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Epílogo

O "Enola Gay" sobre Hiroshima

Hiroshima

Apesar da confiança depositada na capacidade dos cientistas que haviam controlado a operação, o tic... tic...
tic" - cada vez mais rápido, que os instrumentos de medição emitiam - criou um clima de tensão
insuportável. O perigo, todavia, já havia passado. Como diria posteriormente Anderson, um dos assistentes
do teste, a "cena" montada por Fermi fora perfeita, atingindo o objetivo visado. A reação em cadeia não
constituíra surpresa para os cientistas presentes, mas havia impressionado vivamente os demais convidados,
convencendo-os quanto à sua viabilidade.

Em conseqüência, pelos fins de 1942, decidiu-se que o Projeto Manhattan começasse a materializar-se, com
a criação de três centros de investigação, que passariam a ser conhecidos pelas designações de X, W e Y.

A letra X referia-se a Oak Ridge, no vale do Tennessee. Ali, a zona escolhida cobria uns 25.000 hectares.
Nela seriam erguidos os estabelecimentos dedicados à produção dos materiais empregados na ruptura
nuclear, isótopos do urânio 235, e da primeira pilha experimental de grafita resfriada a ar.

Sob a denominação de W, era conhecida Hanford, às margens do rio Colúmbia, no Estado de Washington.
Nesse local, a firma Du Pont construiria três grandes pilhas, destinadas à produção de plutônio.

À letra Y, finalmente, correspondia uma vasta região do deserto do Novo México. Com relação a este último
lugar, diria depois Oppenheimer: "Quando o General Groves passou a interessar-se por meu projeto, enviou
um de seus oficiais, um coronel, para investigar o local indicado. O sítio escolhido encontrava-se em um
profundo canhão, silencioso e distante, mas pouco adequado para uma empresa como esta. O isolamento era
absoluto. O lugar situava-se a umas vinte ou trinta milhas de Los Alamos... "

O mesmo Oppenheimer, por outro lado, transformar-se-ia, pouco depois, no homem-chave do projeto,
encarregando-se da direção do mesmo. Oppenheimer chegou a Los Alamos a 15 de março de 1943. E diria
mais tarde: "Cheguei a Los Alamos... o material começou a ser desembarcado pouco depois... em junho
estávamos descobrindo coisas que ainda não sabíamos... Acreditamos haver batido todos os recordes de
velocidade... "

Os primeiros elementos que chegaram a Los Alamos vieram transportados em três caminhões, e a eles
seguiram-se um cíclotron, de Harvard, dois gravadores Van de Graaff, de Wisconsin, e uma instalação de alto
tensão, de Illinois. Já nos primeiros dias de julho, o cíclotron estava pronto para funcionar.

Em 1944 residiam em Los Alamos entre quatro e cinco mil pessoas; delas, três mil eram militares e dois mil
civis, incluindo suas famílias. As habitações e dormitórios haviam sido construídos de madeira, às pressas. A
administração fôra confiada ao exército, e todas as atividades desenvolviam-se segundo esquemas militares.
As sete da manhã, uma sirena anunciava o início das tarefas. As oito, um novo toque exigia que todos já se
encontrassem nas portas de acesso aos laboratórios, munidos de seu cartão de identificação ou de controle.
Uma nova chamada da sirena, ao meio-dia, indicava a hora do almoço; outra, o retorno ao trabalho.
Finalmente, um último toque marcava o momento de suspensão das atividades diárias.

Com relação às medidas de segurança adotadas em Los Alamos para manter em sigilo as investigações,
cumpre lembrar que eram elas rigorosíssimas. Utilizavam-se nomes fictícios e, a partir de determinado
instante, nem mesmo as placas dos automóveis particulares podiam ser vistas. Decretou-se que não se podia
tomar notas escritas ou destruir pessoalmente as que já existiam. Essas tarefas ficariam reservadas aos
serviços de segurança. O trabalho foi setorizado em uma série de "compartimentos estanques", que
permitiam desenvolvê-lo mantendo um rigoroso isolamento de cada setor. Dessa forma, cada cientista podia
dedicar-se às suas tarefas sem saber as de seus demais colegas. Indubitavelmente, tal organização conspirava
contra a eficácia e a rapidez do trabalho, impossibilitando as trocas de opiniões que pudessem esclarecer
rapidamente certos problemas; em troca, assegurava um máximo de discrição e segurança.
Referindo-se ao fato, disse Szilard: "Era... prejudicial ao nosso trabalho. Se se dizia a alguém 'não lhe posso
dar nenhuma informação; é você que me deve pedi-la', tornava-se praticamente impossível que essa pessoa
nos pedisse uma informação sobre algo que porventura ela ignorasse..." E acrescentaria Oppenheimer:
"Aquele que tivesse a necessária instrução e formação profissionais poderia saber o quanto estava sendo
feito...

Os cientistas, entretanto, apesar dessas rigorosas interdições, reuniam-se semanalmente e discutiam seus
problemas, trocando informações e pontos de vista.

As estritas medidas de segurança não puderam impedir algumas tentativas de espionagem. Foi assim que
ocorreu o célebre caso Fuchs. Klaus Fuchs, jovem cientista de origem alemã, cedeu regularmente
informações ao agente soviético Harry Gold até junho de 1945, iludindo as redes de contra-espionagem
dispostas em torno de Los Alamos.

Referindo-se a Fuchs, diria posteriormente Leslie Groves: "Creio que esta foi uma boa demonstração quanto
à importância de setorizar o trabalho em compartimentos estanques. Fuchs, desgraçadamente, tinha acesso
aos dois setores mais importantes: o do processo de difusão do gás e o dos laboratórios de Los Alamos.
Realizando as duas funções, podia-se conhecer muitos detalhes. Bastava uma conversa de um ou dois
minutos. Não era necessário tomar apontamentos escritos."

A bomba atômica alemã

Qual era, entretanto, a verdade acerca dos rumores que atribuíam á Alemanha o desenvolvimento de um
projeto semelhante ao de Manhattan? Os temores se tornavam a cada momento renovados. As informações,
fragmentárias, referiam-se a investigações, procura de matérias-primas essenciais e trabalhos especializados.
Temia-se, e com certa razão, que os alemães pudessem dispor de uma bomba semelhante. E nutria-se receio
quanto ao fato de que isto pudesse ocorrer de uma hora para outra. Por essa época, a Alemanha contava com
um grupo de pesquisadores de alto nível, como Werner Heisenberg, Fritz Heutermans e Carl Friedrich von
Weizsäcker.

O último dos homens citados, considerado por Szilard e Wigner como a figura mais importante da ciência
alemã, declararia mais tarde: "Com efeito, em agosto de 1939, não se havia começado ainda a trabalhar no
projeto. Admito que, para Einstein, fosse lógico pensá-lo, porquanto minha especialidade era a física
nuclear... Nessa época, Einstein não sabia, e não poderia de modo algum sabê-lo, que meu pai pertencia ao
movimento de resistência alemão".

Anos mais tarde, Heisenberg diria: "No verão de 1939, Flügge publicou um estudo sobre a
Naturwissenschaften, no qual observava que o processo de ruptura nuclear podia dar origem a uma reação
em cadeia. Isto talvez tenha despertado atenção nos meios oficiais. Mas antes de setembro de 1939, e mesmo
depois da eclosão da guerra, jamais se discutiu seriamente um programa destinado a investigações relativas a
reações em cadeia. Entre 1934 e 1940, essa possibilidade foi gravemente encarada, e esclareceram-se
algumas particularidades. Transcorrido um ano, entretanto, jamais se realizou qualquer esforço de monta no
sentido de materializar o projeto da bomba atômica."

Em julho de 1940, todavia, Carl Friedrich von Weizsäcker concluiu um importante trabalho no qual fazia
menção à possibilidade de produzir, num reator, o elemento denominado plutônio. Sabia Weizsäcker, por
outro lado, que, com esse elemento, se poderia produzir uma bomba atômica. Mas isto não significava que o
sábio alemão a houvesse inventado. Invenção semelhante, por outro parte, não existe. "Uma vez obtida a
reação em cadeia, faltariam mil dados. E o meu era um só entre os mil."

E prossegue Weizsäcker: "Insiste-se no emprego da palavra 'descobrimento', mas eu, de minha parte, sustento
que se trata apenas de uma idéia, que poderia ocorrer a qualquer dos físicos nucleares do momento... Em
minha comunicação, mencionava, simplesmente, a possibilidade de se produzir, algum dia, um explosivo de
extrema potência."
Tudo levava a suspeitar, contudo, que, por volta do mês de julho de 1940, o trabalho dos físicos já se
encontrasse em estágio muito avançado, ainda que teórico.

Pelo outono de 1940, as instalações destinadas à produção da água pesada, em Rjukan, Noruega, foram
ocupadas pela Wehrmacht. Com respeito ao episódio, comentaria mais tarde Weizsäcker: "Lembro-me bem
do episódio de Rjukan, e da incursão posterior que destruiu as instalações. A água pesada era então
empregada para a construção de um reator. O reator que tentávamos montar pertencia a um tipo 'temperado'
com água pesada. Mas essas coisas somente poderiam ser realizadas com proteção militar, e o exército
portou-se com tanto zelo que os noruegueses acreditaram que a água pesada seria utilizada em algo terrível,
talvez na produção de uma bomba atômica. Assim, e como óbvia conseqüência, convenceram-se da
necessidade de destruir o esquema do projeto. Nesta ação perderam inutilmente a vida diversos inocentes.
Nada disso era necessário. Melhor teria sido, para nós, saber do imenso esforço que se estava realizando na
América do Norte. Por outro lado, se nossos colegas americanos soubessem que não estávamos fazendo nada
parecido, talvez pudessem ter evitado a construção da bomba atômica. Isto não modificaria o curso da
guerra, mas evitaria, possivelmente, a destruição de Hiroshima."

A 6 de junho de 1942, o ministro de Armamentos e Munições, Albert Speer, chamou os físicos nucleares a
Berlim. Tratou-se, na ocasião, da completa escassez dos minerais de urânio, da água pesada e de outros
elementos capazes de permitir um trabalho de pesquisa e de produção de uma bomba atômica. Já as
perspectivas de um reator nuclear eram favoráveis, se bem que sua construção dependesse de toneladas de
urânio e de água pesada. Ao terminar a reunião, Speer autorizou o prosseguimento dos trabalhos,
recomendando economizar os elementos existentes e intensificar os esforços para a montagem de um reator
nuclear. O referido artefato devia ser "temperado" com água pesado. Em toda o Europa uma única fábrica era
capaz então de produzi-la: a Norsk Hydro, de Rjukon, na Noruega. O estabelecimento, que de início
produzia apenas dez litros mensais da mencionada substância, alcançou uma produção de cento e vinte litros
em setembro de 1942. Tal quantidade era, sem dúvida, insuficiente, pois as exigências para o reator
ascendiam a três mil litros.

Na América do Norte, contudo, Groves foi um dos primeiros a apontar o perigo que se ocultava em Rjukan.
Posteriormente, e com o beneplácito do General Arnold e do Major-General Handy, o General Eisenhower
foi também informado, sugerindo-se-lhe então que o estabelecimento de Rjukan fosse bombardeado e
sabotado.

Em conseqüência, na noite de 27 de fevereiro de 1943, um grupo de sabotagem norueguês, treinado na


Inglaterra, foi lançado de pára-quedas nas proximidades de Rjukan e conseguiu penetrar no edifício
principal. O trabalho de sabotagem foi rápido e eficiente. Poucos minutos depois, três mil litros de água
pesada desapareciam em meio a uma explosão.

A 16 de novembro do mesmo ano, alguns aviões de bombardeio americanos atacaram os demais


estabelecimentos, destruindo outros cento e vinte e cinco litros de água pesada.

Em face do ocorrido, os alemães resolveram desmontar as instalações, transportando para a Alemanha os


aparelhos e o restante da água pesada. Contudo, na noite anterior à partida, quatro guerrilheiros noruegueses
conseguiram colocar explosivos na embarcação destinada ao transporte, a "Hydro". O resultado foi uma
explosão que pôs a pique o navio, a 20 de fevereiro de 1944, às dez horas da manhã. A bordo, estavam os
aparelhos e 16.000 litros de água pesada.

A partir desse momento, o ritmo das investigações foi praticamente reduzido a zero.

Entretanto, enquanto em Los Alamos os trabalhos prosseguiam em ritmo vertiginoso, o Coronel Boris Pash,
do serviço de contra-espionagem, recebeu ordens de examinar, in loco, o estágio em que se encontravam as
pesquisas alemães.

"Nessa época", diria Pash, "os governos aliados estavam extremamente preocupados com os progressos que
supunham haver alcançado os alemães no campo da bomba atômica. A intenção dos Estados Unidos era
organizar uma unidade que penetrasse na Alemanha com o objetivo de obter a informação desejada. A
operação foi organizada sob o nome falso de 'Alsos`... A missão, constituída por pessoal militar e um grupo
de cientistas, nasceu em Washington. As primeiras ações, todavia, desenvolveram-se na Itália, quando as
nossas tropas ainda não haviam desembarcado na Europa Ocidental. Os Aliados estavam avançando na Itália,
e pensou-se que, através de contactos com cientistas italianos, fosse possível descobrir até que ponto haviam
chegado os seus colegas alemães."

Em dezembro de 1943, a missão "Alsos" partiu para Nápoles, onde entrou em contacto com elementos do
serviço de contra-espionagem do 5o Exército e do governo civil italiano. Durante quarenta dias a missão
esteve de visita a Nápoles, Tarento e Brindisi. As informações recolhidas, entretanto, careciam de
significação, e nada se pôde averiguar sobre o trabalho dos cientistas alemães. A 6 de junho de 1944, na
Normandia, ocorreu um acontecimento decisivo para o destino da guerra: o desembarque aliado.
Posteriormente, a 25 de agosto, os efetivos franceses de Leclerc, secundados pelos combatentes americanos,
entraram em Paris. Entre eles estava o infatigável Coronel Pash, que, alguns anos mais tarde, faria a seguinte
observação: "Entramos pela Porta de Orleans... depois, dirigi-me rapidamente para o instituto do Collége de
France, onde o Professor Joliot-Curie desenvolvia seus trabalhos e experiências..." Nessa oportunidade,
Joliot mostrou-se extremamente interessado em colaborar com os comandos aliados; suas informações,
entretanto, eram escassas, não revelando quaisquer dados de real valor. Salientou apenas o fato de haver sido
procurado por cientistas alemães, ignorando o objetivo a que estes se haviam proposto alcançar em seus
trabalhos.

A 15 de novembro de 1944, as informações enviados aos Estados Unidos pela missão "Alsos" careciam de
verdadeira importância. Por essa época, entretanto, ocorreria o primeiro acontecimento de real significação.
Nesse mesmo dia, as tropas do General Patton ocuparam Strasburg, localizando aí alguns cientistas alemães,
aos quais tomaram diversos documentos relacionados com o objeto da investigação. A análise destes
demonstrou, todavia, que os alemães se encontravam muito atrasados relativamente aos americanos no que
respeitava a investigações e trabalhos.

Trinta e um de maio de 1945 constituiu uma data-chave na história do bomba atômica. Nesse dia, sob a
presidência do Ministro da Guerra americano, Henry Stimson, reuniu-se o comitê que devia prestar um
informe ao Presidente Truman sobre o emprego das armas atômicas.

O comitê estava formado por cinco personalidades da esfera político-militar e por somente três cientistas;
além do ministro Stimson, achavam-se presentes George Harrison, James Byrnes, Ralph Bard, William
Clayton, Vannevar Bush, Karl Compton e James Conant. Outros quatro cientistas de fama internacional
foram chamados, paralelamente, para integrar uma subcomissão consultiva: Robert Oppenheimer, Enrico
Fermi, Arthur Compton e Ernest Lawrence.

A primeiro de junho de 1945, o comitê aprovou por unanimidade uma série de sugestões que foram
encaminhadas ao Presidente Truman. Nelas se recomendava: 1 ) lançar a bomba o quanto antes sobre o
Japão; 2) empregá-la sobre um objetivo militar, rodeado por edifícios ou instalações particulares
danificáveis; 3) lançar a bomba sem nenhuma prevenção quanto à sua natureza. Nem todos os cientistas,
porém, apoiavam a idéia do emprego da bomba atômica. Em conseqüência, os físicos que trabalhavam no
projeto, nos laboratórios da Universidade de Chicago, trataram de bloquear a decisão final tomada pelo
comitê, preparando um documento que dizia, entre outras coisas: "No passado, os cientistas podiam declinar
de sua responsabilidade imediata relativamente ao uso que a humanidade dava a seus descobrimentos. Agora,
ao contrário, estamos obrigados a tomar parte ativa nas decisões... Todos nós temos permanentemente, ante
nosso olhar a visão de uma catástrofe... As vantagens militares, que poderiam estar relacionadas com o
emprego da bomba atômica na guerra contra o Japão, tornar-se-iam nulas pela perda da fé e pela onda de
terror que seria propagada pelo resto do mundo e que, provavelmente, romperia nossa própria posição
interna. Considerando o que acima se expôs, seria recomendável empregar a nova arma no deserto ou em
uma ilha desabitada, em presença de delegados de todas as Nações Unidas. Seria possível, assim, criar uma
atmosfera assaz favorável para a realização de um acordo internacional se os Estados Unidos da América
pudessem dizer ao mundo: 'Vejam que arma possuímos e, contudo, decidimos não utilizá-la. Estamos
dispostos a não fazer uso dela no futuro se as demais nações endossarem nossas propostas e aceitarem um
efetivo controle internacional'. As bombas nucleares não podem continuar a ser uma arma secreta, para uso
exclusivo de nosso país. Os princípios científicos sobre os quais repousa a sua construção são conhecidos
pelos pesquisadores de outros países. Se não se instaurar um controle internacional da arma, é evidente que
se iniciará um rearmamento geral. Dentro de dez anos, outros países possuirão armas nucleares, e cada uma
delas, sem alcançar sequer o peso de uma tonelada, poderá destruir uma cidade de mais de dez milhas
quadradas."

O primeiro teste
Durante o mês de junho de 1945, o trabalho em Los Alamos fez-se ininterrupto e febril. Os físicos
permaneciam em seus laboratórios até altas horas da madrugada. Fermi, transformado em cérebro
organizador, mostrava-se incansável. Oppenheimer exauria-se sem cessar, comprometendo ainda mais o seu
físico já de si frágil.

Para os homens de Los Alamos não era o momento de discutir a oportunidade de empregar ou não a bomba.
O trabalho havia atingido o seu clímax, ou seja, o instante de testar os resultados de tantos meses de lutas e
sacrifícios. Chegara o momento de lançar a primeira bomba atômica, a que deveria confirmar o acerto das
investigações realizadas ou seu completo fracasso.

Nos primeiros dias de julho de 1945, grandes caminhões abandonaram o centro de pesquisas de Los Alamos.
Neles seguiam equipes de técnicos e pessoal especializado, transportados sob o maior sigilo, além de
cientistas em silêncio e emocionados. O roteiro do destino a ser atingido estava traçado em alguns poucos
mapas. Tratava-se de uma região situada a algumas dezenas de quilômetros ao sul de Los Alamos, em pleno
deserto.

Ali, no local assinalado, os engenheiros haviam erguido uma torre metálica no topo da qual seria colocada a
bomba para o teste.

No noite de 12 de julho, em uma velha casa dos arredores, sob o direção do Doutor Bacher, procedeu-se à
montagem da bomba. Na casa reinava o mais profundo silêncio. Apenas o ruído metálico das diversas peças,
encaixando-se umas nas outras, era esporadicamente ouvido. Passos, conversas em voz baixa, rumores
distantes - tudo, enfim, contribuía para conferir ao momento uma intensa dramaticidade. Um desarranjo
surgido inesperadamente pareceu alterar os planos. E o trabalho fez-se então mais intenso. Finalmente, após
desarmar e receber uma e outra vez as diferentes peças, Bacher sorria satisfeito. Minutos depois, a tarefa
havia terminado. A bomba, a primeira bomba atômica, estava pronta para o experiência, a primeira
experiência.

Dois dias mais tarde, a 14 de julho, sábado, o poderoso artefato nuclear foi colocado na torre. Montado lenta
e cuidadosamente, ali ficou, como um estranho e alucinante monstro negro.

O restante daquele sábado e o domingo, dia 15, foram dedicados à continuação dos preparativos. A chuva,
que caía sem cessar, dificultava a movimentação de homens e veículos, ameaçando uma suspensão do
ensaio.

Mas os trabalhos prosseguiram, apesar das precárias condições meteorológicas. Procedeu-se, imediatamente,
à instalação do posto de controle mais próximo da torre. Escolheu-se um setor do terreno localizado para o
sul, a nove quilômetros e meio de distância da bomba. A quinze quilômetros, na mesma direção, instalou-se o
posto-base, no qual tomaria posição a maioria dos cientistas e militares que iam assistir à experiência.

Os trabalhos de instalação dos diferentes postos continuaram durante todo o domingo, até altas horas. Por
volta da meia-noite, o General Groves recolheu-se a um dormitório improvisado. Entretanto, por não
conseguir conciliar o sono, regressou ao local da experiência uma hora depois. Ali se reuniu a Oppenheimer,
que continuava de pé, observando, preocupado, as condições do tempo. As três da manhã, Groves e
Oppenheimer, após receberem as informações dos meteorologistas, concluíram que eram poucas as
possibilidades de contar com tempo bom para a realização do teste.

As três e meia da madrugada, entretanto, ambos decidiram: a experiência seria efetuada às cinco e meia da
manhã.

Às quatro da madrugada a chuva cessou e o tempo pareceu melhorar. Imediatamente, o físico Bainbridge e o
Tenente Bush, da Polícia Militar, faziam a derradeira inspeção nas instalações da torre, comprovando que
tudo estava pronto e em perfeita ordem.

Groves subiu ao jipe que o levaria ao campo-base. No posto de controle mais próximo à torre ficou o seu
substituto, o General Farrell.
Ao chegar ao campo-base, Groves foi recebido por Vannevar Bush e James Conant. Em poucas palavras,
Groves expôs o seu ponto de vista, que coincidia, aliás, com o dos cientistas. A prova seria realizada dentro
do prazo previsto. Foram imediatamente distribuídos os óculos escuros especiais, e todos os presentes
deitaram-se de bruços no chão.

Às cinco e dez da manhã, no posto de controle, teve início a contagem regressiva, o countdown. E ouviu-se
então a voz do substituto de Oppenheimer, Samuel Allison: "dez, nove, oito, sete..."

Um minuto antes da explosão, os comandos automáticos passaram a substituir o controle dos cientistas. Já
nada mais poderia deter a deflagração da bomba.

No posto de controle, vinte homens permaneciam em tenso silêncio.

A voz de Allison prosseguia: "seis, cinco, quatro..."

Oppenheimer apoiou-se em um poste de madeira. Fermi, que segurava um caderninho, despedaçou-lhe as


folhas entre os dedos.

"Três, dois, um, zero... "

Um fulgor cegou a todos e a tudo cobriu. Foi um gigantesco relâmpago, de proporções e intensidade nunca
vistas. O deserto iluminou-se com a claridade de mil sóis.

No campo-base, uma violentíssima rajada de ar lançou por terra todos aqueles que não se haviam deitado.

A vários quilômetros do local da explosão, em Alamogordo, uma menina, cega de nascença, exclamou: "Vejo
luz!"

Nos postos de controle, todos permaneciam silenciosos. Uma incontrolável emoção os dominava. Queriam
gritar, abraçar-se, chorar. Entretanto, ninguém pronunciou uma palavra. Estavam todos paralisados. "Foi um
espetáculo comovente", diria depois Oppenheimer, "solene... Algo nos dizia que, a partir daquele instante, a
vida já não seria a mesma... Recordo que nesse momento pensei em um texto sânscrito, que havia lido certa
vez em Berkeley: 'Agora converti-me em companheiro da morte, em destruidor de mundos.' Não sei por que,
mas ele voltou muitos vezes à minha memória. E senti por tudo uma infinita compaixão...

O General Farrell, por sua vez, diria: "Toda a região ficou iluminada por uma luz intolerável, muito mais
intensa que a do sol do meio-dia. Era uma luz dourada, roxa, violeta, cinza, azul. Iluminava as montanhas,
conferindo-lhes uma beleza incomparável, que jamais poderia ser descrita ou sequer imaginada... Trinta
segundos depois ouviu-se a explosão e o ar golpeou violentamente pessoas e coisas. O estrondo foi
ensurdecedor, fazendo-nos pensar em nossa pequenez e em nossa ousadia de desencadear forças até então
reservados apenas ao Onipotente..." "Todos nós", relata Groves, "olhamos o globo de fogo com nossos
óculos escuros. Pouco mais tarde ocorreu o estrondo e chegou até nós a onda expansiva. Nada nos
impressionou tonto quanto a extraordinária intensidade luminosa. À primeira explosão seguiram-se outras
duas, menores. Formou-se uma nuvem que principiou a elevar-se com tremenda potência. E a nuvem subiu,
inicialmente com o forma de um globo, depois de um cogumelo e, logo em seguida, de uma esguia coluna de
fumaça...".

"Enrico estava totalmente absorto", comentaria alguns anos mais tarde Laura Fermi, "e creio que não chegou
a escutar o ruído da explosão. Achava-se ali fazendo uma experiência das mais primitivas. Tinha entre os
dedos pedacinhos de papel, que foram arremessados a distância pela onda expansiva. Pela distância a que
foram lançados, Fermi calculou a força da explosão, com uma grande aproximação da que, pouco depois,
seria estimada por complexos cálculos matemáticos. Voltou para caso exausto, sem forças sequer para dirigir
o automóvel... "

"Alguns dias depois", diria Oppenheimer, "enquanto caminhava pelo deserto, vi uma tartaruga, voltada sobre
sua própria carapaça, que procurava reencontrar sua posição normal. Aproximei-me do animal e o virei,
colocando-o de novo sobre suas patas. Nesse momento, senti a necessidade de fazê-lo, de realizar um gesto
semelhante."
Hiroshima

Quando foi organizado o 509o Grupo Misto de Bombardeio, a bomba atômica ainda não existia. Esse grupo
era composto por quinze B-29, por um esquadrão de C-54 de transporte, uma companhia da Polícia Militar e
um destacamento terrestre. Eram 223 oficiais e mais 1.542 homens. O 509° Grupo era comandado pelo
Coronel Paul W. Tibbets, de 29 anos e ex-piloto particular dos Generais Eisenhower e Clark.

Os exercícios que o grupo começou a realizar, no campo de treinamento de Wendover, no Estado de Utah,
eram muito diferentes das manobras habituais. Cada uma destas consistia em um vôo que deveria ser
efetuado por um B-29, desprovido de todo e qualquer armamento e munido de uma só bomba de 4.535 kg.
Após alcançar os doze mil metros de altura, a bomba era lançada e, logo após, depois de efetuar um giro de
180o, o B-29 recebia ordens para afastar-se a grande velocidade.

Em fins de abril de 1945, o 509 o Grupo recebeu a ordem de transferir os seus efetivos para a ilha de Tinian,
no arquipélago das Marianas. E assim chegou o dia 5 de agosto de 1945. Durante a noite desse dia, um dos
aparelhos B-29, chamado "Enola Gay", foi minuciosamente examinado e preparado para o vôo. As duas e
quarenta e cinco do dia 6 de agosto foi dada a ordem de decolar para o "Enola Gay". A tripulação estava
constituída pelo Coronel Tibbets, como piloto, o Capitão Lewis, como co-piloto, o Capitão Van Kirk, como
novegador, o Major Thomas Ferebee, encarregado do visor da mira, o Sargento Bob Caron, artilheiro da
cauda, o Sargento Stiborick, responsável pelo radar, os Sargentos Shumart e Duzembury, eletricistas, o
soldado Nelson, radiotelegrafista, e o Capitão William Parsons, encarregado de armar a bomba, com a ajuda
do Tenente Jeppson e do Sargento Beser.

A 1.200 metros de altura, o Capitão Parsons começou a montar o dispositivo que faria explodir o artefato.
Essa tarefa demandaria exatamente vinte e cinco minutos.

Às cinco e cinqüenta e dois, o "Enola Gay" voava a 2.500 metros de altura.

Às seis e cinco, sobrevoava Iwo Jima e, logo após, virava para rumar direto ao Japão.

Às sete e quarenta, o "Enola Gay" alcançou 9.150 metros de altura, cota essa previamente estabelecida.
Nesse instante, os relógios japoneses marcavam uma hora a menos: 6h:40min. Nas cidades japonesas,
entretanto, as atividades diárias começavam com a rotina de sempre.

Em Hiroshima, nove minutos após as sete horas da manhã, os alarmes antiaéreos principiaram a soar com
estridência. No alto, muito pequenino, podia-se ver um B-29 solitário. O bombardeiro sobrevoaria a cidade
em duas ocasiões. Depois, às sete e vinte e cinco, desapareceria, voando já então a grande altura.

Exatamente a essa hora, Claude Eatherly, comandante do "Stryght Flush", avião de observação
meteorológica, transmitiu uma mensagem a Tibbets: "Visibilidade, dez milhas. Estratos de nuvens, dois
décimos, a 4.500 metros."

O radiotelegrafista do "Enola Gay" captaria a informação a cinqüenta milhas da costa japonesa: a


visibilidade relativa ao objetivo principal, em conseqüência, podia ser qualificada de ótima.

Os objetivos de reserva eram as cidades de Kokura e Nagasaki. O principal: Hiroshima.

As sete e trinta e um cessou o alarme em Hiroshima. Dos abrigos antiaéreos refluiu uma enorme multidão de
mulheres, crianças e velhos. Lentamente, a vida reassumia o seu curso normal.

7.47: a bordo do "Enola Gay" são verificados todos os circuitos.


7.50: o "Enola Gay" sobrevoa o costa da ilha de Shikoku.
8.09: já é visível, do "Enola Gay", a cidade de Hiroshima.
8.11: o "Enola Gay", após um giro de 90°, ruma para o objetivo, emergindo das nuvens. Vinha de norte para
oeste, voando a uma altura de 9.500 metros.
8.14: o Major Tom Ferebee enquadra no visor de sua mira uma ponte sobre o Ria Ota.
8.15 e 2 segundos: os controles automáticos indicam que faltam apenas quinze segundos para o lançamento
da bomba.
8.15 e 17 segundos: Little Boy ("Garotinho") desprende-se do "Enola Gay". A explosão ocorreria 43
segundos mais tarde.

Aquele curto lapso de tempo transcorrerá rápido. Depois, um furacão de fogo arrasará Hiroshima. François
Mauriac escreveria, a 10 de agosto de 1945: "Hoje o mundo sabe que a matéria poderá desaparecer no dia em
que um homem, talvez um único homem, assim o decida... "

Na Inglaterra, por sua vez, Sir William Beveridge, em artigo publicado em The Times, diria textualmente: "A
bomba atômica torna necessária uma revolução no governo da humanidade. Tudo o que já se disse no
passado sobre as nações, insistindo no que respeita à sua soberania ou ao seu direito de participar da decisão
final em questões de paz e guerra, faz-se agora anacrônico.

"A justificativa final do emprego da bomba atômica contra o Japão dependerá da importância que tenha para
mostrar à humanidade o perigo ao qual se encontra ela exposta, caso os governantes supremos permitam que
uma nova guerra seja iniciada."

Aludindo ainda ao fato de que a decisão de empregá-la induziu o mundo à necessidade de abolir o guerra,
Beveridge faz observar que isto poderá ser conseguido através da redução dos oportunidades de disputa entre
as nações, mediante a aplicação de medidas que tendam a crescer a prosperidade econômica e a cooperação
entre os povos.

"Tais medidas são desejáveis em si mesmos, mas não gravitam em torno da questão fundamental."

Advertindo quanto à urgência de encentrar-se uma fórmula capaz de solucionar os conflitos que porventura
surjam entre as nações, Sir William sugere o arbítrio obrigatório por um tribunal imparcial, cujas decisões
fossem aplicáveis a todas as disputas entre os vários países da mundo e sustentadas por uma força
internacional repressora.

"Somente dessa forma", sublinha o articulista britânico, "será possível conciliar a paz com a liberdade e a
autonomia de um governo nacional."

Apoiando os que protestavam contra o uso da bomba atômica, o bispo de Chichester, também através de
carta enviada a The Times, evocou as definições de "crimes de guerra" e ''crimes contra a humanidade"
quando do acordo aliado que se firmou a 8 de agosto, estabelecendo um tribunal para julgar os crimes de
guerra, e afirmou que, acima de tudo, o uso do novo poder seria indiscriminado por força, e que a destruição
de duas imensas cidades era algo que deveria ser condenado por todos aqueles que se mostrassem dispostos a
zelar pelo patrimônio moral do homem.

No Japão, todavia, uma menino se debatia entre a vida e a morte. Chamava-se Sadako Sasaki e tinha
quatorze anos. "Se em breve conseguir fazer com minhas próprias mãos mil asas de papel branco", dizia
Sadako às suas companheiras, repetindo as palavras de uma antiga lenda de seu país, "estou certa de que não
morrerei".

Sua vida, entretanto, extinguiu-se antes que as mil asas de papel branco empreendessem o seu vôo.

Anexo
Resposta japonesa
É o seguinte o texto da resposta japonesa às instruções para a capitulação transmitidas pelo General MacArthur governo
do Japão.
Recebemos a mensagem do governo dos Estados Unidos, transmitida por intermédio do governo suíço e colhida pela
rádio de Tóquio, e desejamos comunicar:
"1o) Sua Majestade o Imperador emitiu uma ordem imperial às 4h para que cessem imediatamente as hostilidades.
"2o) Supõe-se que a referida ordem imperial chegará à linha de frente e terá efeito global após transcorridos os seguintes
períodos de tempo:
"A) Nas zonas metropolitanas japonesas, 48 horas. B) Na China, Mandchúria, Coréia e regiões meridionais - com
exceção de Bougainville, Nova Guiné e Filipinas, no caso referente aos diversos quartéis-generais locais -, 12 dias;
torna-se difícil precisar dentro de quanto tempo será a ordem recebida (se o for) pelas primeiras linhas de combate.
"3o) Com vistas a dar cumprimento ao augusto desejo de Sua Majestade, no sentido de que termine a guerra e com o
propósito de que a ordem imperial anteriormente mencionada seja bem recebida por todos aqueles que devam conhecê-
la, serão enviados membros da família imperial como representantes pessoais de Sua Majestade aos quartéis-generais
do exército Kwangtung, às forças expedicionárias na China e às forças das regiões meridionais, respectivamente. O
itinerário, tipo de avião, contra-senhas, etc., serão comunicados mais tarde. Em conseqüência do que acima se expôs,
solicita-se que seja concedido salvo-conduto para aqueles que irão desempenhar tais missões.
"4o) Com respeito à petição de enviar um representante credenciado, assessorado por conselheiros, ao quartel-general do
comandante-supremo das forças aliadas no Pacífico, General MacArthur, em Manila, saindo de Sata Misaky, em
Kyushu, no dia 17 de agosto, informamos que sentimos grande desgosto por ser impossível, no momento, realizar os
preparativos para o vôo de nosso representante na data escolhida, em face do pouco tempo que nos foi concedido.
Todavia, tais providências serão tomadas logo a seguir, e notificaremos ao General MacArthur a data do vôo do
representante o qual será feito tão logo seja possível.
"5o) Propomos estabelecer contacto com o comandante-supremo das potências aliadas da seguinte maneira:
"A) Remetente e receptor do lado japonês: quartel-general ou governo. B) Estações de rádio do lado japonês: radio-
estação de Tóquio, letras do prefixo de chamada, JNP, freqüência de 13.740 quilociclos, C) Meio de comunicação:
radiotelegrafia. D) Idioma: inglês.
"6o) Não chegamos a compreender bem o tipo de avião descrito na comunicação recebida do General MacArthur.
Solicitamos. por isso, que a mensagem seja repetida, descrevendo o tipo de aparelho mais claramente.
"7o) Com o objetivo de nos assegurarmos, sem omissões, de todas as comunicações do General. MacArthur, pedimos
que as mesmas sejam repetidas mais uma vez através da rota de comunicações especificada no capítulo 5° da presente
comunicação."

Do Imperador Hirohito
"Aos nossos bons e leais súditos. Depois de pensar diariamente sobre a situação geral do mundo e a que hoje reina em
nosso Império, decidimos realizar um acordo relativamente à atual situação, recorrendo a uma medida extraordinária.
Ordenamos ao nosso governo que se comunicasse com os governos dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da China e
da União Soviética, para informá-los que o nosso Império aceita as disposições de sua declaração conjunta. Lutar pela
prosperidade comum e pela felicidade de todas as nações, assim como pela segurança e o bem-estar de nossos súditos, é
a solene obrigação que nos foi legada por nossos antepassados imperiais e à qual sempre obedeceremos estritamente.
Em verdade, declaramos guerra aos Estados Unidos da América do Norte e à Grã-Bretanha devido ao nosso sincero
desejo de assegurar a preservação do Japão e a estabilidade da Ásia Oriental, estando longe de nossos pensamentos
imiscuir-nos na soberania de outras nações ou embarcarmos em busca de uma expansão territorial. Mas vemos agora
que a guerra estendeu-se por quase quatro anos, e apesar do melhor de si que cada um de nós nela colocou, da heróica
luta das forças militares e navais, da diligência e da assiduidade de nossos servidores do Estado e do devotado trabalho
de 100 milhões de pessoas, a situação bélica não se desenvolveu exatamente de forma vantajosa para o Japão.
"A tendência geral do mundo voltou-se contra os interesses deste país. Além disso, o inimigo começou a empregar uma
nova e mortífera bomba, cujo poder destruidor é incalculável e causa vítimas entre muitas vidas inocentes. Se
continuarmos a lutar, o resultado será não apenas a derrocada e o aniquilamento do povo japonês, e sim a extinção total
da civilização humana. Se essa é a situação, como haveremos de salvar a milhões de nossos súditos para que os mesmos
possam fazer uma expiação ante os venerados espíritos de nossos antepassados imperiais? Por essa razão, optamos pela
aceitação conjunta de rendição proposta pelos EUA, Grã-Bretanha, União Soviética e China. Não podemos senão
expressar nosso mais profundo sentimento de pesar para com as nações nossas aliadas da Ásia Oriental, as quais
cooperaram. tão assiduamente com o Império, em prol da emancipação da Ásia Oriental. O pensamento dos oficiais e
soldados, assim como o de muitos outros que tombaram nos campos de batalha, dos que morreram no cumprimento de
seu dever ou daqueles que encontraram morte infausta e de seus pesarosos familiares, aflige nossos corações dia e noite.
O bem-estar dos feridos e dos que sofrem e dos que perderam seus lares e meios de vida é também objeto de nossa mais
profunda preocupação. As provas e os sofrimentos a que será submetida de agora em diante nossa nação deverão de ser
certamente grandes. Temos perfeita consciência do que sentem todos os nossos súditos. Entretanto, os ditames do
momento e do destino ordenaram que facilitemos a abertura de um caminho para a paz de todas as gerações vindouras,
pondo fim ao que é indesejável e sofrendo o que é possível sofrer. Tendo podido salvaguardar e manter a estrutura do
Estado imperial, estamos a vosso lado, bons e leais súditos, confiando em vossa sinceridade e integridade. Renunciai a
qualquer manifestação emotiva que possa engendrar inúteis complicações - de índole fraternal e de luta - que possam
semear a confusão capaz de vos levar pelo mau caminho e fazer com que percamos a confiança do mundo. Que toda a
nação continue unida, como os membros de uma só família, de geração em geração, sempre firme em sua fé, de caráter
imortal e consciente da pesada carga e da responsabilidade que encerram os longos caminhos a trilhar daqui por diante."

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