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DIREITO AUTORAL

OS DIREITOS
CONEXOS*
João Carlos de Camargo Eboli

RESUMO

Aborda o tema atinente aos direitos conexos,


também conhecidos como direitos vizinhos ou
análogos (aos direitos de autor), identificando
sua origem, natureza e peculiaridades, bem como
os seus titulares: o artista (sobre sua interpreta-
ção ou execução), o produtor de fonogramas
(sobre sua produção sonora e o organismo de
radiodifusão (sobre o seu programa).
Sustenta que, com o surgimento de revolucio-
nárias técnicas de fonografia e cinematografia,
por volta da segunda metade do séc. XIX, o es-
forço criativo dos artistas possibilitou atingir ao
público por intermédio das interpretações e exe-
cuções, independentemente da presença física
de seus intérpretes.
Defende o agravamento da lei penal e a intensi-
ficação da ação policial, a fim de se promover o
intenso combate à “pirataria”, considerada um
crime, cuja respectiva punição deve ser aplica-
da com maior rigor, na tentativa de coibir a prá-
tica de tal delito, além de impedir a conseqüente
evasão de impostos federais e estaduais.
Ao final, relata o entendimento previsto na Lei n.
9.610/98, intitulada Lei brasileira de Direitos
Autorais, ao asseverar que, tanto as interpreta-
ções dos artistas como as produções fono-
gráficas e os programas de radiodifusão, ainda
que não mereçam a rotulação de “obra”, são, a
ela assemelhados para fins de proteção legal.

PALAVRAS-CHAVE
Direitos conexos; Lei n. 9.610/98 – Lei dos Di-
reitos Autorais; artista; intérprete; Direitos – mo-
ral e patrimonial; “pirataria”.

__________________________________________________________________________________________________________________
* Conferência proferida no "Seminário sobre Direito Autoral", realizado pelo Centro de Estudos Judiciários, nos dias 17 e 18 de março de 2003, no
Centro Cultural Justiça Federal, Rio de Janeiro - RJ.

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A
ntes de qualquer direito mere- tações, ou seja, os produtores executantes, e mesmo aos direitos
cer a tutela legal, ele precisa fonográficos e cinematográficos, aos dos produtores de fonogramas.
ser reconhecido como um di- quais se atribuiriam direitos pela mes- Apesar da reação das tradicio-
reito. ma razão por que se atribuem direi- nais sociedades de autores, temero-
Portanto, antes de qualquer tos originários aos organizadores de sas com a possibilidade de dividir o
estudo sobre o comportamento obras coletivas. “bolo”, no campo da execução públi-
legislativo em face dos chamados Embora seja antiga a consci- ca, com novos titulares, a questão já
“direitos conexos”, devemos identi- ência do valor intrínseco das interpre- fora discutida até mesmo na própria
ficá-los e, ainda, vislumbrar a sua ori- tações e execuções artísticas, ape- Convenção de Berna, de 1886, que
gem e definir-lhes a natureza e as nas no século XX veio ela a tomar pode ser considerada, no âmbito in-
peculiaridades. corpo nas leis, de um modo mais ou ternacional, o mais significativo diplo-
Os direitos conexos, também menos definido. ma de proteção ao direito de autor,
conhecidos como “vizinhos” ou “aná- Assim é que à lei alemã de inclusive pela sua importância histó-
logos” (aos direitos de autor), decor- 1901 seguiu-se a lei húngara de 1921, rica.
rem de uma realidade socioeconômica e a esta as leis suíça de 1922, britâ- Primeiramente, na Revisão de
gerada pela evolução tecnológica, nica de 1925, portuguesa e finlande- Roma, de 1928, e, depois, na de Bru-
que transformou a execução efêmera xelas, de 1948, o assunto foi aborda-
da obra, outrora desaparecida tão logo do e discutido, tanto que, na segun-
dado o último acorde, em coisa – da Revisão citada, foi emitido um
“resduradoura”–, mediante fixação parecer, o qual recomendava aos
sonora ou audiovisual, ou seja, países signatários de Berna conce-
eternizando-a no tempo, ou, ainda, der uma proteção específica aos pro-
projetando-a pelo espaço, dando-lhe, dutores de fonogramas.
enfim, nova dimensão nas distâncias A experiência internacional, Nos países de cultura anglo-
e às audiências às quais se dirige.
Três são os titulares de direi-
inclusive a brasileira, tem saxônica, o problema inexistia, pois,
à medida que o direito de autor era (e
tos conexos: o artista, sobre sua in- demonstrado, claramente, ainda o é) tratado como um simples
terpretação ou execução; o produtor
de fonogramas, sobre sua produção
que, nem jurídica ou copyright, não havia qualquer melin-
dre em conferi-lo originariamente tam-
sonora; e o organismo de radiodifu- economicamente, os bém a uma pessoa jurídica, como
são, sobre seu programa.
Como bem salienta João Carlos
direitos conexos têm normalmente o é um produtor de
fonogramas. Entretanto, sob o pris-
Müller Chaves, renomado especialis- afetado os autores, cujos ma da conservadora doutrina france-
ta na matéria, não são os autores os rendimentos em nosso sa do droit d’auteur, a resistência era
únicos fatores da criação intelectual. praticamente incontornável.
Algumas obras não chegam ao pú- País, por exemplo, no que Como nos ensina, com bastan-
blico, senão intermediários, que as concerne à execução te propriedade, o já referenciado
tornam perceptíveis pelo público. Müller Chaves, para fazer frente a
Fácil é perceber a interdepen- pública, vêm crescendo em essa quase intransponível rejeição, a
dência existente entre esses titulares, termos absolutos, criatividade dos juristas foi constru-
além de seu relacionamento com a indo uma doutrina relativa à proteção
obra autoral originária, que serve de anualmente, apesar do das pessoas e entidades que, sem
ponto de partida para todo esse com- adicional destinado aos ser propriamente autores stricto
plexo.
No que tange aos artistas, é
titulares de direitos sensu, participam do processo criati-
vo de diferentes maneiras. Essa dou-
inegável que o intérprete aporta algo conexos. trina procurava outorgar a artistas,
à obra, mas até a segunda metade produtores fonográficos e organismos
do século XIX, quando surgiram as de radiodifusão direitos próprios, es-
revolucionárias técnicas de fonografia pecíficos, que, por sua estrutura e
e de cinematografia, os intérpretes natureza, assemelhavam-se aos direi-
não tinham a possibilidade de fixar tos de autor, em razão do que passa-
seus aportes, que se perdiam tão logo ram a ser chamados de “conexos”,
realizados. Foi pelas fonografia e ci- sa, ambas de 1927, até chegarmos à “vizinhos”, “análogos” ou “afins”.
nematografia que o esforço criativo legislação italiana, datada de 1941, Em determinado momento, a
dos artistas passou a ser passível de que disciplina a matéria de forma Organização Internacional do Traba-
fixação e de reprodução, fato que metódica. lho – OIT passou a dar particular aten-
permitiu que as interpretações e exe- No plano latino-americano, ção à matéria, preocupada com os
cuções passassem a ser comuni- merecem referências o Código Civil efeitos desses novos processos de
cadas ao público, independentemen- mexicano, que, em seus arts. 1.183 fixação e comunicação sobre as ati-
te da presença física dos respectivos e 1.191, reconheceu direito autoral em vidades dos trabalhadores intelec-
intérpretes, por meio de discos e fil- favor dos executantes, medida elogi- tuais, particularmente dos músicos,
mes. ada à época pelo seu indiscutível artistas e executantes que são, e pro-
Diante dessa nova realidade, desassombro, bem como a lei argen- cedeu à elaboração de um texto de
surgiu um movimento em favor do tina editada em 1933 e a lei colombi- convenção internacional que proteges-
reconhecimento de direitos para os ana de 1946, as quais igualmente tra- se os seus direitos intelectuais.
intérpretes, extensivos àqueles que ziam, em seu bojo, a proteção aos Paralelamente, o Bureaux Inter-
realizavam a fixação de suas interpre- direitos dos artistas, intérpretes e nacionais Unidos para a Proteção da

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Propriedade Intelectual – BIRPI, e atu- A Convenção de Roma tem o da obra ou da produção protegidas.
almente a Organização Mundial da mérito de haver enfeixado em um úni- Esta nova Convenção alcançou con-
Propriedade Intelectual – OMPI, rea- co diploma os três titulares a que já siderável sucesso, pelo menos supe-
lizava estudos, visando a atender o nos referimos (artistas, produtores de rior àquele obtido pela de Roma, pois
desejo dos Estados contratantes da fonogramas e organismos de radio- a ela já aderiram mais de 50 países.
Convenção de Berna de assegurar difusão), definindo, ademais, com Destaque-se que o Brasil é signatá-
proteção a artistas e produtores de precisão, os seus respectivos direi- rio e ratificante de ambas as conven-
fonogramas. tos conexos. O Pacto de Roma pro- ções.
Interrompidos esses estudos curou atender justamente aos impe- Como os padrões mínimos de
pela Segunda Guerra Mundial, foram rativos do desenvolvimento tecno- proteção previstos nas Convenções
reiniciados após a vitória do mundo lógico, inaugurando uma nova cate- de Roma e de Genebra se revelaram,
democrático, redundando numa con- goria de direitos que, com eficácia, ao longo do tempo, insuficientes, di-
ferência diplomática de 42 países, na vêm disciplinando as relações jurídi- versas leis nacionais ampliaram con-
cidade de Roma, em 1961, que, ao cas decorrentes da crescente sofisti- sideravelmente tais níveis. Assim é
longo de exaustivos debates, os quais cação dos meios de divulgação e que, por exemplo, a maioria dos paí-
praticamente esgotaram a matéria, comunicação, bem como o trabalho ses adota, atualmente, um prazo de
contando inclusive com a participa- de criatividade coletiva, desenvolvi- proteção maior que o mínimo conven-
ção de representantes da Federação do no seio de empresas e organiza- cional, de apenas 20 anos. Outros-
Internacional de Músicos – FIM e da ções altamente complexas, como são sim, alguns países, dentre eles o Bra-
Federação Internacional de Atores – os grandes produtores de fonogra- sil, concedem a artistas e produtores
FIA, aprovou o texto da chamada mas e organismos de radiodifusão. não apenas um copyright, mas tam-
“Convenção Internacional sobre a Pro- Essa atividade criativa em co- bém direitos exclusivos de autorizar
teção dos Artistas Intérpretes ou Exe- laboração é, por sinal, muito antiga. ou proibir a comunicação ao público
cutantes, dos Produtores de Fono- Afinal de contas, o que representam de suas interpretações e de seus
gramas e dos Organismos de Radio- as orquestras e os conjuntos vocais fonogramas.
difusão”, com o patrocínio e o senão um somatório de atuações in- No âmbito internacional, essa
assessoramento da OMPI, UNESCO dividuais, que produzem um todo proteção aos direitos conexos conti-
e OIT. harmônico e indivisível? nua quase que restrita a uma única
Cumpre ressaltar, desde logo, Não importa se esses valores modalidade de uso: a reprodução.
que os direitos nela contemplados individuais se unem sob a forma ex- Contudo ela é, hoje, praticamente
são distintos e não se confundem terna e extrínseca de empresa, cons- universal, pois a grande maioria dos
com os direitos do autor da obra in- tituindo-se sob a forma de pessoa países integra a Organização Mundial
terpretada ou executada, fato que jurídica, pois, intrinsecamente o que do Comércio – OMC, criada por um
recebe ênfase especial logo no art. os aproxima é o esforço conjunto e pacto que incorpora, como anexo, o
1º da Convenção, que preceitua ex- comum para produzir alguma coisa “Acordo sobre Aspectos de Proprie-
pressamente: nova, inédita e identificável. dade Intelectual Relacionados ao
Art. 1º - A proteção prevista Trata-se, em conseqüência, de Comércio”, conhecido como APDICs,
pela presente Convenção deixa uma atividade criativa que decorre ou TRIPs, em inglês, que determina,
intacta e não afeta, de qualquer modo, sempre do concurso do talento de de forma compulsória, a incorporação
a proteção ao direito do autor sobre seres humanos, ainda que agregados das disposições substantivas das
as obras literárias e artísticas. Deste sob a roupagem de uma empresa, Convenções de Roma e de Berna.
modo, nenhuma disposição da pre- razão por que não existe, a nosso ver, No que tange à proteção penal
sente Convenção poderá ser interpre- qualquer contradição ou antinomia em dos direitos conexos, não poderíamos
tada em prejuízo dessa proteção. se atribuir a titularidade dos direitos deixar de destacar os imensos prejuí-
Com outras palavras, no mes- conexos a uma pessoa jurídica, ob- zos acarretados aos seus titulares
mo sentido, a atual Lei brasileira de viamente sob o aspecto estritamente pela crescente “pirataria”, consisten-
Regência, a de n. 9.610, de 1998, faz patrimonial, como ocorre, aliás, com te na reprodução e comercialização
a seguinte ressalva no parágrafo úni- freqüência, em relação aos direitos de não-autorizadas de produções fono-
co de seu art. 89, que trata dos direi- autor, sendo bons exemplos disso a gráficas e de obras audiovisuais. A
tos conexos: titularidade originária das companhias “pirataria” configura um crime-tipo e
Parágrafo único – A proteção cinematográficas sobre as obras como tal deve ser drasticamente com-
desta Lei aos direitos previstos nes- audiovisuais que produzem e a batida. A fórmula é simples, não por-
te artigo deixa intactas e não afeta as titularidade derivada dos editores que seja a melhor ou mais eficiente,
garantias asseguradas aos autores sobre as obras literárias, musicais e mas porque no momento é a única
das obras literárias, artísticas ou ci- lítero-musicais que editam e exploram. plausível: deve-se promover o agra-
entíficas. Contudo, o número inicialmen- vamento da lei penal e a intensifica-
A experiência internacional, in- te reduzido de adesões ao Convênio ção da ação policial, além de campa-
clusive a brasileira, tem demonstra- de Roma levou à convocação de uma nhas institucionais capazes de escla-
do, claramente, que, nem jurídica ou nova Conferência Internacional, no ano recer os usuários, de preferência com
economicamente, os direitos conexos de 1971, em Genebra, da qual resul- a participação ativa de artistas famo-
têm afetado os autores, cujos rendi- tou a “Convenção para a Proteção aos sos, que, além de diretamente inte-
mentos em nosso País, por exemplo, Produtores de Fonogramas contra a ressados, são poderosos agentes
no que concerne à execução pública, Reprodução Não-autorizada de seus formadores de opinião pública.
vêm crescendo em termos absolutos, Fonogramas”, com o exclusivo fim de Convém lembrar que, até a pro-
anualmente, apesar do adicional des- expandir a proteção internacional con- mulgação da Lei n. 6.895, de 1980, o
tinado aos titulares de direitos tra o delito conhecido como “pirata- nosso Código Penal, de 1940, punia
conexos. ria”, ou seja, a cópia não-autorizada de forma bem mais rigorosa o furto

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de uma caneta esfereográfica do que, terpretadas. Como entra no cinema no curioso: atores virtuosos do pas-
por exemplo, a eventual reprodução para assistir a um filme do Jack sado, como Leopoldo Fróes, precisa-
fraudulenta de todos os fonogramas Nicholson ou da Sônia Braga, desco- ram de anos e anos de labuta erran-
contendo interpretações de Milton nhecendo os nomes dos respectivos te, pelos mais diversos palcos do
Nascimento. diretor e produtor. Brasil, para angariarem a mesma po-
No Brasil, a ação policial deve- Alguns atores emprestam um pularidade nacional hoje alcançada,
se concentrar sobretudo nos conhe- caráter tão personalíssimo às suas atu- quase que instantaneamente, por jo-
cidos corredores de contrabando, nas ações, que passam a estabelecer uma vens atores como Thiago Lacerda e
fronteiras “vivas” do País com o relação simbiótica com as obras que Ana Paula Arósio, mercê de suas in-
Paraguai e com a Bolívia. Isso não protagonizam, ou com os personagens terpretações em algumas novelas de
vai resolver o problema, mas pelo que interpretam. Quem pode dissociar, televisão.
menos deverá aliviá-lo consideravel- por exemplo, a figura do mendigo da Em suma, não se pode deixar
mente por algum tempo. A simples famosa peça “Deus lhe Pague”, de de atribuir ao artista, intérprete ou
prisão exemplar de camelôs no Lar- Joracy Camargo, da imagem carismá- executante a titularidade originária de
go da Carioca ou na Praça da Sé po- tica e marcante do inesquecível ator um direito conexo (moral e patrimo-
derá gerar boas imagens de televi- Procópio Ferreira? Ou a figura de nial) ao dos autores.
são, mas não produzirá qualquer efei- O que dizer do produtor fono-
to prático além disso. Ademais, por gráfico? Como leciona o saudoso
se tratar de um delito de ação públi- Henry Jessen (a quem reverenciamos
ca, a “pirataria” representa também como o maior tratadista patrício so-
uma grande evasão de impostos fe- bre os direitos análogos), em sua co-
derais e estaduais, justificando ple- nhecida obra Direitos Intelectuais, que
namente e até exigindo a atuação ri- permanece bastante atual sob o as-
gorosa da autoridade policial, em to- pecto doutrinário, embora publicada
dos os seus níveis. No que tange à proteção nos idos de 1967 pela Editora Itaipu,
Assistimos pasmos a uma re- penal dos direitos conexos, em sua primeira fase, a publicação
cente reportagem de televisão denun- fonográfica era conhecida como “edi-
ciando e mostrando que o contraban- não poderíamos deixar de ção fonomecânica”. A segunda fase,
do, na conhecida Ponte da Amizade, destacar os imensos a da gravação elétrica, veio revolucio-
que liga o Brasil ao Paraguai, intensi- nar os métodos anteriores e fez sur-
fica-se nos horários de folga dos po- prejuízos acarretados aos gir no cenário artístico a figura do “Pro-
liciais, conforme declaração dos pró- seus titulares pela crescente dutor Fonográfic,o que – diversamen-
prios policiais. A continuar assim, não te do seu antecessor, o “fabricante”
serão vãs promessas e reuniões feé- “pirataria”, consistente na – não se limita à captação de sons,
ricas no Palácio do Planalto – com a reprodução e porém “produz” estes sons valendo-
presença de autores, artistas e em-
presários culturais – que irão resolver
comercialização não- se de meios técnicos e artísticos para
obter um todo indivisível composto de
efetivamente ou pelo menos minorar autorizadas de produções uma obra musical, de uma interpreta-
o gravíssimo problema.
Cabe agora uma breve análise
fonográficas e de obras ção e de um conjunto de efeitos artís-
ticos, que trazem o selo de sua per-
sobre as características e peculiari- audiovisuais. A “pirataria” sonalidade, como elaboração intelec-
dades das três categorias de titula- configura um crime-tipo e tual, autônoma e independente: o
res de direitos conexos: os artistas, fonograma1 .
intérpretes e executantes; os produ- como tal deve ser Sem dúvida, a eletrônica revo-
tores de fonogramas; e os organis- drasticamente combatida. lucionou a técnica de gravação. Fo-
mos de radiodifusão. ram introduzidos distorcedores,
Os artistas sempre foram e equalizadores, filtros, câmaras de
continuarão a ser os porta-vozes da eco, canais múltiplos de gravação,
inteligência e da cultura dos criado- toda uma gama, enfim, que corres-
res do espírito. Freqüentemente, atin- ponde a uma infinidade de recursos
gem importância maior do que a dos que, artisticamente empregados,
próprios autores, que, não raras ve- transformam o estúdio de gravação
zes, os assediam em busca de su- Rodolfo Mayer do extraordinário mo- em um imenso e complexo instrumen-
cesso garantido junto ao público. Qual nólogo “As Mãos de Eurídice”, de to musical, confiado ao talento de in-
o autor de música popular, por exem- Pedro Bloch? Ou a figura do persona- térpretes, executantes, arranjadores,
plo, que não gostaria de ter suas obras gem Odorico Paraguaçu, notável cria- diretores de produção, maestros, re-
gravadas, dependendo do estilo, por ção de Dias Gomes, da imagem do gentes, técnicos de som, montagem,
Roberto Carlos ou Maria Bethânia? saudoso Paulo Gracindo? Ou mesmo mixagem, corte etc. Mais recentemen-
Quantas pessoas vão ao teatro para afastar a imagem de Sean Connery da te, novas tecnologias vieram revolu-
assistir a um espetáculo com figura do famoso Agente 007? Ou ne- cionar ainda mais a atividade fono-
Fernanda Montenegro ou Raul Cortez, gar a imensa empatia cênica existen- gráfica. Paulatinamente, o processo
simplesmente ignorando o nome do te entre o sempre lembrado ator Sir digital vem substituindo o analógico,
autor da peça? Na grande maioria dos Lawrence Olivier e os principais per- que hoje é utilizado apenas em apro-
casos, o sujeito entra numa loja para sonagens da vasta dramaturgia ximadamente 10% da produção so-
comprar um disco do Frank Sinatra shakespeareana? nora. Cresce também, em escala qua-
ou da Marisa Monte, desconhecendo Convém abrir um brevíssimo se exponencial, inclusive graças ao
os nomes dos autores das obras in- parêntese para abordar um fenôme- advento da internet, a reprodução e

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distribuição de fonogramas por mei- art. 13 e parágrafo único; na Lei n. production and the network of radio broadcast
os eletrônicos, que, em um futuro não 3.857, de 1960, que regulamenta o (on his programme).
muito distante, substituirá total ou exercício da profissão de músico e He states that, with the development
of revolucionary techniques of phonography
quase totalmente a tradicional repro- cria a Ordem dos Músicos do Brasil; and movie art, by the second half of the 19th
dução por meios físicos, por intermé- na Lei n. 6.615, de 1978, que discipli- century, the artists’ creative effort permitted to
dio de suportes materiais, como é o na o exercício da profissão de radia- reach the public by means of interpretations
caso dos CDs. lista; na Lei n. 5.250, de 1967, a cha- and performances, regardless their interpreters’
Destarte, a atribuição de um mada “Lei de Imprensa”; e no Decre- physical presence.
direito conexo originário, de cunho to-lei n. 972, de 1969, que regula o He defends the aggravation of the
patrimonial, ao produtor de fono- exercício da profissão de jornalista. criminal law and the intensification of the police
action, in order to promote the intense fight
gramas justifica-se amplamente, in- Logo, em seu art. 1º, de nature- against the “pirate action”, considered a crime,
clusive para assegurar a praticidade za interpretativa, a Lei de Regência (n. whose respective punishment must be applied
e a celeridade na comercialização dos 9.610, de 1998) esclarece que, sob a with a strict rigor, trying to forbid the practice of
fonogramas, o que vem ao encontro denominação genérica de “direitos such transgression, besides preventing the
dos interesses econômicos de todos autorais”, entendem-se os direitos de consequent evasion of federal and state taxes.
os demais titulares de direitos auto- autor dos criadores primígenos e os Finally, he relates the understanding
established in Law n.9,610/98, denominated
rais, em sentido amplo, que partici- direitos conexos daquelas pessoas
Copyright Brazilian Law, when he assures that
pam das produções, aí compreendi- que interpretam e divulgam as suas both the artists’ interpretations and the phono
dos os artistas, intérpretes, executan- obras (artistas, produtores de fono- productions as well as the radio broadcast
tes, autores das obras musicais e gramas e organismos de radiodifusão). programmes, though they don’t deserve the
lítero-musicais utilizadas, assim como Assim, tanto as interpretações dos label of “work”, they are similar to them for the
os produtores musicais e artísticos. artistas, como as produções fono- legal protection ends.
Sobre a radiodifusão, ocioso gráficas e os programas dos organis-
KEYWORDS – Connected rights; Law
seria descrever-lhe as atividades e mos de radiodifusão, ainda que não
n. 9,610/98 – Copyright Law; artist; interpreter;
ressaltar a enorme importância dos mereçam a rotulação de “obra”, são, moral and patrimonial rights; “pirate action”.
organismos de rádio e televisão na ex vi legis, a esta equiparados, por
propagação do conhecimento e da assimilação, para fins de proteção.
cultura. O incrível avanço da Infor- Já o art. 3º do mesmo Diploma
mática só contribuiu para potencializar preceitua que os direitos autorais, em
esse processo avassalador de comu- sentido lato, reputam-se bens móveis,
nicação ao público. Requintados pro- para os efeitos legais.
gramas, especialmente de televisão, No caput do seu art. 89, a Lei
tais como novelas, “shows” de varie- dispõe, como princípio básico, que,
dades, mini-séries, telejornais, infor- in verbis:
mativos didáticos e culturais etc. Art. 89 – As normas relativas
mobilizam um verdadeiro exército de aos direitos de autor aplicam-se, no
artistas e técnicos e são enriquecidos que couber, aos direitos dos artistas
com a utilização dos mais variados e intérpretes ou executantes, dos pro-
criativos efeitos de imagem e som, dutores fonográficos e das empresas
sendo certo, pois, que a radiodifusão de radiodifusão.
moderna não pode prescindir, dentre Em síntese, concretas e ines-
outros, daqueles mesmos profissio- gotáveis são as conseqüências des-
nais altamente gabaritados que cola- sa perfeita simbiose de autores, ar-
boram com os produtores fono- tistas, técnicos e empresários cultu-
gráficos e cinematográficos. Daí ser rais, dessa extraordinária comunhão
também plenamente justificável a de homens e máquinas, de talentos
outorga de um direito conexo originá- e tecnologia, que nos colocam diante
rio, de natureza patrimonial, aos or- de uma nova e fascinante etapa do
ganismos de radiodifusão sobre os grande renascimento cultural, literá-
programas. rio, artístico e científico.
Os direitos conexos foram in-
troduzidos em nosso País pela Lei n. NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
4.944, de 1966, regulamentada pelo
Decreto n. 61.123, de 1967, e reafir-
mados pela Lei n. 5.988, de 1973, 1 JESSEN, Henry. Direitos Intelectuais. Rio de
bem como pela atual Lei brasileira de Janeiro: Itaipu, 1967. p. 129.
Direitos Autorais, a de n. 9.610, de
1998, que disciplina a matéria em seu
Título V, compreendendo os arts. 89 ABSTRACT
e seguintes.
Disposições esparsas sobre
direitos conexos ou relativas às cate- The author approaches the theme
relating to the connected rigths, also known as
gorias de seus titulares podem ser
neighbor or analogous rights ( to the copyrights),
ainda encontradas: na Lei n. 6.533, identifying not only their origin, nature and
de 1978, que regulamenta a profis- peculiarities, but also their holders: the artist
são dos artistas não-musicais (artis- (about his interpretation or performance), the João Carlos de Camargo Eboli é
tas cênicos), especialmente em seu productor of phonograms (about his phono Advogado no Rio de Janeiro-RJ.

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