Você está na página 1de 3

1) Como tu descreves a cultura cinematográfica de Parintins?

Bem, há momentos. Tudo é questão histórica. Atualmente podermos ver principalmente


duas coisas. A primeira é um saudosismo, uma saudade da época em que existia
exibição na cidade. Minha dissertação identifica que desde a década de 40 existiam
cinemas em Parintins, porém, o último, Cine Oriental, fechou em 1998. Em uma cidade
interiorana, com pouquíssimas diversões, o cinema faz uma falta enorme.
A segunda coisa é o acesso técnico e tecnológico. Existe uma contradição interessante.
Há quase dois séculos Ludwig Feuerbach disse que preferimos a imagem à coisa, a
cópia ao original. No século passado Guy Debord falou que vivemos na sociedade do
Espetáculo, regidos pelas imagens, e muitos outros pesquisadores e escritores seguem
essa linha. Embora isso seja claro pra nós, Boris Kossoy afirma que apesar de tudo, não
levamos as imagens a sério, elas ainda são secundárias em relação à escrita. Isso faz
com que mesmo que haja acesso técnico e tecnológico o público pouco aproveite
profissionalmente ou de forma mais séria o cinema, e mesmo o audiovisual.
Em cada momento, digamos assim, há uma forma do cinema buscar inserção na cultura
parintinense. Mas essa é uma relação de tensão, de insistência e estranhamento. Se eu
fosse resumir, eu diria que há 80 anos há essa insistência, mas que não há, de fato, de
forma plena, uma cultura cinematográfica em Parintins, ou, para usar o conceito de
Maturana e Varela, não houve ainda um acoplamento estrutural entre o cinema e a
cultura local.

2) Como o cinema dialoga com a cultura parintinense?

Essa é a parte que eu achei mais interessante e que pra mim foi a maior descoberta da
pesquisa. A cultura hegemônica em Parintins é a do Boi Bumbá, que por questões
econômicas e políticas, impede – ou ao menos dificulta – o desenvolvimento de outras
formas culturais. Então, qualquer coisa relacionada a cinema, surge totalmente distante
do Boi Bumbá, e, portanto, não dialoga com ele. Vejamos: o Boi Bumbá foi tirado da
população enquanto produtores, eles são apenas consumidores. É muito comum a
população falar: “eu sou item” (referindo-se ao item 19, Galera). Com orgulho, a
posição da população é de consumidor e a participação é como Galera. Assim, houve
um distanciamento nesse sentido. Então, em uma forma cultural diferenciada, tal qual o
cinema, a temática do boi não aparece.
A pesquisa indica que quem veio de fora filmar algo em Parintins, majoritariamente
veio atrás dos Bois Garantido e Caprichoso. Mesmo a produção dos DVDs das referidas
agremiações folclóricas eram feitos por empresas de fora. Isso só mudou muito
recentemente quando nos últimos dois anos (já depois da pesquisa finalizada) o Boi
Bumbá Caprichoso usou uma produtora local para gravar seu disco. Ainda assim, uma
produtora bem distante da realidade de produção cinematográfica que discutimos na
pesquisa.
Por outro lado, dos 23 produtos audiovisuais produzidos pelo curso de Jornalismo da
Ufam em Parintins, apenas um trata do Boi, mas, não é seu foco. Trata-se de “O lugar
da coreografia no boi-bumbá Garantido: aspectos históricos e mudanças no ‘dois prá lá,
dois pra cá”, onde o foco é a coreografia e suas mudanças.
Da participação nos festivais de curta, Parintins contou com 53 filmes. Nenhum deles
tem como temática o Boi Bumbá, nem mesmo de forma indireta, como no caso acima.
Isso é um dado a se pensar. Creio que uma pesquisa direcionada a isso seria muito
interessante. Em fim, esse diálogo é restrito, e se há, é problemático.
3) Como funciona a Apincine e qual a importância dela para a produção em Patintins?

A Apincine é uma associação no sentido literal do termo. As pessoas se associaram para


poder produzir filmes. Eles, como sabemos, demandam estrutura, gastos e pessoas.
Então, quando alguém escrevia um roteiro, normalmente essa mesma pessoa dirigia o
vídeo. Aí o colega era ator, o outro era continuísta e por aí vai. Como não eram tantas
pessoas, acabava que quando um filme era produzido, todos participavam em alguma
ocupação, revezando entre elas.
Esse esforço entre associados fez com que os 53 filmes acima citados fossem possíveis
e arrisco a dizer, já que não fiz uma analise estética ou técnica, com avanços muito
interessantes. Soma-se a isso a produção do I Parintins Fest Cine em 2011, evento com
a participação de 12 filmes, dos quais Alegoria da Preguiça foi, no mesmo ano, o
primeiro filme do interior do Amazonas a ganhar um premio no extinto Amazonas Film
Festival.

4) Quais são os principais desafios enfrentados pelos realizadores?

A total falta de apoio. Quando a Apincine foi fundada, seu primeiro presidente era
subsecretário do município e isso gerou algum apoio da prefeitura. Porém a mudança de
gestão dificultou ainda mais. A estrutura é um desafio grande também. O equipamento é
caro e não tem na cidade, tudo precisa vir de fora. Isso é ampliado pelo fato de que
nenhum dos produtores é profissional ou vive disso, ou seja, o tempo para pesquisar, ir
atrás do equipamento ou mesmo para produzir os filmes é um tempo de lazer, de férias,
de folga, um tempo que “sobra”.

5) Como a dificuldade de acesso à exibição prejudica a produção na cidade?

O que chega à TV aberta ou mesmo aos canais fechados de Televisão é muito restrito.
Produzir qualquer coisa, principalmente quando se há arte envolvida, requer referências.
Eu sou daqueles que afirma que as referencias artísticas e estéticas dão o diferencial. O
novo nos anima, dá alento e etc. O que sai no cinema, para o bem ou para o mal,
costuma pautar os festivais Brasil a fora. Uma temática ou mesmo uma técnica
especifica ganha relevância normalmente a partir desse grande circuito exibidor. Então,
a falta de acesso à exibição traz essa limitação aos produtores locais que tem dificuldade
em acompanhar a atualidade.

6) A extinção dos festivais de cinema no Amazonas afetou o cinema local, como isso se
refletiu em Parintins?

A produção digital em Parintins só existe por causa dos Festivais de Cinema,


notadamente “1 Amazonas” e “Curta 4”. Porque enquanto produtos da Comunicação
Social, junto ao Jornalismo, a Publicidade e etc, eles só fazem sentido se publicados,
exibidos, veiculados... Não há ânimo em produzir e guardar. Então, essa extinção
quebrou um pouco a vontade de produzir, que por si só já trazia consigo muitas
dificuldades. Já é difícil produzir, imagine com menos oportunidades de exibir.

7) Entre formações e educação cultural, como essas práticas auxiliaram na manutenção


da produção, mesmo sem os festivais e locais fixos de exibição?
Ambas as categorias tem o relevante papel de estruturar uma exibição do que não chega
ao circuito comercial, principalmente filmes que não são brasileiros ou os de Holywood.
Além do mais, eles fornecem algo que não costuma ser o foco da televisão ou mesmo da
exibição no cinema, que é a discussão, contextualização e o uso prático dos filmes. Eles
são interessantes porque criam uma cultura da crítica, da análise e fazem o público não
mais apenas assistir um filme como lazer. Infelizmente, nenhum desses projetos chegou
e lhe dar com a produção local.

8) Há outros tipos de produção cinematográfica na cidade fora as que tu citas na


dissertação? Se sim, quais? Dentre as três citadas, qual tem maior presença?

Tem produções mais isoladas, que acabam por fugir da fronteira do cinema, porque não
se preocupam com a exibição. Tem um produtor que eu conheci que é muito bom do
ponto de vista técnico, conhece bem a linguagem e é ótimo em edição, mas por ser
muito criterioso demora muito a finalizar algo. É o Felipe Brunner. Ele costuma fazer
curtas de publicidade pra igreja que participa.
Dos três grupos citados na dissertação cada um tem uma presença diferenciada. Os
caçadores de imagens, que vem de fora, são profissionais com estrutura, portanto, tem
saída de exibição, que costuma ser o problema. O grupo da universidade, por produzir
aliado a questões cientificas, têm melhor qualidade técnica e experimentalismo. Usam
os equipamentos da universidade, filmadoras próprias e profissionais, por exemplo. O
grupo da Apincine tem maior inserção social e é quem exibe nos Festivais, sendo, do
ponto de vista social, o grupo mais genuinamente local, pois é, também, mais
espontâneo.

9) Qual a influência do Boi Bumbá no cinema parintinense?

Por incrível que pareça, nenhuma. O presidente da Apincine já fez parte da direção de
uma das Agremiações Folclóricas, mas eu não sei se ele tentou alguma aproximação.
Inclusive eu o entrevistei para uma serie de TV sobre cinema e fui à sede da Associação
Folclórica.
Por conta da hegemonia do Boi Bumbá há um distanciamento entre a festa folclórica e
qualquer outra manifestação da cultura local, inclusive o cinema.

10) Como está o atual momento da produção cinematográfica em Parintins? Cite alguns
destaques da filmografia local.

Nos últimos anos a produção reduziu muito. A Apincine foi desativada e apenas alguns
produtores se mantiveram. A Kelly Sobral, que está na associação desde o inicio se
mantém produzindo. O Ray Santos, responsável pelo primeiro curta local, também está
envolvido em um projeto, onde a Kelly, inclusive é produtora. Conversei com ela ano
passado que me disse estar viajando para Alter do Chão em busca de imagens. É um
filme sobre a lenda das Icamiabas. Ela comentou que o projeto contava com o apoio de
compositores, para que o filme tivesse trilha sonora própria e inédita.

Você também pode gostar