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A POLÍTICA DA AVALIAÇÃO

DE POLÍTICAS PÚBLICAS*

Carlos Aurélio Pimenta de Faria

Em um plano normativo, a década de 1990 ção” na gestão governamental. Com efeito, foram
testemunhou, nas democracias ocidentais de uma implementados, em diversos países da América
maneira geral, e na América Latina particularmen- Latina, sistemas de avaliação das políticas públi-
te, a busca de fortalecimento da “função avalia- cas de escopo variável. Tal processo tem sido jus-
tificado pela necessidade de “modernização” da
gestão pública, em um contexto de busca de di-
* O autor agradece à Fundação Vitae, Programa de Coo-
namização e legitimação da reforma do Estado.
peração Científico-Acadêmica Argentina, Brasil e Chile,
pelo financiamento da pesquisa que deu origem a este
Os argumentos que justificam a necessidade
trabalho. Partes deste trabalho foram apresentadas no de institucionalização da avaliação da atividade go-
Seminário Temático “Processo decisório e implementa- vernamental na América Latina também fazem eco
ção de políticas públicas no Brasil”, durante o 28º En- à visão mais canônica do processo de avaliação de
contro Anual da Anpocs, Caxambu, outubro de 2004, e políticas públicas, aquela muitas vezes adotada em
no Seminário Nacional Avaliação de Políticas Públicas manuais e apreciações mais introdutórias, os quais
em Saúde e Direitos Sexuais e Reprodutivos, São Pau-
apresentam a avaliação como “última etapa” do
lo, Cebrap/Nepo-Unicamp/ISC-UFBa, maio de 2005. O
autor gostaria de agradecer os comentários e sugestões chamado “ciclo das políticas”, definindo-a como:
feitos pelos pareceristas anônimos da RBCS e pelos se- (a) atividade destinada a aquilatar os resultados de
guintes colegas participantes do referido encontro da um curso de ação cujo ciclo de vida se encerra; (b)
Anpocs: Eduardo César Marques, Marta Arretche, Sora- a fornecer elementos para o desenho de novas in-
ya Côrtes, Telma Menicucci e Washington Bonfim. tervenções ou para o aprimoramento de políticas e
Artigo recebido em janeiro/2005 programas em curso; e (c) como parte da presta-
Aprovado em julho/2005 ção de contas e da responsabilização dos agentes

RBCS Vol. 20 nº. 59 outubro/2005


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estatais, ou seja, como elemento central da ac- jam: (1) um início com um viés mais técnico, no
countability. Mesmo que essa concepção reconhe- período do New Deal; (2) uma “geração” mais
ça, ainda que implicitamente, o caráter inextrica- “descritiva”, predominante desde a Segunda Guer-
velmente político da avaliação, podemos observar ra Mundial até meados da década de 1960; (3) uma
nos debates e nos estudos correlatos mais recentes que enfatizava a oferta de “julgamentos” abaliza-
a prevalência de um viés francamente normativo dos, prevalecente entre meados dos anos de 1960
e/ou uma priorização dos aspectos mais técnicos e meados da década seguinte, ou seja, quando da
da avaliação das políticas públicas, bem como uma avaliação dos polêmicos programas da “Guerra à
ênfase em seu papel de instrumento gerencial. Pobreza” (War on Poverty) e da “Grande Socieda-
Reconhecendo o caráter incipiente da pesqui- de” (Great Society); e, finalmente, (4) uma “gera-
sa e da prática da avaliação no Brasil, o presente ção” “reativa”, característica dos anos Reagan.
trabalho tem como objetivos: (1) analisar os fatores Albaek (1998), por seu turno, afirma que,
que têm justificado e condicionado a implantação quando do início da massificação da avaliação nos
dos sistemas de avaliação, sobretudo nos países da Estados Unidos, na década de 1960, a pesquisa ava-
América Latina; (2) averiguar as razões da preva- liativa era encarada predominantemente como fer-
lência, no âmbito estatal e também no plano ana- ramenta de planejamento destinada aos formulado-
lítico, de uma concepção “tecnicista” da avaliação, res de políticas e aos gerentes de mais alto escalão.
vista hoje quase exclusivamente como instrumento Em um contexto de expansão sem precedentes do
da gestão governamental; e, finalmente, (3) enfati- gasto público no país, de escasso conhecimento
zar o caráter eminentemente político da avaliação acerca do impacto da ação governamental e da bus-
de políticas públicas, elencando e categorizando as ca de um maior controle sobre os burocratas/imple-
suas distintas formas de utilização. Será ressaltada, mentadores, a avaliação é institucionalizada, tendo
assim, a virtual subordinação do uso gerencial da como característica predominante o seu desenho
avaliação e de sua suposta capacidade de encer- top-down. A expectativa era, ainda, a de que a ava-
rar, reiniciar ou revitalizar o ciclo das políticas às liação, ao superar o problema de déficit de com-
injunções políticas mais abrangentes e às estraté- preensão acerca desses processos e de seu impac-
gias e interesses dos tomadores de decisão e dos to, pudesse garantir a racionalidade dos processos
demais envolvidos (aqueles que a literatura espe- decisórios e a legitimação das políticas e dos pro-
cializada denomina, desvelando suas matrizes in- gramas. Essa “era de ouro” da avaliação, assim de-
telectuais, stakeholders). nominada por Rossi e Wright (1984), que, de acor-
do com Oakley (1998), teria durado até o final da
década de 1980, foi dominada por um paradigma
A institucionalização da “função metodológico experimental – “randomizado” e con-
avaliação” na América Latina: pre- trolado (“randomised, controlled experimental pa-
missas, expectativas e motivações radigm”, Oakley, 1998, p. 95) – tendo sido dinami-
zada por uma Ordem Executiva do presidente
Diga-se, logo de início, o essencial: nas déca- norte-americano, que determinava que os progra-
das de 1980 e 1990 a avaliação de políticas públi- mas sociais fossem avaliados.
cas foi posta a serviço da reforma do Estado.1 Se Segundo Albaek (1998), na década de 1970
parece haver consenso quanto a essa questão, há, avolumaram-se as evidências acerca do excesso
contudo, uma diversidade de maneiras de se pen- de otimismo no que dizia respeito à plena utiliza-
sar a evolução do papel atribuído à pesquisa ava- ção e incorporação, de forma racional/instrumen-
liativa desde o início do boom da avaliação de po- tal, dos resultados das avaliações. O paradigma
líticas e programas públicos, ocorrido nos Estados top-down foi assim progressivamente revertido,
Unidos na década de 1960. Guba e Lincoln (1989), abrindo espaço para o desenvolvimento de abor-
por exemplo, tendo como foco os Estados Unidos dagens e metodologias bottom-up. Nas décadas
e fazendo uma caracterização desde os anos de de 1980 e 1990, como se verá em detalhe adian-
1930, detectaram a emergência de quatro sucessi- te, a avaliação das políticas públicas foi posta a
vas “gerações” de pesquisas avaliativas, quais se- serviço da reforma do setor público.
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Uma terceira forma de se pensar a maneira serviços sociais, que torna compreensíveis mani-
como têm variado as motivações do Estado para a festações como estas de Vieira (1997):
valorização da avaliação de políticas é sugerida por
Derlien (2001), em artigo particularmente interes- [...] [no] Brasil, desde o tempo da elaboração da
sante e provocativo. Partindo da distinção das três Constituição de 1988, a febre avaliatória ganha di-
funções básicas atribuídas à avaliação – informa- mensão de epidemia e os avaliadores metamorfo-
ção, realocação e legitimação –, o autor defende a seiam-se em festejados demiurgos [...]” (p.70).
tese de que, dos anos de 1960 aos anos de 1990, Esta nova fase de acumulação capitalista não se
os objetivos buscados com a avaliação teriam pas- importa com direitos. Seus filhos mais queridos,
sado da função de informação para a de realoca- os recentes avaliadores, nutrem-se do relativismo
tão a gosto da meritocracia (p.71).
ção. Tal deslocamento teria sido acarretado por fa-
tores políticos e econômicos específicos, tendo
havido também uma mudança nos atores políticos Diga-se, de passagem, que reações como
dominantes. Segundo Derlien, na década de 1990 essa, que beiram a fobia, obscurecem a necessária
passou a predominar em muitos países a função de percepção de que a avaliação “não é, por nature-
realocação, associada ao movimento do New Pu- za, característica de um tipo específico de Estado
blic Management, tendo os avaliadores se conver- ou cultura administrativa” (Thoenig, 2000, p. 57).
tido em auditores que privilegiavam a medição dos A seguir apresentaremos, de maneira sucin-
resultados. Vale a pena reproduzirmos aqui, em ta, as premissas, as expectativas e as motivações
uma longa citação, a apresentação que o autor faz para a institucionalização da “função avaliação”
da função de (re)alocação, a qual, segundo sua na América Latina. Tal processo ocorreu tardia-
tese, passa a pautar a ênfase na avaliação durante mente, apenas na década de 1990, tendo prevale-
as duas últimas décadas: cido a perspectiva de instrumentalização da pes-
quisa avaliativa para o sucesso da reforma do
A função predominante da avaliação nos anos de Estado. Tal discussão pavimentará o nosso cami-
1980, durante a segunda etapa de institucionaliza- nho para que possamos, na seção subseqüente,
ções, estava claramente destinada a apoiar uma
analisar a postura da academia brasileira diante da
alocação racional dos recursos. Nesse momento
os atores principais já não são mais os administra- hegemonia da perspectiva “gerencialista” sobre o
dores dos programas (como quando prevalecia a papel da avaliação de políticas públicas.2
função de informação), mas os escritórios de au- Como destacado por diversos autores, a me-
ditoria, os ministérios da Fazenda e as unidades dição e a avaliação do desempenho governamen-
centrais, a quem compete a elaboração global do tal e das políticas públicas tornaram-se parte inte-
orçamento e sua estrutura interna. As questões bá- gral da agenda de reformas dos anos de 1980 e
sicas que passaram a ser enfatizadas são: 1990, as quais, como se sabe, estiveram longe de
– Quais programas podem ser suprimidos ou re-
se circunscrever aos países latino-americanos.
duzidos a partir dos resultados negativos da ava-
liação? Tanto por razões pragmáticas como ideológicas –
– Quais são as conseqüências do retrocesso das e não nos parece pertinente arrolarmos aqui os fa-
fronteiras do Estado, ou seja, da privatização de tores de ordem econômica, política e ideológica
determinadas atividades públicas? que têm dado sustentação aos processos de refor-
– Como se pode obter ‘mais rendimento pelo di- ma do Estado em grande parte das democracias
nheiro’ a partir da reorganização dos programas ocidentais –, o desenho dessas reformas privile-
individuais e das atividades públicas em seu
giou dois propósitos básicos. Em primeiro lugar, a
conjunto?
As questões induzidas dos motivos da alocação
adoção de uma perspectiva de contenção dos gas-
tendem a dar mais ênfase na quantidade do que tos públicos, de busca de melhoria da eficiência e
na qualidade (Derlien, 2001, p.106). da produtividade, de ampliação da flexibilidade
gerencial e da capacidade de resposta dos gover-
É precisamente essa associação da “função nos, bem como de maximização da transparência
avaliação” à reforma gerencialista do Estado, com da gestão pública e de responsabilização dos ges-
ênfase nos resultados e na desresponsabiliza- tores, em um processo no qual o “consumidor”
ção/devolução/privatização da provisão de bens e dos bens e serviços públicos estaria, supostamen-
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te, em primeiro plano. O segundo propósito ou rentemente não ter despertado um interesse equi-
expectativa é de que tais reformas pudessem con- valente por parte da comunidade acadêmica dos
tribuir para uma reavaliação da pertinência das or- analistas de políticas públicas, notadamente nas
ganizações governamentais preservarem todo o áreas da ciência política e da sociologia, no senti-
seu leque tradicional de atribuições, prevalecendo do de se abrir novas frentes de investigação. O
um contexto de valorização da provisão privada mesmo parece não se dar, contudo, na seara da
de bens e serviços (Caiden e Caiden, 2001, p. 79). administração pública, como demonstrado, por
Como corretamente assinalado por Caiden e exemplo, pela freqüência com que periódicos na-
Caiden, “a medição de desempenho, o monitora- cionais, como a Revista do Serviço Público e a Re-
mento e a avaliação não foram apenas ornamentais vista de Administração Pública, têm encampado
nem tiveram uma significação incidental nas refor- a temática.3 Note-se, ainda, que a questão tem ga-
mas. Foram (ou deveriam ter sido) as alavancas es- nhado destaque também em publicações do
senciais da mudança” (Idem, p. 80). Vale lembrar Ipea,4 da Fundação Seade (Carvalho, 2003) e da
que Wiesner Duran chama a avaliação de “proxy Fundação Carlos Chagas, como os Cadernos de
do mercado na administração pública” (apud Mo- Pesquisa e os Estudos em Avaliação Educacional.
kate, 2002, p. 90). A centralidade da avaliação jus- É importante destacarmos aqui o viés acentuada-
tifica-se, assim, porque se esperava que essas “fun- mente normativo da maior parte destes trabalhos,
ções” garantissem a credibilidade do processo de bem como o fato de a Revista do Serviço Público
reforma e a sustentabilidade política das diretrizes republicar trabalhos de consultores internacionais
de desregulamentação e de redução do tamanho muitas vezes produzidos a partir de demandas
do governo, quer pela via da chamada “devolu- dos organismos multilaterais, o que evidencia o
ção”, ou seja, do deslocamento das funções e dos forte caráter de indução externa a vincar o pro-
serviços para as instâncias subnacionais, quer pela cesso de institucionalização dos sistemas de ava-
via da privatização. Esperava-se, também, que pu- liação na América Latina.
dessem ser fomentadas a transparência na gestão Se for possível justificar esse panorama a
pública e a satisfação dos usuários/clientes. partir do fato de a avaliação de políticas públicas
Parece por demais óbvio, pois, o caráter ser tarefa eminentemente multidisciplinar, como é
eminentemente político do projeto de “moderni- amplamente reconhecido, resta-nos buscar com-
zação” do Estado vinculado à “revolução” geren- preender o que pode ser denominado como a
cialista que se deseja implantar, no qual o moni- omissão da ciência política brasileira.5 Um primei-
toramento e a avaliação de políticas ocupam lugar ro elemento para se pensar tal omissão é a postu-
de destaque. Contudo, como se discutirá adiante,
ra assumida por Michael Scriven, um dos primei-
a política da avaliação das políticas públicas está
ros e principais teóricos da avaliação, para quem
longe de se restringir a questões e disputas relati-
a “investigação avaliativa deve produzir como
vas à definição dos interesses prioritários e do es-
conclusão exatamente o tipo de afirmação que os
copo do Estado, posto que a avaliação pode tam-
cientistas sociais dizem ser ilegítima: um juízo de
bém, por exemplo, ser elemento central na
valor ou mérito” (Scriven, 1974, apud Ballart,
disputa eleitoral, no controle das interações inter-
1996, p. 325). Esse viés normativo talvez possa
governamentais e na busca de acomodação de
nos ajudar na compreensão do seguinte parado-
forças e de interesses no âmbito intraburocrático.
xo: se as investigações conduzidas na subárea da
análise de políticas públicas são fortemente con-
dicionadas pela conjuntura, como apontado por
A hegemonia inconteste da perspec- Melo (1999), tal condicionamento parece não ter
tiva “gerencialista”: uma discussão sido suficiente para que a questão da avaliação
exploratória acerca do papel da aca- ganhasse lugar de destaque na agenda de pesqui-
demia brasileira sa dos profissionais da área, aqui entendida como
subárea da ciência política.
Pode parecer contraditório o fato de a nova Cabe recordarmos, ainda, que apesar do boom
ênfase dada à avaliação de políticas no Brasil apa- das duas últimas décadas, a estruturação do campo
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da análise de políticas públicas ainda é bastante in- ao sensibilizar lideranças políticas e acadêmicas e
cipiente no Brasil, o qual padece, como também ao atrelar o financiamento de projetos à exigência
mostrado por Melo (1999), de grande fragmentação de avaliação –, parece-nos oportuno inventariar-
organizacional e temática, tendo uma institucionali- mos as distintas formas de uso esperado e poten-
zação ainda precária. Porém, se essas características cial da avaliação de políticas públicas, para que
podem tornar compreensíveis determinadas lacu- possamos ampliar a nossa percepção do viés po-
nas, a notória ausência de investimentos mais siste- lítico da pesquisa avaliativa. Antes, contudo, cabe
máticos no estudo dos processos de implementação alertarmos para o fato de que, evidentemente,
e avaliação parece evidenciar também o status pri- não se espera aqui que a ciência política seja ca-
vilegiado de que desfrutam os processos decisórios paz, por si só, de “(re)politizar” a avaliação de po-
na ciência política do país. No entanto, líticas públicas. Cabe a ela, isto sim, a análise do
impacto e das implicações de tal hegemonia.
[...] a escassez dos estudos “pós-decisão” no país
parece explicada não apenas pela frágil institucio-
nalização da área no Brasil, que faz com que a Os usos e a política da avaliação de
análise de políticas públicas continue gravitando políticas públicas
na órbita das questões analíticas mais tradicional-
mente valorizadas pela Ciência Política, mas tam- Parte significativa dos estudos sobre os pro-
bém pela debilidade no país do campo de estu- cessos de avaliação de políticas públicas realizados
dos da Administração Pública (Faria, 2003, p. 22).
desde a década de 1960, os quais, via de regra, ti-
veram (e ainda têm) o seu epicentro na academia
Se a administração pública, como área de norte-americana, refere-se às questões de ordem
trabalho acadêmico, é extremamente débil no metodológica e/ou às distintas maneiras de se clas-
país, tendo, porém, ganhado certo vigor na déca- sificar a avaliação. A avaliação tem sido, usualmen-
da passada com a abertura de Escolas de Gover- te, classificada em função do seu timing “(antes, du-
no em diversos estados da Federação, sua intera- rante ou depois da implementação da política ou
ção com a ciência política e com a sociologia programa), da posição do avaliador em relação ao
talvez ainda seja por demais frágil. objeto avaliado (interna, externa ou semi-indepen-
Retratado e explicado, assim, este panorama dente) e da natureza do objeto avaliado (contexto,
de omissão, cabe recordarmos, como discutido na insumos, processos e resultados)” (Cotta, 2001, p.
seção anterior, que a atual “gerencialização” da 91). Como discutido na primeira seção deste en-
avaliação de políticas públicas é, antes de tudo, de- saio, os estudos avaliativos tinham originalmente
rivada de sua instrumentalização no processo/pro- um acentuado viés top-down, sendo via de regra
jeto de reforma do Estado. Contudo, a concepção encarados como ferramenta de planejamento desti-
hoje prevalecente da avaliação como instrumento nada aos formuladores de políticas e aos gerentes
administrativo e, portanto, como função suposta- de mais alto escalão. Nesses primórdios, partia-se
mente alheia às disputas propriamente políticas tal- da premissa que os resultados da avaliação seriam
vez fique ainda mais evidenciada em função da automática e necessariamente encampados pelos
postura da ciência política brasileira, que acaba, as- tomadores de decisões para a melhoria da política
sim, por endossar esse viés distorcido do princípio ou do programa em questão. A discussão acerca do
republicano da desvinculação entre política e ad- uso da avaliação restringia-se, assim, ao que hoje se
ministração pública. denomina uso “instrumental”.
Reconhecida, portanto, a hegemonia quase Logo se percebeu, uma vez que se avoluma-
inconteste da perspectiva gerencialista – e recor- vam as evidências de que o esperado efeito de
de-se que essa é a tônica dada à implantação dos feedback da avaliação era freqüentemente obstruí-
sistemas de avaliação pelos organismos multilate- do, a flagrante ingenuidade das expectativas de se
rais, que têm investido sistematicamente nesse produzir “melhores e mais sábias decisões” com
processo ao disponibilizar assistência técnica e fi- base apenas na realização da avaliação. É a partir
nanciamento, ao articular redes de profissionais, desse momento que se passa a investigar os deter-
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minantes do uso da avaliação, sendo constituída, dadas a priori, sugerem, a exemplo de Cotta, que
assim, uma nova e vicejante seara de pesquisa.6 a avaliação “é uma atividade que, por suas pró-
A ênfase nos fatores que condicionam a uti- prias características, exige que estas condições se-
lização da avaliação e a mitigação do “furor posi- jam intencional e meticulosamente criadas, sob
tivista” da época do primeiro boom dos estudos pena de se comprometer todo o esforço despen-
avaliativos (já que se pode dizer que vivemos hoje dido” (2001, p. 94).7
o seu segundo boom) abriu espaço para um maior Mas quais seriam, mais especificamente, os
questionamento, ainda hoje incipiente, diga-se, fatores que podem interferir na utilização dos re-
acerca do que chamo “política da avaliação de po- sultados da avaliação? Entre tantos outros possí-
líticas públicas” veis, podem ser destacados os seguintes: existência
Vale lembrar que tal denominação é pensada de crenças e interesses conflitantes na organização
neste ensaio como abarcando as questões e as dis- que gerencia o programa; ocorrência de conflitos
putas relativas à definição dos interesses prioritá- de interesses entre as distintas unidades do progra-
rios e do escopo do Estado, à competição eleitoral, ma; mudanças no pessoal encarregado, quando,
ao controle das interações intergovernamentais e à por exemplo, os novatos têm prioridades diferen-
busca de acomodação de forças e de interesses no tes daquelas vigentes na época do início da avalia-
âmbito intraburocrático, entre muitas outras ques- ção; eventual inflexibilidade das regras e dos pa-
tões relacionadas às disputas de poder entre agen- drões operacionais da organização encarregada,
tes e principais os mais diversos. Essa concepção que pode impedir a adoção das recomendações
mais abrangente engloba, assim, as três dimensões feitas quando da avaliação; e mudanças nas con-
do uso da avaliação normalmente evocadas: instru- dições externas, tais como cortes orçamentários e
mental (relativa ao apoio às decisões e à busca de alterações no ambiente político, que podem tor-
resolução de problemas); conceitual (ou função nar impossível para a organização responder à
“educativa”); e simbólica (uso “político”) (Shulha e necessidade de mudança revelada pelos avalia-
Cousins, 1997). dores (Weiss, 1998, p. 22).
A percepção da vasta diversidade e da inten- Como o objetivo deste ensaio, mais do que a
sidade dos fatores que obstaculizam uma plena análise de qualquer caso específico, é ressaltar a es-
ou mesmo freqüente utilização da avaliação para treiteza da concepção gerencialista da avaliação e
o seu propósito “original” (melhorar a qualidade expandir a nossa percepção das múltiplas implica-
das decisões e garantir a maximização da conse- ções políticas da pesquisa avaliativa, buscaremos a
cução dos objetivos definidos pelas políticas e seguir elencar e categorizar as distintas formas de
programas) produziu reações muito diferencia- sua utilização. Seguindo de perto a proposta de Ca-
das. Aaron Wildawsky, por exemplo, desalentado rol Weiss (1998), serão discutidas não apenas as for-
diante de tantos obstáculos, questiona, em um mas de uso, mas também os elementos da avaliação
quase desabafo, o valor de toda a empreitada: “eu que podem ser utilizados e, por fim, o papel e os in-
comecei pensando que era ruim não avaliar as or- teresses dos vários usuários potenciais da avaliação.8
ganizações e terminei me perguntando por que É possível distinguir pelo menos quatro ti-
elas têm que fazê-lo” (apud Caiden e Caiden, pos de uso da avaliação, quais sejam: (a) instru-
2001, p. 94). Thoenig, por seu turno, parece pro- mental; (b) conceitual; (c) como instrumento de
por, em algumas circunstâncias, o uso de “avalia- persuasão; e (d) para o “esclarecimento”. O uso
ções informais”, as quais poderiam tornar possível instrumental para a tomada de decisão depende
a introdução de “ajustes e mudanças sem atrair a não apenas da qualidade da avaliação, mas tam-
atenção de grupos interessados internos ou exter- bém da adequada divulgação de seus resultados,
nos, que podem ser tentados a usar uma avalia- de sua inteligibilidade e da factibilidade das reco-
ção formal como uma oportunidade para resistir mendações eventualmente propostas. Segundo
à reforma” (2000, p. 66). Muitas das análises mais Weiss (1998), o uso instrumental seria comum em
recentes, contudo, ao reconhecer que as condi- pelo menos quatro situações: (1) quando as impli-
ções para o aproveitamento das informações dis- cações das descobertas da avaliação não são mui-
ponibilizadas pela avaliação quase nunca estão to controvertidas; (2) quando as mudanças deriva-
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das ou sugeridas não são de grande monta e/ou


fazem parte do repertório do programa em ques- Note-se que tal distinção das formas de uso consti-
tão ou de sua organização implementadora; (3) tui avanço significativo em relação à célebre con-
quando o ambiente do programa é relativamente traposição entre avaliação “somativa”, que seria
estável no que diz respeito a suas lideranças, or- judgement-oriented, e avaliação “formativa”, que
çamento, tipos de beneficiários etc.; e (4) quando seria improvement-oriented. Contudo, ela parece
o programa está em crise e não se sabe bem o apenas resgatar, com modificações tópicas, a pro-
que deve ser feito. posição feita por Floden e Weiner (1978) em um
O segundo tipo de uso é o “conceitual”, trabalho pioneiro, hoje aparentemente relegado, o
usualmente circunscrito aos técnicos locais do qual, destacando também as debilidades e a ideali-
programa, a quem não é com freqüência atribuí- zação do “modelo decisionista”, chama a atenção
do um maior poder de decisão. Nesse caso, as para o uso da avaliação nos seguintes sentidos: da
“resolução de conflitos”; como mecanismo para a
descobertas da avaliação (e o seu próprio proces-
“redução de complacência” (complacency reduc-
so de realização) podem alterar a maneira como
tion), dado o seu potencial de fazer com que o
esses técnicos compreendem a natureza, o modo
pessoal encarregado do programa avalie critica-
de operação e o impacto do programa que imple-
mente as suas concepções e comportamentos; e
mentam. Tal aprendizagem torna-se maximizada
como “ritual”, cuja função seria “acalmar as ansie-
quando os técnicos participam mais ativamente dades do público e perpetuar uma imagem do go-
do processo de avaliação.9 Como notado por Scri- verno como racional, eficiente e accountable” (Fa-
ven (1996), o uso conceitual das descobertas dife- ria e Filgueiras, 2003, p. 8).
rencia-se do uso instrumental porque, no primei-
ro caso, nenhuma decisão ou ação é esperada
No que diz respeito aos elementos da avalia-
(pelo menos não imediatamente).
ção que podem ser utilizados, cabe destacar que as
O uso da avaliação como instrumento de per-
suas “descobertas” (ou o relatório final da avaliação)
suasão, por seu turno, dá-se quando ela é utiliza-
da para mobilizar o apoio para a posição que os inicialmente monopolizaram a atenção daqueles in-
tomadores de decisão já têm sobre as mudanças teressados em investigar a questão da utilização da
necessárias na política ou programa. Busca-se aqui pesquisa avaliativa. Contudo, essas “descobertas”
legitimar uma posição e ganhar novos adeptos constituem apenas um dos elementos que podem
para as mudanças desejadas. O ponto pode ser ilus- ser utilizados. Como se sabe, elas usualmente se
trado pela forma como o ditador Augusto Pinochet concentram nos processos, nos resultados e no im-
fez uso do sistema de avaliação educacional im- pacto das políticas e dos programas.
plantado por ele no Chile (Simce), em 1988, para Vale ressaltarmos, ainda que de maneira bre-
dar maior visibilidade e legitimidade ao processo ve, que são exatamente as descobertas e/ou o re-
de privatização do ensino no país, posto que os latório final da avaliação as informações mais am-
primeiros resultados mostravam com clareza o de- plamente divulgadas. A questão da abrangência e
sempenho superior das instituições privadas (Faria da forma de divulgação, que não é objeto de
e Filgueiras, 2003). maiores considerações neste trabalho, é, contudo,
Por fim, há o uso para o “esclarecimento”, absolutamente central para que se possa melhor
que nem sempre é propositado, mas que acarreta, aquilatar o uso dos estudos de avaliação. Discor-
pela via do acúmulo de conhecimento oriundo de rendo sobre a experiência de avaliação de políti-
diversas avaliações, impacto sobre as redes de pro- cas na França, Meldolesi afirma que, naquele país,
fissionais, sobre os formadores de opinião e sobre
as advocacy coalitions, bem como alterações nas [...] o problema não é a divulgação [dos relatórios],
crenças e na forma de ação das instituições, pau- que é assegurada pela Documentation française,
tando, assim, a agenda governamental. Esse é um mas a pouca divulgação que eles têm nos jornais
tipo de influência que ultrapassa a esfera mais res- e, por conseqüência, na opinião pública: nada
trita das políticas e dos programas avaliados. comparável ao canal de televisão especializado,
Ainda que esta distinção das formas de uso que existe nos Estados Unidos, e à influência da
da avaliação seja importante e inovadora, é neces- avaliação do GAO (General Accounting Office) so-
sário que se faça a seguinte ressalva: bre o debate público naquele país” (1996, p.104).
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Retornando à necessidade de se distinguir os efeito quase universal que a avaliação externa tem
elementos da avaliação que podem ser utilizados, sobre o comportamento das instituições de ensi-
reportamo-nos uma vez mais a Weiss (1998), que no. Como se sabe, o risco principal aqui é que se-
distingue a possibilidade de uso de outros quatro jam negligenciados outros aspectos do programa
elementos: (a) idéias e generalizações derivadas que não incidem sobre os indicadores de sucesso
da avaliação; (b) o próprio fato de a avaliação ter definidos. Tal efeito, contudo, não é necessária e
sido ou estar sendo feita; (c) o foco do estudo, es- forçosamente negativo.
pecialmente as medidas adotadas; e, finalmente,
(d) o desenho do estudo. A seguir discorreremos (d) Utilização do desenho da pesquisa avaliativa
brevemente sobre cada um desses elementos. Destaca-se aqui a possibilidade de que as
categorias de análise utilizadas pelos avaliadores,
(a) Uso das idéias e generalizações derivadas da a metodologia de avaliação e a forma de se ana-
avaliação lisar os dados tenham influência não apenas so-
Ainda que descobertas específicas da avalia- bre a gestão da política ou do programa em ques-
ção não sejam usadas, os formuladores e o pessoal tão, ao fomentar, por exemplo, disputas entre
técnico do programa podem aplicar idéias e gene- distintos níveis de implementação, mas também
ralizações dela derivadas. É o seguinte o exemplo sobre outras áreas e esferas de governo.
dado por Weiss (1998): a generalização da desco- Por fim, é necessário inventariarmos também
berta de que agências locais não promovem mu- os usuários potenciais da pesquisa avaliativa. Ori-
danças no seu padrão de provisão de serviços ginalmente, a comunidade de avaliadores era qua-
quando elas são as únicas a fazer tais mudanças se unânime na percepção de que os usuários da
pode levar a que se pense na necessidade de se avaliação se restringiam aos financiadores do pro-
coordenar a atuação de todas as agências. grama (e da própria avaliação), aos gerentes e en-
carregados de mais alto escalão e, por vezes, aos
(b) Uso possível do próprio fato de a avaliação ter técnicos e profissionais que lidavam de maneira
sido ou estar sendo feita mais direta com os beneficiários. Esses são os ato-
São diversificadas as alternativas aqui. Pri- res que, inclusive, muitas vezes ajudam a definir o
meiramente, a realização da avaliação pode ser escopo, a abrangência, a metodologia e o âmbito
utilizada como uma desculpa para a inação. Por de divulgação dos resultados da avaliação.
que se deveria tomar qualquer atitude no sentido A crítica ao desenho hierárquico da avaliação
de se operar mudanças antes que se tenha o re- e a percepção das limitações de seu planejamento
sultado do trabalho de avaliação? O fato de uma top-down levaram, primeiramente, a que se pres-
avaliação estar sendo ou ter sido feita pode ser tasse mais atenção nos agentes encarregados da
utilizado também para demonstrar a racionalidade implementação ou na chamada street level bureau-
e a predisposição ao aprimoramento e à respon- cracy, percebidos a partir da década de 1970 como
sabilização por parte dos encarregados da políti- capazes de muito mais autonomia do que aquela
ca ou do programa. Por outro lado, a própria rea- concebida pelos modelos tradicionais de planeja-
lização da avaliação pode ser pensada como mento (Pressman e Wildavsky, 1973; Lipsky, 1980).
assegurando uma aura de legitimidade para o Posteriormente, com a popularização das me-
programa ou sugerir que algo não vai bem em todologias participativas de avaliação e com o cres-
sua gestão ou que há problemas no seu desenho. cente reconhecimento (e propaganda) da avaliação
como instrumento de “empoderamento” dos bene-
(c) Utilização do foco do estudo ficiários, a avaliação começou a levar em conside-
É amplamente reconhecido que o público ração, de maneira mais sistemática, as necessida-
(interno e o externo) do programa avaliado passa- des e as expectativas dos beneficiários dos
rá a dar atenção prioritária a todos os focos da programas. A reforma gerencialista do Estado, com
avaliação, com destaque para os elementos esco- sua ênfase nos resultados, em detrimento dos pro-
lhidos para serem mensurados. Esse fenômeno é cessos, e na satisfação daqueles que passaram a ser
conhecido como “ensinar para o teste”, dado o denominados “clientes”, viria a sacramentar a ênfa-
A POLÍTICA DA AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS 105

se nos beneficiários. Observada a questão de um necessidade de se expandir a idéia de uso da esfe-


ponto de vista mais abrangente, contudo, não dei- ra individual para a organizacional; a diversificação
xam de parecer ingênuos comentários como: do papel do avaliador, que muitas vezes incorpora
funções como a de facilitador, planejador e educa-
Os avaliadores freqüentemente optavam por levar dor; e os impactos e condicionantes da não utiliza-
em consideração os valores e os interesses dos ção ou da sub-utilização. Também passou a ser
clientes [sic], valorizando as suas preocupações. mais amplamente reconhecido o fato de que, para
Mais do que reforçar o status quo, esses avaliado- serem efetivamente utilizadas, as descobertas da ava-
res esperavam produzir mudanças no sentido de
liação devem competir com outras propostas e ou-
tornar os programas mais “responsivos” às necessi-
tras fontes de informação pela atenção dos tomado-
dades dos participantes. Eles queriam [...] “desafiar
o discurso privilegiado dos poderosos”. A sua pos- res de decisão e demais envolvidos, tudo isso se
tura significava um esforço em transformar a avalia- dando em contextos e instâncias decisórias que tal-
ção, de um mecanismo capaz de sustentar e refor- vez possam ser mais bem caracterizados como plu-
çar as práticas correntes por meio de ajustes ralistas e freqüentemente não racionais. Ademais,
tópicos, em um meio de se remediar as desigualda- não deixa de ser importante recordarmos que o le-
des e de se redistribuir o poder (Weiss, 1998, p.27). gado de Herbert Simon continua a ser evocado no
que diz respeito, por exemplo, ao reconhecimento
É certo que diversos outros usuários, para dos incentivos para que o sistema governamental
além daqueles envolvidos diretamente nos progra- adote um comportamento “satisfazedor”, em detri-
mas em questão, podem se valer das descobertas mento de uma postura estritamente racional, no
ou de outros elementos da avaliação. Dentre tan- sentido da maximização do impacto de sua atuação.
tos, destacam-se: gerentes de programas similares
e/ou de diferentes níveis governamentais; agentes
do governo central e representantes de fundações, Breves considerações finais
interessados em conhecer projetos exitosos que
mereçam financiamento ou preocupados em me- Várias questões importantes podem ser infe-
lhorar os programas dos quais são responsáveis; ridas a partir deste breve mapeamento das distin-
membros do legislativo interessados na melhoria tas formas de uso da avaliação, dos seus vários
de programas existentes ou na elaboração de no- elementos que podem ser utilizados e dos usuá-
vas propostas; cientistas sociais e outros avaliado- rios potenciais dos estudos de avaliação das polí-
res que buscam aprender com as descobertas e ticas públicas. A primeira delas é que a literatura
com as metodologias empregadas. É ainda Weiss específica parece ainda essencialmente circunscri-
(1998) que sugere a existência de dois outros ta às expectativas acerca do papel da avaliação
usuários potenciais: (a) as próprias organizações elencadas pelo “modelo decisionista”. Isso por-
que administram o programa avaliado ou similares que, mesmo tendo sido questionado o tradicional
(e aqui deve ser feito não só o contraponto à tra- modelo hierárquico e top-down de planejamento
dicional ênfase no indivíduo como usuário, mas e de desenho da avaliação, esta maior preocupa-
também deve ser mencionada a importância que ção com a questão do uso da pesquisa avaliativa
tem sido dada atualmente à questão da learning parece ainda fortemente restrita à utilização ge-
organization – “organização que aprende” – e aos rencial da avaliação e à necessidade de se gerar
limites, tradições e procedimentos cristalizados feedbacks que justifiquem a relevância da própria
e/ou impostos pelas organizações); e (b) o públi- realização de tais estudos. Dito de outra forma, o
co em geral ou a sociedade civil. que se pode verificar na literatura é uma ênfase
A revisão crítica da literatura sobre a utilização quase exclusiva na utilização instrumental, intra-
da avaliação feita por Shulha e Cousins (1997) burocrática, da avaliação das políticas públicas
aponta as principais preocupações e questões que ou, quando muito, nas interações entre decisores,
têm sido enfatizadas mais recentemente pelos estu- gestores e população beneficiária.
diosos da área, quais sejam: a centralidade do con- Ficam negligenciadas, assim, questões
texto para a compreensão e a explicação do uso; a como: o papel da avaliação das políticas no jogo
106 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 20 Nº. 59

eleitoral; a reação do legislativo e do judiciário à Contudo, a despeito do ranço positivista que


concentração do poder de avaliação no executivo ainda pode ser observado na prática avaliativa e
(Henry, 2001; Derlien, 2001); a eventual diferença também nas análises sobre esse processo, a ava-
na institucionalização da avaliação entre países liação não deixa de envolver também, necessaria-
parlamentaristas e presidencialistas e entre Esta- mente, advocacy, como defende Greene (1997),
dos federais e unitários (Derlien, 2001); o signifi- na contracorrente do pensamento dominante na
cado da distinta localização institucional dos siste- área.10 Isso, segundo a autora, se compreender-
mas de avaliação e o impacto de seu grau de mos por advocacy não um “partidarismo progra-
vinculação às autoridades financeiras etc. mático ou um viés contaminador”, mas sim “uma
Dessa forma, não deixa de ser irônico, mas adesão a valores como um ideal regulatório espe-
de maneira alguma contraditório, o fato de ser cífico (relativo à racionalidade do processo deci-
justamente a literatura que adota o enfoque ge- sório ou ao ativismo comunitário) (p. 25). Se le-
rencialista de valorização da avaliação como ins- varmos também em consideração o fato de que a
trumento da reforma do Estado aquela que está avaliação e os avaliadores atuam, como quer a
aparentemente mais disposta a acentuar questões vertente construtivista, “interpretando o contexto
políticas mais abrangentes, como, por exemplo, o e construindo esse contexto e [que], portanto, am-
papel da avaliação na geração de accountability bos são produtores do espaço público” (Escolar e
por parte dos agentes estatais, seu potencial de Domench, 2002, p. 110), torna-se ainda mais las-
“empoderamento” das comunidades menos privi- timável a negligência ou a omissão de nossos
legiadas e seu impacto sobre a questão do contro- analistas de políticas públicas.
le social sobre o Estado. O fato não é contraditó-
rio porque, como visto, essa literatura advoga um
ideal regulativo que prescreve ao Estado um pa- Notas
pel subsidiário, sendo determinantes os estímu-
los, os incentivos e os constrangimentos oriundos 1 Para uma discussão sucinta a esse respeito, ver,
ou espelhados no mercado. por exemplo, Faria e Filgueiras (2003), Caiden e
Caiden (2001) e Albaek (1998).
Uma postura de omissão no tratamento ana-
lítico das questões associadas ao processo de ava- 2 Para uma análise mais aprofundada a respeito da
liação das políticas públicas e de seu uso, como institucionalização dos sistemas de avaliação nos
aquela detectada no caso da ciência política bra- países latino-americanos, ver Bozzi (2001), que faz
sileira (a qual, diga-se de passagem, parece não uma apreciação da experiência do Chile e da Co-
se singularizar neste aspecto), significa o esvazia- lômbia; Silva (2002), que discute os casos de Ar-
gentina, Chile, Colômbia e Costa Rica; Silva e Cos-
mento da possibilidade de se analisar de forma
ta (2002), que apresentam, ainda que muito
cabal a política da avaliação de políticas, a qual sumariamente, as experiências de Brasil, Argentina
acaba, assim, negligenciada em muitos de seus as- e Chile; Ghirlanda (2002), que também trata do
pectos e implicações. caso brasileiro. No que diz respeito à avaliação dos
Se há resistências, por parte da ciência polí- sistemas educacionais dos países latino-america-
tica brasileira, aí incluídos os analistas de políticas nos, área em que se avançou muito na região, ver,
públicas, em encampar uma agenda de pesquisa por exemplo, Horn, Wolff e Vélez (1991); Ravela
que contemple os processos pós-decisão, como (2001); Wolff (1998) e Faria e Filgueiras (2003).
sugerimos, não seria possível e pertinente pensar- 3 Ver, na Revista do Serviço Público, Meldolesi
mos a questão do uso e da política da avaliação (1996); Thoenig (2000); Ala-Harja e Helgason
como claramente vinculada aos processos decisó- (2000); Caiden e Caiden (2001); Derlien (2001);
rios? Caso seja necessária uma nota de cautela, Bozzi (2001); Cotta (2001); Mokate (2002). Na Re-
lembramos que estudar o uso e a política da ava- vista de Administração Pública, ver, por exemplo,
liação não implica, forçosa e automaticamente, a Costa e Castanhar (2003).
transposição da temida, e muitas vezes tênue, 4 Como, por exemplo, Calmon (1999); Garcia (2001);
fronteira entre os papéis do analista e daquele que Escolar e Domench (2002); Silva (2002); e Silva e
faz advocacy ou que prescreve cursos de ação. Costa (2002).
A POLÍTICA DA AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS 107

5 Comentando o presente ensaio durante os traba- no qual os resultados são considerados e a informa-
lhos do Seminário Temático “Processo decisório e ção é acumulada para uso posterior” (2000, p. 25).
implementação de políticas públicas no Brasil”, du-
9 Aliás, diga-se de passagem, a chamada avaliação
rante o 28º Encontro Anual da Anpocs, em outubro
“colaborativa”, na qual avaliadores e corpo técnico
de 2004, onde uma parte deste trabalho foi apre-
do programa mantêm interação constante e amigá-
sentada, Marta Arretche sugeriu a possibilidade de
vel, compartilhando parte das decisões e dos pro-
se pensar a administração pública como detendo
cedimentos necessários, é muitas vezes tratada, na
no país a “hegemonia intelectual” na subárea dos
literatura específica, como a melhor maneira de se
estudos avaliativos, ao passo que economistas e
fomentar uma mais ampla utilização dos resultados
econometristas teriam uma “hegemonia operacio-
da avaliação.
nal”. A pesquisadora sugeriu, ainda, que o que ex-
plicaria o subdesenvolvimento dos estudos sobre 10 Vale a pena citarmos a seguinte passagem do traba-
avaliação no Brasil não seria apenas a negligência, lho de Greene: “a própria noção de avaliação como
por parte da ciência política, dos processos pós-de- advocacy provoca tremores de desagrado e horror
cisão (note-se que talvez esse quadro já tenha co- entre a maior parte da comunidade contemporânea
meçado a ser reparado, como sugere o próprio en- da avaliação, tanto entre teóricos como entre prati-
foque do seminário mencionado). O problema não cantes. Isso porque o objetivo fundamental da ava-
residiria apenas na agenda da ciência política, mas liação era racionalizar a política social por meio da
também, ou principalmente, seria decorrente da produção de informação científica desinteressada,
própria incipiência das avaliações no país, que não relativa às opções de política, o que seria possível
geraria polêmicas capazes de pautar a agenda in- apenas por meio de uma adesão à objetividade e à
vestigativa. neutralidade de valores. Advocacy é a antítese da
6 Para bons panoramas dessa subárea de pesquisa, avaliação justa, de acordo com aqueles ideais e vi-
ver Shulha e Cousins (1997) e Weiss (1998). No sões fundadores. Prescrever [to advocate] é esposar
Brasil esse é um campo ainda sobremaneira inci- e promover uma crença ou postura partidária [par-
piente. Exceções são Cotta (2001), Faria e Filguei- tisan], abraçar e fazer avançar uma causa. Avaliar é,
ras (2003) e, tendo como ênfase a questão da de acordo com a tradição, julgar de maneira justa a
aprendizagem organizacional decorrente da utiliza- qualidade, o mérito e o valor de um programa, com
ção da avaliação, Calmon (1999). base em informação imparcial, coletada de manei-
ra científica” (1997, p.26).
7 Para além do desalento ou da simples incorpora-
ção de novas prescrições, acreditamos que pode
ser dito sobre a pesquisa acerca do uso da avalia- BIBLIOGRAFIA
ção o mesmo que Rivlin disse sobre a análise de
políticas: ela pode não ter resolvido problema al-
ALA-HARJA, M. & HELGASON, S. (2000), “Em di-
gum, mas pelo menos nos ajudou a determinar
melhor os problemas (apud Weiss, 1998, p. 23). reção às melhores práticas de avalia-
ção”. Revista do Serviço Público, 51 (4):
8 Antes, porém, pode ser útil reproduzirmos aqui a 5-60.
sintética apresentação, feita por Ala-Harja e Helga-
son, das várias formas de uso, para que se possa ter ALBAEK, Erik. (1998), “Knowledge, interests and
uma visão panorâmica da questão e para que al- the many meanings of evaluation: a de-
guns termos centrais sejam introduzidos de manei- velopmental perspective”. Scandina-
ra ainda mais simples: “A definição do uso de uma vian Journal of Social Welfare, 7: 94-98.
avaliação deve fazer distinção entre uso pelo pro-
grama e uso organizacional. O primeiro se refere a BALLART, Xavier. (1996), “Modelos teóricos para
estudos individuais de avaliação, e o segundo tem la práctica de la evaluación de progra-
a ver com o efeito cumulativo (aprendizagem) de- mas”, in Quim Brugué e J. Subirats
rivado de uma série de avaliações em uma organi- (orgs.), Lecturas de gestión pública. Ma-
zação. O uso em programas pode ser posteriormen- drid, Instituto Nacional de Administra-
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RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS 169

A POLÍTICA DA AVALIAÇÃO PUBLIC POLICY EVALUATION LA POLITIQUE D’ÉVALUATION


DE POLÍTICAS PÚBLICAS POLITICS DES POLITIQUES PUBLIQUES

Carlos Aurélio Pimenta de Faria Carlos Aurélio Pimenta de Faria Carlos Aurélio Pimenta de Faria

Palavras-chave Keywords Mots-clés


Avaliação de políticas públicas; Public policy evaluation; Reform Évaluation des politiques publi-
Reforma do Estado; Novo geren- of the State; New public man- ques; Réforme de l’État; Nouvel-
cialismo público. agement. le gestion publique.

Nos últimos anos, tem prevalecido In the last years, both research and Au cours de ces dernières années,
nos estudos e nos debates acerca da debates concerning public policy nous avons assisté, dans le cadre des
avaliação de políticas públicas um viés evaluation have clearly been marked études et des débats sur l’évaluation
francamente normativo e/ou uma by a specific normative bias and by des politiques publiques, à une pré-
priorização dos aspectos mais técni- an emphasis upon the technical dominance du biais normatif et/ou
cos da pesquisa avaliativa, bem como aspects of evaluation, as well as by une primauté des aspects plus tech-
uma ênfase em seu papel de instru- the valorization of its role as a man- niques de la recherche évaluative, ain-
mento gerencial. Reconhecendo o agement tool. Recognizing the incip- si qu’à une mise en avant de leur rôle
caráter incipiente da pesquisa e da ient character of both the research d’instrument de gestion. Tout en re-
prática da avaliação no Brasil, o pre- and the practice of public policy connaissant le caractère initial de la
sente trabalho pretende: (1) analisar evaluation in Brazil, this paper has recherche et de la pratique de son
os fatores que têm justificado e con- the following objectives: (1) to ana- évaluation au Brésil, ce travail propo-
dicionado a implantação generaliza- lyze the aspects that have justified se: (1) d’analyser les facteurs qui, jus-
da de sistemas de avaliação, sobre- and conditioned the generalized qu’à présent, ont justifié et condition-
tudo nos países da América Latina; implementation of public policy eval- né la mise en place généralisée de
(2) averiguar as razões da prevalên- uation systems, particularly in Latin systèmes d’évaluation, surtout dans
cia, no âmbito estatal e também no America; (2) to discuss the reasons les pays d’Amérique latine ; (2) de
plano analítico, de uma concepção behind the prevalence, both in the rechercher les raisons de l'importan-
“tecnicista” da avaliação, vista hoje state and in the analytical level, of a ce, dans le cadre de l’État et aussi sur
quase exclusivamente como instru- “technicist” conception of evalua- le plan analytique, d’une conception
mento da gestão governamental; e, fi- tion, which is regarded today almost “technisciste” d’évaluation, comprise
nalmente, (3) enfatizar o caráter emi- exclusively as an instrument to be aujourd’hui presque exclusivement
nentemente político da avaliação de used by the public managers; and comme un instrument de gestion
políticas públicas, elencando e cate- (3) to emphasize the essentially gouvernementale; et, finalement, (3)
gorizando suas distintas formas de political character of public policy de mettre l’accent sur le caractère
utilização. Será ressaltada, assim, a evaluation, listing and categorizing éminemment politique de l’évalua-
virtual subordinação do uso gerencial the distinct forms of its utilization. tion des politiques publiques, en citant
da avaliação e de sua suposta capa- The virtual subordination of the et en rangeant leurs différentes for-
cidade de encerrar, reiniciar ou revi- management use of evaluation to mes d’utilisation. Nous prétendons,
talizar o ciclo das políticas às injun- broader political projects and to de cette façon, mettre en avant la su-
ções políticas mais abrangentes, às specific strategies and interests of bordination virtuelle de l’emploi de
estratégias e aos interesses dos toma- decision makers and other stake- l’évaluation comme instrument de
dores de decisões e demais envolvi- holders will be stressed. gestion et de son éventuelle capaci-
dos. té de mettre une fin, de recommen-
cer ou de revitaliser le cycle des po-
litiques aux injonctions politiques les
plus englobantes, aux stratégies et
aux intérêts des preneurs de décision
et des autres acteurs impliqués.

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