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UM SENHOR CANDIDATO

Tem estado inquieta, nossa amiga. Meio tristonha,


um pouco mais magra, o sorriso um tanto forçado.
Nem os amigos mais íntimos conseguem descobrir o
que se passa com Maria Laura. Só ela para
desvendar os segredos, mas como prometeu a si
mesma que vai agüentar sozinha, fica assim
enigmática. Se falar, pode prejudicar o marido e,
isso, de jeito nenhum. Também, quem mandou
concordar quando ele disse que ia se candidatar
nestas eleições? Agora, Maria Laura está casada
com um candidato. E que candidato!

Ele não para mais em casa. Fica só viajando pelas


cidades do interior. De carro, de aviões, em cima de
caminhões, nas carreatas, a cavalo, em carro de boi.
Certa vez chegou mancando em casa.

- Mas você nunca andou a cavalo, meu bem...

- Tive que andar. Pra mostrar que sou do povo, que


sou como eles. O cabo eleitoral é um fazendeiro
importante da região. Agora, me arruma um
comprimido, pois acho até que estou com febre.

As novidades do marido são muitas. Diárias. Há


cinco dias, Maria Laura passou a notar que em toda
viagem aparece um rapaz forte e musculoso em sua
casa.
- Você contratou um segurança? – ela se atreve a
perguntar.

- O Leopoldo? Ele é o que me carrega nos ombros


quando participo de comícios nas cidades.

- Te carrega?

- Pra depois a gente colocar nos noticiários que fui


carregado pela multidão...

É o que Maria Laura tem vivido, ultimamente.


Sempre sendo surpreendida.

- Querida, cadê aquele produto que você toma no


verão, à base de cenoura, pra ficar bronzeada mais
depressa?

- Não me diga que você...

- É, to me achando muito branco, quero ficar mais


moreninho, mais da cor da minha gente – ele diz,
sorrindo, sorrindo.

Isso, sem fala nas promessas.

- Você garantiu para o pessoal da comunidade que


vai construir a ponte, ganhando ou não ganhando?
Com que dinheiro?

- Se eu perder, eles esquecem.

O telefone de casa também toca sem parar.


- O pai ta almoçando. Quer deixa recado?

- Nãaaooo!!! – o candidato grita da cabeceira da


mesa. Eu atendo.

- Mas você não interrompe seu almoço para nada...

- Agora sou can-di-da-to, entenderam todos?

Semana passada, Maria Laura foi com o marido a


uma festa em clube da periferia. Ele passou a noite
dançando, rodopiando pra lá e pra cá, batendo
palmas, gritando para a cantora: “Divina! Divina!”
Maria Laura ao lado, observando, incrédula, pois o
marido não sabe dançar e só gosta de músicas
clássicas no CD, enquanto lê jornal.

A candidatura mudou a vida de todos da casa. O


marido de Maria Laura, que não é dado a beber, já
chegou bêbado algumas vezes (“Tenho que
acompanhar meus eleitores”), trocou as camisas de
linho por camisetas com frases políticas, parou de
implicar com o barulho da vizinhança e já se
entregou de corpo e alma a uma prática exclusiva
dos políticos: a conversa ao pé do ouvido. É Maria
Laura chegar a um velório, a uma festa de
aniversário, a um encontro de amigos, e lá está ele
falando baixinho com alguém.

O candidato comprou também um celular, claro.


Aprendeu a fazer discursos com delírios cívicos, a
prometer e prometer, a marcar dois compromissos
para o mesmo dia e a mesma hora, a andar com a
mão nos ombros dos eleitores, a garantir que vai
ganhar, a dizer que as pesquisas se enganam.
Nesta campanha, aprendeu muita coisa, o marido de
Maria Laura. Mas, ela começou a ficar preocupada
de verdade quando ele chegou em casa com um
pote de gel. Maria Laura tem certeza que o marido
vai começar a passar gel nos cabelos. Com elle.
Aquelle presidente que começou usando gel e
acabou sendo banido do poder pelo impeachment.

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