de excepção.
Porquê?
Porque o que acontece no 45º/3 é, bem vistas as coisas, o afastamento da aplicação das leis
designadas no nº1 e 2, em benefício da lei da nacionalidade comum ou da residência habitual comum.
Só que aqui não encontramos nenhuma norma a dizer que se aplica, em detrimento do nº1 e 2, a lei da
conexão mais estreita. Encontramos uma norma a dizer que se aplica a lei da nacionalidade ou
residência habitual comum.
Ou seja, foi o próprio legislador que disse, em abstracto, à priori, qual era a conexão que ele
entendia ser a da conexão mais estreita. Não deixou isso para o aplicador do direito.
Por isso é que o professor Moura Ramos diz que esta é uma cláusula de excepção fechada
porque não se remete em abstracto para a lei do estado com que se manifesta uma conexão mais
estreita, antes, pelo contrário, o próprio legislador diz qual é. Em todas estas cláusulas de excepção
(agora voltando para aquelas que são as normais, as abertas) encontramos por um lado a característica
da manifesta excepcionalidade, e por outro lado, a remissão, sempre, para as circunstâncias do caso. É
isto que se pretende do julgador, que aprecie todas as circunstâncias do caso, pondere todos os
elementos de conexão, para ver se deve ou não aplicar uma ou outra lei com o qual existe uma
conexão manifestamente mais estreita.
Tem de ponderar os factores de conexão objectivos e subjectivos (lugar do facto, do dano, da
celebração do contrato, da execução do contrato, lugar da nacionalidade das partes, residência
habitual).
Em certos casos não tínhamos isto de forma expressa no nosso ordenamento antes do
regulamento Roma II. Em certos casos, o legislador obriga à ponderação, como elemento para
determinar a conexão mais estreita, não só destes elementos que vos falei mas também de elementos
de outro tipo. No artigo 4º/3 do regulamento Roma II, diz-se que pode existir uma conexão
manifestamente mais estreita com a lei aplicável a uma relação contratual pré-existente entre agente e
lesado.
Ora, prevê-se uma cláusula de excepção, mas depois acrescenta-se que pode existir uma
conexão manifestamente mais estreita com a lei que regula uma relação pré-existente entre o agente e
o lesado. Quem vai aplicar a norma é que tem de ver se existe ou não.
Que hipóteses se têm verificado aqui?
Exemplo tradicional, o dano é causado ao lesado no âmbito de um contrato de transporte, a
pessoa que apanha um táxi, que é transportada pelo taxista, sofre um acidente que decorre da
violação de regras de trânsito pelo taxista.
Mas esse acidente produz um dano que simultaneamente decorre da violação do contrato. O
que acontece nestes casos é que a responsabilidade extra contractual tem também ela origem num
facto que simultaneamente constitui violação do contrato, de uma relação pré-existente entre as
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partes. Aquilo que se diz neste artigo é que nestes casos pode justificar-se aplicar à responsabilidade
extracontratual a lei que regula o contrato. Não é uma presunção inilidível.
Falta dizer a este propósito apenas uma coisa. Já vos dei vários exemplos de cláusulas de
excepção especiais que existem no nosso ordenamento jurídico.
Especiais porquê?
Porque em todos aqueles exemplos que vos dei respeitam a certa matéria. Vejam as cláusulas
do Roma I que respeitam aos contratos só, as do Roma II que respeitam apenas às obrigações não
contratuais.
Por exemplo, não há cláusula de excepção que eu conheça em matéria de lei aplicável às
sucessões.
Mas não existe em Portugal uma cláusula de excepção de ordem geral? Isto é, que valha para a
aplicação de todo o direito de conflitos? Ai digo-vos que não. Expressamente não está prevista
nenhuma.
Noutros ordenamentos jurídicos há normas que preveem cláusulas de excepção de ordem
geral, por exemplo a lei de DIP Suiça no seu artigo 15º “ o direito designado por qualquer norma de
conflitos pode excepcionalmente não ser aplicado se atendendo ao conjunto das circunstâncias for
manifesto que a situação tem apenas uma ligação ténue com a lei designada e se apresentar uma
ligação substancialmente com uma outra”.
Portanto, isto é uma cláusula de excepção de ordem geral.
No entanto, doutrina mais antiga e de Coimbra, professor Ferrer Correia, Baptista Machado,
Moura Ramos, defenderam que vigorava em Portugal uma cláusula de excepção de ordem geral,
implícita. Esta opinião é revolucionária, porque permite o afastamento de uma lei designada pela regra
de conflitos portuguesa em benefício de uma outra lei. Isto, no fundo, torna todas as normas de
conflitos portuguesas flexíveis. Esta doutrina justificava isto com a própria concepção que têm sobre o
direito de conflitos, e com o facto de as normas de conflitos, serem por virtude disso, instrumentais
(não são algo de preciso, de concluso, de definitivo.
São meras linhas de rumo, dizia o professor Ferrer Correia. Linhas que orientam o intérprete
enquanto isso permitir o respeito pelos princípios e fins essenciais do direito de conflitos. Sempre que
da aplicação da norma resultar uma violação desses princípios essenciais, designadamente, da
proximidade, e da conexão mais estreita, não se deve aplicar essa norma de conflitos e deve corrigir-se
o resultado a que leva essa norma de conflitos. Aplicando a lei do estado com a qual existe uma
conexão mais estreita).
Felizmente esta doutrina tem passado despercebida nos nossos tribunais. Felizmente, pois
penso que uma coisa é haver uma norma como aquela que está na lei suiça (com critérios definidos),
outra coisa é, com base num raciocínio meramente dogmático como este da escola de Coimbra, sem
critérios seguros. Dará origem a uma insegurança muito grande. O professor Lima Pinheiro, recusa-se a
seguir esta opinião. Neste momento não existe nenhuma cláusula deste género.

A matéria seguinte é a das normas de aplicação imediata.


Esta expressão, era a expressão que aparecia em algumas normas portuguesas e que aparece
cada vez mais nos diplomas recentes. No entanto são utilizadas outras expressões pela doutrina. Ferrer
Correia, Baptista Machado, Moura Ramos, falavam em normas de aplicação necessária e imediata.
Outros preferem falar em normas internacionalmente imperativas, como é o caso do professor
Dário Moura Vicente. Lima Pinheiro recusa a designação usada por Ferrer Correia, fala mais
frequentemente na categoria em que ela se enquadra, são as normas auto-limitadas, se bem que,
como vos vou explicar, não são verdadeiras normas auto-limitadas. Outra doutrina, utiliza a expressão
internacional, Francesa, lois des police.

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As terminologias são diferentes mas falam todos da mesma realidade. O que sucede é que por
vezes a adopção de terminologias diferentes se prende com a adopção de concepções radicalmente
diferentes sobre a natureza das normas de aplicação imediata.
A que se deve a consagração destas normas?
Duas razões essenciais. Por um lado o intervencionismo do Estado. Por isso elas aparecem
muito no domínio do direito da economia, concorrência, ambiente, etc. Por outro lado, o
protecionismo do Estado.
Por isso, aparecem normas deste tipo em matéria de protecção do consumidor, do trabalhador,
ou do investidor, não institucional, nos mercados de acções de valores mobiliários.
A identificação desta categoria de normas para direito foi feita por um autor grego que vivia na
França. Em Portugal, quem mais estudou a questão foi o professor Marques dos Santos. Depois da sua
tese tendeu a chamar-se em Portugal normas de aplicação imediata, pelo menos na legislação.
Estas normas levam à aplicação de outra lei. Elas aplicam-se de uma forma diferente daquela
que resulta do direito de conflitos.
Pode acontecer, por exemplo, que de acordo com o artigo 3º do regulamento Roma I, num
contrato celebrado entre um português que vive em Portugal e um espanhol que vive na Espanha,
escolham como competente a lei francesa.
Mas se houver uma norma de aplicação imediata portuguesa a reclamar aplicação, então aplica-
se essa norma apesar de não ser parte do direito competente. Portanto, estamos a falar de normas
que se aplicam fora dos termos que prescrevem as normas de conflitos gerais. Podia, por exemplo,
estar em causa a protecção do consumidor.
Agora, um exemplo concreto. O artigo 23º/1 das cláusulas contratuais gerais, diz-nos que
independentemente da lei escolhida para regular o contrato se aplicam as normas materiais presentes
nesta secção desde que haja uma conexão estreita com o ordenamento jurídico português.
Ora, isto faz destas normas materiais, normas de aplicação imediata. Aquelas normas que
prescrevem a obediência a requisitos nacionais de produção de materiais podem ser normas de
aplicação imediata mesmo que a lei competente relativamente ao contrato seja outra.
Essencialmente, vou dar-vos a noção que foi dada pelo Professor Marques dos Santos. Depois
irei referir a doutrina do Professor Lima Pinheiro. A tese construída por Marques dos Santos, não
corresponde à que é maioritariamente seguida, pelo menos nesta casa.
Ora, para Marques dos Santos, as normas de aplicação imediata são, em primeiro lugar, normas
materiais. Em segundo lugar, são normas espacialmente auto limitadas. Em terceiro lugar, são normas
dotadas de especial intensidade valorativa.
Os alunos tendem a confundir normas de aplicação imediata com normas de conflitos. Mas não
são. Pois as normas de aplicação imediata são sempre normas materiais.
São normas que criam direitos e obrigações.
Eu acabei de vos dar o exemplo do artigo 23º, não é este que é norma de aplicação imediata,
essa é a norma de conflitos. Torna, pelo menos, as normas do artigo 21º e 22º normas de aplicação
imediata.
São espacialmente auto-limitadas.
Embora haja divergência nesta matéria. Marques dos Santos justificava afirmação da seguinte
forma: são normas que se auto limitam no espaço.
Ou seja, são normas que detêm um âmbito de aplicação no espaço diferente daquele que
resulta do direito de conflitos geral. Aplicam-se no espaço de forma diferente.
A lei aplicável ao contrato pode ser a lei espanhola se as partes assim escolherem mas o artigo
23º diz que se devem aplicar os artigos 21º e 22º se houve conexão estreita com a ordem jurídica
portuguesa. Ora, estas normas aplicam-se fora daquilo que é designado pela norma de conflitos geral.
Por isso é que são auto-limitadas no espaço. O professor Ferrer Correia dizia que estas normas
têm uma vontade de aplicação geral diferente daquela que resulta do sistema do direito de conflitos.
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E o professor Moura Ramos dizia que o seu âmbito de aplicação não é definido a partir do
direito de conflitos geral, mas sim a partir de elas próprias. Mas como é que é feita essa auto-limitação
no espaço? Através de normas de conflitos unilaterais especiais ad hoc.
Já sabem que há regras de conflitos bilaterais e unilaterais. Dentro das unilaterais há as gerais
(em Portugal não há nenhuma), as especiais (por exemplo, o artigo 28º/1 do CC) e as especiais ad hoc.
O artigo 23º/1 da lei das cláusulas contratuais gerais é um exemplo de uma norma especial ad hoc. É
regra de conflitos? Sim. Porque diz em que termos se aplicam determinadas normas materiais no
espaço, desde logo o artigo 21º e 22º.
É norma de conflitos unilateral?
Sim, pois diz apenas que as normas desta secção, isto é, da lei portuguesa, se aplicam em
determinados termos. Portanto, remete apenas para o direito português. É especial ad hoc? Sim, pois é
uma norma que respeita a preceitos claramente individualizados.
Estas normas de conflitos unilaterais especiais ad hoc que delimitam o âmbito de aplicação no
espaço das normas materiais umas vezes são expressas, outras implícitas. O artigo 23º/1 é um exemplo
de uma norma expressa.
Há outros casos, mas na maioria dos casos elas estão implícitas.
Só podem ser detectadas pelo intérprete analisando a norma material em causa ou as normas
materiais em causa. Quer num caso quer noutro nunca se deve confundir a norma material com a
norma de conflitos.
Como se detectam as normas implícitas?
Marques dos Santos dizia que por via interpretativa a partir do objecto, dos fins, e do conteúdo
das normas materiais em causa. É por essa forma que se há-de encontrar depois a norma de conflitos
unilateral implícita.
Por exemplo, do artigo 53º da CRP que proíbe os despedimentos sem justa causa, a doutrina
retira daqui uma norma de conflitos especial unilateral ad hoc implícita (atende-se aos fins da própria
norma) que determina a aplicação desta norma, isto é a proibição de despedimentos sem justa causa,
se o contrato for executado em Portugal ou se for celebrado por trabalhador português com residência
habitual em Portugal com estabelecimento sediado em Portugal mas que o trabalho será efectuado no
estrangeiro.
Nesta última hipótese já é mais duvidoso, mas pelo menos no que toca aos contratos de
trabalho para serem executados em Portugal, mesmo que a lei aplicável ao contrato de trabalho seja
outra, é sempre proibido o despedimento não havendo justa causa.
Mesmo que a um contrato de arrendamento possa ser aplicado direito estrangeiro o despejo
há-de fundamentar-se nas causas previstas no direito de arrendamento português desde que o imóvel
esteja situado em Portugal.
A maioria das normas de aplicação imediata são aplicadas nos termos das normas de conflitos
unilaterais especiais ad hoc implícitas.
As regras de trânsito que vigoram em portugal são aplicadas em Portugal, mesmo que a lei
aplicada à situação em causa, por exemplo numa situação de responsabilidade extra-contratual, seja
uma lei estrangeira.
Agora, o que é que significa a auto limitação no espaço? Ainda estamos a analisar a segunda
característica.
Para o professor Marques dos Santos, significava que as normas de aplicação imediata só se
aplicavam, exclusivamente, nos termos das normas de conflitos unilaterais especiais ad hoc que as
acompanhavam (a estas, designava como regras de acompanhamento). Só têm um âmbito de
aplicação, que é o necessário. Ou seja, como só se podem aplicar nesses termos não podem aplicar-se
mesmo que o direito de conflitos geral remeta para a ordem jurídica a que pertença se a norma de
conflitos especial não ordenar a sua aplicação.

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Não é possível distinguir o âmbito de aplicação possível do âmbito de aplicação necessário. Isto
é, mesmo que a norma de aplicação imediata faça parte do direito competente, ela não se aplica se a
norma de conflitos unilateral especial ad hoc que a acompanha disser que não se deve aplicar.
Portanto, por isso é que só se deve aplicar nesses termos.
Porque é que isto é assim?
Porque o professor Marques dos Santos dizia que as normas de aplicação imediata são normas
dotadas de especial intensidade valorativa. Isto é, normas que estão ao serviço dos interesses do
Estado. Não precisa ser um interesse de vida ou morte. Até pode ser um interesse acidental,
momentâneo. Basta ser um interesse que o próprio estado considere fundamental.
Aquele autor que vivia em frança, dizia que as normas de aplicação imediata eram aquelas cuja
observância era essencial para a salvaguarda da organização política, económica e social do estado.
Marques dos Santos inspirou-se nesta concepção embora dizendo que era demasiado restritiva.
Os interesses do estado ao serviço dos quais estão as normas de aplicação imediata não têm
que ser apenas estes, podem ser ainda outros.
Ora, é precisamente por esta razão, que o professor Marques dos Santos delimita o seu âmbito
de aplicação no espaço daquela forma. É por isso que diz que as normas de aplicação imediata só
podem aplicar-se nos termos em que a norma de conflitos que as acompanha diz que se devem aplicar.
Só se aplicam na medida em que tutelem esse interesse do estado. A medida é ditada pela norma de
conflitos unilateral especial que a acompanha e não pela regra de conflitos geral.
Esta característica, levou também o professor Marques dos Santos a concluir que as normas de
aplicação imediata constituíam um método próprio do DIP, ao lado do direito de conflitos.
A referência aos fins tutelados pela norma de aplicação imediata justificava toda a doutrina do
professor Marques dos Santos.
Esta teoria é completamente contrariada por Lima Pinheiro e em parte por Dário Moura
Vicente.
Agora, quero chamar-vos a atenção para o artigo 9º/1 do regulamento Roma I. Vejam a
proximidade absoluta desta definição com aquilo que disse o autor estrangeiro que fiz referência. Este
artigo surge na sequência de um acórdão do tribunal de justiça. Isto para perceberem que tudo tem
uma história.

16 -04- 2015

Na última aula estivemos a falar das normas de aplicação imediata, hoje vamos terminar essa
matéria. Eu dei-vos a definição de normas de aplicação imediata e dei-vos a construção que o professor
MARQUES DOS SANTOS faz na tese de doutoramento.
O que eu disse, resumindo em 30 segundos foi que para o professor Marques dos santos as
normas de aplicação imediata são normas materiais, espacialmente auto-limitadas (há muita
controvérsia nesta segunda característica) e dotadas de especial intensidade ordenativa (referência
dos interesses dos estados).
Destas várias características, retirava o prof. Marques dos santos várias consequências,
designadamente o facto de as normas de aplicação imediata se caracterizarem pelo seu fim,o que
determinava depois a possibilidade de identificar a norma de conflitos que delimita o âmbito de
aplicação no espaço da norma de aplicação imediata a partir destes mesmos fins por via interpretativa.
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A auto-limitação no espaço, isto é, a circunstância de a norma de aplicação imediata só se
aplicar nos termos em que a própria norma de conflitos o dissesse e só nestes termos e por outro lado
ainda, o facto de estas normas constituírem um método próprio do DIP, que existiria ao lado do
método de direito de conflitos. Pronto esta construção do professor Marques dos Santos, podemos
dizer que é uma construção unilateralista, uma construção pura das normas de aplicação imediata.
Ela pode-se dizer que não corresponde à doutrina tradicional.
A DOUTRINA MAIORITÁRIA entende, umas vezes afirmando expressamente, outras vezes não,
que as normas de aplicação imediata não são um método próprio ou um método autônomo que existe
ao lado do direito de conflitos. A doutrina maioritária entende que as normas de aplicação imediata
são apenas mais uma técnica do método conflitual e portanto não são um método próprio do DIP, são
apenas uma técnica dentro do processo de regulação indirecta.
É isto que diz o professor LIMA PINHEIRO. A tese do professor lima pinheiro, embora num
primeiro momento ainda se aproximasse da tese do professor Marques dos santos, há medida que foi
desenvolvendo a sua carreira veio aproximar-se mais de uma tese de aplicação das normas de
aplicação imediata como uma única é simples técnica do método conflitual.
Para o professor Lima Pinheiro, as normas de aplicação indirecta não se caracterizam nem se
podem caracterizar pelo fim.
Os fins em relação aos quais as normas de aplicação imediata estão ao serviço podem ser fins
essenciais para o estado ou não, não é isso que caracteriza as normas de aplicação imediata. O que
caracteriza as normas de aplicação imediata é um critério puramente formal, que é o facto de elas se
aplicarem, de acordo com uma norma de conflitos a situações em que não seriam aplicadas nos termos
das regras de conflitos gerais. Portanto, é um critério formal, é um critério que se traduz apenas na sua
forma de actuação.
Mas se as normas de aplicação imediata não são caracterizadas pelo seu fim, mas apenas por
um critério formal, então daqui retira o professor lima Pinheiro outras consequências.
E desde logo, a consequência de que nestas normas de aplicação imediata, nos encontramos
pura e simplesmente uma manifestação específica do unilateralismo das normas de conflitos, porque
estas normas de aplicação imediata são mandadas aplicar de acordo com as normas de conflitos
unilaterais. Mas estas normas de conflitos unilaterais são meras normas de conflitos, são elas que
delimitam o âmbito de aplicação no espaço das normas de aplicação imediata.
Portanto, para o professor Lima Pinheiro, não estamos perante um método diferente, estamos
perante o mesmo método, só que aqui não estamos a lidar com regras de conflitos bilaterais, mas sim

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com regras de conflitos unilaterais, e dentro destas, com uma categoria específica de regras de
conflitos unilaterais.
Portanto, não há aqui método diferente, há sim uma técnica dentro do mesmo método. Trata-
se de normas que são apenas caracterizadas por este critério formal e não por um critério material.
Isto vai fazer com que o professor lima Pinheiro tenha uma percepção completamente diferente sobre
o sentido da auto-limitação espacial destas normas de aplicação imediata.
O professor Marques dos Santos entende que estas normas por estarem ao serviço de fins
fundamentais do estado só se aplicam nos termos em que elas dizem que se aplicam, através da norma
de conflitos unilateral. Deve-se respeitar, apenas e exclusivamente à vontade de aplicação das próprias
normas.
Ora, o professor Lima Pinheiro tem uma concepção diferente e diz que a generalidade das
normas de aplicação indirecta, porque não estamos perante outro método, mas apenas uma técnica
dentro do mesmo método, tanto se podem aplicar por força da regra de conflitos unilateral, como por
força de regras de conflitos gerais.
Por EXEMPLO, nós vimos nas últimas aulas o art. 21º e 22º da lei das cláusulas contratuais
gerais, São normas de aplicação imediata. O próprio legislador diz: “através do artigo 23º”. O art. 23º/1
da lei das cláusulas contratuais gerais diz que estas normas de aplicação imediata aplicam-se sempre
que o contrato tenha conexão estreita com a ordem jurídica portuguesa.
Para o professor Marques dos Santos, isto quer dizer que estas normas de aplicação imediata só
se aplicam se houver conexão estreita com a ordem jurídica portuguesa, isto é, as partes até podem
escolher a lei portuguesa como lei competente ao abrigo da regra de conflitos geral, mas se não houver
conexão estreita com a ordem jurídica portuguesa, estas normas não se aplicam, porque a norma de
conflitos especial diz que não se devem aplicar (só se devem aplicar naqueles termos e só naqueles
termos).
O professor lima Pinheiro diria coisa diferente. É celebrado um contrato internacional através
de cláusulas contratuais gerais, é escolhida como lei competente a lei portuguesa, mas o contrato não
têm conexão estreita com a ordem jurídica portuguesa.
O professor lima Pinheiro diz que como não estamos a falar de um método específico, mas
apenas de uma técnica dentro do direito de conflitos, então as normas materiais constantes da lei das
cláusulas contratuais gerais devem aplicar a lei portuguesa, ainda que de acordo com a regra de
conflitos especial (23º/1 LCCG), não fosse de aplicar a lei portuguesa. Portanto, estas concepções
completamente diferentes levam a soluções completamente diferentes.

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Até agora falei-vos sempre das normas de aplicação imediata do foro e disse-vos que elas se
aplicam ou porque há uma regra de conflitos unilateral especial expressa como a do art. 23º/1 da LCCG
ou através de regras de conflitos unilaterais especiais ad hoc implícitas.
Nós em relação a estas regras de conflitos do foro temos no nosso ordenamento jurídico
algumas normas que em abstracto admitem a sua aplicação. Por exemplo, o artigo 9º/2 do
regulamento Roma I: “As disposições do presente regulamento não podem limitar a aplicação das
normas de aplicação imediata do país do foro”.
No fundo o que isto está a dizer é que, mesmo que as partes escolham a lei espanhola ao abrigo
do art. 3º do regulamento Roma I ou que seja aplicável a lei espanhola por força do art. 4º ou 5º, não
interessa, no entanto, isto aqui não pode prejudicar a aplicação das normas de aplicação imediata do
foro.
Chamo-vos a atenção para a natureza desta norma. Como esta norma há outras, está norma do
art. 9º/2 Roma I não contém normas de aplicação imediata, é apenas uma regra que autoriza a
aplicação de normas de aplicação imediata, desde que sejam normas de aplicação imediata e depois
cabe ao intérprete caracterizar as normas para ver se são normas de aplicação imediata e em que
termos se aplicam no espaço.
Em algumas ordens jurídicas, há regras deste teor, mas com carácter geral, isto é, regras que
permitem ao intérprete aplicar em derrogação do direito competente, normas de aplicação imediata.
Na nossa ordem jurídica não há, temos normas deste teor para certas matérias (contratos, Roma II,
convenção da Haia de 1973). Mas estas normas não identificam as normas de aplicação imediata, têm
uma noção, mas nós depois é que temos de encontrar as normas de aplicação imediata e se as
encontrarmos depois podemos aplicá-las por força do art. 9º/2 do Roma I.
Isto que acabei de vos transmitir não é a parte difícil das normas de aplicação imediata. A parte
difícil das normas de aplicação imediata é a que respeita às NORMAS DE APLICAÇÃO IMEDIATA
ESTRANGEIRAS.
Imaginemos, num contrato internacional, a lei escolhida tinha sido a lei espanhola. Mas havia
aqui uma norma de aplicação imediata do foro que, verificando-se a sua regra de conflitos, permitia a
sua aplicação e podia ser aplicada em derrogação da lei espanhola (isto é uma norma de aplicação
imediata do foro, é aquilo que resulta do 9º/2 Roma I e 23º/1 LCCG).
Mas pode suceder que, o contrato tenha conexão com a ordem jurídica portuguesa, com a
ordem jurídica espanhola e com a francesa. Mas a lei competente era a lei espanhola, porque tinha
sido a lei escolhida. Pergunta-se: poderá ser atribuída relevância a esta norma de aplicação imediata
francesa que por hipótese é o estado da execução do contrato.
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O contrato é celebrado em Portugal, por um português com residência habitual em Portugal,
com um espanhol com residência habitual na Espanha, mas o contrato é para ser executado na França.
Há aqui uma norma de aplicação imediata francesa. Pode ser atribuída relevância a esta norma de
aplicação imediata? Vejamos, não é uma norma de aplicação imediata do foro, nem é uma norma de
aplicação imediata da lei competente, é uma norma de aplicação imediata de um terceiro estado. Mas
é uma norma de aplicação imediata estrangeira.
A doutrina discute este problema. No princípio dizia-se que não podia ser. Estas teses hoje em
dia estão ultrapassadas. Depois apareceram orientações a dizer que as normas de aplicação imediata
estrangeiras podem ser aplicadas desde que façam parte da lex causae (lei competente), ou seja,
poderiam ser aplicadas apenas as da lei espanhola enquanto normas incluídas no direito de conflitos.
O professor Marques dos santos critica está tese, mas tende a ser a tese MAIORITÁRIA. Ou
melhor, hoje em dia a doutrina não se fica por aqui, mas aceita-se normalmente que as normas de
aplicação imediata estrangeiras da lex causae podem ser aplicadas.
Mas isto não resolve o problema colocado. Quanto a isso, surgiu uma tese, que se chama TESE
DA CONEXÃO ESPECIAL. Esta tese defende que pode ser atribuída relevância aquela norma
estrangeira, desde que haja uma conexão estreita com essa ordem jurídica e desde que seja respeitada
a vontade de aplicação desta norma, isto é, desde que se esteja a aplicar está norma porque a regra de
conflitos que a acompanha diz que ela deve ser aplicada. Olhando para o exemplo de a pouco. Se
existe na França uma norma de aplicação imediata que tem a acompanhá-la uma norma de conflitos a
dizer que se o contrato vai ser executado na França, aplica-se a norma de aplicação imediata francesa.
Ora bem, como se passam as coisas ? Esta teoria da conexão especial deu origem a normas que
hoje em dia vigoram em Portugal, que permitem o reconhecimento de normas de aplicação imediata
de terceiros estados, designadamente deu origem o artigo 7º/1 da convenção de Roma, mas este não
chegou a vigorar. Mas deu origem, ainda que com uma formulação um pouco diferente, ao artigo 9º/3
do regulamento Roma I. O que encontramos nesse artigo? Precisamente uma regra jurídica que
permite o reconhecimento em Portugal de normas de aplicação imediata de terceiros estados.
Veja-se a letra da norma: “Pode ser dada prevalência às normas de aplicação imediata da lei do
país em que as obrigações decorrentes do contrato devam ser ou tenham sido executadas, na medida
em que, segundo essas normas de aplicação imediata, a execução do contrato seja ilegal. Para decidir
se deve ser dada prevalência a essas normas, devem ser tidos em conta a sua natureza e o seu objecto,
bem como as consequências da sua aplicação ou não aplicação”.
A regra do art. 7º/1 da convenção de Roma é mais clara na influência da teoria da conexão
especial. Esta não é tão clara, mas encontramos aqui manifestações da teoria da conexão especial. Na
93
convenção de Roma fazia-se referência às normas de aplicação imediata do país com as quais haja uma
conexão estreita. Aqui não, diz-se logo, só se forem as normas de aplicação imediata do lugar da
execução.
No exemplo que eu vos dei, pode ser dada relevância as normas de aplicação imediata do lugar
da execução, na medida em que segundo estas normas de aplicação imediata, a execução do contrato
seja ilegal.
Falta aqui a referência directa a vontade das normas de aplicação imediata, mas isso está
implícito quando se fala de normas de aplicação imediata. Portanto, encontramos aqui uma norma
especial que permite atribuir relevância as normas de aplicação imediata de um terceiro estado.
Vamos a ver, o art. 9º/3 só atribui relevância as normas de aplicação imediata do lugar da
execução, mas isso não quer dizer que depois não se possa atribuir relevância a outras normas de
aplicação imediata de outros lugares, não ao abrigo do 9º/3, mas ao abrigo de outras normas.
Esta norma do 9º/3, podemos dizer, utilizando um pouco a terminologia do professor Marques
dos santos, é uma norma de reconhecimento, mas só respeita a matérias especiais. No art. 17º do
Roma II, também encontramos uma norma deste tipo. No art. 16º da convenção da Haia de 1973,
também encontramos uma norma deste tipo. Isto é, normas especiais que atribuem relevância a
normas de aplicação imediata de terceiros estados.
O 9º/2 do Roma I diz respeito a normas de aplicação imediata do foro. O 9º/3 a normas de
aplicação imediata de terceiros estados. Onde ficam as normas de aplicação imediata da lex causae? O
art. 9º não se refere a elas porque se parte do pressuposto que elas vão ser aplicadas apenas quando
fizerem parte da lei competente.
Continuando, estas normas do 9º/3 Roma I, art. 17º do Roma II ou do art. 16º da convenção de
1973, ou o art, 23º/2 da LCCG são normas de reconhecimento que dizem respeito a matérias
específicas. Então nesses casos podemos aplicar normas de aplicação imediata de terceiros estados? E
quando não existe essa regra de reconhecimento expressa? Em certos ordenamentos jurídicos, existem
regras que em geral admitem a aplicação de normas de aplicação imediata de terceiros estados.
Na lei suíça, por exemplo, encontramos uma norma desse tipo, que diz expressamente que em
qualquer caso de referência feita pelas leis de conflitos suíças, pode ser dada prevalência a normas de
aplicação imediata de terceiros estados (temos uma formulação muito próxima da conexão especial).
Quando assim é, o intérprete tem perfeitamente um título para atribuir relevância às normas de
aplicação imediata de terceiros estados.
Não esquecendo que no nosso caso a lei competente não é a lê francesa, é a lei espanhola.
Portanto, se não houver norma como o 9º/3 do Roma I, não há título para atribuir competência à lei
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francesa. Nestes ordenamentos jurídicos em que existe esta regra de reconhecimento geral, isto não se
coloca. No nosso direito não existe.
A doutrina tem construído doutrinas para reconhecer a atribuição de eficácia a normas de
aplicação imediata de terceiros estados, mesmo na ausência de uma regra de reconhecimento geral.
O professor LIMA PINHEIRO defende que isso é possível através de uma regra de remissão
condicionada implícita, construída no âmbito de uma operação de bilateralização. Isto é, é possível o
reconhecimento através de um título construído pelo intérprete. E que título é esse? Uma regra de
remissão condicionada implícita, porque é construída no âmbito de uma operação de bilateralização.
O professor DÁRIO MOURA VICENTE e MARQUES DOS SANTOS criticam uma bilateralização,
dizendo que não é admissível. O professor Dário moura Vicente defende que o reconhecimento é
possível através de uma ponderação casuística à luz dos valores e princípios fundamentais do direito de
conflitos.

Interpretação e aplicação do direito estrangeiro:


Há alguns problemas que se levantam aqui. Estamos aqui a falar da interpretação e aplicação do
direito estrangeiro competente, ou seja, estamos a falar já de uma hipótese em que se chegou à
conclusão de que uma regra de conflitos remete para um direito estrangeiro. Já temos um
direitonestrangeiro que é competente.
Por EXEMPLO, a lei portuguesa remete para a lei espanhola à luz do art. 49º CC + 31º/1 CC.
Fazemos a qualificação, interpretamos e concretizamos o elemento de conexão e chegamos à
conclusão que a lei competente é a lei espanhola. Ora, este capítulo do programa diz respeito à
interpretação e aplicação do direito material competente, portanto do direito espanhol.
Há aqui alguns problemas. O primeiro problema é o de saber se o direito estrangeiro
competente deve ser tratado como facto ou como direito. Se for tratado como facto, é preciso que as
partes o aleguem e o provem nos termos do art. 5º/1 do CPC. Se for tratado como direito, então aí é o
juiz que deve conhecer oficiosamente (art. 5º/3 do CPC). Portanto, como devem calcular isto é uma
questão muito importante.
O autor intenta a acção através da petição inicial, alega todos os factos, alega que a situação é
uma situação privada internacional. O réu contesta e o juiz a partir daí tem a sua disposição todos os
factos necessários para decidir a causa. Dá-se a audiência e encerra-se a discussão em 1ª instância.
O juiz quando vai fazer a sentença, verifica que aquilo se trata de uma situação privada
internacional, que o direito competente é o direito estrangeiro ( por força da regra de conflitos do art.
49º+31º/1), mas as partes não alegaram nem fizeram qualquer prova do direito material espanhol.
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Eram os artigos 852º a 854º do código civil espanhol mais um diploma avulso. As partes não
entregaram qualquer documento que comprovasse isso.
O que deve o juiz fazer? Deve tratar isto como facto ou como direito? Se for tratado como
facto,na parte que tinha interesse na aplicação do direito espanhol devia ter feito a alegação da
necessidade de aplicação do direito espanhol, por um lado, alegação do conteúdo desse direito e
depois provar esse direito. Ou o juiz estará obrigado a conhecer todos os direitos do mundo? Na
Inglaterra, o direito estrangeiro é tratado como facto. Em Portugal rege o o artigo 348º do CC, onde se
lê:

1. Àquele que invocar direito consuetudinário, local, ou estrangeiro, compete fazer a prova da sua
existência e conteúdo; mas o tribunal deve procurar, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento.
2. O conhecimento oficioso incumbe também ao tribunal, sempre que este tenha de decidir com base
no direito consuetudinário, local, ou estrangeiro e nenhuma das partes o tenha invocado, ou a parte
contrária tenha reconhecido a sua existência e conteúdo ou não haja deduzido oposição.
3. Na impossibilidade de determinar o conteúdo do direito aplicável, o tribunal recorrerá às regras do
direito comum português.

Resulta daqui que haverá um ônus da prova, mas também há um dever de conhecer
oficiosamente. Aquilo que resulta do meu ponto de vista, de forma clara, embora haja divergência
doutrinária, é que há um dever de conhecer oficiosamente por parte do juiz. Tanto assim é que nem se
impõe às partes um ônus de alegação (isso resulta do n.2).
O juiz deve conhecer oficiosamente mesmo que não tenha sido invocado. Portanto, nem se
impõe um ônus de alegação, nem se impõe um ônus da prova. O tribunal deve conhecer oficiosamente
– assim o entendem MARQUES DOS SANTOS, LIMA PINHEIRO, MANUEL DE ANDRADE, FERRER
CORREIA, PROF. ELSA.
Agora, também diz esta doutrina e esta jurisprudência que da forma como está redigido o
artigo resulta que há um ônus de colaboração neste caso, que não tem consequências. É claro que o
advogado que quer ganhar o caso através da aplicação do direito estrangeiro deve procurar informar o
tribunal do conteúdo dessas regras (estamos a falar de factos).
E se o juiz não conseguir chegar ao conhecimento do conteúdo do direito estrangeiro
competente? Aplica o direito português,nos termos do art. 348º/3 do CC, porém, este artigo tem de
ser articulado com o art. 23º/2 CC. O 348º/3 diz que se o juiz não conseguir conhecer o conteúdo (não
é determinar o direito competente) do direito competente, aplica o direito português.
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Este artigo só se aplica perante a real impossibilidade, demonstrada, de conhecer o conteúdo
do direito competente. Este artigo tem de ser articulado com o 23º/2 CC porque se o juiz não conseguir
conhecer o conteúdo do direito estrangeiro competente, antes de passar ao direito português, de
passar à conexão subsidiária. É só se não conseguisse este, é que podia passar ao direito português.
Determinado o conteúdo do direito competente, põe-se ainda a este propósito um outro
problema. Como deve o juiz interpretar o direito competente? Aí responde o art. 23º/1 do CC, onde se
lê: “A lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras
interpretativas nele fixadas”.
Deve interpretá-lo e aplicá-lo como se fosse juiz desse sistema jurídico, isto é, dentro dos
cânones de interpretação desse sistema jurídico e respeitando o seu sistema de fontes.
Por EXEMPLO, o sistema jurídico competente é o inglês. O juiz deve ter em consideração a
necessidade de respeitar o precedente, se houver precedente.
Isto aqui vale para um outro problema: o juiz chega à conclusão que é competente o direito espanhol,
mas o réu invoca que aquela norma que o autor quer aplicar é inconstitucional a face do direito
espanhol.
É inconstitucional na própria ordem jurídica em que vigora. O juiz deve conhecer a
inconstitucionalidade ou não? Depende. Ou aquela norma já foi declarada inconstitucional com força
obrigatória geral na ordem jurídica de origem e então o juiz não deve aplicá-la. Ou não foi e aí o juiz
deve agir como se fosse um tribunal do próprio estado de origem da norma, isto é, deve conhecer da
inconstitucionalidade se nesse sistema vigorar um sistema de fiscalização difusa.
Não deve conhecer se nesse estado vigorar um sistema de fiscalização concentrada (por exemplo na
França), porque um juiz francês também não conheceria.

DIP 21. Abril

Hoje vamos iniciar a matéria da reserva da ordem pública Internacional.

Esta matéria tem a vantagem de finalmente acalmar o espirito de alguns alunos que estão
preocupados por esta altura, como questões como:

Mas o que acontece se a matéria estrangeira aplicável for muito contrária aos nossos princípios
fundamentais, temos de a aplicar? Não. É essa questão que vamos resolver hoje, é disso que trata a
reserva de ordem pública internacional.

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A reserva de ordem pública internacional constitui um limite à aplicação do direito estrangeiro
que em principio seria competente, o que significa que nós nunca vamos recorrer à reserva de ordem
pública internacional nos casos em que cheguemos à conclusão que a lei aplicável é a lei material
portuguesa, como é obvio.

E a reserva de ordem pública internacional, tanto é relevante nos casos em que está em causa
a aplicação de lei material estrangeira como também nos casos em que está em causa o
reconhecimento de decisões estrangeiras nós podemos não reconhecer também decisões estrangeiras
que sejam contrárias aos nossos princípios fundamentais, tal como também a reserva de ordem
pública internacional pode ser um limite à transcrição de actos de registo civil que sejam lavrados no
estrangeiro e que depois se fossem transcritos nos termos em que foram lavrados no estrangeiro essa
transcrição seria incompatível com as concepções ético-jurídicas ou com os princípios fundamentais do
estado do foro, e por isso em todas estas hipóteses a consequência é que essa lei não será aplicável ou
a sentença não será reconhecida ou a transcrição não será feita.

A melhor forma de perceber a reserva de ordem pública internacional é mesmo com exemplos:

Se nós tivermos um cidadão Egípcio que é casado e pretende casar-se novamente em Portugal
e não se divorciou, mas o objectivo é casar com uma segunda mulher, neste caso qual era a questão
em causa, era um problema de capacidade para contrair casamento, artigo 49º. E o artigo 49 + artigo
31 número um diz-nos que a capacidade para contrair casamento revelada pela lei pessoal, a lei
pessoal era egípcia vamos considerar que a norma egípcia considerava-se a si própria competente e
que é que iria acontecer, a lei portuguesa iria aplicar a norma material egípcia. Chegamos então a
conclusão que aplicando a lei imaterial egípcia o senhor poderia casar pela segunda vez estando ainda
casado tendo em conta que lei egípcia permite O Casamento poligamico pela sharia.

Segundo exemplo temos um problema de sucessão mortis causa de um cidadão estrangeiro


que está a ser apreciada em Portugal por tribunais portugueses, e Vamos admitir que queríamos saber
qual a lei que regula esta sucessão por morte, nos termos do artigo 62º determina-se que é aplicável a
lei pessoal do de cujus, a a lei da nacionalidade, vamos imaginar que esta lei da nacionalidade do de
cujus Nega qualquer direito sucessório aos filhos nascidos fora do casamento só admite atribuição de
efeitos sucessórios aos filhos nascidos dentro do casamento. Neste caso vamos ainda adicionar mais
uma questão, que este senhor tinha filhos nascidos fora do casamento e estes filhos até eram
portugueses.
O que é que iria acontecer nestas duas hipóteses, era que quando se fosse aplicar a lei particular a esta
situação, nós iríamos afastar a aplicação da lei material estrangeira. Porque? Porque num caso como
no outro, da aplicação da lei material estrangeira para regular da situação iriam resultar efeitos
contrários aos princípios fundamentais da ordem material portuguesa, E por isso a lei material
estrangeira designada neste caso não seria aplicável.

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Agora reparem, isto é um ponto muito importante, nos exemplos que eu dei não comecei por apreciar
o teor da Lei material estrangeira quando nós falamos em reserva de ordem pública internacional não
está aqui em causa nenhum juízo de valor relativamente à lei material estrangeira, nós só vamos
afastar a aplicação da lei material estrangeira no final do processo quando chegamos à conclusão que é
essa lei material estrangeira a aplicável, e quando concluímos que dessa aplicação resultam efeitos que
são contrários aos princípios fundamentais da ordem jurídica portuguesa. E portanto a reserva de
ordem pública internacional tem um funcionamento aposteriorista.

Vou voltar a falar disto outra vez, e este é um ponto muito importante, porque há uma tentação que
costumo verificar nos alunos que é uma tentação de quando surge uma lei material estrangeira mais
original, tentam entrar logo com a reserva de ordem pública internacional, não se entra porque até
pode dar-se o caso de ser a lei de material estrangeira a aplicável, até pode ser uma outra lei, pode ser
a lei portuguesa, a Reserva de ordem pública internacional tem uma aplicação aposterioristica.

Se nós estivéssemos perante um caso por exemplo: No caso do artigo 49º, um cidadão egípcio,
a lei portuguesa remetia para lei egípcia, na hipótese que eu dei tínhamos a lei egípcia a considerar-se
competente , aplicávamos aqui a reserva da ordem pública internacional.
Mas vamos imaginar a seguinte situação, que a norma de conflitos egípcia remetia para a lei
portuguesa, O que é que nós tínhamos neste caso, íamos ter por força do artigo 18º nº1 do código civil,
que L1 iria aplicar que lei? L1, e se L1 aplica L1 não há problema. Eu estou só a chamar a atenção para
quando virem um caso em que temos uma lei No esquema que nos parece estranha, não entrarmos
logo pela reserva de ordem pública internacional, só se no final do processo chegarmos à conclusão
de que é essa lei material a aplicável.

• Quais são então as características da reserva de ordem pública internacional,

Desde logo trata-se de um conceito indeterminado e que deve de ser concretizado pelo julgador caso
a caso, o conteúdo da reserva de ordem pública internacional não pode ser concretizado à priori, mas
nós podemos encontrar algumas características desta figura.

Primeiro : excepcionalidade, a reserva de ordem pública internacional tem um carácter


excepcional, como o próprio nome indica ela é uma exceção ou uma limitação à aplicação da lei
imaterial estrangeira competente Segundo as regras do conflito do foro. E reserva de ordem pública
internacional no âmbito do Direito Internacional privado acaba por ser um mal necessário, porquê?
Porque já sabemos, que a ideia É que se aplique a lei que é designada pela norma de conflitos, tenta-se
sempre uma abertura da ordem jurídica do foro aos sistemas estrangeiros, E por isso é que a directriz
geral é esta, uma directriz geral de abertura às ordens jurídicas estrangeiras portanto a reserva de
ordem pública Internacional só vai funcionar excepcionalmente nestas situações limite.

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Segundo: Depois tem também como característica actualidade, há quem fala em relatividade
temporal, atualidade porque O preenchimento do conteúdo de reserva desordem pública internacional
vai se fazer alguma luz do sentimento ético-jurídico dominante no momento do julgamento da causa.
Por exemplo: atualmente em Discriminação entre filhos legítimos E ilegítimos, ou seja nascidos dentro
ou fora do casamento em Portugal é contrário aos princípios jurídicos da ordem portuguesa, há uns
anos não era. Daí esta característica da atualidade. Provavelmente aquilo que integra a reserva de
ordem pública internacional, pode dar-se o caso de aqui uns anos já não integrar.

Terceiro: outra característica é o carácter Nacional da reserva de ordem pública internacional,


apesar do nome reserva de ordem pública internacional esta figura de internacional tem muito pouco,
a reserva de ordem pública internacional na verdade é constituída pelos princípios estruturantes do
ordenamento português, provavelmente é uma das figuras que representa o que há de mais Nacional é
o núcleo mais intangível dos nossos princípios fundamentais

• Quais são então os pressupostos de atuação da ordem pública internacional.

Primeiro: tem de existir uma conexão suficientemente estreita entre os factos em apreço E o
estado do foro , o estado aqui eventualmente irá aplicar a ordem pública internacional, isto porque os
princípios fundamentais do estado do foro só são atendidos se da aplicação da lei estrangeira resultar
uma conexão suscetível de produzir efeitos nesse estado.
Ou seja se numa qualquer situação que não produza efeitos no estado do foro não existe qualquer
razão para fazer funcionar a reserva de ordem pública internacional, na prática não vai produzir efeitos
neste ordenamento. Agora esta conexão que se exige entre situação e o Estado do foro pode-se exigir
que seja mais estreita ou mais lassa. E ela não pode ser definida à priori muito menos podemos dizer
qual a intensidade da ligação que é exigida.
Aquilo que podemos dizer é que a intensidade desta ligação ao Estado o foro varia na razão inversa da
importância dos princípios violados, ou seja, se por exemplo estiver a ser discutida em tribunais
portugueses se é ou não é válido contrato de compra e venda, que o que está a ser vendido é uma
pessoa, basta que esta questão seja apreciada em tribunais portuguesas para que vá funcionar a
reserva de ordem pública internacional, porque os princípios que estão a ser postos em causa são tão
fundamentais para o ordenamento jurídico português que não se pode admitir sequer que possa existir
uma decisão proferida em tribunais portugueses que diga, sim senhor pode-se vender e comprar
pessoas. Neste caso mesmo que a única ligação que existisse com Portugal fosse o facto de a decisão
ser tomada por tribunais portugueses , nos neste caso faríamos sempre funcionar reserva de ordem
pública internacional.

Outra hipótese, a situação por exemplo de um cidadão britânico que faz um testamento em
que deixa todos os seus bens apenas a um dos seus filhos, imaginem que tem quatro, esta forma de
estar é admissível luz do ordenamento inglês.
Neste caso a doutrina e a jurisprudência tem discutido se está ou não está em causa a questão da
reserva da ordem pública internacional, mas no limite, mesmo que se possa admitir está em causa
100
reserva de ordem pública internacional ela só poderia funcionar se existisse uma ligação muito
significativa com o ordenamento jurídico português, porque neste caso os princípios que estão a ser
colocados em causa não são tão significativos.
O Professor Ferrer Correia utiliza uma imagem interessante, que é a imagem da poluição, se nós
tivermos uma situação que é como o primeiro exemplo que eu dei, que é o do contrato de compra e
venda de uma pessoa esta é uma situação que juridicamente seria tão tóxica para o ordenamento
jurídico português que se ela produzisse efeitos cá era completamente inadmissível, era como se fosse
ácido sulfúrico e que uma única gota poluía todo o ordenamento jurídico, e por isso exigi-se uma
ligação ténue com ordenamento jurídico português, que é suficiente para que funcione a reserva de
ordem pública internacional.
Noutros casos em que os princípios que estejam a ser postos em causa não sejam tão fundamentais,
temos o exemplo do senhor que deixou todos os seus bens a um dos filhos, podemos dizer é como se
funcionasse ali um pouco de monóxido de carbono seja dos escapes dos carros, só se for em muita
quantidade é que polui verdadeiramente o ordenamento jurídico português. No caso seria precisa uma
ligação muito estreita para nos entendermos que estes efeitos iriam intoxicar e não poluir, o
ordenamento jurídico português.

Depois tem de haver uma ligação entre a situação e o estado do foro e também se exige um juízo de
compatibilidade entre o resultado da aplicação da lei estrangeira e os princípios fundamentais do
Direito do foro. Volto a repetir o que está em causa não é o conteúdo de lei estrangeira, O que está
em causa são os efeitos que aplicação dessa lei estrangeira irá ter no ordenamento jurídico
português.
Portanto nós não vamos avaliar em abstrato a lei estrangeira, nós vamos apreciar é os efeitos que
resultam da aplicação dessa lei estrangeira à situação concreta.

• Quais são os efeitos da reserva de ordem pública internacional:

Primeiro: existe o efeito primário que consiste no afastamento das normas em princípio competente,
quando funciona a reserva de ordem pública internacional consequência imediata é que não é
aplicada, é afastada.

Segundo: Depois há um efeito secundário eventual que é o seguinte, do afastamento dessa lei material
estrangeira resultar uma lacuna essa lacuna vai ter de ser integrada em princípio ela vai ser integrada
recorrendo às normas mais apropriadas da lei material estrangeira, se houver outras que sejam
apropriadas, se não encontrarmos regras apropriadas na lei material estrangeira em princípio poderá
ser aplicada a lei material do foro. Isso é o caso de Portugal, noutros países como é o caso de Portugal
é aplicada a lei subsidiária.

Direito vigente no ordenamento jurídico português, nós temos várias disposições que regulam a
reserva de ordem pública internacional, por exemplo, e as situações que vou referir prendem-se com
101
conflitos de leis, no direito português temos então uma reserva de ordem pública internacional no
art.22º do CC. Mas também está consagrada No artigo 16º da Convenção de Roma, artigo 21º do
regulamento Roma I, artº 26º do Regulamento Roma II, no artº 12 do regulamento Roma III, no artº 35
do regulamento Roma V.

Isto porque tal como nós vimos, no que respeita aos ordenamentos jurídicos complexos, se estiver em
causa a aplicação de regras de conflitos do nosso código civil nós aplicamos as disposições do nosso
código civil, o mesmo se passa no que respeita à reserva de ordem pública internacional ou seja, se nós
aplicarmos as normas de conflitos do nos CC e chegarmos à conclusão que é aplicável uma lei material
estrangeira contrária aos nosso principios fundamentais vamos aplicar o art22º, mas se nós tivermos a
tratar por exemplo, na hipótese que vos dei, no contratos de compra e venda de uma pessoa, se aquilo
que está em causa são as obrigações resultantes do contrato de compra e venda de uma pessoa
estamos perante obrigações contratuais, que fazemos? Aplicamos o regulamento RomaI, chegando à
conclusão que a lei aplicável era a lei do país X que determinava que as pessoas podiam ser compradas
e vendidas, e íamos afastar a aplicação dessa regra recorrendo ao artº 21 do regulamento Roma I,
quando aplicamos o Regulamento Roma I também aplicamos a reserva de ordem pública internacional,
e consecutivamente pelos diferentes regulamentos, mas nada de misturar as regras dos diferentes
diplomas.

No domínio do reconhecimento de sentenças também encontramos regras que impedem o


reconhecimento de sentenças estrangeiras quando elas contrariem a reserva de ordem pública
internacional No novo Código do processo Civil por exemplo no artigo 980º alínea F) , também temos
regras atualmente no regulamento 1215/2012 que também afasta as decisões de reconhecimento de
sentenças estrangeiras quando elas contrariem a reserva da ordem pública internacional. No âmbito
do nosso curso Como nós não abrangemos a matéria de reconhecimento de sentenças, vamos ficar
essencialmente com, Os artigos 22º do Código Civil e os artigos dos regulamentos europeus.

Artigo 22º nº 1 determina :” não são aplicáveis Os preceitos da Lei estrangeira indicados pela norma de
conflitos quando essa aplicação envolva ofensa dos princípios fundamentais da ordem pública
internacional do Estado português.”

O disposto neste artigo permite então confirmar que a intervenção da reserva de ordem pública
internacional não importa aqui qualquer valoração de conteúdo da lei estrangeira mas apenas o
resultado da sua aplicação ao caso concreto, é isto que se retira do nº 1 quando se refere à situação
em que a aplicação da lei estrangeira envolva essa ofensa, ou seja não é a lei estrangeira vista em
abstracto é a lei estrangeira aplicada ao caso concreto e os efeitos que daí resultam.

Depois o 22º nº2 vem contemplar a situação em que a não aplicação da lei estrangeira gera uma
lacuna, porque reparem nós podemos ter situações em que da aplicação da lei estrangeira não resulta
qualquer lacuna.
102
exemplo: Vamos imaginar por exemplo que estamos perante uma situação em que é aplicável a
lei do país X matéria de capacidade matrimonial e de acordo com a lei do país X determina-se que
pessoas de diferentes etnias não podem casar umas com as outras, a situação está a ser apreciada em
Portugal e os nubentes são pessoas de diferentes etnias, o que vai acontecer neste caso, vamos
imaginar a lei material estrangeira proíbe, é uma norma proibitiva, o casamento entre pessoas de
diferentes etnias, o que é que nós vamos fazer neste caso, esta proibição é contrária aos nossos
princípios fundamentais, o que é que o conservador do registo civil vai fazer?
Vai afastar esta lei material estrangeira quando a afasta, está a afastar a proibição, está resolvido, não
temos lacuna, a única coisa que foi precisa aqui, foi retirar a proibição. Retirando a proibição as
pessoas já se podem casar independentemente da sua etnia. Mas podemos ter casos em que ficamos
de facto com uma lacuna.

Por exemplo vamos imaginar que pela lei material estrangeira que é aplicável que determina
por hipótese que a idade para casar, imaginemos nas meninas aos quatro anos, e nos meninos aos seis
anos de idade, nós temos aqui uma norma material estrangeira que uma vez mais é contrária aos
nossos princípios fundamentais, neste caso O que vamos fazer é afastar esta norma material que
estabelece esta idade núbil, mas neste caso vamos ficar com uma lacuna, ficamos sem saber qual é a
idade Com que as pessoas se podem casar E então aqui temos um número dois a dar-nos resposta a
esta questão.
O que ele nos diz é que são aplicáveis a estes casos, casos de lacunas, por afastamento da lei
estrangeira, As normas mais apropriadas da legislação estrangeira competente, ou seja o que teríamos
de fazer era perguntar se existem outras normas uteis na leiomaterial estrangeira que ainda assim,
fossem adequadas para resolver esta situação.
Neste caso parece-me que não, esta era a regra que existia portanto neste caso não existindo normas
materiais estrangeiras daquela lei que fossem adequadas então temos ultima solução que é a que está
consagrada no número dois parte final. Que se não encontrarmos essas normas mais apropriadas da
legislação estrangeira competente iremos aplicar as regras competentes do direito interno português.

Reparem, o recurso às regras do direito interno português É mesmo ao ultima solução, mas é
a solução que temos de encontrar porque o juiz tem sempre de julgar e se não aplica lei material
estrangeira então em último caso tem de aplicar a lei material portuguesa porque não consegue
encontrar resposta.

Porquê desta solução, porque ainda assim se tenta respeitar àquilo que foi designado pela norma de
conflitos, Se norma de conflitos determinou que era aplicável a lei do país X nós vamos tentar aplicar a
lei do país X mesmo expurgando a norma que produz efeitos contrários aos nossos princípios
fundamentais mas se expurgando essa norma ficarmos com uma lacuna, ainda assim vamos tentar
encontrar nesse país X Se no ordenamento existe alguma norma que possa ser adequada se ela existir
é essa que vamos aplicar, sou se ela não existir é que aplicamos As normas materiais portuguesas esta
é a última solução.

103
A Própria harmonia internacional de soluções está aqui também plasmada, porque tenta-se aplicar a lei
que foi designada pela norma de conflitos de leis.

Os regulamentos Roma I, II, III e V conforme eu referi também disciplinam intervenção da reserva de
ordem pública internacional, estas disposições, já se sabe prevalecem sobre o artigo 22º do Código
Civil mas elas também só terão aplicação Se os respetivos regulamentos se aplicarem. Entre as
disposições dos regulamentos que tratam da reserva da ordem pública internacional não há diferenças
muito significativas. Por exemplo no regulamento Roma I No artigo 21º determina o seguinte a
aplicação de uma disposição da lei de um país designada pelo presente regulamento sou pode ser
afastada Se essa aplicação for manifestamente incompatível com a ordem pública do foro.

Qual é a diferença que encontramos entre esta disposição do artigo 22º do Código Civil encontramos
apenas o manifestamente. Há quem diga que este manifestamente vem aumentar ou Estabelecer um
critério de maior exigência no sentido da excepcionalidade do funcionamento da reserva da ordem
pública internacional, porque os próprios regulamentos não são aplicáveis apenas num estado, mas
são aplicáveis em todos os Estados-membros da União Europeia. Eu parece me todavia que este
manifestamente apenas está a sublinhar o carácter de excepcionalidade conforme também já
tínhamos visto no ordenamento jurídico português portanto em bom rigor eu diria que ele pelo menos
relativamente ao nosso artigo 22º é a forma como nós interpretamos e parece-me que ele não
acrescenta muito mais, porque nós também no ordenamento jurídico português entendemos O artigo
22º Como tendo caráter excepcional e só o aplicamos quando a aplicação da lei imaterial estrangeira
for de facto incompatível com os princípios estruturantes do ordenamento jurídico português.

A pergunta que se coloca aqui também com respeito a estas questões, é a de saber se a ordem pública
estará a relativizar-se ou se no fundo começam a aceitar nos vários países realidades jurídicas que
seriam tendencialmente contrárias a ordem pública.

A verdade é que a reserva da ordem pública internacional exige sempre que se faça uma interpretação
actualista teremos de ver o que é que a cada dia integra a Reserva de ordem pública internacional e a
verdade é que cada vez mais os países tendem a ter uma maior abertura a outras realidades que se
calhar antes não teriam.

Mas depois existem aqui umas figuras um pouco sui generis que resultam da realidade das várias
sociedades, Por exemplo o casamento poligâmico é contrário aos princípios fundamentais da ordem
jurídica portuguesa por várias razões, mas desde logo há um indício importante é que a poligamia em
Portugal é nada mais nada menos do que crime, à partida há-de ser contrária aos nossos princípios
fundamentais, e por isso o casamento poligâmico não é permitido na maior parte dos países
ocidentais, Incluindo em Portugal.
Mas isto não significa que não se posso reconhecer alguns efeitos do casamento poligâmico, esta
questão colocou-se muito em França por causa da imigração do Magreb e consequentemente com
casamentos poligâmicos.
104
Qual foi então a questão que se colocou, Só se reconhecia o primeiro casamento, O primeiro
casamento não tem mal, imaginemos que um cidadão egípcio vem a Portugal casar e é O primeiro
casamento por isso não há problema aplica-se a lei egípcia.
Temos então a situação de um senhor que é egípcio vem a Portugal casar, Ele é solteiro o que é que o
conservador vai fazer? Artº 49 aplicar lei material egípcia, Quando aplica a lei material egípcia, o que é
que ela diz: que o homem pode ter até quatro mulheres, Esta lei egípcia aplicada a este caso vai ter
como efeitos, o quê? O senhor pode casar com aquela senhora, Efeito, ele vai se casar, ele era solteiro,
isto produz algum efeito contrário a nossa reserva da ordem pública internacional? Não! Ele permite
um casamento, está tudo bem. O problema é se depois ele se quiser casar outra vez sem se divorciar
da primeira, daí da aplicação da lei egípcia já vai resultar, o quê, um segundo casamento isto aí é
reserva de ordem pública internacional já não vai permitir.

Agora, podíamos ter este mesmo senhor egípcio que já vem para Portugal com quatro
mulheres, por exemplo com quatro casamentos que são admitidos no Egipto . Neste caso O único
casamento que vai ser reconhecido será o primeiro casamento os outros não.
Agora imaginem aqui que há um problema, segunda a Terceira ou quarta mulher pedem uma pensão
de alimentos, Neste caso apesar de os casamentos seguintes não serem reconhecidos poderão ser
reconhecidos alguns efeitos desses casamentos, No sentido de neste caso atribuir eventualmente uma
pensão de alimentos a estas senhoras, ou no caso de ele eventualmente vir a falecer, Se ele morrer sou
uma é que é herdeira!? Então e as outras? Aqui também poderão ser admitidos que estes casamentos
seguintes possam produzir alguns efeitos, O casamento em si não é reconhecido, mas admita-se a
produção de alguns efeitos, No fundo do próprio sentido de justiça o exige. Neste caso fala-se em
efeitos cumulados de reserva Da ordem pública internacional este é um efeito acumulado.

Já agora ia me esquecendo, voltando um pouco atrás , quando falamos do artigo 22 número dois do
código civil, Em que se diz que se da aplicação da lei estrangeira resultarem efeitos contrários aos
nossos princípios fundamentais, afastamos a lei estrangeira mas ainda vamos primeiro tentar descobrir
uma solução nessa mesma lei estrangeira e só em último caso é que vamos aplicar a lei material
portuguesa. Está aí subjacente aquilo a que chamamos princípio do mínimo dano, mínimo dano a que
lei, à lei material estrangeira que é designada e aplicável.

Depois pode-se facilitar, para compreender a reserva de ordem pública internacional a delimitação de
fronteiras relativamente a outras figuras.

Reserva de ordem pública internacional distingue-se por exemplo da fraude à lei, porque enquanto a
reserva de ordem pública internacional se funda na inadmissibilidade do resultado da aplicação da lei
estrangeira a sanção da fraude à lei funda-se na rejeição de conexões artificialmente criadas pelas
partes, na fraude à lei o que está em causa são as conexões que são artificiais. E aqui o que está em
causa é mesmo a aplicação desta lei estrangeira.
105
Depois também a reserva de ordem pública internacional conduz ao afastamento da lei estrangeira
enquanto que é fraude a lei pode ter como consequência a não aplicação quer da lei estrangeira quer
quer da Lei do foro depende da forma Como o elemento de conexão tiver sido manipulado.

Reserva de ordem pública internacional também se distingue das normas de aplicação imediata, nos
casos das normas de aplicação imediata são normas que no fundo elas próprias delimitam as normas
materiais e elas próprias delimitam o seu campo de atuação do espaço através de normas de conflito à
volta e elas refletem um determinado intervencionismo do Estado são normas que por regra
apresentam essa característica. No entanto As normas de aplicação imediata representam uma
cedência do próprio direito de conflitos ou seja, elas aplicam-se no fundo sem atender ao que diz o
direito de conflitos porque elas próprias tem uma vontade de aplicação.

Na reserva de ordem pública internacional aquilo que se tem em vista é diferente, porque elas só vão
funcionar em situações em que nós aplicamos as normas de conflitos e chegamos a conclusão que é
aplicável uma determinada norma estrangeira e que essa sim é contrária aos princípios fundamentais.
As duas figuras tem uma forma completamente diferente de funcionar.

Depois há ainda uma distinção importante que é entre reserva de ordem pública internacional e
reserva de ordem Pública Interna, reserva de ordem pública internacional é o que temos estado a ver,
No fundo o que é que integra a reserva de ordem pública internacional? Os princípios fundamentais
estruturantes do ordenamento jurídico português.
Reserva de ordem Pública Interna É composta por todas as disposições que são imperativas, injuntivas
ou seja aquelas que não sejam supletivas. O que é que nós vamos ver, vamos verificar que reserva de
ordem Pública Interna é composta por todas as regras materiais que não são supletivas , ou seja todas
aquelas que são imperativas ou injuntivas depende da terminologia que o professor de introdução ao
estudo do Direito tiver utilizado, isso é que integra a reserva de ordem Pública Interna.
Imaginem reserva de ordem Pública Interna que é o conjunto de todas as disposições materiais quem
não são afastáveis pela vontade das partes, dentro destas há umas que integram os princípios
fundamentais do ordenamento jurídico português e estas são muito mais restritas, são muito mais
limitadas. Nem todas as disposições imperativas do ordenamento jurídico português integram a
reserva de ordem pública internacional, a Reserva de ordem pública internacional É muito mais
limitada do que é a reserva de ordem Pública Interna.

Posto isto passamos então ao ponto seguinte, e o ponto seguinte é o da lei pessoal das pessoas
singulares.
Terminarmos com a reserva de ordem pública internacional matéria sobre A parte geral E vamos então
entrar na parte especial.

Hoje começamos então com a matéria da lei pessoal das pessoas singulares, e o Código Civil abre
então a Secção respeitante às normas de conflitos com a previsão do artigo 25º, e este artigo está
106
integrado na subsecção primeira que trata do âmbito e determinação da lei pessoal E tem o artigo 25º
como epígrafe "Âmbito da lei pessoal", O que é que diz o artigo 25º diz-nos que o estado dos
indivíduos, a Capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por morte são reguladas
pela lei pessoal dos respetivos sujeitos.
Isto significa que estas quatro matérias que temos aqui indicadas são matérias que integram o estatuto
pessoal, todas as regras em que se diz que é aplicável a Lei pessoal integram matérias de estatuto
pessoal. Mas este artigo 25º não é exaustivo há mais matérias e questões que integram o estatuto
pessoal para lá destes que estão indicados no artigo 25º.
Por exemplo: artigo 26º também regula o início e o termo da personalidade jurídica e que diz um 26º
número um: que no início e o termo da personalidade jurídica são fixados igualmente pela lei pessoal
de cada indivíduo. O artigo diz-nos então que se aplica a lei pessoal.

Outro exemplo: artigo 27º que trata de direitos de personalidade qual é então indicação que aqui
temos, direitos de personalidade no que respeita à sua existência e tutela, e às restrições impostas ao
seu exercício é também aplicável a lei pessoal, matéria então também de estatuto pessoal.

Artigo 30º tutela e institutos análogos de proteção dos incapazes é aplicada a lei pessoal do incapaz,
Matéria então também de estatuto pessoal.

Esta lei pessoal sabemos nós que ela vai ser concretizada pela lei pessoal, só não sabemos por qual,
mas o artigo 31º será em princípio pela lei da nacionalidade É não ser que se trate de um cidadão
apátrida.

Mas o que justifica então que estas matérias fiquem sujeitas a lei pessoal dos indivíduos?
Estas matérias que aqui referimos correspondem no essencial a estados, qualidades e situações
jurídicas que dependem das pessoas e por isso as pessoas têm interesse em vê-las redigidas sempre
pela mesma lei independentemente do lugar em que se encontrem.

No caso português da lei pessoal é a lei da nacionalidade, em princípio sempre a lei da nacionalidade
que vai regular estas matérias independentemente do lugar onde as pessoas se encontrem.
Se estas matérias fossem regidas pela lei territorial, ou seja pela lei do país onde as pessoas se
encontravam ou pela lei do foro, corria-se o risco de quando as pessoas atravessassem fronteiras se
vissem despojadas de situações jurídicas que foram legitimamente constituídas noutros estados.
Por exemplo uma situação de filiação que tivesse sido constituída num estado não seria
reconhecida no outro estado, o casamento que tivesse sido celebrado num estado não seria
reconhecido no outro e não valia nada.
Os próprios direitos da personalidade podem não ter no outro estado reconhecimento, uma pessoa
que é considerada filha legítima pode não ser considerada no outro estado.
Esta figura que determinaria o âmbito de aplicação territorial destas leis seria atentatória da dignidade
da pessoa humana e por isso nosso ordenamento jurídico vem então consagrar a Aplicação da lei
pessoal no caso da lei da nacionalidade.
107
Tudo isto acaba também vou refletir aqui uma concepção formalista do direito, ou seja uma concepção
que coloca na base da ordem jurídica a pessoa humana e vê como salvaguarda tem dignidade da
pessoa humana como fim primordial da ordem jurídica.

Então a lei pessoal do ordenamento jurídico português, já sabemos, que nos termos do artigo 31º é a
Lei da nacionalidade, por regra, esta solução não é uma solução pacífica em todos os ordenamentos
jurídicos mas a solução que consagramos reflete basicamente a doutrina de Mancini que defendia que
em matéria de estatuto pessoal devia ser aplicada a lei da nacionalidade.
Há uma outra corrente que existe, doutrinária e também legislativa que vai no sentido de aplicar a lei
do domicílio ou da residência habitual a matérias do estatuto pessoal vamos encontrar esta cisão nos
vários ordenamentos jurídicos que são os que aplicam a lei da nacionalidade a matéria de estatuto
pessoal, O outros aplicam a lei da residência habitual.

Teórica de 23/04

Na aula passada começámos a matéria da lei pessoal das pessoas singulares, e vimos o que é
que significava estatuto pessoal, vimos que em princípio a lei pessoal é a lei da nacionalidade…
Agora, a verdade é que como também falámos na aula passada, há duas grandes orientações
possíveis, no que respeita à determinação da lei pessoal das pessoas singulares.
E Portugal seguiu a orientação de Manchini, que considera ser mais adequada a aplicação da lei
da nacionalidade.
Por seu turno, Savigny já antes considerava que em matéria de estatuto pessoal, deveria de ser
regulada pela lei da residência habitual.
O nosso legislador consagrou a regra da nacionalidade, tendo por consideração o facto de o
nosso CC. ter entrado em vigor em 1966 e a realidade portuguesa da altura era de uma forte
emigração.
Ora bem, qual é que é a lei cuja aplicação garante uma maior vinculação dos cidadãos
portugueses no estrangeiro a Portugal?
A lei da nacionalidade, pois, mesmo que os cidadãos estejam espalhados pelo mundo, a lei que
vai ser aplicada em matéria de estatuto pessoal é a lei da nacionalidade, logo, a lei portuguesa, e com
isto consegue-se o seguinte:
Todas as questões que se coloquem em matéria de estatuto pessoal, relativamente a cidadãos
portugueses, quer estivessem em Portugal, quer estivessem no estrangeiro, ia ser aplicada a lei
portuguesa. Conseguia-se manter esta vinculação estreita, e para além disso também se conseguia um
outro aspecto importante, que é o facto de não se ter uma pluralidade de leis aplicáveis pelos juízes,
ou seja, se ao invés da aplicação da lei da nacionalidade nós tivéssemos de aplicar a lei da residência
habitual, quando estivesse, por exemplo, em causa uma questão de capacidade para contrair
casamento ou sucessório, relativamente a portugueses nos vários países. Se estivem na Venezuela
aplicávamos a lei venezuelana, se estivessem no Brasil, brasileira, e aqui, o juiz português, perante uma
população portuguesa espalhada pelo mundo, ia ter de saber muitas leis materiais.
Portanto, a opção portuguesa foi justamente pela lei da nacionalidade, que é a opção
tradicionalmente seguida por países de forte emigração.
Há aqui um outro aspecto. A adopção deste critério, nacionalidade, este elemento de conexão
nacionalidade, tem também uma vantagem especialmente significativa, que é a de prevenir a fraude à

108
lei, porque é mais difícil mudar-se de nacionalidade do que mudar-se de residência habitual ou de
domicílio, portanto, este vínculo tende a ser mais duradouro.
Se nós estivermos a pensar em países de forte imigração, então, a solução que vamos encontrar
será uma solução diferente, será a aplicação da residência habitual. Exemplo:
No Brasil por regra, em matéria de estatuto pessoal é aplicada a lei da residência habitual,
porque o Brasil foi durante muitos anos um país de forte imigração, existem comunidades muito
significativas no Brasil de origem japonesa, alemã, italiana, portuguesa, e portanto, se no Brasil os
juízes Brasileiros tivessem de aplicar a lei da nacionalidade de um sujeito em matéria de estatuto
pessoal, os juízes iam ter o problema de ter de aplicar uma multiplicidade de leis, consoante a
nacionalidade das pessoas.
Dai que, o Brasil tenda a seguir a solução da residência habitual.
Em Portugal a solução que foi seguida é da adopção da lei da nacionalidade, e nós aqui, nem
sequer podemos invocar que existe algum problema de descriminação em função da nacionalidade.
Nem podia haver, nos termos do art.12º do TUE, não pode haver descriminação dos cidadãos em
função da nacionalidade. Esta regra não descrimina as pessoas em função da nacionalidade, uma vez
que o que se está a dizer é que se aplica a lei da nacionalidade, tenha a pessoa nacionalidade
portuguesa, francesa, espanhola, ou alemã, portanto, não há por si só uma descriminação em função
da nacionalidade.
Agora, aquilo que pode acontecer, nós já vimos quando tratámos da relação entre o DIP e as
liberdades europeias, é que em alguns casos da aplicação destas regras poderão resultar
consequências… não é exactamente uma descriminação em função da nacionalidade, mas que, da
aplicação destas regras de conflitos, ou seja, que determinam a aplicação da lei da nacionalidade,
podemos ter problemas que se prendem com limitações ao exercício das liberdades europeias.
No caso do Acórdão Garcia Avello, que foi decido pelo TJUE em 02 de Outubro de 2003,
Processo: C 148/2002 (a Professora tem um artigo escrito que é um comentário a este Acórdão, que
está publicado nos cadernos de direito privado que está na indicação bibliográfica do programa da
cadeira), neste caso, Garcia Avello, tínhamos um cidadão espanhol casado com uma cidadã belga, que
tiveram dois filhos (Diego e Esmeralda).
Eles registaram primeiro as crianças perante as autoridades espanholas, e já sabemos que de
acordo com a lei material espanhola, as autoridades espanholas aplicaram a sua própria lei e aplicaram
a sua própria lei porque; as crianças eram filhos de um espanhol e uma belga, portanto, as crianças
tinham dupla nacionalidade de Estados Membros da UE (espanhola e belga).
Sendo que, eles até viviam na Bélgica. Quando eles foram registar as crianças, as autoridades
espanholas fizeram aquilo que Portugal também faria, que em caso de haver dupla nacionalidade, a
nacionalidade que prevalece é a nacionalidade do estado que está em causa, ora, perante o Estado
espanhol prevalece a nacionalidade espanhola.
As autoridades espanholas registaram as crianças com a composição do nome conforme está
previsto na lei espanhola, (nome próprio, apelido do pai e apelido da mãe). A seguir, os pais quiseram
registar estas crianças na Bélgica, e quando o fizeram, porque as crianças tinham nacionalidade
espanhola e belga, ora, dupla nacionalidade, perante o Estado belga releva a nacionalidade belga. De
acordo com a lei belga, as crianças só podem ter nome próprio e apelido do pai.
Pelo que aqui está descrito chegávamos à conclusão de que em Portugal tudo se passaria da
mesma maneira, ou seja, não haveria aqui qualquer descriminação.
Mas a verdade é que, estas crianças estavam registadas de uma forma perante as autoridades
espanholas e com outro nome, perante as autoridades belgas.
Consequência, recorreram para o TJUE e o TJUE veio dizer que a situação já tinha sido
constituída à luz da lei espanhola, e por isso, as autoridades belgas tinham de reconhecer (aqui a ideia
do princípio do reconhecimento mútuo) o nome destas crianças, conforme ele tinha sido constituído
no outro Estado Membro.
109
E isto acontece desta forma porque se assim não fosse, o facto de as crianças terem dois nomes
diferentes em dois países diferentes, iria ter como consequência uma limitação ao exercício das
liberdades europeias, pois, uma pessoa que tem dois nomes diferentes é sempre travada em todos os
aeroportos, havendo assim um limite ao exercício da liberdade de circulação, dai que, não tem
qualquer mal a Espanha ter aplicado a lei da nacionalidade à composição do nome, em tem qualquer
problema a Bélgica aplicar a lei da nacionalidade à composição do nome, o que pode acontecer é que
deste facto podem resultar diferenças, como as que resultaram do caso Garcia Avello e que podem ser
contrárias ao exercício das liberdade europeias.
Portanto, não é o elemento de conexão em si, não é a norma de conflitos em si, mas são as
consequências daqui decorrentes.
A mesma coisa se passou no caso Brokin Paul, neste caso já falado em aulas anteriores, a
situação era diferente pois a criança só tinha uma nacionalidade, a alemã, mas tinha nascido na
Dinamarca.
Os pais tinham registado a criança na Dinamarca, e na Dinamarca tinha um determinado nome
que era constituído à luz da lei material dinamarquesa, porque de acordo com a norma de conflitos
dinamarquesa a composição do nome é regulada pela lei da residência habitual.
Ora, os pais, quando a criança nasceu tinham residência habitual na Dinamarca, e a criança
tinha nascido na Dinamarca. Perante as autoridades dinamarquesas a composição do nome resulta da
aplicação da norma da residência habitual, logo, aplicaram a lei dinamarquesa. A seguir os pais
quiseram ir registar a criança perante as autoridades alemãs, e a norma de conflitos alemã diz que em
matéria de composição do nome se aplica a lei da nacionalidade, logo, a lei alemã. Consequência; uma
vez mais uma criança com dois nomes diferentes, uma de acordo com a lei dinamarquesa, outra de
acordo com a lei alemã. Uma vez mais os pais recorreram para o TJUE, sendo que foram as autoridades
alemãs condenadas a reconhecer o nome como anterior havia sido constituído noutro Estado Membro,
novamente o princípio do reconhecimento mútuo.
Isto em matéria de estatuto pessoal, porque o que está em causa é o direito ao nome e o
direito ao nome é um direito de personalidade, logo, estamos em matéria de estatuto pessoal.
A verdade é que a regra no ordenamento jurídico português é a da aplicação da lei da
nacionalidade em matéria de estatuto pessoal, o que resulta da aplicação da regra consagrada no
art.31º nº1 CC., a verdade é que a lei da nacionalidade pode não ser a única a ser chamada para
regular matérias que estão compreendidas no estatuto pessoal.
Várias hipóteses:
 Desde logo, o caso dos apátridas não se pode aplicar a lei da nacionalidade, por razões
óbvias, pois, eles não têm nacionalidade, então, vai ter de ser aplicada a lei do domicílio,
isto é o que resulta do art.12º da Convenção relativa aos apátridas, que determina a
aplicação da lei do domicílio e na falta da lei do domicílio, a aplicação da lei da residência
habitual.
 Noutros casos, também encontramos normas de conflito que nos remetem para a lei da
residência habitual. Por exemplo, no art.52º nº2 do CC., em matéria de relações entre os
cônjuges, determina-se no 52º nº2 que não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade, é
aplicável a lei da sua residência habitual comum, no fundo, não havendo nacionalidade o
legislador passa ao elemento de conexão subsidiário que é a residência habitual comum.
 O mesmo também se encontra consagrado no art.53º nº2, não tendo os cônjuges a
mesma nacionalidade, é aplicável a lei da sua residência habitual comum ao tempo do
casamento.

110
E, tal como nestas, nós vamos encontrar no CC., outras referências em normas de conflito. É o
caso do art.56º nº2, do 57º nº1, do 60º nº2, em que, na falta de nacionalidade comum das partes, é
chamada a aplicar a lei da residência habitual.
Também nos casos em que se trate do estatuto dos refugiados, de acordo com a Convenção de
Genebra de 1951, também é submetido o estatuto pessoal dos refugiados, ao seu domicílio ou na sua
falta, à lei da sua residência habitual, uma vez que se fosse aplicada a lei da nacionalidade aos
refugiados, poderiam ter sérias dificuldades.
Quanto à personalidade jurídica
É pacífico que a personalidade jurídica é hoje reconhecida às pessoas singulares, e aqui
entende-se por personalidade jurídica, no sentido de pessoa que é susceptível de direitos e de deveres.
Esta personalidade jurídica é reconhecida às pessoas singulares, em todas as legislações do
mundo, tal como resulta do art.6º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no entanto, nós
podemos encontrar alguns conflitos, no que respeita ao início ou ao termo da personalidade.
Por exemplo, em Portugal nos termos do art.66º (estamos a falar de direito material)
determina-se que a personalidade jurídica se adquire no momento do nascimento completo e com
vida.
Entretanto, a lei espanhola mudou, mas até 2011 a lei espanhola determinava que se reputava
nascido, para efeitos civis, o feto que tiver vida humana e sobreviver 24 horas fora do ventre materno,
portanto, o que é que tínhamos aqui? (agora já não temos pois a lei foi alterada em 2011).
Tínhamos que a personalidade jurídica só se adquiria 24 horas depois do nascimento, o que era
relevante para efeitos sucessórios.
O que eu aqui quero chamar a atenção, é para o facto de podermos ter legislações diferentes
nos vários ordenamentos jurídicos, quanto ao início da personalidade jurídica.
Nós temos, no art.26º nº1 CC, a indicação de que o início o termo da personalidade jurídica são
fixados pela lei pessoal de cada individuo, portanto, pela lei da nacionalidade, e portanto, também
aqui, nós aplicamos a lei da nacionalidade.
E podemos perguntar:
E se for uma criança que não nasça com vida, como é que nós sabemos se adquiriu ou não a
personalidade jurídica?
Se for filho de pais portugueses, aplicamos a lei portuguesa, pois, o problema pode-se colocar
desde logo pelo facto de um nado morto não adquirir personalidade jurídica à luz do direito material
português. Mas assim, porque é que vamos aplicar o direito material português, se a criança não
chegou a nascer?
Temos aqui um ciclo vicioso, aqui, vamos obviamente assumir que se aplica a lei da
nacionalidade que a criança teria se tivesse adquirido a personalidade jurídica.
Também é a lei pessoal do indivíduo, que deve de indicar quais é que são os factos extintivos da
sua personalidade jurídica, e temos o art.26º nº2 CC., que nos diz:
2. Quando certo efeito jurídico depender da sobrevivência de uma a outra pessoa e estas
tiverem leis pessoais diferentes, se as presunções de sobrevivência dessas leis forem inconciliáveis, é
aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 68.º
O que é que nós podemos ter?
Temos, por exemplo, duas pessoas que morrem num acidente de avião e não se sabe quem
morreu primeiro.
Um é nacional do país A, outro é nacional do país B.
De acordo com a presunção que está em vigor no país A presume-se que morre primeiro a
pessoa mais velha. De acordo com a lei material do país B, presume-se que morre primeiro a pessoa
mais nova.
Temos aqui presunções de morte incompatíveis uma com a outra, e neste caso, o art.26º nº2
diz-nos que neste caso é aplicado o nº2 do art.68º do CC, que consagra uma norma material de
111
DIPrivado e ao contrário das normas que até agora vimos, esta é uma norma que dá resposta material
ao problema que está a ser suscitado, determinando que existe uma presunção que as pessoas
morreram ao mesmo tempo, é isso que resulta do art.68º nº2, ou seja, se forem potenciais herdeiros
um do outro, significa que ninguém herda de ninguém.
Isto no que respeita à personalidade, art.26º

Matéria de direitos de personalidade prevista no art.27º CC


Esta disposição vem dizer que se aplica a lei pessoal do indivíduo nas seguintes matérias de
direitos de personalidade..
Aplicação da lei pessoal do indivíduo à determinação, existência e conteúdo dos direitos de
personalidade. Isto é muito importante porque os direitos de personalidade não são universais. Por
exemplo: em Portugal existe direito à imagem e existe direito ao nome, são direitos de personalidade
per si, funcionam per si, autónomos. Mas no direito inglês não existe direito ao nome, não existe
direito à imagem per si.
Portanto, se nós quisermos saber se um determinado cidadão inglês, tem ou não tem direito ao
nome, vamos ter de perguntar à lei Britânica. Se se tratar de um cidadão português, aplicamos a lei
portuguesa.
Este art.27º também diz que é aplicada a lei pessoal do individuo à determinação das formas de
tutela de que esses direitos são susceptíveis, e também à determinação das restrições que afectem o
seu exercício.
Isto significa que, é perante a lei pessoal que nós vamos averiguar qual é que é o conteúdo dos
direitos de personalidade, e quais é que são as formas de defesa (tutela) dos direitos de personalidade,
ou seja, à sua existência e tutela e às restrições impostas ao seu exercício.
Há aqui um aspecto que é o seguinte: se nós estivermos a tratar de responsabilidade aquiliana
por violação de direitos de personalidade, nós não vamos aplicar o art.27º, nesse caso vamos aplicar
o art.45º CC., que trata de responsabilidade extra-contratual, nem sequer vamos aplicar a regra do
Reg. Roma II, porque o Reg. Roma II afasta do seu âmbito de aplicação material os direitos de
personalidade, com excepção do direito à vida, à integridade física e à integridade moral.
Se por exemplo, estiver em causa a tutela dos direitos de personalidade de um cidadão
português, as formas de tutela previstas no direito material português estão consagradas no art.70º
nº2 do CC., que diz que as formas de tutela são essencialmente a responsabilidade civil, mas a
responsabilidade civil, já sabemos, é regulada pelo art.45º do CC, depois, temos também outras
formas de tutela que se destinam a evitar a consumação da ameaça, por exemplo, a apreensão de
um livro que é considerado difamatório, ou então, a atenuar os efeitos da ofensa já cometida, por
exemplo, a supressão de certas passagens do livro.
Significa então, que as formas de tutela com excepção da responsabilidade aquiliana, são
reguladas pela lei pessoal dos sujeitos.
Temos também uma regra original no art.27º nº2, e o que é que nos diz o art.27º nº2?
Diz-nos que… o 27º nº1 diz-nos que se aplica a lei pessoal que é a lei da nacionalidade, e depois,
diz o art.27º nº2.
2. O estrangeiro ou apátrida não goza, porém, de qualquer forma de tutela jurídica que não seja
reconhecida na lei portuguesa.
Isto significa que é aqui estabelecida uma conexão plural, que se traduz na concorrência da
competência da lei pessoal e da lei portuguesa, assim, por exemplo:
Temos uma pessoa que é do país X, em princípio, a lei que iria ser aplicada seria a lei do país X,
mas, se a lei do país X estabelecer uma forma de tutela jurídica que não seja reconhecida pela lei
portuguesa, o juiz português não vai conferir essa forma de tutela.

112
Imaginem, por exemplo, de acordo com a lei do país X, o juiz tem poderes para obrigar as
pessoas que vivem no andar de cima a alcatifar as casas, para não fazer barulho às pessoas que vivem
no andar de baixo.
Esta forma de tutela de direitos de personalidade não está expressamente consagrada no
direito português, portanto, esta forma de tutela não seria aplicada pelo juiz português.
Outro exemplo:
Conforme também já sabem, nos USA, em alguns estados são atribuídos punitive damages, que
têm um caracter puramente punitivo, neste caso, nós também não temos uma forma de tutela igual no
direito português, portanto, o juiz também não iria aplicar.
Isto no que respeita aos direitos de personalidade.

Capacidade
Já sabemos que a lei reguladora da capacidade das pessoas singulares, quer no que respeita à
capacidade de gozo, quer no que respeita à capacidade de exercício, está prevista no art.25º do CC.,
e a capacidade é regulada pela lei pessoal, em princípio, lei da nacionalidade.
Mas em alguns casos nós vamos encontrar regras especiais, é o caso do art.49º que regula a
capacidade para contrair casamento.
Determina à mesma a aplicação da lei pessoal, mas temos aqui uma regra específica.
Outro exemplo é o art.63º que trata da capacidade para fazer, modificar ou revogar disposições
por morte.
E depois, temos ainda outras regras que vêm consagrar desvios à aplicação da lei nacional à
capacidade de exercício, é por exemplo, o caso dos artigos 28º, 31º nº2, 47º todos do CC., e 13º do
Reg. Roma I.
O art.13º do Reg. Roma I e o art.28º do CC., têm subjacente uma ideia muito parecida.
O art.28º nº1 diz nos que:
1. O negócio jurídico celebrado em Portugal por pessoa que seja incapaz segundo a lei pessoal
competente não pode ser anulado com fundamento na incapacidade no caso de a lei interna
portuguesa, se fosse aplicável, considerar essa pessoa como capaz.
De forma semelhante, (esta é uma norma unilateral), já bilateral vamos encontrar o art.13 do
Reg. Roma I, que vem dizer que:
Num contrato celebrado entre pessoas que se encontram no mesmo país, uma pessoa singular
considerada capaz segundo a lei desse país só pode invocar a sua incapacidade que resulte da lei de
outro país se, no momento da celebração do contrato, o outro contraente tinha conhecimento dessa
incapacidade ou a desconhecia por negligência.
Estas disposições vêm-nos dizer que, se por exemplo, em Moçambique a maioridade é atingida
aos 21 anos de idade. Vamos imaginar que temos um cidadão moçambicano que adquire um
automóvel em Portugal, ele tem 18 anos e fica combinado pagar metade do preço naquela altura e o
restante um mês depois, sendo que nessa altura, vem invocar a sua menoridade de acordo com a sua
lei pessoal, para não realizar a outra metade do acordado, invocando a invalidade do contrato.
Manifestamente, está a actuar de má fé e neste caso, aquele que está a vender o carro, nunca
poderia imaginar que aquela pessoa era menor, pois, em Portugal aos 18 anos já se é maior, tem
capacidade jurídica plena e por isso, estas disposições, aquilo que vêm fazer é tutelar a confiança das
pessoas que actuam num determinado país, e que no fundo se pautam pelas regras desse país, e por
isso é que vamos encontrar, por exemplo, no art.13º do Reg. Roma I, que, num contrato celebrado
entre pessoas que se encontram no mesmo país, (portanto, elas têm de estar as duas no mesmo país)
uma pessoa singular considerada capaz segundo a lei desse país (ou seja, o nosso cidadão
moçambicano tem 18 anos de idade e que é considerado capaz de acordo com a lei portuguesa) só
pode invocar a sua incapacidade que resulte da lei de outro país (incapacidade que resulta da aplicação
da lei moçambicana, que em princípio era de facto a aplicável, por força do art.25º mais 31º nº1 do CC)
113
se, no momento da celebração do contrato, o outro contraente (o vendedor do carro) tinha
conhecimento dessa incapacidade ou a desconhecia por negligência.
Nestas hipóteses, determina o art.13º que o negócio vai ser considerado válido.
O art.28º nº1, conforme referi, que estabelece uma norma de conflitos unilateral, só trata da
hipótese em que o negócio jurídico é celebrado em Portugal, esta norma vem depois a ser
bilateralizada no art.28º nº3, que vem dizer que:
3. Se o negócio jurídico for celebrado pelo incapaz em país estrangeiro, será observada a lei
desse país, que consagrar regras idênticas às fixadas nos números anteriores. (28º nº1 e nº2 do CC.).
Depois, temos ainda uma disposição que é especialmente importante, que é o art.31º nº2, esta
disposição diz-nos que, importa ter presente que o art.31º nº2 está a seguir ao 31º nº1 e o 31º nº1
diz-nos que; 1. A lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo, e por isso, quando no 31º nº2 diz
que; São, porém, reconhecidos em Portugal os negócios jurídicos celebrados no país da residência
habitual do declarante, em conformidade com a lei desse país, desde que esta se considere competente.
Estes negócios jurídicos correspondem a negócios de matéria do estatuto pessoal, não se
esqueçam, pois, é fácil esquecerem-se a aplicarem isto a todos os negócios que as pessoas celebrem,
mas não, aqui estamos apenas a tratar de negócios jurídicos em matéria de estatuto pessoal
(testamento, casamentos).
A ideia que está subjacente a esta disposição.
Uma vez mais, temos de contextualizar esta norma, vamos voltar ao ano de 1966, altura em que
havia em Portugal uma forte emigração e em que as pessoas vinham a Portugal com muito menos
frequência, e então a ideia subjacente, vamos pensar…
Um emigrante português, está a viver em França e que queira fazer um testamento em França,
dirige-se às autoridades francesas e as autoridades francesas vão fazer um testamento seguindo a lei
francesa, ora, se nós exigíssemos a este cidadão português, que para que o negócio fosse válido,
tivesse necessariamente de seguir as regras previstas pela lei portuguesa, este cidadão poderia ter aqui
alguma dificuldade, então, o art.31º nº2 vem determinar que, apesar de, por regra, em matéria de
estatuto pessoal, pode ser aplicada a lei da nacionalidade, em Portugal, ainda assim, serão
reconhecidos os negócios jurídicos celebrados no país da residência habitual, em conformidade com a
lei desse país, desde que esta se considere competente, ou seja, desde que, por exemplo, em França as
autoridades francesas aplicassem a sua própria lei.
Esta disposição tanto se aplica a cidadãos portugueses como a cidadãos estrangeiros, só que,
ela vai ter de se aplicar a cidadãos portugueses no estrangeiro, ou a cidadãos estrangeiros no
estrangeiro.
Esta norma não se aplica aos cidadãos estrangeiros em Portugal.
Esta norma não se aplica a cidadãos estrangeiros que têm residência habitual, e isso retira-se
do elemento literal da própria disposição, porque ela está a dizer que São, porém, reconhecidos em
Portugal…se são reconhecidos em Portugal é porque não estamos a falar de pessoas que residem em
Portugal.
Tem sido também orientação dominante que não é absolutamente necessário que o negócio
jurídico tenha sido celebrado no país da residência habitual da pessoa, poderá ser suficiente que ele
tenha sido celebrado num outro país, mas esse negócio seja considerado válido à luz da lei da
residência habitual do sujeito, portanto, aquilo que é relevante é que o negócio seja considerado válido
à luz da residência habitual do sujeito.
Neste caso, como já estamos para lá da letra da lei, existem divergências doutrinais, havendo
autores que fazem interpretações mais amplas e outros mais restritas, esta é a minha orientação.
Um outro desvio que nós aqui encontramos, à regra do art.25º, é a que vem prevista no art.47º
do CC.
O art.47º trata da capacidade para constituir direito reais sobre coisas imóveis ou dispor deles;

114
É igualmente definida pela lei da situação da coisa a capacidade para constituir direitos reais sobre
coisas imóveis ou para dispor deles, desde que essa lei assim o determine; de contrário, é aplicável a
lei pessoal.
Ponto 1
Esta disposição aplica-se a questões que se prendem com a capacidade para constituir
direitos reais.
Este artigo vem dizer que podemos não aplicar a lei da nacionalidade do sujeito, mas sim, a lei
do lugar onde o imóvel está situado, desde que, a lei do país onde o imóvel está situado assim o
determine, ou seja, desde que a lei do país onde o imóvel está situado diga que se aplica a lei do lugar
da situação da coisa ou se se considere a sí própria competente.
Estamos por isso, aqui, perante uma norma de remissão condicionada, porque nós dizemos que
é aplicada a lei do lugar da situação da coisa para constituir os direitos reais, desde que essa lei assim o
determine…
Escusado será de dizer que este art.47º nunca terá aplicação no caso em que um imóvel se
encontre situado em Portugal, porque nos falta esta última parte, a lei portuguesa não determina,
porque a lei portuguesa determina que em matéria de capacidade é aplicável a lei pessoal, em
princípio, a lei da nacionalidade.
Portanto, a lei portuguesa não diz que é aplicável a estas matérias a lei do lugar da situação da
coisa, diz que se aplica a lei da nacionalidade.
Portanto, se o imóvel estiver em Portugal o art.47º não se aplica, porque a condição, a que
está submetida à aplicação desta norma não se encontra preenchida.

Aula de DIP de 28/4/15

Regulamento Roma I

Este é um regulamento da UE que não regula tribunais competentes nem reconhecimento das
resoluções estrangeiras. Só regula a lei aplicável às obrigações contratuais. Vamos distinguir as regras
gerais aplicáveis à maior parte dos contratos internacionais e, na seguinte aula teórica, as regras
especiais.
O artigo 1º estabelece que o regulamento é aplicável às obrigações contratuais. O regulamento
não define o que são obrigações contratuais, mas o tribunal de justiça da união europeia considera que
são casos em que as partes assumem compromissos, voluntariamente e livremente. As obrigações que
não correspondem a este tipo de compromisso não seriam contratuais mas, sim, extra-contratuais
(Roma II) ou não contratuais.
A matéria das obrigações serão civis ou comerciais, portanto, direito privado. Também, é
necessário que estejam em causa situações internacionais. Pode ser o lugar de celebração do contrato
ou a residência habitual das partes do contrato. Não se aplica a direito público.
São excluídas as matérias de estatuto pessoal, direito da família. Estas questões seriam de
matéria civil mas estão excluídas do regulamento. Por exemplo, em relação ao estado e capacidade das
pessoas singulares, de acordo com o artigo 13º; também se exclui o direito da família porque fala de
obrigações que decorrem de ralações de família ou com efeitos equiparados como o caso dos
alimentos. Também, estão excluídas as matérias sobre regime de bens no casamento, ou situações
equiparáveis ao casamento. Também se excluem as sucessões.
Também, se excluem, por exemplo, obrigações relativas a letras, cheques ou outros títulos
negociais. Estão excluídas, também, as escolhas de um tribunal arbitral para conhecer do assunto, ou
115
de outro tribunal. Exclui-se também o direito das sociedades (constituição da sociedade, etc), mas não
os contratos que estas celebrem, o que se exclui são as obrigações internas das sociedades. Excluem-
se, também, as relações entre o intermediário e terceiros e as obrigações decorrentes de negociações
prévias ao contrato.
Por último, exclui-se também o contrato de seguro que as empresas contratam para o seu
trabalhador. Só este tipo concreto está excluído.
Temos de ter em conta o artigo 2º, que nos diz que o Roma I é um regulamento de aplicação
universal. Estas regras podem determinar que seja aplicada a lei de um estado-membro, por exemplo,
a lei espanhola ou portuguesa, mas pode também determinar que seja aplicável, por exemplo, a lei da
Argentina.
Já vimos o âmbito material de aplicação, vimos a aplicação universal, e agora vamos ver a
aplicação no tempo.
O regulamento é aplicável aos contratos celebrados após 17 de Dezembro de 2009. O
importante para este regulamento é quando que o contrato é celebrado. Se é celebrado após esta data
é-lhe aplicável o Roma I.
As regras gerais estão no artigo 3º e 4º. Regulam a maior parte das matérias. Em primeiro lugar,
o artigo 3º estabelece que ao contrato é aplicável a lei escolhida pelas partes. Se as partes escolhem, o
contrato é regido pela lei escolhida. Temos aqui algumas condições que têm de ser verificadas. Na falta
de escolha, aplicamos o artigo 4º.
Ora, o artigo 3º estabelece que a escolha deve ser expressa, ou resultar de forma clara do
contrato ou das circunstâncias do caso. É muito comum que a escolha expressa conste de uma cláusula
do próprio contrato. Também é possível, pelo artigo 22º do regulamento, escolher um determinado
sistema local em países em que existem vários sistemas (por exemplo, é muito comum no caso do
Reino Unido, a escolha, directamente, da lei inglesa).
Pode não haver uma escolha expressa, mas resultar do contrato ou das circunstâncias do caso,
deduzir uma escolha de lei aplicável (uma escolha implícita, tácita). O problema é que temos de provar
este tipo de escolha perante o tribunal. Um exemplo possível destes casos será o do contrato que siga
um modelo ou formulário de determinado estado.
Cumprindo estas condições que vimos, as partes podem designar a lei aplicável à totalidade do
contrato ou apenas a uma parte do contrato. É possível, assim, fragmentar o contrato.
O artigo 3º/2 permite que as partes, em qualquer momento, podem acordar subordinar o
contrato a uma lei diferente da que precedentemente o regulava. São, assim, permitidas modificações
da lei aplicável ao contrato. Se temos uma escolha prévia da lei aplicável, podemos modificá-la. Mas, se
não existia escolha, podemos, também, escolher a lei aplicável posteriormente. O Roma I permite-nos
isso.
Temos de ter em conta que qualquer modificação ocorrida posteriormente não afecta a
realidade formal do contrato nem prejudica os direitos de terceiros. Estes são os limites à modificação
dos contratos.
Podemos, em princípio, escolher como lei aplicável uma lei que não está conectada com o
nosso contrato. Esta afirmação tem de ser analisada à luz do artigo 3º/3 e 4. Ora, caso todos os outros
elementos relevantes da situação se situem, no momento da escolha, num país que não seja o país da
lei escolhida falaríamos de um contrato que seria interno, em que o único elemento estranho é a
escolha da lei aplicável. Por exemplo, pensemos num contrato inteiramente conectado com Portugal, a
celebração do contrato teve lugar em Portugal, as partes têm a sua residência habitual em Portugal, as
obrigações devem ser cumpridas em território português, ou seja, todos os elementos objectivos estão
conectados com Portugal. O único elemento estranho, que faz com que o contrato seja não interno,
que o converte em contrato internacional, é a lei escolhida pelas partes, por exemplo a lei espanhola.
Como o único elemento que faz com que esta situação seja internacional é a escolha da lei aplicável, o
artigo 3º/3 estabelece que, nos casos em que os elementos relevantes se situem no momento num
116
país que não seja o da lei escolhida, a escolha das partes não prejudica a aplicação das disposições da
lei desse outro país aplicáveis por acordo. Ora, a escolha da lei espanhola é válida apesar de todos os
elementos estarem em contacto com Portugal, mas não prejudica a aplicação das disposições da lei
portuguesa. Mas não são todas as disposições. Só as que não são derrogáveis por acordo.
No artigo 3º/4, caso todos os elementos relevantes da situação se situem, no momento da
escolha, num ou em vários estados membros (por exemplo, conectado com Espanha, Portugal e Itália),
estabelece-se que a escolha pelas partes de uma lei aplicável que não seja de um estado membro (px:
Brasil) é possível, mas esta escolha não prejudica a aplicação das disposições do direito comunitário
não derrogáveis por acordo. A ideia é: como o contrato está conectado objectivamente com a UE
vamos aplicar as disposições, não derrogáveis por acordo, de direito comunitário. Então, como esse
direito comunitário pode ser um regulamento, uma directiva transposta, o artigo diz-nos que
aplicamos as disposições comunitárias não derrogáveis por acordo serão aplicadas como no estado
membro do foro.
Vimos então alguns limites no âmbito da escolha da lei aplicável nestes artigos 3º/3 e 4.
Por último, para fechar o artigo 3º, a escolha tem de ser uma escolha válida, com
consentimento das partes. Remete para os artigos 10º 11º e 13º para valorar se há realmente uma
escolha válida pelas partes.
De acordo com o artigo 10º, a existência e a validade substancial do contrato ou de alguma das
suas disposições são reguladas pela lei que seria aplicável, por força do presente regulamento, se o
contrato ou a disposição fossem válidos.
Ora, o contrato em si, ou o que respeita à escolha da lei aplicável é válida na medida em que
seja válida em função da lei que seria aplicável se ao contrato fosse validamente escolhida uma lei
aplicável.
Por exemplo, se escolhemos a lei espanhola como lei aplicável, a escolha será válida se esta o
determinar. A lei espanhola determinaria a validade substancial desta escolha e o consentimento
válido das partes. Mas num caso excepcional, estabelece-se que um contraente para demonstrar que
não deu o seu acordo poderia invocar a lei do país em que tenha a sua residência habitual, se resultar
das circunstâncias que não seria razoável determinar os efeitos e o comportamento nos termos da lei
designada no nº1. É como que uma segunda oportunidade para a parte se desvincular da escolha de
lei aplicável.
Quanto à forma da escolha, em parte já falámos no artigo 3º. Contudo, temos de ter em conta,
também, o artigo 11º. Este estabelece que um contrato celebrado por pessoas ou pelos seus
representantes que se encontrem no mesmo país aquando da sua celebração é válido quanto à forma,
se preencher os requisitos de forma prescritos pela lei reguladora da substância, determinada nos
termos do presente regulamento, ou pela lei do país em que é celebrado.
Isto serve para o caso em que as partes se encontram no mesmo país quando celebram o
contrato.
Caso contrário, um contrato celebrado por pessoas ou pelos seus representantes que se
encontrem em países diferentes aquando da sua celebração é válido quanto à forma, se preencher os
requisitos de forma prescritos pela lei reguladora da substância, determinada nos termos do presente
regulamento, ou pela lei do país em que se encontre qualquer das partes ou os seus representantes
aquando da sua celebração, ou pela lei do país em que qualquer das partes tenha a sua residência
habitual nessa data.
Ora, podemos aplicar à forma, por um lado, a lei reguladora da substância, do contrato, ou
podemos aplicar a lei do país em que se encontre uma das partes quando o contrato foi celebrado, ou,
ainda, a lei do país da residência habitual de uma dessas partes.
Com tudo isto, temos explicadas as condições básicas do artigo 3º do regulamento Roma I.
O que veremos depois do artigo 3º será que lei é aplicável na falta de escolha pelas partes.
Teremos de recorrer ao artigo nº 4.
117
Mas isto, veremos na próxima aula teórica.

Aula de Direito Internacional Privado de 30 abril 2015

Na aula teórica de terca--‐feira estivemos haver o âmbito de aplicação do regulamento Roma I e o art.
3º (a lei escolhida pelas partes).
Nesta aula vamos ver o art. 4º, ou seja lei aplicável na falta de escolha.
Na falta de escolha, em primeiro lugar, temos oito contratos abrangidos pelo artigo 4º/1 e veremos
estes oito contratos. Aos contratos não abrangidos pelo artigo 4º/1 aplica--‐se o 4º/2, ou seja, lei do
país onde o contraente que deve executar a prestação característica do contrato tem a sua residência
habitual.
A Ideia do regulamento Roma I é aplicar as regras dos oito contratos em primeiro lugar e para os
outros aplicar a lei do país da residência habitual.
No entanto, nestas duas situações temos uma cláusula de excepção no art. 4º/3 que diz: Caso resulte
claramente do conjunto das circunstâncias do caso que o contrato apresenta uma conexão
manifestamente mais estreita Com um país diferente do indicado nos números 1 ou 2, é aplicável a lei
desse outro país.
E num terceiro nível, caso a lei aplicável não possa ser determinada pela aplicação do número um nem
do número dois, é aplicável a lei do país com o qual apresenta uma conexão mais estreita. Esta última
regra é uma regra subsidiária. E a regra subsidiária é muito parecida com a cláusula de excepção,
porque em ambos os casos estamos a falar de um país com que o contrato apresenta uma conexão
mais estreita. São muito parecidas mas esta última é uma regra subsidiária porque não podemos
aplicar as regras anteriores.
Vamos estudar as regras do artigo quarto. Em primeiro lugar temos oito contratos abrangidos pelo
artigo 4º/1. Seu contrato que estamos a estudar é um destes oito, vamos aplicar a regra. Vejamos
então estes contratos.

Compra e venda de mercadorias: art. 4º/1 alínea a).


Se o contrato é um contrato de compra e venda de mercadorias, é aplicável a lei do país onde o
vendedor tem sua residência habitual. Então, num contrato de compra e venda de mercadorias, é
aplicável, na falta de escolha, a lei do país em que o vendedor tem a sua residência habitual. Depois
estudaremos no regulamento o que é a residência habitual para o regulamento Roma I.

Contrato de prestação de serviços: art. 4º/1 alínea b). Aqui aplica-se a lei do país em que o prestador
de serviços tem a sua residência habitual. Aqui estamos a falar de contratos em que uma das partes
tem de realizar uma atividade de prestação de serviços e a outra leva a cabo o pagamento por esta
atividade. Neste tipo de contratos a regra é, aplica--‐se a lei do país da residência habitual do prestador
de serviços.
Então, na falta de escolha de lei aplicável, num contrato de prestação de serviços, aplicamos a lei da
residência habitual do prestador de serviços.

Contrato de franquia: art. 4º/1 Alínea e). É regulado pela lei do país em que o franquiado tem a sua
residência habitual.
Contrato de distribuição: art. 4º/1 alínea f). É regulado pela Lei do país em que o distribuidor tem a
sua residência habitual.
Temos estes quatro contratos agrupados, nesta ordem, porque a regra é a mesma.
Faltam os outros quatro contratos dentro deste artigo.

118
Contrato que tem por objeto um direito real sobre bem imóvel ou arrendamento de um bem imóvel:
art. 4º/1 alíneas c) e d).
Como regra geral, sempre na falta de escolha, nestes contratos a regra é diferente, porque aqui é
aplicável a lei do país onde o imóvel se situa (elemento territorial).
Temos falado aqui de duas possibilidade: contrato que tem por objecto um direito real sobre um bem
imóvel ou um arrendamento de um bem imóvel. São duas categorias.
Mas temos uma caso especial relativo ao tipo de arrendamento de um bem imóvel. Se o arrendamento
cumpre as condições deste artigo, então aplicaremos as condições desta alínea e não da anterior.
Então, nos arrendamentos de imóvel, como regra geral, aplicamos a lei do país onde o bem imóvel se
situa, salvo se estamos nestes concreto caso da alínea d).
Estas condições são as seguintes: o arrendamento de um bem imóvel celebrado para uso pessoal,
temporário, por um período máximo de seis meses consecutivos. Neste caso, não é aplicável a lei do
país onde o imóvel se situa, mas a lei do país onde o proprietário tem a sua residência habitual, desde
que o locatário seja uma pessoa singular e tenha a sua residência habitual nesse mesmo país.
Então, no arrendamento de um bem imóvel, a regra geral é a lei do país onde o imóvel se situa. Como
excepção seria aplicável a lei do país em que o proprietário tem a sua residência habitual.
Para aplicar a lei do país da residência habitual do proprietário, precisamos de cumprir quatro
condições: arrendamento para uso pessoal; arrendamento temporário por um máximo de seis meses
consecutivos; o locatário tem de ser uma pessoa singular; o locatário e o proprietário têm de ter a
residência habitual no mesmo país.
Por isso, nos arrendamentos de bens imóveis podemos encontrar conexões territoriais ou elementos
relativos às partes. Se falta uma destas quatro condições, então voltamos a regra geral.

Contratos de compra e venda de mercadorias em hasta pública: art. 4º/1 alínea g). Apenas no caso
em que a compra e venda acontece em hasta pública, caso contrário estaríamos na primeira regra de
compra e venda de mercadorias.
Para estes casos, é aplicável a lei do país em que se realiza a compra e venda em hasta pública
(elemento territorial), caso seja possível determinar está localização, na medida em que seja uma hasta
pública territorialmente celebrada em determinado país.

Contrato celebrado no âmbito de um sistema multilateral que permita o múltiplo encontro de


interesses de terceiros na compra ou venda de instrumentos financeiros: art. 4º/1 alínea h).
Está pensado para um caso muito concreto de compra ou venda de instrumentos financeiros. Neste
caso, a compra e venda destes instrumentos tem lugar em mercados regulados. O contrato será
regulado pela lei que regula o mercado.
Então, até aqui temos as oito categorias contratuais. Nas quatro primeiras, a regra é a aplicação da lei
do país da residência habitual de uma parte, quem indica a parte é o regulamento. No caso dos
contratos que têm por base um direito real sobre um imóvel ou arrendamento de um imóvel, a regra
geral é a lei do país onde o imóvel se situa e a excepção é o arrendamento do imóvel que preencha as
quatro condições.
Vimos assim oito tipos de contratos. O problema é que existem mais tipos contratuais do que estas
oito categorias. Por isso, precisamos de uma regra aplicável ao resto dos contratos. Se o nosso contrato
não corresponde à nenhuma destas oito categorias, seguimos para o art. 4º/2.
Caso os contratos não forem abrangidos pelo 4º/1, ou se partes dos contratos forem abrangidos por
mais de uma das alíneas a) a h), estes contratos são regulados pela lei do país em que o contraente que
deve efectuar a prestação característica do contrato tem a sua residência habitual. Ou seja, contratos
que não estão admitidos entre os oito contratos, ou que correspondam a contratos mistos.

119
Nestes casos não aplicaríamos o art. 4º/1, mas sim o 4º/2. Este último artigo estabelece uma regra
geral para o resto das categorias contratuais. No âmbito deste artigo vamos definir o que é a
prestação característica e o que é a residência habitual.

Em concreto, o conceito de residência habitual será válido para todo o regulamento Roma I.
Começamos por definir a residência habitual. O que é para o Roma I a residência habitual. O
regulamento distingue se estamos perante pessoas singulares ou sociedades.
No caso das sociedades ou outras entidades sem personalidade jurídica, a residência habitual é o local
onde se situa a administração central (art. 19º/1). Esta é a regra geral, mas o regulamento indica que
caso o contrato seja celebrado no âmbito da exploração de uma sucursal, agência ou qualquer outro
estabelecimento, ou se, nos termos do contrato, o cumprimento das obrigações dele decorrentes é da
responsabilidade de tal sucursal, agência ou estabelecimento, considera-se que a
residência habitual corresponde ao local onde se situa a sucursal, agência ou outro estabelecimento
(19º/2).
O problema para o Roma I é que quando contratamos com uma sociedade, pode ocorrer que não
contratemos directamente com a administração central, mas contratemos com um estabelecimento
secundário.
Imaginemos um caso em que temos a administração central de um banco na Alemanha, mas uma
sucursal na Espanha. Então, o que o regulamento diz é que regra geral a residência habitual seria a
administração central, neste caso, a Alemanha. Mas se o contrato é celebrado no âmbito da exploração
da sucursal ou se nos termos do contrato, o cumprimento das obrigações é da responsabilidade dessa
sucursal, neste caso, para Roma I a residência habitual seria o local onde se situa a sucursal (excepção).
No exemplo, consideraríamos residência habitual a Espanha, em virtude
do contrato celebrado com a sucursal.
No caso das pessoas singulares que estão a exercer actividades profissionais, a residência habitual é o
local onde se situa o estabelecimento principal (art. 19º/1).
Neste conceito de residência habitual, para determinar a residência habitual, o momento relevante é a
data da celebração do contrato (19º/3), porque a residência habitual tanto das sociedades como das
pessoas singulares pode variar com o tempo.
Mudanças posteriores não afectariam a residência habitual.
No âmbito do art. 4º/2 a regra que estávamos estudar é : lei do país em que o contraente que deve
efectuar a prestação característica do contrato tem a sua residência habitual.
Falta definir então a prestação característica. No caso de contratos onde simplesmente temos uma
troca de bens ou serviços por dinheiro, a prestação característica é considerada a prestação não
pecuniária. Num contrato em que trocamos um bem em troca de dinheiro, a prestação característica
seria a entrega do bem. Se estamos a falar de serviços, o mesmo. Todos os contratos que
correspondam a este tipo de esquema, a prestação característica é a prestação não pecuniária.
O problema é que há muitos contratos que não correspondem a este esquema. Como determinamos
nestes outros contratos a prestação característica? O que o Roma I estabelece no preâmbulo (ponto
19) é: Caso os contratos consistam num conjunto de direitos e obrigações susceptíveis de serem
classificados em vários tipos especificados de contratos, a prestação característica do contrato deverá
ser determinada tendo em conta o seu centro de gravidade. Então, para o regulamento Roma I a ideia
é que para contratos que não correspondam a este esquema de troca de bens e serviços por dinheiro,
a ideia é determinar o centro de gravidade do contrato. Quando encontremos a parte do contrato que
leva a cabo as obrigações que constituem o centro de gravidade, esta é a prestação característica .
Temos de examinar todas as obrigações das partes e ver das duas partes do contrato, qual delas leva a
cabo as obrigações mais importantes. Pode ser uma questão do valor das prestações em questão, do
número, da qualidade, da quantidade das prestações. A parte do contrato que leva a cabo a maior
parte das obrigações, sobre essa parte incidirá o centro de gravidade do contrato, a prestação
120
característica. Mas será o tribunal que vai determinar onde considera que está o centro de gravidade.
O que acontece nestes casos é que as partes, perante o tribunal, provarão as obrigações que cada uma
tem de levar a cabo. Porque se eu sou a parte do contrato considerada prestador característico, aplica-
se a minha lei.
Resumindo: temos de ir ver primeiro de a nossa situação se enquadra num destes oito contratos do
4º/1. Não sendo um destes oito, aplica--‐se o 4º/2. Mas depois de todo este trabalho temos a cláusula
de excepção. Segundo isto, se temos um contrato que corresponde a estes oito ou a essa segunda
regra, em ambos os casos, caso resulte do conjunto das circunstância do caso que o contrato tem uma
conexão manifestamente mais estreita com outro país do que o indicado nos números 1 ou 2, é
aplicável a lei desse outro país. Nesse caso, é possível substituir estas regras e aplicar a lei do país
com que o contrato apresenta essas conexões manifestamente mais estreitas (4º/3).
Por exemplo, na compra de mercadorias, como regra geral, é aplicável a lei do país da residência
habitual do vendedor. Mas se aplicarmos esta cláusula de excepção, podemos substituir a lei da
residência habitual do vendedor pela lei do país com que o contrato apresenta conexões
manifestamente mais estreitas. Para aplicar está regra, em primeiro lugar, é preciso que uma das
partes do contrato ou as duas, aleguem perante o tribunal, que desejam aplicar a cláusula de excepção
e provem porque consideram que há outra lei que apresenta vínculos manifestamente mais estreitos
com o contrato. O tribunal é o que decide. O facto de uma das partes alegar que deve ser aplicada está
excepção não garante que seja aplicada finalmente, porque quem decide é o tribunal, não está
obrigado pelas alegações das partes. Por isso, as partes não sabem a priori se o tribunal aplicará ou não
a excepção.
Muitos tribunais preferem ano aplicar a cláusula de excepção porque consideram que está prejudica a
previsibilidade do regulamento Roma I, porque as partes sabem que quando o contrato é um destes
oito a previsibilidade é aplicável.
Possíveis problemas: no regulamento Roma I não estão estabelecidos que elementos podemos ter em
conta para conexões manifestamente mais estreitas. Por isso, as partes devem provar porque
consideram haver conexões mais estreitas. Na opinião da doutrina, um possível caso para activar está
cláusula é o caso em que o contrato, as obrigações contratuais, vão ser executadas num país distinto
do que indica a regra geral. Pensamos no caso da compra e venda de mercadorias, seria aplicável o art.
4º/1 a lei do país da residência habitual do vendedor. Se a entrega das mercadorias, o pagamento das
mercadorias, tem de ser receptadas num país distinto da residência habitual do vendedor, é possível
que o tribunal admita activar a cláusula de excepção.
Pensemos na compra e venda de mercadorias que o vendedor recebe habitualmente na Espanha.
Segundo o art. 4º/1 aplicaríamos a lei espanhola. Mas se a entrega das mercadorias e o pagamento
tem lugar, por ex., em Portugal, uma das conexões leva a Espanha (residência habitual do vendedor),
mas as obrigações do contrato vão ser levadas a cabo em outro país. Então, neste caso, pode pensar--‐
se que as conexões mais estreitas são com Portugal. O que se tem aqui em conta é onde vão ser
levadas a cabo as obrigações do contrato.
Por fim, vamos ver o art. 4º/4 : Caso a lei aplicável não possa ser determinada nem em aplicação do
n.o 1 nem do n.o 2, o contrato é regulado pela lei do país com o qual apresenta uma conexão mais
estreita.
Uma das primeiras diferenças entre esta regra é a cláusula de excepção é como chegamos a solução.
Na cláusula de excepção os passos a seguir foram: 4º/1 ou 4º/2 e depois será corrigido com a cláusula
de excepção. Aqui chegamos depois de encontrar uma regra no 4º/1 ou 4º/2 aplicável ao nosso
contrato. Esta cláusula substitui a lei que já determinamos.
Neste caso do 4º/4, está é uma cláusula subsidiária. Este caso esta pensado para um contrato que não
é dos oito previstos no 4º/1 e tão pouco podemos aplicar a regra do 4º/2 porque é um contrato onde
não existe prestação característica. Então, se não posso determinar lei aplicável, aqui se chega a
conexão subsidiária. O caso típico para chegar a esta conexão subsidiária é o caso das permutas.
121
Nestes contratos em que trocamos bens por bens, não há pagamento em dinheiro. Não é dos oito
contratos do 4º/1. No 4º/2 tínhamos de encontrar a prestação característica do contrato e o problema
é que numa permuta os bens trocados são por norma bens da mesma qualidade e quantidade. Então
não encontramos prestação característica ou poderíamos dizer que ambas são as prestações
características. Então, não estando nos 8 contratos e não encontrando a prestação característica, então
vamos a cláusula subsidiária, ou seja, lei do país com o qual o contrato apresenta uma conexão mais
estreita. O tribunal valora os dados do caso e determina qual o país com vínculos mais estreitos com o
contrato e está é a lei que resulta aplicável.
Também há uma doutrina, em relação às conexões mais estreitas, que fala no caso em que uma parte
do contrato faz uma oferta para contratar a uma empresa de outro país. A doutrina considera que este
seria outro caso de conexões mais estreitas. Por exemplo, uma sociedade espanhola quer contratar
com sociedades de Portugal. Eu como sociedade espanhola quero chegar ao mercado português.
Segundo a doutrina, se eu lanço ofertas ao mercado português a doutrina considera que eu, como
estou a dirigir‐me a outros mercados, faz sentido que como conexões mais estreitas sejam aplicadas as
leis do mercado aos quais me dirijo.

Aula 05 Maio

Na última aula apercebi-me que ficaram algumas dúvidas relativamente à prestação


característica No âmbito ainda do regulamento Roma I, Como é que nós determinamos qual é que é a
prestação característica de um contrato, Nós vamos ter que ver qual é que a prestação que nos
permite dizer que Estamos perante um tipo real de contrato.
Por exemplo contrato de compra e venda, esse até nem suscita grandes problemas visto que
está previsto No artigo 4º nº 1 alínea A) mas por exemplo, No contrato compra venda o que é que nós
temos, temos vendedor que tem obrigação de entregar a coisa E o devedor tem obrigação de pagar o
preço. Contrato prestação de serviço, O prestador tem a obrigação de prestar de serviço E o
comprador de pagar o preço. Estes dois exemplos permitem ver qual é que é a prestação que permite
dizer Se estamos perante a compra venda estamos perante prestação de serviços, a prestação de
entrega da coisa, ou Prestação do serviço propriamente dito, outra prestação num caso como no outro
é pagar o preço pagar o valor.
Estação característica é aquela que nos permite dizer Se estamos perante um determinado tipo
contratual, a prestação que caracteriza um contrato.
Se estivermos por exemplo perante um contrato de mútuo temos dinheiro de um lado e de outro, mas
é sempre mutuante quem empresta dinheiro ao mutuário, no caso do mutuo bancário, depois temos
um mutuário fazer o quê, ter de devolver o dinheiro eventualmente com o pagamento de juros, mas
perante estas duas prestações qual delas é que nos permite dizer que estamos perante um contrato de
mútuo, a prestação feita pelo mutuando, esta é a prestação característica. Percebido?

Depois ainda apenas um aspecto que eu queria salientar o artigo 3º e 4º vêm nos dizer qual é
que é lei se aplica a substância do contrato, No que respeita à validade formal do contrato, A forma do
contrato, nós vamos aplicar É um artigo 11º do RomaI que também foi referido explicado pela
professora Célia. Se nós quisermos saber se o contrato é formalmente válido vamos aplicar o artigo 11º
por acaso até admite como uma das possíveis leis aplicáveis a lei que se aplica à substância também se

122
aplica à forma do contrato embora aí encontremos conexões alternativas tendo subjacente também o
favor negoti. Portanto tu a explicação que professora Célia fez do artigo 11º é válido como não podia
deixar de ser, mas também se aplica para determinar da própria validade formal do contrato.

Vamos agora tratar da lei pessoal das pessoas colectivas e esta lei, é a lei que regula a
constituição adida de extinção da pessoa coletiva e aqui poderíamos encontrar três principais soluções
em abstrato, na determinação da lei pessoal das pessoas colectivas, entre as quais se incluem as
sociedades comerciais.
Quais são então estas três principais teorias:

Primeiro: teoria da incorporação, esta aplica-se à Pessoa colectiva a lei com a qual esta se
constituiu e organizou, por isso aplica-se a Lei onde a sociedade se constituiu. Esta solução tem
subjacente a autonomia da vontade e é a que favorece mais os fundadores da pessoa coletiva, esta
teoria pode no entanto apresentar fragilidades, porque depois de constituída, imaginemos que temos
uma sociedade constituída em Espanha mas que depois muda para outro sítio qualquer atua noutro
país, tem sede estatutária noutro país, e acaba por não apresentar uma ligação efetiva com a lei do
país onde se constituiu, esta teoria pode apresentar de facto esta fragilidade.

Segundo: a aplicação da lei da sede estatutária ao aplicar esta lei aplica-se a lei que está
indicada nos estatutos ou nos pactos sociais. Esta solução tem a vantagem de ser facilmente
identificável e de ser publica, porque em princípio todas as pessoas tem acesso aos estatutos das
sociedades, e portanto sabe-se qual é esta lei, da sede estatutária.
Crítica feita a esta tese é que a sede estatutária pode não corresponder à sede real. Por exemplo,
Agora menos há uns tempos envio muitas empresas com sede estatutária na Madeira, eu duvido que
todas elas desenvolvessem atividade na Madeira. Aqui esta solução facilita um pouco a fraude à lei e
por isso terá também ser uma solução criticável.

Terceiro: corresponde na aplicação da lei do país da sede real, e esta na verdade é a solução
que está consagrada no direito português, a sede real efetiva tem sido definida com recurso a fatores
que são reconhecíveis externamente. Esta sede real consiste no lugar das decisões fundamentais da
direção que se traduzem em atos de gestão corrente, não basta saber onde é que é a administração se
reúne para tomar as decisões, reunir por exemplo uma vez por nas bahamas não é suficiente, o que
interessa é onde é que as decisões da direcção são depois traduzidos em atos de gestão corrente.
Esta solução é favorável aos interessados que contratam com sociedades comerciais, porque
muitas das vezes tem a noção de onde é que essas sociedades desenvolvem a atividade, no entanto
tem também desvantagem de aqui as pessoas que contactem com a sociedade nem sempre têm
noção onde é que se desenvolvem esses atos de gestão corrente, além do mais só existe sociedade
quando esta passa a ter sede efetiva quando passa a desenvolver sua atividade, temos então um
problema, qual é a lei que se aplica para determinar as regras relativas à própria Constituição da
123
sociedade nesse caso poderá ter de se aplicar a lei do local onde sociedade está a ser constituída, esta
é de facto uma das possíveis soluções atende-se portanto a um outro elemento de conexão.

Quais são as soluções consagradas no Direito Internacional privado nas normas de conflitos
possíveis?

Temos então desde logo no artigo 33º do Código Civil, a Regra geral que determina que é
pessoa colectiva tenho como lei pessoal a lei do estado onde se encontra situada sua sede principal
efetiva da sua administração está então aqui consagrada a teoria de aplicação da lei do país da sede
real,
Conforme eu disse esta solução tem esta fragilidade de de facto não perceber qual é a lei que se aplica
quando ele começa a desenvolver sua atividade, enquanto ela estiver a ser constituída aplica se a lei do
lugar onde estiver a ser constituída, depois de constituída eventualmente a da sede estatutária. Mas
depois de determinado onde é que ela desenvolve a sua atividade aplica-se a lei desse país onde está a
desenvolver a sua atividade. É Esta a regra geral no que respeita as pessoas colectivas.

Mas depois temos regras especiais, desde logo no que respeita ás sociedades comerciais temos
então a regra que está prevista no artigo 3º nº1 do código das sociedades Comerciais que manda
também aplicar a lei da sede principal do local da sede efetiva da administração.

Muita atenção quando se pergunta como é que nós determinamos a lei pessoal de uma
sociedade comercial, nada de olhar para o artigo 33º do Código Civil, vamos olhar para o artigo 3º do
Código das sociedades Comerciais, porque é regra especial e portanto é essa disposição que temos
de aplicar.

Dizia, o artigo 3º nº1 do Código das sociedades Comerciais manda aplicar a lei da sede principal
e efetiva da administração no entanto esta regra do artigo 3º nº1 do Código das sociedades Comerciais
não é igual a do artigo 33ºnº1 do Código Civil, Porque porque o artigo 3º nº1 do CSC tem uma segunda
parte que o 33º não tem.

Indico o artigo 3º nº1 Segundo período em que a regra é a aplicação da lei do país onde a
sociedade tenha sede efectiva, todavia a sociedade que tenha sede em Portugal, não pode Contudo
opôr a terceiros a sua sujeição a Lei diferente da lei portuguesa.
Portanto se nós tivermos na sociedade comercial que tem sede principal e efetiva no país X mas que
tem sede estatutária em Portugal diz no artigo 3º nº1 do CSC esta sociedade não pode opôr terceiros
sua sujeição a lei diferente que a portuguesa que é sede estatutária.

Qual é o princípio que está subjacente a esta sujeição: visa-se aqui tutelar a confiança em
direito internacional privado, Isto porque uma sociedade que tem sede estatutária neste caso em
Portugal que é que a regra determina, pode criar expectativas nas partes com quem se relaciona no
sentido em que a sua lei pessoal é a lei da sede estatutária, porque desde logo se estivermos a
124
contactar com uma sociedade quisermos saber qual é sua lei pessoal, que elementos é que sem
qualquer margem para dúvidas temos de aceder, temos de aceder desde logo aquilo que constata do
registo comercial e o que consta do registo comercial, é a sede estatutária.
A sede estatutária é desde logo aquela a que todas as pessoas podem aceder. E na verdade é
que esta expectativa na aplicação da sede estatutária, porque é aquela que sem qualquer margem para
dúvidas pessoas conhecem, seria defraudada seria sociedade pudesse opor a terceiros a sua sujeição
à lei do país onde tem a sua sede efetiva, se calhar as pessoas podem nem saber onde é que fica
porque podem não ter noção onde é que são tomados os actos de gestão corrente. No entanto esta
tutela da confiança de acordo com a letra da lei não é levada até às últimas consequências porque de
acordo com esta disposição, conforme nós vimos, ela limita a sua aplicação, a aplicação da lei da sede
estatutária, aos casos em que sede estatutária se localiza em Portugal porque é isso que diz o artigo.

O legislador português podia aqui se quisesse ter feito uma bilateralização da norma ou seja
podia ter dito pura e simplesmente qualquer coisa como, todavia não pode ser oposta à lei da sede
estatutária ponto, quer ficasse em Portugal quer ficasse noutro Estado mas o legislador não o fez e a
verdade é que existe uma divergência na doutrina relativamente à interpretação desta disposição.

Segundo alguns autores, o exemplo do professor Marques dos Santos entendia que se o
legislador não bilateralizou esta norma foi porque não quis, E portanto apenas quis que fosse
eventualmente aplicada a lei da sede estatutária Se a sede estatutária se localizasse em Portugal e não
num noutro país.
Segundo outros autores nos quais se encontram professor Lima Pinheiro e o professor Dário
Moura Vicente, entende-se que existe aqui nesta disposição uma lacuna, porque a ideia que está
subjacente a este artigo terceiro número um segunda parte do código das sociedades comerciais é a
tutela da confiança, nos casos em que sede estatutária está situada em Portugal, mas será que se
justifica apenas tutelar a confiança de terceiros quando a sede estatutária se localiza em Portugal, será
que não se justifica também uma tutela da confiança de terceiros quando a sede estatutária se localiza
noutro país que não Portugal?
E a verdade é que de facto não se encontra justificação para não haver também esta tutela da
confiança, porque o princípio da tutela da confiança de terceiros é um princípio que está subjacente ao
direito internacional privado. Daí que segundo esta outra orientação doutrinária temos aqui uma
lacuna. Tendo o nós aqui esta lacuna vamos ter de integra-la, recorrendo em regras que já existem, no
caso aplicando analogicamente. Então neste caso é feita uma bilateralização da norma da parte final
do artigo terceiro número um do Código das sociedades Comerciais, neste sentido dir-se-á mesmo
que a sede estatutária se encontre num outro estado que não Portugal, não poderá ser oposto a
terceiros outra lei que não a leio da sede estatutária, portanto é feita a bilateralização da norma, onde
se lê Portugal passa a ler-se qualquer estado onde esteja situada a sede estatutária.

Vamos agora voltar um pouco atrás vamos voltar ao princípio. O princípio que está subjacente,
é o princípio da tutela dos terceiros que contactam com a sociedade comercial, ora em que casos é
125
que existem razões para tutelar da confiança de terceiros, no caso em que os parceiros não sabiam
qual é que era lei da sede principal efetiva. Só nesses casos é que justifica efetivamente tutelar a
confiança de terceiros, e é de facto só nestes casos que se poderá justificar que então em vez de
aplicar lei da sede principal e efetiva aplicar a lei da sede estatutária. Teríamos de ver se se justifica
uma tutela da confiança ou se basta a aplicação da lei da sede efetiva. Isto para dizer que aquilo que
temos o artigo 3º nº1 do código das sociedades comerciais não é uma conexão optativa, é que
interpretado doutra maneira poderíamos ter uma conexão optativa e os terceiros, aqueles que
contactassem como sociedade tanto podiam olhando para o artigo 3º nº1 do CSC dizer é aplicada a lei
da sede principal efetiva, e depois perguntaria, isto dá me jeito ou será que me dá mais jeito a aplicara
a lei da sede estatutária aí teríamos uma conexão optativa.
Aqui não temos uma conexão optativa, aplica-se por regra a lei da sede principal e efetiva só se
aplica a a lei da sede estatutária para proteger a tutela da confiança de terceiros que esteja em
causa, e se esses terceiro não conhecessem a sede principal e efectiva e apenas conhecessem a sede
estatutária. A sede estatutária primeiro porque é aquela que está prevista na lei e depois porque é
aquela que as pessoas têm sempre a possibilidade de conhecer porque consta do registo que é público.

Agora quais são as questões que são reguladas pela lei pessoal das pessoas colectivas no geral
e das sociedades comerciais em especial, o artigo 33º do CC, o nº2 diz: “ à lei pessoal compete
especialmente regular a capacidade da pessoa coletiva a constituição o funcionamento a competência
dos seus órgãos Os montes de aquisição e de perda da capacidade de associado dos respetivos direitos
e deveres, a responsabilidade da pessoa coletiva bem como a dos respetivos órgãos e membros perante
terceiros, a transformação, dissolução e extinção da pessoa coletiva” todas estas as matérias são
tratadas pela lei pessoal das pessoas colectivas, notem que esta disposição no artigo, na parte inicial
diz: “que à lei pessoal compete especialmente”, este elenco é meramente indicativo não é taxativo, se
nó quisermos saber se uma determinada sociedade comercial tem ou não te capacidade para celebrar
um determinado negócio jurídico vamos aplicar a lei pessoal, qual? a lei da sede efectiva da
sociedade.

Para regular o contrato já é outra história, para o contrato propriamente dito, é aplicado o
regulamento Roma I, tudo o que respeite à sociedade é aplicada a sua lei pessoal.
Esta é a regra que temos no 33º nº2 do CC, aplica se às pessoas colectivas, às sociedades comerciais
temos o artigo 3º do CSC. Mas no art 3 não temos nenhuma disposição semelhante à do artigo 33º nº2
então neste caso vamos ter de recorrer ao nº2 do artigo 33 do CC.
Quando queremos determinar lei pessoal de pessoas colectivas no geral artigo 33º nº1
quando queremos saber a lei pessoal de sociedades comerciais artigo 3º nº1 do CSC. âmbito da lei
pessoal art 33º nº2 para todas as pessoas colectivas sejam ou não sociedades comerciais.

Depois podemos ter problemas que se prendem com a transferência internacional da sede ou
com a fusão internacional, uma vez mais vamos encontrar regras distintas quando falemos de pessoas
colectivas ou sociedades comerciais no caso das pessoas colectivas temos o artº33 nº3 a dizer que a
126
transferência de um estado para o outro da sede das pessoas colectivas não extingue a personalidade
jurídica desta se nisto convierem as leis de uma e outra sede, ou seja vamos encontrar aqui uma
conexão cumulativa porque se exige que as duas leis, a lei de onde sai a pessoas colectivas e a lei que a
acolhe aceitem que a pessoas colectivas mantenha a sua personalidade jurídica, o artigo3º do CSC tem
umas regras um pouco especiais a este respeito vem dizer nos termos do artigo 3º nº2 “que a sociedade
que transfira a sua sede efectiva para Portugal mantém a personalidade jurídica se a lei pela qual se
regia nisto convier, mas deve conformar com a lei portuguesa o respectivo contrato social”.

Portanto aqui Portugal à partida aceita desde que a lei do país de origem da sociedade
comercial diga que pode manter a personalidade jurídica, nós também aceitamos que ela mantenha,
este ponto é importante porque as pessoas colectivas incluindo as sociedades comerciais não tem
exactamente uma realidade ontológica, ou seja quando falamos em pessoas colectivas estamos a falar
de realidades jurídicas, quando falamos em pessoas singulares a história é outra as pessoas quer
queiramos quer não ontologicamente existem, as pessoas colectivas só existem se juridicamente
existirem. podemos dizer que quem dá a vida a cada um de nós foram os nossos pais nas pessoas
colectivas tem de ser a própria ordem jurídica a lhes dar vida e é por isso que apenas se aceita que
uma determinada pessoa colectiva mantenha a sua personalidade jurídica quando ela passa para um
outro país, se o ordenamento jurídico que lhe deu vida, que permitiu que ela fosse uma pessoa
colectiva assim o admitir, e é isso justamente que resulta aqui do artigo 3º nº3 do CSC que diz: “ A
sociedade que transfira a sua sede efectiva para Portugal mantém a personalidade jurídica se alei pela
qual se reger (portanto eventualmente onde ela se constituiu, que lhe era aplicável) nisso convier mas
depois deve de conformar com a lei portuguesa o respectivo contrato social”.

Por outro lado nos termos do nº4 prevê-se aqui que “a sociedade que tenha sede efectiva em
Portugal pode transferi-la para outro país mantendo a sua personalidade jurídica se a lei desse país
nisso convier” aqui já é uma sociedade que sai de Portugal para outro país, neste caso vamos ter de
perguntar se o país para onde a sociedade é transferida também aceita que a sociedade mantenha a
personalidade jurídica, se o país aceitar, nós também aceitamos e a sociedade pode então manter a
sua vida.

O nº5 do artigo 3º vem aqui dizer que: “ a deliberação de transferência da sede prevista no nº
anterior (ou seja da sede que está em Portugal e pretende transferir-se para um outro país) deve de
obedecer aos requisitos para as alterações do contrato de sociedade, não podendo em caso algum ser
tomada por menos de 75% dos votos correspondentes ao capital social” e depois também existem aqui
umas regras relativamente à integração, portanto vamos encontrar aqui regras especificas no que
respeita a esta transferência, nós já vamos ver de facto se estas transferências podem ter estas
exigências acrescidas.

Depois no que respeita à fusão comercial das pessoas internacional colectivas temos o artigo
33º nº4 do CC. que determina que a fusão de entidades com lei pessoal diferente é apreciada em face
127
de ambas as leis pessoais portanto se nós tivermos duas pessoas colectivas que tem leis pessoais
diferente só poderão ser fundidas de acordo com as suas realidades jurídicas e se ambas as leis nisso
convieram, portanto temos aqui uma conexão cumulativa.

Depois ainda temos uma regra nos artigo 34º do CC. que é uma regra aplicável às pessoas
colectivas internacionais, de acordo com este artigo: “a lei pessoal destas pessoas é designada na
convenção que as criou onde nos respectivos estatutos e na falta de designação, a do país onde estiver
a sede principal”, portanto aqui basicamente aplica-se a lei que tiver sido escolhida no âmbito da
convenção que criou essa mesma pessoa colectiva, estas pessoas aqui , estamos a falar de pessoas cuja
a criação depende de um acto de direito internacional, como é o caso da ONU da União Europeia
eventualmente da FIFA também, portanto tudo isto são exemplos de pessoas colectivas
internacionaiss que não se confundem com as pessoas colectivas que estão previstas no artigo 33º.

Depois há ainda a questão do impacto do Direito Europeu, nós já sabemos que o direito
Europeu e em especial o exercício das liberdades Europeias tem influenciado muito o direito
internacional privado e continua também aqui a influenciar.
O professor Nuno quando falou da fraude à lei falou aqui de um acórdão interessante que era o
acórdão Centrus. Nesse acórdão tínhamos em causa uma sociedade que tinha sido constituída em
Londres mas as pessoas que a tinham constituído eram Dinamarquesas e quiseram que a sociedade
desenvolvesse a sua actuação na Dinamarca, nesta altura as autoridade dinamarquesas pediram que
ela se registasse também na Dinamarca, porque em primeiro lugar entenderam que havia fraude à lei,
porque esta sociedade tinha sido constituída em Londres porque os custos da constituição eram muito
menores, e depois pretendiam desenvolver a sua actividade em qualquer estado membro da UE
porque a liberdade de circulação, a liberdade de estabelecimento assim o permite, e a verdade é que
de acordo com o Tribunal de Justiça da UE veio aqui considerar-se que a constituição e fixação da sede
de uma sociedade comercial em sede de estado membro da UE com o intuito de aplicar a lei de outro
estado membro com o qual a sociedade apresente as suas conexões fundamentais não é susceptível de
ser qualificada como fraude à lei em direito internacional privado desde que esses actos se fundem no
exercício das liberdades de estabelecimento.
Na prática esta sociedade acabava por ser aplicada a lei Inglesa, portanto o principio que está
subjacente aqui é que uma sociedade pode constituir em qualquer estado membro da UE e depois
pode desenvolver a sua actividade em qualquer outro estado membro também da UE, sem que seja
obrigada a constituir-se à luz da lei desse estado onde efectivamente desenvolve a sua actividade,
vamos encontrar aqui uma limitação importante à aplicação da lei da sede principal efectiva. Sede
principal e efectiva acaba por ver a sua aplicação condicionada, como a Dinamarca viu a aplicação da
sua lei condicionada, dizendo “não, não a sociedade está constituída ela pode actuar a a partir da
Dinamarca.”
Na verdade esta solução compreende-se que assim seja, de outro modo os estados membros
da UE podiam restringir o exercício das liberdades Europeias mediante a invocação da necessidade de
reprimirem uma alegada fraude à lei sempre que os particulares tirassem partido das diferenças que

128
existem entre essas leis, a consequência era que não se permitia aos particulares irem à procura da lei
que lhes garantisse mais vantagens, porque na verdade é isso que se admite.
Basicamente aquilo que se entende, é que no âmbito da UE tenta-se na medida do possível
uniformizar as várias leis materiais de modo a que não existam grandes discrepâncias em vigor nos
vários estados membros, mas há, e então aqui visa-se tentar estimular a concorrência entre as leis dos
estados membros da UE de modo a que cada estado membro acabe por adaptar a sua lei, de modo a
conseguir atrair mais sociedades comerciais. Por exemplo há uns anos atrás era necessário um capital
mínimo de 5 mil euros para se constituir, actualmente já não, agora é 1 euro, vemos então a
concorrência entre estado membros a ser muito estimulada.

Há ainda um ponto importante, apesar de tudo, também resulta do acórdão Centrus, que
poderá não ser necessariamente aplicável a lei onde a sociedade foi constituída e de facto ser lhe
aplicada mesmo a lei da sede efectiva nos casos por exemplo em que as sociedades actuem de forma
fraudulenta visando designadamente fugir ao pagamento dos seus credores, o próprio acórdão
Centrus ressalva esta hipótese, esta decisão jurisprudencial, acabou também por ser confirmada por
outros acórdãos do Tribunal de Justiça da UE para lá do acórdão Centrus há outros também famosos,
por exemplo:

Acórdão Inspireart lda, do processo C-167/2001 neste caso também se tratava de uma
sociedade que tinha sido constituída no reino unido de acordo com o direito inglês, uma vez mais não é
por acaso, mas o seu único administrador tinha domicilio na Holanda onde a sociedade exercia toda a
suas actividade centrada na venda de objectos de arte, o tribunal de Amsterdão entendeu neste caso
tratar-se de uma sociedade formalmente estrangeira e estava por isso sujeita a certas obrigações
previstas na lei Holandesa relativa a matricula, capital mínimo, publicações sociais, o que enfim já se
sabe não era nada que agradasse a esta sociedade, e o que o Tribunal de Justiça da Ue vem entender
neste caso é que a aplicação das regras holandesas à sociedade implicavam um entrave à liberdade de
estabelecimento garantido pelo tratado, e por isso o tratado opunha-se à aplicação da lei Holandesa,
ou seja o tratado na prática opunha-se à aplicação da lei da sede principal efectiva que era na Holanda,
mas não se pôde aplicar a lei Holandesa porque neste caso se entendeu que contrariava a liberdade de
estabelecimento.
Um outro acórdão relevante nesta matéria, é o acórdão (não entendi nome do acórdão) do
processo C-208/2000 neste caso havia uma sociedade que tinha sido constituída na Holanda em
conformidade com o direito Holandês e tinha sede social na Holanda, entretanto as quotas
participativas desta sociedade tinham sido integralmente adquiridas por dois cidadãos alemães e tinha
sido a sede transferida para Dusseldorf a sede efectiva desta sociedade.
Entretanto esta sociedade demandou outra sociedade com sede na Alemanha e o tribunal
alemão julgou esta acção inadmissível com fundamento em que a “nossa” sociedade apenas poderia
estar em juízo se se reconstituísse na Alemanha, está se mesmo a ver o que o Tribunal de Justiça da UE
veio dizer, que não tinha nada que se reconstituir a sociedade porque uma tal exigência seria contrária
ao exercício da liberdade de estabelecimento e em consequência esta sociedade acabou por ter de ser
reconhecida na Alemanha.
129
Que relevância tem tudo isto quando por exemplo olhamos para o artigo 3º do CSC? isto
significa que sempre que uma sociedade se tiver constituído à luz da lei de um determinado estado e
se ela quiser transferir-se para Portugal em principio de facto vai puder actuar a partir de Portugal sem
que lhe seja exigido que ela se reconstitua em Portugal.
É claro que existem algumas exigências que poderão ser feitas, mas as exigências que podem ser feitas
por Portugal no caso nunca podem ser tais que ponham em causa o exercício das liberdades Europeias,
daí que todas estas regras tem de ser sempre interpretadas de acordo com os principio da UE que
estão consagrados nos tratados.

Portanto, todas as exigências que estão previstas no artigo3 º do CSC vão ter de ser
apreciadas nos casos em que se trate de uma sociedade proveniente de um estado membro e que
vá para outro estado membro, é óbvio que esta questão só se coloca quando estamos a falar do
espaço Europeu, se se tratar de um sociedade que tem sede no Brasil e se quer transferir para o
Portugal ou tem sede em Portugal e se quer transferir para Marrocos, já não há essas dificuldades.

Eu não queria todavia deixar também agora de fazer referência a um outro acórdão que é o
acórdão Cartesio, que é mais recente de 2008 do processo C-210/06 neste acórdão o que estava em
causa era uma situação diferente, tínhamos uma sociedade que estava constituída na Hungria e que
desenvolvia a sua actividade também na Hungria e esta sociedade quis transferir-se para Itália, e
pretendia transferir-se para Itália, mas manter a personalidade jurídica também na Hungria, ou seja
queria manter a personalidade jurídica nos dois estados. Aqui o Tribunal de Justiça da UE decidiu no
sentido: “ no estado actual do direito comunitário, os artigos 43º c) e e) e os artigos 48º devem de ser
interpretados no sentido em que não se opõem a uma regulamentação de um estado membro que
impede que uma sociedade constituída ao abrigo do direito nacional desse estado transfira a
respectiva sede para outro estado conservando ao mesmo tempo a sua qualidade de sociedade de
direito nacional de estado membro em conformidade com a qual foi constituída.”
Ou seja neste caso o Tribunal de Justiça da UE veio dizer que a Hungria tinha plena liberdade
para determinar se de facto a sociedade uma vez transferida, mantinha ou não a personalidade jurídica
na Hungria, porque reparem aqui não está a ser posta em causa a liberdade de circulação ou a
liberdade de estabelecimento.
Quando a Hungria diz que o direito Húngaro não se opõem a que a sociedade mantenha a
personalidade jurídica em Itália, a única coisa que o direito húngaro se opõem é a que mantenha a
personalidade jurídica em Itália e na Hungria. Ele não tem oposição a que a sociedade transfira a sua
sede e passe a actua em Itália, a única coisa a que se opõe é que mantenha personalidade jurídica em
ambos países.
Aqui a UE entendeu que não havia problema porque não estava a ser posto em causa o
exercício da liberdade de circulação ou de estabelecimento. Este acórdão há quem se refira a ele como
sendo já um travão à orientação anteriormente seguida nos outros acórdãos, embora sendo esta
situação um pouco especial porque reparem que a ideia é sempre a mesma, se foi a Hungria que
entendeu que aquela era uma sociedade comercial que admitiu que ela tivesse personalidade jurídica
130
é também ao tribunal húngaro que cabe dizer se ela deve ou não manter a personalidade na Hungria
uma vez transferida para outro país, isto é o que resulta deste acórdão.
Eu recomendo que o obtenham, assim como os outros que foram referidos e há um artigo do professor
Dário Moura Vicente a este respeito que está no livro de temas dele.

Aula teórica de 14/05/2015


Na aula passada ficamos no regulamento Roma V. Tínhamos visto o âmbito de aplicação e as normas
de conflitos principais, assim como o art. 34º. E tínhamos visto que este art. 34º do Roma V é um artigo
com alguma complexidade que se prende pela delimitação pela negativa, ou seja, em que casos não
existe reenvio, em que casos o art. 34º não se aplica. E aquilo que nos vimos é que este art. 34º não se
aplica nas hipóteses previstas no art. 34º/2 e aí remete-se para os arts 21º/2, 22º, 27º, 28º alinea b) e
art. 30º. Portanto, em todos os casos em que nos apliquemos estas disposições, nós não vamos fazer o
reenvio, conforme está previsto no artigo 34º/1. Para além disso, o art. 34º/1 diz que “nos termos do
presente regulamento por aplicação da lei de um Estado terceiro”, o que significa que nós só vamos
aplicar este artigo se a lei designada por força das normas de conflitos for a lei de um estado terceiro e
não se for a lei de um estado membro. E vimos também que aqui por lei de um estado terceiro
entendia-se todas as leis de estados não membros da UE e também estados membros da UE,mas que
não estavam vinculados pelo regulamento ( Reino Unido, Irlanda e Dinamarca).
Em que casos vamos aplicar o art. 34º? O art. 34º/1 diz:
Nos termos do presente regulamento, por aplicação da lei de um Estado terceiro, entende-se a
aplicação das normas jurídicas em vigor nesse Estado, incluindo as normas de direito internacional
privado, na medida em que aquelas regras remetam para:
a) A lei de um Estado-Membro; ou
b) A lei de outro Estado terceiro que aplicaria a sua própria lei.
Esta disposição não me parece completamente clara, primeiro porque fala aqui em normas de direito
internacional privado. O que significa? São só as normas de conflitos, ou são também as normas de
devolução? Eu entendo que de facto aqui o que estão em causa são normas de conflitos e normas de
devolução também. Ou seja, o que releva é que as normas de um estado terceiro apliquem a lei de um
estado membro ou então que as leis desse estado terceiro remetam para a lei de um outro estado, que
esse próprio aplicaría a sua própria lei.
Temos de ter em atenção desde logo o considerando 57 que diz: “As regras de conflito de leis
estabelecidas no presente regulamento podem resultar na aplicação da lei de um Estado terceiro.
Nesses casos, haverá que atender às regras do direito internacional privado da lei desse Estado. Se
essas regras previrem o reenvio para a lei de um Estado-Membro ou para a lei de um Estado
terceiro que aplicaria a sua própria lei à sucessão, esse reenvio deverá ser aceite a fim de assegurar
a coerência internacional.. O reenvio deverá, todavia, ser excluído nos casos em que o falecido
tiver feito uma escolha de lei a favor da lei de um Estado terceiro”.
O que é isto da coerência internacional? Não se sabe bem, mas eu imagino que seja a harmonia
internacional de julgados. Daí que esta disposição estará preenchida nos casos em que tenhamos, por
exemplo, L1 a remeter para L2 ( que é a lei de um estado terceiro) que por sua vez apliquem a lei de
um estado membro. Ou então podemos ter uma outra hipótese, que é a lei de um estado terceiro
aplicar a lei do estado do foro, que como se está a aplicar o regulamento, é necessariamente um
estado membro, se o caso está a ser discutido em Portugal.
O que releva? Releva que L1 remeta para a lei de um estado terceiro e que a lei deste estado terceiro
aplique a lei de um estado membro, seja do foro ou outro. Note-se que não basta que L2 remeta para
um outro estado, é preciso que L2 aplique de facto a lei desse outro estado.
A hipótese que está prevista na alinea B) do 34º/1 é a hipótese em que as normas de DIP de L2 (estado
terceiro) aplique a lei de um estado terceiro que por sua vez também se consideraria competente.
131
Para que exista reenvio nos termos do art. 34º é preciso que L1 (estado membro) remeta para a lei de
um estado terceiro e que a lei de esse estado terceiro, na primeira hipótese, aplique a lei de um estado
membro ou então que aplique nos termos da alínea B) a lei de um estado terceiro que por sua vez
considera a si própria competente. O princípio subjacente é o da harmonia internacional de julgados
que está um pouco mascarado no considerando 57 pela coerência internacional.
Questão que eventualmente poderá ser discutida é que quando se fala em normas de DIP se está
apenas a falar em normas de conflitos ou também em normas de devolução. Atendendo ao
considerando 57 eu entendo que é também ao sistema de devolução. O professor lima Pinheiro
também entende aqui que abrange também o sistema de devolução.

Depois, quanto ainda ao regulamento Roma V, a estrutura dos vários regulamentos é sempre mais ou
menos a mesma e por isso não é de surpreender que também no regulamento Roma V nos
encontremos regras específicas que regulam a reserva de ordem pública internacional e os
ordenamentos jurídicos complexos.
Reserva da ordem pública internacional : art. 35º vem dizer que “ a aplicação de uma disposição da
lei de um Estado designada pelo presente regulamento só pode ser afastada se essa aplicação for
manifestamente incompatível com a ordem pública do Estado-Membro do foro”. Portanto, a ideia é
sempre a mesma. Quando nos aplicamos o regulamento Roma I, se tivermos um problema de reserva
da ordem pública internacional vamos ter de aplicar a norma que está prevista no Roma i que trata da
reserva da ordem pública internacional. Então, aqui vamos aplicar o art. 35º do Roma V e não o art. 22º
do CC. Não podemos estar a misturar regulamento com normas de fonte interna.
Ordenamentos jurídicos complexos: art. 36º que diz que “um Estado que englobe várias unidades
territoriais, tendo cada uma delas as suas próprias normas jurídicas em matéria de sucessões, as
normas internas de conflitos de leis desse Estado determinam a unidade territorial cujas normas
jurídicas são aplicáveis”. Ou seja, quando vários conjuntos de leis tem uma aplicação em função da
unidade territorial onde estão em vigor. E temos por outro lado previsto no art. 37º os ordenamentos
jurídicos complexos em que os conflitos de leis são interpessoais, ou seja, que encontramos vários
conjuntos de leis, mini sistemas jurídicos aplicáveis consoante as determinadas categorias de pessoas.
Isto nas hipóteses em que nos apliquemos o regulamento Roma V. Porque nós já sabemos que ele só
será aplicado as pessoas que morram ou no dia 17 de Agosto de 2015 ou dai em diante.
Até lá, aplicamos as normas do CC, artigos 62º e seguintes. E de facto o princípio geral está consagrado
no art. 62º. O art. 62º determina então como regra geral que a sucessão é regulada pela lei pessoal do
autor da sucessão ao tempo do falecimento do de cujus. Aqui, uma vez que nós só podemos ter a
certeza qual a lei aplicável a data do falecimento, nós dizemos que estamos aqui perante um estatuto
suspenso.
Temos então aqui a regra do art. 62º que nos diz então que é a lei pessoal do autor ao tempo do seu
falecimento que vai determinar a lei que regula a sua sucessão por morte (art. 62º + 31º/1 CC). No
ordenamento jurídico português temos aqui um sistema que adoptou a unidade da sucessão, ou seja,
vamos aplicar uma única lei a toda a sucessão, que vai ser a lei da nacionalidade.
Há uma diferença entre o que está previsto no regulamento Roma V e o que está previsto no CC,
porque no Roma V a regra geral é a da aplicação da lei da residência habitual com possibilidade de
escolha pela lei da nacionalidade. Aqui não, é apenas a aplicação da lei da nacionalidade. Há cada vez
uma maior relevância da residência habitual em matéria de estatuto pessoal e a isto não são alheias as
liberdades europeias.
No nosso CC por regra aplica-se a lei pessoal que por regra é a lei da nacionalidade e temos então aqui
um sistema da unidade da sucessão e por isso toda a sucessão vai ser regulada pela lei de um único
país. Este princípio da unidade da sucessão também é seguido no regulamento Roma V, mas a verdade
é que nem todos os países seguem esta orientação. Vamos encontrar ordenamentos juridicos, por
exemplo no direito inglês ou no direito francês em que é feita a distinção consoante se esteja a tratar
132
de sucessão mobiliária ou de sucessão imobiliária. Determinam que em princípio a sucessão mobiliária
será regulada pela lei do último domicílio do de cujos e a sucessão imobiliária será regulada pela lei do
lugar da situação do imóvel. Isto vai-nos obrigar a que? Se por hipótese tivermos um cidadão francês
íamos ter: art. 62º+31º/1, remetíamos para L2 que era a lei francesa. Aqui chegados tínhamos que a lei
francesa dizia que a sucessão mobiliária era aplicável a lei do último domicílio e à sucessão imobiliária
era aplicável a lei do lugar da situação da coisa. Vamos imaginar que este cidadão tinha tido o último
domicílio em Portugal. Íamos ter que para a sucessão mobiliária íamos ter a lei francesa a remeter para
a lei portuguesa. Mas vamos imaginar que este cidadão também tinha deixado bens imóveis em Itália.
Nesse caso íamos ter que a lei portuguesa (62º+31º/1) a remeter para a lei francesa mas a lei francesa
aqui dizia que no que respeita a ao imóvel, a lei francesa ia remeter para a lei italiana. Isto para dizer
que o nosso sistema é unitário mas há outros sistemas que não são e nestes sistemas vamos ter de
fazer tantos sistemas quanto as situações. Se por acaso ele também tivesse imóveis em Espanha,
tínhamos de fazer mais um esquema para os imóveis em Espanha.
Isto suscita dificuldades porque o que resulta daqui é que há sucessão de uma mesma pessoa vamos
ter a aplicação de leis diferentes, que nem sempre são articuláveis entre si.
No que respeita ainda ao art. 62º, são reguladas todas as questões relacionadas com a abertura, a
resolução, a transmissão, a partilha da herança, estabelecer as quotas hereditárias, definir quem são os
herdeiros legitimarios, qual o montante da legítima, etc. É ainda a esta lei que cabe reger a
administração da herança, bem como a execução testamentária.
Depois, temos aqui umas regras de conflitos especiais que estão previstas no art. 63º, 64º e 65º do CC.
O art. 63º CC trata da capacidade de disposição e vem dizer que a capacidade para fazer, modificar ou
revogar uma disposição por morte, bem como as exigências de forma especial das disposições por
virtude da idade do disponente, são reguladas pela lei pessoal do autor ao tempo da declaração. A
única coisa que nós aqui temos regulada é a capacidade de fazer, modificar ou revogar disposições por
morte. Saber se uma pessoa já tem ou não idade suficiente para fazer um testamento, se está ou não
está em faculdades mentais para fazer a declaração, tudo isto cabe aqui.
Nos termos do n.2 determina-se que aquele que depois de ter feito à disposição adquirir nova lei
pessoal, conserva a capacidade necessária para revogar a disposição nos termos da lei anterior. Ou
seja, se uma pessoa a data em que fez a disposição tinha a nacionalidade do país X e a luz da lei do país
x tinha capacidade para fazer ou revogar a disposição, mesmo que depois passe a ter a nacionalidade
do país y, quando for revogar a disposição basta que tenha capacidade para fazê-lo a luz da lei do país
do qual tinha nacionalidade na data em que fez o testamento.
O art. 64º CC tem três alíneas e vem dizer que é também a lei pessoal do autor da herança ao tempo
da declaração que irá regular:
a) “A interpretação das respectivas cláusulas e disposições, salvo se houver referência expressa ou
implícita a outra lei”. A parte mais enigmática é a parte final da alínea. A ideia é que podemos
ter de ter em conta algumas leis para interpretar a disposição. Imaginemos que temos um
cidadão português que faz um testamento em Londres e que neste testamento ele faz
referência a um trust, que é uma figura jurídica que tem base no direito inglês e não no direito
português. Quando nós queremos interpretar o que significa este trust vamos interpretá-lo a
luz do direito inglês. É esse o sentido aqui da referência expressa ou implícita a outra lei.
b) A falta e vícios da vontade. Se é a lei ao tempo da declaração que vai regular a capacidade,
também é ela que vai regular algum vicio da vontade que exista.
c) A admissibilidade de testamentos de mão comum ou de pactos sucessórios, sem prejuízo
quanto a estes do disposto no art. 53º. Essa disposição é especialmente interessante porque
primeiro ao abrigo desta disposição nem todos os ordenamentos juridicos admitem
testamentos de mão comum, nem todos os ordenamentos juridicos admitem os pactos
sucessórios. Existem profundas divergências entre as várias legislações. Em Portugal os
testamentos de mão comum estão expressamente proibidos nos termos do art. 2181º do CC.
133
Todavia, temos aqui uma norma de conflitos que nos diz que a própria admissibilidade dos
testamentos de mão comum será regulada pela lei pessoal do autor ao tempo em que ele tiver
esta disposição. Significa um desapego relativamente ao direito material português.
Para além do mais, está alinea C) vem resolver um problema que existia em DIP, um problema
de qualificação, que é a questão de saber se a admissibilidade dos testamentos de mão comum
se são um problema de validade formal ou de validade substantiva. E aqui o legislador veio
resolver o problema, é uma questão substantiva.
Por último, temos o art. 65º que trata da forma. Dispõe o referido artigo que “as disposições por
morte, bem como a sua revogação ou modificação, serão válidas, quanto à forma, se corresponderem
às prescrições da lei do lugar onde o acto for celebrado, ou às da lei pessoal do autor da herança, quer
no momento da declaração, quer no momento da morte, ou ainda às prescrições da lei para que
remeta a norma de conflitos da lei local”.
Portanto, no art. 65º só está em causa a validade formal e não a validade substantiva das disposições
por morte. Atenção que o art. 65º tem quatro conexões possíveis.
Esta última conexão diz-nos que a lei do local é a lei do local onde foi celebrado o testamento. Portanto
temos L1 (65º/1) está a remeter para L2 (lex loci celebrationes) e vamos imaginar que o testamento
não é formalmente válido a luz de L2, mas a norma de conflitos de L2 relativa à forma do testamento
remete para uma L3 e que a luz de L3 o testamento já é formalmente válido. Nesta hipótese, o art.
65º/1, parte final diz-nos que aplicamos L3.
Mas há autores como Lima Pinheiro, que consideram que só se aplica L3 se L3 se considerar também a
si própria competente, ou seja, exigem os mesmos pressupostos de aplicação previstos no 17º/1. Eu
não concordo com essa orientação, entendo que neste caso basta que L2 remeta para L3, mesmo que
L3 não se considere a si própria competente porque o principio subjacente ao art. 65º/1 é o do favor
negoti. Nós vamos aplicar umas dessas quatro conexões e dentro destas aplicamos aquela que garantir
a validade formal da disposição por morte.
Mas não vamos ficar por aqui porque ainda temos o art. 65º/2, que dispõe que “Se, porém, a lei
pessoal do autor da herança no momento da declaração exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a
observância de determinada forma, ainda que o acto seja praticado no estrangeiro, será a exigência
respeitada”. Temos uma norma que nos diz que independentemente daquilo que nos diz o art. 65º/1,
se a lei pessoal do autor da herança tiver uma norma que exija uma forma especial e que essa norma
se queira aplicar, então ela será aplicada.
Nós temos um exemplo no direito material português, nomeadamente no art. 2223º do CC que nos diz
que “ o testamento feito por cidadão português em país estrangeiro com observância da lei estrangeira
competente só produz efeitos em Portugal se tiver sido observada uma forma solene na sua feitura ou
aprovação”. Ou seja, o testamento que seja feito no estrangeiro por um cidadão português, mesmo
que observe, por exemplo, as exigências formais da lei do lugar da celebração só vai produzir efeitos
em Portugal se tiver sido observada uma forma solene na sua feitura ou aprovação. Mesmo que no
país da celebração seja admissível por exemplo o testamento verbal, em princípio, por força do art.
65º/1 nos diríamos que este testamento era formalmente válido. Todavia, se o cidadão que fez este
testamento for português, este testamento só vão produzir efeitos em Portugal se este testamento
tiver observado forma solene. O que significa forma solene? O professor Batista Machado e marques
dos santos entendia que forma solene era a forma escrita. Outros autores, como é o caso de lima
Pinheiro como eu própria também, enredem que é preciso que exista a intervenção de uma autoridade
que confira a forma de solene ao acto. O art. 2223º é por isso, na minha opinião, uma norma de
aplicação imediata, porque temos aqui uma norma material que tem vontade de se aplicar no espaço
independente do próprio sistema de direito de conflitos local.
Depois, a matéria respeitante à lei reguladora das coisas, já sabemos que ela está prevista no art. 46º
CC. Nos termos do art. 46º temos aqui a indicação que a posse, propriedade e demais direitos reais é
definido pela lei do Estado em cujo território as coisas se encontrem situadas. O art. 46º vem aqui
134
determinar a aplicação da lex rei sitae, mas atenção, apesar de o elemento de conexão ser este, neste
caso nós estamos a aplicar o art. 46º que tem como conceito quadro a posse, propriedade e demais
direitos reais. Não confundir esta situação com as situações que vimos a pouco. Por exemplo, com a
norma de conflitos francesa que a propósito das próprias sucessões pode ter o elemento de conexão
também a lei do lugar da situação dos imóveis. Temos sempre de ver obviamente qual é que é o
conceito quadro que está em causa.

DIP 12/05/15

Nós na aula passada tínhamos começado a ver e estivemos a ver as questões que se prendem com as
relações de família, e tínhamos ficado na matéria do divórcio. Tínhamos visto que havia possibilidade
de escolha pelas partes da lei que regulava o divórcio, nos termos do regulamento Roma III. Aqui a
escolha não é uma escolha completa, mas, sim, limitada.
Pode dar-se, contudo, que as partes não tenham escolhido a lei aplicável. E nesses casos, precisamos
de saber qual é que é a regra supletiva que aplicamos. E, aqui, temos o artigo 8º a dizer-nos que, na
ausência de escolha prevista no artigo 5º, o divórcio e a separação judicial serão regidos pela lei do
estado: 1- da residência habitual dos cônjuges à data da instauração do processo em tribunal.
Portanto, uma vez mais temos aqui a relevância deste elemento de conexão em matéria de estatuto
pessoal, ao contrário do que está previsto, por exemplo, no nosso artigo 55º do CC que actualmente
está derrogado pelo regulamento Roma V; 2- se os cônjuges já não tiverem residência habitual no
mesmo país, então será a lei do estado da última residência habitual dos cônjuges, desde que o
período de residência não tenha terminado há mais de um ano antes da instauração do processo em
tribunal e na medida em que um dos cônjuges ainda resida nesse estado no momento da instauração
do processo em tribunal; 3- se também esta faltar então aplicar-se-á a lei do país da nacionalidade de
ambos os cônjuges. Aliás, repare-se, em primeiro lugar no regulamento dá-se relevância ao estado da
residência habitual. Só se não for possível é que se passa para a nacionalidade comum dos cônjuges. E,
se estes não tiverem nacionalidade comum, então na alínea d) determina-se a aplicação da lei do
estado em que se situa o tribunal onde o processo foi instaurado. E, portanto, aqui vamos ter a
aplicação da lei do foro. Como já tínhamos visto na ultima aula, a aplicação da lei do foro, aqui, não irá
produzir um problema de fórum shopping. Porquê? Porque a própria competência do tribunal está
expressamente regulada em regulamentos europeus, especificamente no 2201/2003 que, também, já
apresenta critérios que se prendem, essencialmente, com a residência habitual e nacionalidade.
Portanto, esta é a regra supletiva.
Depois, temos aqui um ligeiro desvio à aplicação das leis que foram encontradas quer nos termos do 5º
quer nos termos do 8º. Isso está previsto no artigo 10º, que vem dizer o quê? Vem dizer que, sempre
que a lei aplicável, quer por força do artigo 5º quer por força do 10º, portanto, sempre que a lei
aplicável ao divórcio não preveja o divórcio ou não o conceda a um dos cônjuges, a igualdade de acesso
ao divórcio, à separação judicial em razão do seu sexo, aplica-se a lei do foro. Portanto, temos aqui
uma regra específica, que acaba por conferir solução para os casos em que a lei que é designada
aplicável não conceder a um dos cônjuges igualdade de acesso ao divórcio em razão do seu sexo.
Ainda com relevância temos o artigo 9º que trata da conversão da separação judicial em divórcio. É
aqui dito que é aplicada, nestes casos, a lei aplicada à separação judicial, salvo se houver acordo em
contrário.
Ainda com relevância, chamo a atenção para os seguintes factos. Nos termos do artigo 11º, está
excluído o reenvio, ou seja, é sempre feita referência material.
Nos termos do artigo 12º, está prevista uma cláusula de reserva de ordem pública internacional. Com
um problema deste género, na aplicação da lei que vai regular o divórcio, nós não aplicamos as regras,
mais especificamente, o artigo 22º do no CC, aplicamos, sim, as regras do regulamento, mais
especificamente, o artigo 12º do regulamento.
135
Depois, há ainda uma especificação que é feita no artigo 13º, dizendo que não se obriga nenhuma
estado que não preveja esse divórcio a proferir uma decisão de divórcio.
Depois, chamo a vossa atenção para uma regulação específica. Nos casos em que por força das normas
de conflitos previstas neste regulamento existe uma remissão para ordenamentos jurídicos complexos.
Nos termos do artigo 14º, se por exemplo houver remissão para um estado norte-americano em
princípio será a lei desse estado norte-americano que será aplicável. No entanto, temos aqui uma
especificidade. Nos casos do artigo 14º alínea c), em que a lei desse estado for designada em razão da
nacionalidade, a alínea c) vem dizer que qualquer referência à nacionalidade dirá respeito à unidade
territorial designada pela lei desse estado, ou, na ausência de regras pertinentes, como é o caso dos
EUA, que não tem direito interlocal, à unidade territorial escolhida pelas partes, ou, na falta desta, na
unidade territorial com a qual o cônjuge ou os cônjuges tenham uma ligação mais estreita.
Ou seja, a regra é: se nós chegarmos à aplicação da lei de um estado que corresponda a um
ordenamento jurídico complexo através da conexão residência habitual, em princípio vamos aplicar a
lei do estado federado (nunca no exemplo dos EUA). Mas, alíneas a) e b), se chegarmos à aplicação da
lei desse estado através do elemento de conexão nacionalidade, aí aplicamos a alínea c) com os
critérios que aqui estão previstos e em última instância teremos de aplicar a lei do estado federado que
apresenta com a situação a ligação mais estreita.
O artigo 15 vem regular as situações em que existe remissão para a lei de um estado que têm dois ou
mais sistemas jurídicos em matéria de conflitos de leis interpessoais, ou seja, estamos a falar de
ordenamentos jurídicos complexos porque têm diferentes conjuntos de regras que são aplicáveis a
diferentes categorias de pessoas. Esta disposição vem dizer que nestes casos terá de se atender ao que
dizem as próprias regras internas desse estado para onde se remete, ou seja, como é que elas
resolvem.
Se tais normas não existirem, então nos termos do artigo 15º última parte, aplica-se o sistema jurídico
ou o conjunto de regras com o qual o cônjuge ou os cônjuges tenham uma ligação mais estreita.
Ainda no que respeita às relações de família, queria chamar a vossa atenção para duas ou três
disposições. Conforme referi, só vamos aplicar este regulamento às acções que tiverem dado entrada
depois de ele entrar em vigor. Às acções anteriores aplicaríamos o art. 55 CC. Este artigo, actualmente,
tem um campo de aplicação muito limitado. Eventualmente, podemos não aplicar o regulamento' se a
lei potencialmente aplicável ao divórcio estabelecer muito muito originais, que já nada ou quase nada
tenham a ver com divórcio. Nos termos do regulamento Roma iii entende-se divórcio como dissolução
do casamento mas tem de haver a intervenção de uma autoridade. Se ela não existir, então aí
poderemos não aplicar o Roma III mas sim o artigo 55 que por sua vez remete para o artigo 52.
Depois, o artigo 56 trata da constituição da filiação. Por outro lado se o problema for sobre a relação
entre pais e filhos, temos o artigo 57. A legitimação e a filiação ilegítima como já sabemos são duas
normas de conflitos que foram revogadas, estavam previstas no artigo 58 e 59 do CC.
Depois temos o artigo 60 que trata da filiação adoptiva e o 61 com os requisitos especiais da
perfilhação ou adopção.
Posto isto vamos passar à questão seguinte.
Sucessões mortis causa.
Até agora, fui falando essencialmente do artigo 62 e ss do CC, quando dava exemplos de sucessões
mortis causa. Estas são as normas de conflitos que nós actualmente aplicamos. Mas muito em breve
iremos deixar de aplicar. A situação em si é um bocadinho dramática, mas a verdade é que me
perguntaram qual era a lei que regulava a sucessão por morte de uma pessoa. A partir de 17 de Agosto
de 2015, inclusive, será aplicada à sucessão por morte o regulamento Roma v.
Este regulamento 650/2012 trata da competência da lei aplicável, do reconhecimento e da execução
das decisões e também da aceitação e da execução de actos autênticos em matéria de sucessões, e,
também, a criação de um certificado sucessório europeu. Tudo isto é tratado neste regulamento. O
que nós vamos tratar é da lei aplicável.
136
Este regulamento tem o âmbito de aplicação material determinado nos termos do artigo 1, diz-se que
é aplicável às sucessões por morte. Temos, também, o âmbito de aplicação delimitado pela negativa.
Ou seja, a indicação de matérias que ficam excluídas da aplicação deste regulamento. Não é aplicável
às matérias fiscais, administrativas e aduaneiras. Estão também excluídas todas as questões previstas
no número 2.
O disposto no artigo 3, 1 alínea a) ajuda-nos a perceber o que significa sucessão. Quando alguém morre
temos de saber com quem ficam os bens, o regulamento vem regular estas questões. Tudo isto no que
respeita ao âmbito de aplicação material.
No que respeita ao âmbito de aplicação temporal temos o artigo 84 do regulamento. Aplica-se após 17
de Agosto de 2015' inclusive. O que significa que no caso de litígios em que os tribunais portugueses ou
os notários portugueses são competentes até ao dia 17 de Agosto vamos continuar a aplicar os artigos
62 e ss para determinar a lei que vai regular a sucessão por morte. Já quanto às pessoas que falecerem
depois vamos aplicar o regulamento.
Quanto à aplicação territorial, se a acção estiver a correr termos nos tribunais portugueses vamos
aplicar este regulamento.
Depois, este regulamento também, tal como os outros, tem um âmbito de aplicação universal, nos
termos do artigo 20.
No capítulo 3 temos a regra de possibilidade de escolha de lei aplicável. Prevista no artigo 22. Vamos
começar pelo artigo 21 que é a regra supletiva.
No 21, a regra é a aplicação da residência habitual d do de cujos. Esta regra é diferente daquela que
está prevista no nosso CC. No nosso CC por regra aplica-se a lei pessoal que por regra também é a lei
da nacionalidade. O critério da residência habitual não me surpreende porque as pessoas, cada vez
mais, se deslocam de um país para outro.
No entanto, no artigo 21/2 vamos encontrar uma cláusula de excepção. Quem tem de apresentar uma
conexão manifestamente mais estreita com um estado diferente do da residência habitual do de cujos
é o próprio falecido. Ou seja, os herdeiros até podem ter residência habitual num outro estado.
A aplicação da residência habitual pode ser afastada, nas situações previstas no artigo 12. O de cujos
pode escolher a lei do estado de que é nacional no momento em que faz a escolha ou no momento do
óbito. Mais, se uma pessoa tiver mais que uma nacionalidade, diz a 22/1,2 parte, que pode escolher a
lei de qualquer dos estados de que é nacional no momento em que faz a escolha.
Nos termos do 22/3 vem esclarecer-se que a escolha deve ser feita expressamente numa declaração
que revista a forma de uma disposição por morte, ou resultar expressamente dessa disposição. Pode
vir incluído no próprio testamento. e n que respeita ao próprio acto material onde foi feita a escolha da
lei é regulada também pela lei escolhida (a lei da nacionalidade que foi escolhida).
No artigo 23 dá-se um elenco exemplificativo, não taxativo, das questões que ficam reguladas pela lei
da residência habitual, ou da nacionalidade (no caso de ter havido escolha).
Este regulamento tem regras específicas no que respeita à lei aplicável às disposições por morte,
diferentes de pactos sucessórios. Temos essa diferença entre os artigos 24 e 25.
É importante que existam estas especificidades porque entre os vários estados membros vamos
encontrar muitas divergências. Vamos encontrar leis materiais muito diferentes. Legislações que
admitem pactos sucessórios, outras não. Umas admitem testamentos de mão comum, outras não.
Quando tivermos de concretizar o artigo 24 e 25 temos de olhar para as disposições do 21 e do 22.
Nos termos do artigo 26 vem-se dizer, no que respeita à validade material das disposições de sucessão
por morte, quer se trate de pactos sucessórios quer sejam pactos sucessórios, as matérias que serão
reguladas por esta lei.
No artigo 27 temos a validade formal das disposições por morte feitas por escrito.
Enfim, vamos encontrando regras especificas que vão sendo aplicadas às diferentes situações.
Este regulamento, ao contrário dos outros, tem uma regra interessante em matéria de reenvio. Neste
regulamento não está consagrada a referência material em muitos casos.
137
A matéria do reenvio está prevista no artigo 34.
De acordo com esta disposição, não vai haver reenvio se for aplicado o artigo 21/2. Ou seja, temos
referência material. A lógica é precisamente aplicar a lei com a qual se apresente uma conexão mais
estreita.
Também não haverá lugar ao reenvio se for aplicado o artigo 22. A ideia subjacente é não esvaziar a
escolha que a pessoa fez.
Também não existe reenvio se for aplicado o artigo 27.
Também no artigo 28, alínea b) se exclui o reenvio.
Por último, o artigo 30 é uma norma que atribui eficácia às normas de aplicação imediata de estados
onde estejam situados determinados bens imóveis, determinadas empresas, ou outras categorias de
bens. São normas que ficam fora do sistema conflitual.
Portanto, em todas estas situações não vamos ter reenvio. Também não o vamos ter nos casos em que
a lei designada competente, por força das regras deste regulamento, for de um estado membro,
porque o artigo 34 faz referência a estado terceiro. Quando se fala em estado terceiro fala-se nos
estados que não são membros da UE e também de estados membros que não estão vinculados por
este regulamento, como é o caso do Reino Unido, irlanda e Dinamarca.

21 de Maio 2015

Hoje vamos continuar com a matéria da responsabilidade civil extra-contratual.


E no que a esta matéria diz respeito, vamos ter de articular fontes europeias e fontes internas.
Fontes europeias
Regulamento Roma II (Reg. 864/2007).
Já sabemos que os Regulamentos têm primazia sobre as fontes internas e portanto, só iremos
aplicar as normas de conflitos de fonte interna quando não aplicarmos o Reg. Roma II.
Fonte interna
A norma de conflitos principal é o art.45º do CC.
Vamos ver, quando é que nós aplicamos um e aplicamos o outro.
Temos o âmbito de aplicação material do Reg. no art.1º, que diz o seguinte:
1. O presente regulamento é aplicável, em situações que envolvam um conflito de leis, às
obrigações extracontratuais em matéria civil e comercial.
O regulamento é objecto de uma interpretação autónoma, o que significa que a interpretação
que é feita tem de atender ao direito da UE, há que atender à jurisprudência do TJUE.
No Roma II, por obrigações extra-contratuais temos de fazer uma interpretação ampla, a par do
que tem sido realizado pelo TJUE, pois, se as obrigações contratuais correspondem às obrigações que
são voluntariamente assumidas pelas partes, as extra-contratuais são aquelas que não são
voluntariamente assumidas pelas partes, portanto, resultam da violação de uma regra jurídica que
atingem direitos absolutos.
Este corresponde ao âmbito de aplicação definido de forma positiva e depois temos o âmbito
de aplicação definido pela negativa, no art.1º nº2 do Reg.

2. São excluídas do âmbito de aplicação do presente regulamento:


a) As obrigações extracontratuais que decorram de relações de família ou de relações que a lei aplicável
às mesmas considere terem efeitos equiparados, incluindo as obrigações de alimentos;
b) As obrigações extracontratuais que decorram de regimes de bens no casamento, de regimes de bens
em relações que a lei aplicável às mesmas considere terem efeitos equiparados ao casamento e as
sucessões;

138
c) As obrigações extracontratuais que decorram de letras de câmbio, cheques, livranças, bem como de
outros títulos negociáveis, na medida em que as obrigações decorrentes desses outros títulos resultem
do seu carácter negociável;
d) As obrigações extracontratuais que decorram do direito das sociedades e do direito aplicável a
outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica, como em matéria de constituição, através
de registo ou por outro meio, de capacidade jurídica, de funcionamento interno ou de dissolução das
sociedades e de outras entidades dotadas ou não de personalidade jurídica, de responsabilidade
pessoal dos sócios e dos titulares dos órgãos que agem nessa qualidade, relativamente às obrigações
da sociedade ou de outra entidade, e de responsabilidade pessoal dos auditores perante uma sociedade
ou perante os titulares dos seus órgãos no exercício do controlo legal de documentos contabilísticos;
e) As obrigações extracontratuais que decorram das relações entre os constituintes, os trustees e os
beneficiários de um trust voluntariamente criado;
f) As obrigações extracontratuais que decorram de um dano nuclear;
g) As obrigações extracontratuais que decorram da violação da vida privada e dos direitos de
personalidade, incluindo a difamação.
Portanto, temos aqui um elenco de situações que ficam excluídas do âmbito de aplicação
material do Regulamento.
A al. g) suscita alguma dificuldade na sua interpretação, porque diz-nos que ficam excluídos do
âmbito de aplicação do Regulamento As obrigações extracontratuais que decorram da violação da vida
privada e dos direitos de personalidade, incluindo a difamação.
É fácil de perceber que a disposição não prima pela redacção, pois, a difamação não é um
direito de personalidade. O direito à honra sim.
Para nós interpretarmos o que significa “direitos de personalidade” à luz do Regulamento, nós
temos de atender a vários elementos:
Elemento histórico, que se prende com a evolução do próprio Regulamento, pois, no texto
inicial todos os direitos de personalidade estavam abrangidos pelo âmbito de aplicação do
Regulamento e depois foram afastados porque alguns Estados membros, designadamente o Reino
Unido, teve receio de que aplicando-se o Regulamento em matéria de difamação ou em matéria de
reserva sobre a intimidade da vida privada, pudesse ser limitada a liberdade de expressão e a liberdade
de imprensa que são especialmente acarinhadas no Reino Unido, dai a oposição a esta inclusão.
Na alínea g) nem todos os direitos de personalidade, como nós os entendemos no direito material
português estão afastados.
1. Temos de ter presente que a preocupação que esteve subjacente a esta exclusão, foi uma
preocupação que se prendia com e exercício da liberdade de imprensa e com a liberdade de
expressão. E aqui, desde logo, os direitos de personalidade que vão ser mais facilmente
atingidos são a honra e a reserva sobre a intimidade da vida privada, exactamente aqueles que
são expressamente indicados na al.g).
2. Tiramos da própria letra do Reg. Que ele se aplica nos casos em que são atingidos alguns
direitos de personalidade. Se nós olharmos para o considerando 17, é-nos dito que:
A lei aplicável deverá ser determinada com base no local onde ocorreu o dano, independentemente
do país ou países onde possam ocorrer as consequências indirectas do mesmo. Assim sendo, em caso de
danos não patrimoniais ou patrimoniais (quando nós estamos a falar, desde logo em danos não
patrimoniais, estamos a falar de danos que resultam de lesões que atingiram bens de personalidade)
o país onde os danos ocorrem deverá ser o país em que o dano tenha sido infligido, respectivamente, à
pessoa ou ao património.
Ora, se nós temos um dano a ser infligido à pessoa, tem de ser necessariamente um dano que
atinge um direito de personalidade (vida, integridade física, integridade moral, saúde) todos estes são
também direitos de personalidade.
139
Mais.
No considerando 20 diz-se que:
A regra de conflito de leis em matéria de responsabilidade por produtos defeituosos deverá
responder aos objectivos que consistem na justa repartição dos riscos inerentes a uma sociedade
moderna de alta tecnologia, na protecção da saúde dos consumidores… preocupações com a saúde dos
consumidores, há quem autonomize o direito à saúde como um direito de personalidade.
Outro exemplo, considerando 33
De acordo com as regras nacionais actualmente em vigor relativas à indemnização às vítimas de
acidentes de viação, ao quantificar a indemnização por danos não patrimoniais (os danos não
patrimoniais decorrentes de um acidente de viação, terão de ser necessariamente aqueles que
atingem a pessoa, a sua vida, a sua integridade física) quando o acidente ocorre num Estado diferente
do da residência habitual da vítima, o tribunal em que a acção é proposta deverá ter em conta todas as
circunstâncias efectivas relevantes da vítima em causa, incluindo, em especial, os reais prejuízos e
custos da assistência ulterior e do acompanhamento médico.
Ora, se existe acompanhamento médico, tem de necessariamente de ter havido ofensa à
integridade física, sendo que a integridade física é um bem objecto de um direito de personalidade.
Portanto, daqui retiramos que temos de fazer uma interpretação autónoma deste conceito,
direitos de personalidade, e vamos chegar à conclusão que não estão afastados do âmbito de
aplicação material do regulamento, todos os direitos de personalidade.
O Regulamento continuará, por isso, a aplicar-se a direitos de personalidade como é o caso da
vida, integridade física, integridade moral, direito à saúde. Em todos estes casos nós vamos aplicar o
Regulamento.
Assim, o Regulamento irá aplicar-se nos casos em que existam obrigações extra-contratuais,
resultantes da violação destes direitos de personalidade.
Se o direito de personalidade tiver sido atingido, for o direito à honra ou o direito à reserva da
intimidade da vida privada, ou o direito à imagem, ou o direito ao nome, estes são afastados do
âmbito de aplicação material do Regulamento, porque também, a al. g) do nº2 do art.1º assim o
determina.
A aplicação ou não do Regulamento Roma II, vai depender de a obrigação extra-contratual resultar
da violação de direito de personalidade (vida, integridade física, integridade moral e saúde) casos em
que aplicamos o Regulamento.
Se os direitos de personalidade atingidos tiverem sido, honra, reserva sobre a vida privada e
imagem, nós já não aplicamos o Regulamento por força da al. g) do nº2 do art.1º do Regulamento, e
nesse caso aplicamos o art.45º do CC.

Importa ainda sublinhar que o Regulamento tem um âmbito de aplicação universal, ou seja,
mesmo que a lei designada aplicável, por força deste Regulamento não seja a lei de um Estado
membro, nós continuamos a aplicar este Regulamento, é o que resulta do art.3º.

Quanto ao âmbito de aplicação temporal, temos o art.31º e 32º.

Artigo 32º
Data de aplicação
O presente regulamento é aplicável a partir de 11 de Janeiro de 2009, com excepção do artigo 29º que
é aplicável a partir de11 de Julho de 2008.
E o art.31º diz-nos:
O presente regulamento é aplicável a factos danosos que ocorram após a sua entrada em vigor.

140
Significa então isto que, no que respeita aos factos danosos que tiverem ocorrido após esta
data (11 de Janeiro de 2009) aplica-se o Regulamento, aos que tiverem ocorrido antes desta data
aplicamos o art.45º do CC.
O Regulamento Roma II cede a sua aplicação nos casos em que existam diplomas especiais de
direito europeu que regulem os conflitos de leis em matéria de obrigações extra-contratuais, isto
resulta desde logo do art.27º, ou seja, se nós tivermos disposições específicas de fonte europeia, e
podem ser Directivas que tenham sido transportas para o direito interno, havendo tais Directivas
elas vão ter primazia sobre a aplicação do Regulamento.
A mesma coisa se passa, por exemplo, com Convenções internacionais pelas quais os Estados
já estejam vinculados, sendo que isto resulta expressamente do art.28º, que diz:
1. O presente regulamento não prejudica a aplicação das convenções internacionais de que um ou mais
Estados-Membros sejam parte na data de aprovação do presente regulamento e que estabeleçam
regras de conflitos de leis referentes a obrigações extracontratuais.

Regime de conflito de leis previsto no Regulamento


Neste Regulamento conseguimos identificar alguns princípios que lhe estão subjacentes.
Desde logo o princípio da previsibilidade e da segurança jurídica, o princípio da harmonia
jurídica internacional, e o princípio da autonomia da vontade. Depois, vamos também verificar que a
orientação dominante vai no sentido de aplicar a lei que apresentar a conexão mais estreita e vamos
ver também que há uma especialização das normas de conflitos, em função da questão que esteja a ser
regulada.
Quando nós temos um problema de obrigações extra-contratuais, temos de determinar a lei
aplicável, o art.14º consagra a possibilidade de as partes escolherem a lei aplicável
Artigo 14º
Liberdade de escolha

1. As partes podem acordar em subordinar obrigações extracontratuais à lei da sua escolha:


a) Mediante convenção posterior ao facto que dê origem ao dano;

A regra geral é a que resulta da al. a) do nº1 do art.14º, assim, pode haver escolha de lei pelas
partes mas esta escolha terá de ser posterior ao facto que deu origem ao dano, a não ser que. al. b):
b) Caso todas as partes desenvolvam actividades económicas, também mediante uma convenção
livremente negociada, anterior ao facto que dê origem ao dano.

Depois, apesar de haver a possibilidade de escolha e a escolha pode ser de uma qualquer lei,
pois, não existem limites à lei escolhida pelas partes, pode ser uma lei que não tem contacto
rigorosamente nenhum com a situação, todavia, nos termos do art.14º nº2 vamos aqui encontrar uma
regra que nos diz:
2. Sempre que todos os elementos relevantes da situação se situem, no momento em que ocorre o facto
que dá origem ao dano, num país que não seja o país da lei escolhida, a escolha das partes não
prejudica a aplicação das disposições da lei desse país não derrogáveis por acordo.
Isto significa que, se se verificar que a situação apresenta apenas contacto com a lei de um país,
(país A) se as partes estiverem escolhido para regular a situação a lei de outro país (país B) pode-se
continuar a aplicar a lei do país B, mas as disposições imperativas do país A, vão continuar a aplicar-se,
sendo que isto é uma boa forma de evitar a fraude à lei. As partes podem escolher mas podem
escolher aquilo que é supletivo.
O nº3 vem prever uma situação diferente e diz-nos que:
3. Sempre que todos os elementos relevantes da situação se situem, no momento em que ocorre o facto
que dá origem ao dano, num ou em vários Estados-Membros, a escolha, pelas partes, de uma lei
141
aplicável que não a de um Estado-Membro, não prejudica a aplicação, se for esse o caso, das
disposições de direito comunitário não derrogáveis por convenção, tal como aplicadas pelo Estado-
Membro do foro.

Por exemplo, temos um litígio que está a ser apreciado em Portugal, e este litígio trata de um
acidente de viação que ocorreu em Espanha entre um português e um italiano.
Portanto, um é português, outro é italiano e o acidente ocorreu em Espanha e o litígio está a ser
apreciado em Portugal.
Imaginem que as partes escolheram para regular a situação a lei brasileira.
A consequência vai ser a de que, á luz do nº3 os tribunais portugueses vão continuar a aplicar as
disposições que estão em vigor em Portugal que sejam imperativas, ou seja, não derrogáveis por
acordo e que resultem da transposição para o direito português, por exemplo, de Directivas europeias,
uma vez que a situação só apresenta contactos com estados membros da UE.
Portanto, as partes podem escolher a lei brasileira para regular a situação, mas as disposições
imperativas que estejam em vigor no Estado do foro e que resultem, por exemplo, da transposição
para o direito interno de Directivas europeias ou de Regulamentos europeus, continuarão a ser
aplicados.
No caso de as partes não escolherem a lei aplicável e chamo a atenção para a parte final do
art.14º que nos diz que a escolha pode ser expressa ou decorrer das circunstâncias do caso, mas tem
de decorrer do caso sem margem para grandes dúvidas das circunstâncias do caso, e as partes podem
não querer escolher a lei que vai regular a situação.
Nesse caso temos de fazer uma distinção, temos de ver qual é a situação que temos presente,
porque se não houver escolha de lei aplicável, nós vamos encontrar no Regulamento uma regra geral e
vamos encontrar regras especiais consoante o problema que se possa suscitar.
A regra geral está prevista no art.4º.
Depois, temos o art.5º que nos vai regular os problemas que se prendam com responsabilidade
extra-contratual de responsabilidade por produtos defeituosos, mas se o problema suscitado for de
concorrência desleal ou actos que restrinjam a concorrência, aplicamos o art.6º, se se tratar de danos
ambientais aplicamos o art.7º, se se tratar da violação de direitos de propriedade intelectual aplicamos
o art.8º, se se tratar de uma questão que se prende com acção colectiva trata o art.9º, se se tratar de
uma questão que não está abrangida em nenhum destes artigos e que não for culpa em contraendo,
nem gestão de negócios nem enriquecimento sem causa, temos a regra geral do art.4º.
A regra geral do art.4º diz-nos que: Tenham atenção, comecem a ler o art.4º nº2, porque é
uma excepção ao nº1.

2. Todavia, sempre que a pessoa cuja responsabilidade é invocada e o lesado tenham a sua residência
habitual no mesmo país no momento em que ocorre o dano, é aplicável a lei desse país.
Ou seja, as partes podem escolher a lei aplicável. Se não escolherem, a lei a ser aplicada será a
lei da residência habitual comum do lesado e do responsável pela lesão. Se as partes não tiverem a
mesma residência habitual, então aplicamos o art.4º nº1. E o art.4º nº1 diz-nos que se aplica a lei do
país onde ocorre o dano directo, não o dano indirecto.
Ou seja, não interessa o país onde ocorreu o facto que dá origem ao dano, tal como também
não interessa o país onde se verificam as consequências indirectas desse dano, o que interessa é o país
onde ocorre o dano.
Exemplo, imaginem uma pessoa que está em Espanha e dispara um tiro que atinge outra pessoa
que se encontra em Portugal. Temos o lugar da actuação que é em Espanha e o lugar onde ocorre o
dano que é em Portugal.

142
E o que releva é o lugar do dano directo (onde foi atingida) se depois a pessoa atingida, por
exemplo, viaja para o Brasil e continua a sentir dores, isso não nos interessa, o que nos interessa é o
local do dano directo.
Depois, no art.4º nº3 está consagrada uma cláusula de excepção, que nos vem dizer que, quer a
lei da residência habitual comum das partes quer a lei do lugar do dano directo, podem ser afastadas
se…

3. Se resultar claramente do conjunto das circunstâncias que a responsabilidade fundada em acto lícito,
ilícito ou no risco tem uma conexão manifestamente mais estreita com um país diferente do indicado
nos n.os 1 ou 2, é aplicável a lei desse outro país.
Nesses casos será aplicada a lei do país que apresente uma conexão manifestamente mais
extreita.
Depois, temos a parte final do nº3 a dizer-nos que:

Uma conexão manifestamente mais estreita com um outro país poderá ter por base,
nomeadamente, uma relação preexistente entre as partes, tal como um contrato, que tenha uma
ligação estreita com a responsabilidade fundada no acto lícito, ilícito ou no risco em causa.
Exemplo, se no âmbito do comprimento de um contrato de transporte ocorrer um acidente de
viação, podemos ter aqui problemas de responsabilidade contratual e de responsabilidade extra-
contratual, neste caso o Regulamento vem-nos dizer que a situação apresenta uma conexão
manifestamente mais estreita com a lei que já regula o próprio contrato, ou seja, neste caso temos
uma conexão acessória e assim sendo, a responsabilidade extra-contratual que resultou do transporte
de um país para outro, apresenta uma ligação manifestamente mais estreita com a própria lei que
regula o contrato de transporte.
Depois, temos um ponto importante que é o de perceber qual é que é o alcance da lei aplicável,
ou seja, que matérias é que serão reguladas pela lei aplicável, por exemplo, a lei do lugar do dano, ou a
lei da residência habitual comum das partes.
Aqui, o art.15º vem-nos dizer que:

A lei aplicável às obrigações extracontratuais referidas no presente regulamento rege,


designadamente:
a) O fundamento e o âmbito da responsabilidade, incluindo a determinação das pessoas às quais pode
ser imputada responsabilidade pelos actos que praticam;
b) As causas de exclusão da responsabilidade, bem como qualquer limitação e repartição da
responsabilidade;
c) A existência, a natureza e a avaliação dos danos ou da reparação exigida;

Enfim, temos ai um elenco de situações que são reguladas pela lex deliti, que é a lei que regula a
responsabilidade extra-contratual.
Eu chamo aqui a vossa atenção para a al. h), porque aqui, diz-se que é regulada por esta lei, As formas
de extinção das obrigações, bem como as regras de prescrição e caducidade, incluindo as que
determinem o início, a interrupção e suspensão dos respectivos prazos.
Isto é importante porque, nós já vimos em matéria de requalificação que em alguns
ordenamentos jurídicos, como é o caso do direito inglês, a prescrição é caracterizada não como sendo
matéria substantiva mas sim matéria processual, e já sabemos que isto coloca dificuldades em termos
de qualificação.
Ora, o legislador europeu veio esclarecer dúvidas, pois, não interessa como é feita a
caracterização nesses países, a lei que for designada para ser aplicada regulará os problemas de
prescrição e caducidade, tal como, temos também a indicação nos termos do art.22º que regula as
143
questões que se prendem com o ónus da prova, porque a caraterização das regras que regulam o ónus
da prova (em Portugal é matéria de direito substantivo, mas em alguns Estados é entendida como
sendo matéria processual) e o art.22º dá-nos resposta a estas questões e resolve dúvidas que possam
existir.
Depois, temos também no art.16º um norma que é relevante em matéria de normas de
aplicação imediata, que nos diz:
O disposto no presente regulamento em nada afecta a aplicação das disposições da lei do país do foro
que regulem imperativamente o caso concreto independentemente da lei normalmente aplicável à
obrigação extracontratual.
Portanto, mesmo que seja aplicada a lei de um outro foro de um país que não o Estado do foro,
as normas de aplicação imediata do foro, terão aplicação desde que regulem imperativamente o caso
concreto.
Depois, temos o art.17º que é um artigo muito importante.
Vamos pensar na seguinte hipótese:
Dois cidadãos portugueses que têm residência habitual em Portugal e que foram passar um fim-
de-semana a Londres. Em Londres tiveram um acidente de viação porque um deles se esquecem que lá
se conduzia pela esquerda.
Não escolheram a lei aplicável, logo, teríamos a aplicação do art.4º nº2 e assim, aplicar-se-ia a
lei material portuguesa para regular a situação.
Mas qual lei material?
Iriamos aplicar as regras de trânsito, o CE português?
É que não fazia sentido, uma vez que o acidente havia ocorrido em Londres.
O art.17º dá-nos resposta a esta questão, dizendo-nos que:

Ao avaliar o comportamento da pessoa cuja responsabilidade é invocada, são tidas em conta, a título
de matéria de facto e na medida em que for apropriado, as regras de segurança e de conduta em vigor
no lugar e no momento em que ocorre o facto que dá origem à responsabilidade.
Ou seja, íamos aplicar a lei portuguesa no que respeita aos artigos 483º e ss do CC, mas as
regras de trânsito que nós tínhamos de ter em conta para saber se a pessoa estava a conduzir ou não
de forma lícita, seriam as regras de trânsito em vigor em Londres.
Isto resulta expressamente deste art.17º.
Depois, este Regulamento tem regras que nós já conhecemos. O art.23º vem dizer-nos o que se
entende por residência habitual, o art.24º vem excluir o reenvio, enfim, aplica-se sempre a referência
material no Regulamento Roma II, o art.25º trata do ordenamento jurídico plurilegislativo,
determinando que, quando por exemplo, se fala… imaginem;
O acidente de viação foi um acidente que ocorreu no Texas, a lei que se aplica é a lei que está
em vigor no Texas.
O art.26º trata da reserva de ordem pública internacional, se a matéria for regulada por este
regulamento, nós não vamos aplicar o art.22º do CC. mas vamos aplicar o art.26º do Regulamento.
Todas as questões que estejam excluídas do âmbito de aplicação do Roma II, e podem estar
excluídas pelo âmbito de aplicação temporal, ou porque se trata de matérias que estão excluídas pelo
regulamento no art.1º nº2, vamos aplicar o art.45º do CC.
Se por exemplo, estivermos perante matéria de difamação não aplicamos o Roma II, temos de
aplicar as regras que estão previstas no art.45º do CC.

DIP
26/5/15

144
Hoje, vamos acabar a matéria da responsabilidade extracontratual. E, olhando para o programa,
percebendo que não seria possível dar a matéria toda, fiz uma escolha. Vamos, acabando a matéria da
responsabilidade extracontratual, olhar para a matéria dos direitos reais.
Na aula passada vimos que em relação à determinação de lei aplicável às obrigações
extracontratuais, a fonte primordial era o regulamento Roma II. No entanto, vimos também que este
tinha âmbitos de aplicação, e vimos que existem matérias que não estão abrangidas por este
regulamento.
Desde logo, talvez a mais importante, é aquela que se prende com os direitos de personalidade.
Assim, perante um problema que se prenda com a ofensa à honra, por exemplo, com a reserva da
intimidade da vida privada, com o direito à imagem, e, enfim, com todas as matérias excluídas do
âmbito de aplicação do regulamento Roma II, o que vamos aplicar?
Vamos aplicar as normas de conflito de fonte interna. No nosso caso será a norma do artigo 45º
do CC. O conceito quando deste artigo é a responsabilidade extracontratual fundada quer em acto
ilícito, no risco ou em qualquer conduta lícita. Neste artigo temos 3 números. Aqui, tal como vimos
relativamente ao Roma I, a regra é a de que se o lesante e o lesado tiverem nacionalidade comum ou
residência habitual comum, é essa a lei que se aplica.
Temos várias diferenças relativamente ao Roma II. Desde logo, neste existe a possibilidade de
escolher a lei aplicável, no artigo 45º isso não acontece. No Roma II, artigo 4º/2 confere-se relevância à
residência habitual comum do lesante e do lesado (daquele que é responsável pela indemnização e do
lesado). No artigo 45º/3, dá-se relevância, desde logo, à nacionalidade comum das partes.
Ou seja, no exemplo que nós tínhamos visto, que era o caso de dois cidadãos que tinham
residência habitual em Portugal e tinham tido um acidente em Londres, neste caso, embora a lei do
lugar do dano no âmbito do regulamento Roma II ser Londres, uma vez que eles tinham residência
habitual comum em Portugal, nos termos do artigo 4º/2 era relevante o país da residência habitual
comum. O artigo 45º/3 vem nos dizer também isto, ou seja, independentemente de outros lugares, se
lesante e lesado tiverem nacionalidade comum, se forem por exemplo os 2 portugueses, aplica-se a lei
portuguesa. Se não tiverem, mas tiverem residência habitual comum, é essa a lei que vai ser aplicada. ´
Agora, atenção, não basta aqui que as pessoas tenham nacionalidade comum ou residência
habitual comum, pois têm de encontrar-se ocasionalmente em país estrangeiro. Ou seja, se tivermos
dois cidadãos portugueses que são imigrantes em França e se tiverem aqui um acidente de viação, a lei
da nacionalidade comum já não vai ser relevante porque não se encontram ocasionalmente em França.
O artigo 45º/3 parte final, refere-se por exemplo às regras de trânsito.

145
Se tivermos 2 portugueses que se encontravam ocasionalmente em Londres, com um problema
de responsabilidade extracontratual, px uma difamação, temos de afastar esta questão do âmbito de
aplicação do Roma II, aplicando-se, sim, o 45º CC. A lei aplicável será a portuguesa. Mas, sem prejuízo
da aplicação de regras (normas de aplicação imediata) que estejam em vigor em Inglaterra e se
apliquem indistintamente da nacionalidade ou residência das pessoas.
Portanto, nestes casos, começamos por aplicar o 45º/3. Se os pressupostos não tiverem
preenchidos, ou seja, se as partes não tiverem a mesma nacionalidade, ou na sua falta, a mesma
residência habitual, ou, também, se não se encontrarem ocasionalmente em país estrangeiro, temos a
regra do 45º/1 CC, que nos diz que a responsabilidade extracontratual fundada quer em acto ilícito
quer no risco ou em qualquer conduta lícita é regulada pela lei do estado onde decorreu a principal
actividade causadora do prejuízo. Aqui, uma vez mais, encontramos uma diferença significativa
relativamente ao regulamento Roma II, pois neste a regra supletiva que está prevista no artigo 4º/1
determina a aplicação da lei do lugar do dano. O 45º/1 manda aplicar a lei do lugar da actuação.
A segunda parte deste artigo 45º/1 vem nos dizer que em caso de responsabilidade por omissão
é aplicável a lei do lugar onde o responsável deveria ter agido, ou seja, se o elemento relevante aqui é
o lugar da actuação e se nós podemos ter situações de responsabilidade civil extracontratual por
omissão (exemplo paradigmático é o do nadador salvador que está a obrigado a salvar a pessoa que
está a afogar-se na praia e não a salva) aqui vai ser relevante a lei do país onde o agente devia ter
actuado e não actuo-o. Esta parte final do artigo suscita-nos algumas dificuldades. Desde logo, à luz de
que lei vamos verificar se havia ou não o dever de actuar (a maioria da doutrina entende que a
interpretação deve ser feita à luz do foro). A interpretação e concretização dos elementos de conexão,
aqui, não é unânime. Ora, neste caso podemos ainda interpretar este elemento de conexão à luz da lei
do foro, ou seja, o que é que significa responsabilidade por omissão (quando alguém devia actuar e
não atua). Agora, saber se o responsável devia ou não ter agido, vai depender do lugar onde ele se
encontrava, a concretização vai ser feita à luz da lex causae.
O artigo 45º/2 vem estabelecer uma regra especial relativamente ao nº 1. Ou seja, se a lei do
Estado onde se produziu o efeito lesivo (a lesão) considerar como responsável o agente mas não o
considerar como tal a lei do país onde decorreu a sua actividade, é aplicável a primeira lei, desde que o
agente devesse prever a produção de um dano, naquele país, como consequência de um acto ou
omissão. O exemplo paradigmático é o de alguém que actua a partir de um país que tem regras muito
simpáticas no que respeita à difamação, a liberdade de expressão sobrepõe-se ao direito à honra.
Ora, podemos ter aqui pessoas que se deslocam para este país (A), e actuam a partir deste,
publicando notícias difamatórias (porque sabem que, neste país onde estão a actuar, a sua conduta
146
não vai ser considerada ilícita e, assim, não vão ser responsáveis civilmente pelos danos que provocam
noutro Estado pois a regra é a do 45º/1 – aplicação da lei do país da actuação). No entanto, depois
temos a pessoa que reside no país B que é difamado. Ora, a actuação do jornalista, que actua no país
A, produz efeitos no país B. Agora, vamos imaginar que neste país B o direito à honra é equiparado à
liberdade de expressão e considera que, de facto, estas notícias são difamatórias, havendo uma
violação do direito à honra com dever de indemnização. À luz deste exemplo vamos ao 45º/2 que nos
diz que é aplicável a lei do país onde se produziu o efeito lesivo desde que devesse prever que a sua
actuação iria produzir efeitos no país B (o agente actua no país A já com o propósito de ali poder
mandar mensagens achando que estava a salvo no país A). Aplicamos a lei onde se dá a lesão.
Portanto, subjacente a este artigo 45º/2 está uma ideia de protecção do lesado. Temos,
também, subjacente o princípio da maior proximidade. Porquê? Porque o 45º/2 não exige apenas que
o efeito lesivo ocorra no país B, têm, também, de ocorrer danos neste país. Em regra o lugar onde
ocorre a lesão e o dano é o mesmo.
Tende a dizer-se que nos países em que domina a aplicação da lei do lugar da actuação, existe
uma maior preponderância do elemento preventivo e punitivo da responsabilidade civil.
Nos países onde domina a aplicação da lei do lugar do dano verifica-se uma opção legislativa
consonante com a própria doutrina da responsabilidade civil extracontratual que tem essencialmente
subjacente uma função ressarcitória e não punitiva.
Ora, posto isto, terminamos a matéria da responsabilidade civil extracontratual. Passamos ao
ponto seguinte, a matéria dos direitos Reais.
Aqui temos o artigo 46º/1. Porquê este elemento de conexão? Porquê o lugar onde as coisas se
encontram situadas? A verdade aqui é que o direito real é um direito absoluto e cognoscível por todos
com segurança, desde logo. É no Estado onde se encontra que se vai excluir a intervenção de terceiros
que perturbem o gozo da coisa pelo seu titular. Portanto, aqui justifica-se a aplicação da lei onde a
coisa se encontra situada.
Para além disso, na regulação dos direitos reais, entram em jogo interesses públicos do Estado
da situação dos bens.
Para além disso, é, também, nos tribunais, deste Estado, que são apreciadas as acções judiciais
que respeitam aos direitos reais relativos à coisa. E, neste caso, vai haver coincidência entre o tribunal
competente e a lei aplicável.
Se pensarmos, por exemplo, nas regras que resultam quer dos regulamentos europeus quer dos
códigos de processo civil, entre as competências exclusivas vamos encontrar, em regra, as questões

147
que se prendem com os direitos reais relativos aos imóveis e é competente, em regra, o tribunal onde
o imóvel se encontra.
Além do mais, estas decisões vão ser executadas no país onde a coisa se encontra situada. Logo,
se já for aplicada essa lei, mais fácil será a execução da decisão.
Para além disso está, também, subjacente uma ideia de harmonia internacional de julgados,
porque é mais ou menos pacífico em todos os ordenamentos jurídicos que em matéria de direitos reais
é aplicável a lei do lugar da situação da coisa.
Artigo 46.º
(Direitos reais)
1. O regime da posse, propriedade e demais direitos reais é definido pela lei do Estado em cujo território
as coisas se encontrem situadas.
2. Em tudo quanto respeita à constituição ou transferência de direitos reais sobre coisas em trânsito,
são estas havidas como situadas no país do destino.
3. A constituição e transferência de direitos sobre os meios de transporte submetidos a um regime de
matrícula são reguladas pela lei do país onde a matrícula tiver sido efectuada.

Agora, esta regra foi essencialmente pensada para bens imóveis, mas a verdade é que o artigo
46º aplica-se a coisas móveis e imóveis. No entanto, vamos encontrar alguns desvios a esta regra, no
46º/2 e 3.
O 46º/2 diz-nos que: Em tudo quanto respeita à constituição ou transferência de direitos reais
sobre coisas em trânsito, são estas havidas como situadas no país do destino.
Ou seja, se houver uma qualquer questão que se prenda com um problema de posse,
propriedade e demais direitos reais relativamente a uma coisa que sai de Portugal e vai no comboio a
caminho de França, aplicamos que lei?
Aqui nas várias legislações podemos encontrar várias opções. Primeira, a aplicação da lei de
origem. Segunda, a aplicação da lei do destino. Terceira, a possibilidade de escolha.
A possibilidade de escolha gera muita insegurança. A lei de origem, também não concordo com
essa solução porque se a coisa está em deslocação do país de origem para outro sítio, a lei que vai ser
aplicada em matéria de direitos reais será em princípio a lei do destino.
Por isso, vamos encontrar no artigo 46º/2 a indicação que vimos supra. É aplicada a lei do país do
destino.

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Podemos ter aqui um problema. Imaginem que a coisa é, por hipótese, roubada em Espanha.
Havendo aqui um percalço no transporte da coisa, obviamente já se interrompe esta ideia que está
subjacente ao artigo 46º/2. Aqui já não faz sentido aplicar a lei do país do destino.
Depois, estamos aqui a falar desta regra do 46º/2 que é uma regra de sucessão de estatutos
porque, no fundo estamos a falar de uma coisa que está num país e se desloca para outro e, assim,
quando estava em Portugal era aplicada a lei portuguesa e quando se dirige para outro país o estatuto
muda e a lei que vai ser aplicada será a do país de destino.
Outro desvio à regra do 46º/1 é o artigo 46º/3. Este respeita aos meios de transporte sujeitos a
um regime de matrícula. E determina-se que: 3. A constituição e transferência de direitos sobre os
meios de transporte submetidos a um regime de matrícula são reguladas pela lei do país onde a
matrícula tiver sido efectuada.
Ora, se estivermos a falar de navios, de aeronaves, se aplicássemos a regra geral, o que é que
iriamos ter? Quando o navio estivesse em águas portuguesas era aplicada a lei portuguesa mas quando
estivesse em águas espanholas já era aplicada a lei espanhola, etc.
Portanto, não faz sentido aplicar o 46º/1 nestes casos.
A lei aplicada será a lei do registo. Porque o registo é que é público. É este que as partes podem
conhecer.
Outro problema que resultaria da aplicação do artigo 46º/1 seria o de saber que lei aplicar
quando os navios estivessem em alto mar ou quando as aeronaves estivessem a sobrevoar espaço que
não é soberania de nenhum Estado.
Atenção, não pode ser apenas a constituição e transferência dos direitos sobre o meio de transporte.
Terão de ser todas as questões que se prendam com os direitos reais associados a esse meio de
transporte.
O que significa esta expressão: regime dos direitos reais?
Quando se fala no regime da posse, fica, essencialmente, abrangido pelo artigo 46º (pelo
conceito-quadro) os meios de tutela da posse e os efeitos da posse quanto à aquisição de direitos reais.
Portanto, desde logo, por exemplo, a usocapião. Ou as formas de reagir contra outra pessoa.
O regime dos direitos reais tem também aqui uma interpretação abrangente. Compreende tudo
o que respeita à constituição, à modificação, transmissão e extinção de direito reais, incluindo a
própria tipologia dos direitos reais. O conteúdo e organização da publicidade destes direitos reais – o
caso do registo.
Quando falamos em aquisição por negócios jurídicos, por vezes suscitam-se algumas
dificuldades na delimitação do estatuto obrigacional e do estatuto real.
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Vamos lá ver. Sempre que quisermos saber se um negócio jurídico é válido, qual é a lei que se
aplica à forma, quais os efeitos obrigacionais de um determinado contrato, aí vamos aplicar a lex
contractus que em princípio vai ser encontrada com a aplicação do regulamento Roma I. Se quisermos
saber quais é que são os efeitos reais, aí já estamos perante matéria do artigo 46º do CC.
Em Portugal, de acordo com a lei material Portugesa, o contrato de compra e venda tem dois
efeitos obrigacionais (obrigação de pagar o preço e obrigação de entregar a coisa) e um real (a
transmissão da propriedade). Este efeito real é reconduzível ao conceito quadro do artigo 46º.
Na Alemanha, o contrato de compra e venda não implica por si só a transferência do direito de
propriedade da coisa. Aqui podemos ter uma dificuldade. Se a coisa se encontrar, por exemplo, em
Portugal não há grandes dúvidas de que a propriedade é transmitida, mas se estiver na Alemanha já
será mais complicado.
Portanto, é importante reter que não devemos aplicar o artigo 46º quando queremos saber
qual é a lei aplicável à compra e venda de uma coisa. Aqui aplicamos o regulamento Roma I.
O artigo 47º, não trata de um problema de direitos reais. Nós já tratámos deste artigo quando
analisámos o estatuto pessoal das pessoas singulares. A capacidade da pessoa.

Artigo 47.º
(Capacidade para constituir direitos reais sobre coisas imóveis ou dispor deles)

É igualmente definida pela lei da situação da coisa a capacidade para constituir direitos reais sobre
coisas imóveis ou para dispor deles, desde que essa lei assim o determine; de contrário, é aplicável a lei
pessoal.

Nunca iremos aplicar o artigo 47º se o imóvel estiver situado em Portugal. Só vamos aplicar o
47º e consequentemente o lei do lugar onde a coisa imóvel se encontra situada se essa mesma lei
(onde o imóvel se encontra situado) disser que em matéria de capacidade para constituir direitos reais
deve ser aplicada a lei do lugar do imóvel. Na lei portuguesa não é isso que estabelece porque nos
termos do artigo 25º diz-se que a capacidade das pessoas é regulada pela lei pessoal e este nos termos
do 31º/1 é a lei da nacionalidade.
Com isto terminamos a matéria dos direitos reais e o programa da nossa cadeira de direito
internacional privado.
Portanto, matérias como responsabilidade pré-contratual, gestão de negócios, enriquecimento
sem causa não sai para o exame. Saltei também a matéria da culpa in contrahendo.
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