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ARTIGO ARTICLE
uma reflexão sobre o papel do fisioterapeuta
Mônica de Rezende 1
Marcelo Rasga Moreira 2
Antenor Amâncio Filho 1
Maria de Fátima Lobato Tavares 1
Abstract This article is intended to contribute for Resumo Este artigo pretende contribuir para o
the debate instituted about the composition of “Fam- debate instituído sobre a composição das equipes de
ily Health” teams. It must be understood as a reflec- Saúde da Família. Deve ser apreendido como uma
tion about the possibility of integrating the physio- reflexão sobre a possibilidade de integração do fisio-
therapist to those teams, aiming to present some as- terapeuta nas equipes, na intenção de mostrar os
pects of the profession that might potentially improve aspectos da profissão que a tornam capaz de poten-
the outcomes of primary health care. On this study, cializar a resolutividade da atenção básica. No es-
we analyze the legal documents that approve the rules tudo, foram analisados os documentos legais que
for qualifying professional physiotherapists. In the aprovam as normas para habilitação ao exercício
1970s and 1980s, following Brazilian sanitary reform, da profissão de fisioterapeuta. Nos anos setenta e
those documents made official the process that led oitenta, acompanhando a reforma sanitária brasi-
physiotherapy, which was historically recognized for leira, tais documentos oficializaram o processo que
its clinic acting, into a shift on its work object. This levou a fisioterapia, profissão historicamente reco-
change approximated physiotherapists to preventive nhecida pela atuação clínica, a mudar seu objeto de
and health promotion practices, typical of the first trabalho, aproximando o fisioterapeuta de práticas
level of care. We conclude that such changes opened preventivas e de promoção da saúde, típicas do pri-
an important space for integration still little explored. meiro nível do cuidado. Concluiu-se que tal mu-
We propose to strengthen these new fields, by focus- dança abriu importante espaço de integração ainda
ing the reflection on integration forms and on the pouco trabalhado e propõe-se seu aprofundamento,
1
necessity to impose to managers to plan their actions direcionando a reflexão para as formas de integra-
Departamento de
Administração e in association with the community, taking into ac- ção e a necessidade que se impõe aos gestores de pla-
Planejamento em Saúde, count the local health situation and assuring inter- nejar suas ações de forma articulada com a comuni-
Escola Nacional de Saúde vention on problems according to priority popula- dade, a partir da análise da situação de saúde no
Pública Sérgio Arouca,
Fundação Oswaldo Cruz tion groups. nível local, garantindo a intervenção sobre proble-
Rua Leopoldo Bulhões Key words Family Health, Physiotherapy, Multi- mas e grupos populacionais prioritários.
1480/707, Manguinhos. professional teams Palavras-chave Saúde da Família, Equipes multi-
21041-21 Rio de Janeiro RJ.
monica.rezende@ensp.fiocruz.br profissionais, Fisioterapia
2
Departamento de Ciências
Sociais, Escola Nacional de
Saúde Pública Sérgio
Arouca, Fundação Oswaldo
Cruz.
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Rezende M et al.
lização das ações, superando a dicotomia preven- como se configura na atualidade: o primeiro nível
tivo-curativo”. do sistema de assistência à saúde, articulado com
Em maio de 1987, após a 8ª CNS e antes da os demais, com o intuito de garantir maior acesso
criação do Sistema Único de Saúde, a Resolução aos cuidados e integralidade da atenção, consoan-
COFFITO nº 80, por meio de atos complementa- te a Declaração de Alma-Ata de que os cuidados
res, buscou ampliar as atribuições do fisioterapeuta primários “têm em vista os problemas de saúde da
expressas na Resolução nº 08/78, numa perspecti- comunidade, proporcionando serviços de promo-
va que procurou adequar a Fisioterapia ao novo ção, prevenção, cura e reabilitação, conforme as
momento do cenário sanitário brasileiro. necessidades7”.
Dentre as considerações da Resolução nº 80, A reabilitação, a partir dos anos oitenta, assu-
deve ser destacada a que alude ao objeto de estudo miu perspectiva diferente da adotada na medicina
e trabalho do fisioterapeuta: A fisioterapia é uma preventiva, que se encontra respaldada na história
ciência aplicada, cujo objeto de estudos é o movimen- natural das doenças. O documento “Programa de
to humano em todas as suas formas de expressão e Ação Mundial para Pessoas com Deficiência”, apro-
potencialidades, quer nas suas alterações patológicas, vado e divulgado pela Organização das Nações Uni-
quer nas suas repercussões psíquicas e orgânicas, com das em 1982, ressaltou que o direito dos “deficien-
objetivos de preservar, manter, desenvolver ou res- tes” (termo utilizado no documento) situava-se no
taurar a integridade de órgão, sistema ou função12. mesmo patamar de oportunidades dos demais ci-
Essa foi uma mudança essencial, porque o dadãos, ao afirmar que a eles também caberia “usu-
movimento é a forma de comunicação do indiví- fruir, em condição de igualdade, das melhorias nas
duo com o mundo externo, que acontece a partir condições de vida”. A novidade decorreu de uma vi-
da sua interação com o meio em que vive. Não há são abrangente e multidimensional, que compreen-
comunicação sem movimento: a fala produz-se a deu ações de reabilitação como treinamento e empo-
partir do movimento; a respiração só ocorre com werment do portador de necessidades especiais, in-
movimento; através do movimento, os indivíduos tervenções sociais amplas, adaptação do meio am-
expressam seus sentimentos e assumem posturas biente e proteção dos direitos do portador13.
diante dos desafios da vida. Assim, ao assumir o A discussão conceitual em relação ao portador
movimento como seu objeto, o fisioterapeuta ado- de necessidades especiais e à reabilitação levou à
tou uma perspectiva relacional, pensando o sujeito associação de dois componentes principais: o fun-
não apenas por suas características biológicas, mas cional e o social. Este enfoque influenciou, também,
também o considerando na sua dimensão social. a assistência em reabilitação daqueles que apresen-
Visto dessa forma, o fisioterapeuta deve atuar tam lesões transitórias e foi referida em uma das
em interação com outros profissionais, para me- considerações da citada Resolução nº 80/87, que
lhor compreender e poder interferir positivamen- apresentou a reabilitação como “uma proposta de
te, no sentido de ampliar e de tornar mais rica e atuação multiprofissional voltada para a recupera-
prazerosa a relação permanente do indivíduo com ção e o bem-estar bio-psico-social do indivíduo12”.
seu ambiente. Junto com os usuários dos serviços Afora a discussão do objeto do fisioterapeuta,
de saúde, deve refletir sobre o uso que eles fazem a possibilidade de trazer a reabilitação e o trata-
do próprio corpo nas suas relações com o espaço mento de distúrbios do movimento para o ambi-
e com outras pessoas e, a partir de então, promo- ente em que o indivíduo vive e desenvolve suas
ver ações visando à melhoria da qualidade de vida atividades – tornando-os mais eficientes, acessí-
no presente e para o futuro. Muito mais do que veis e prevenindo transtornos maiores para as pes-
tratar e reabilitar, o fisioterapeuta tem o encargo soas que convivem com algum problema – ratifi-
de agir na direção do desenvolvimento das poten- ca, sobremodo, o espaço que se abre para a Fisio-
cialidades do indivíduo para exercer suas ativida- terapia no primeiro nível da atenção.
des laborativas e da vida diária. Esse posiciona- Contudo, de acordo com os termos da Reso-
mento está diretamente relacionado ao que expli- lução nº 80/87, o ato do fisioterapeuta é, ainda,
cita a Resolução COFITTO nº 80/87: “Por sua for- restrito ao “processo terapêutico” e, portanto, à
mação acadêmico-profissional, pode o fisiotera- relação com a doença: “Baseando-se nas condi-
peuta atuar juntamente com outros profissionais ções psico-físico-social, [o fisioterapeuta] busca
nos diversos níveis da assistência à saúde, na ad- promover, aperfeiçoar ou adaptar, através de uma
ministração de serviços, na área educacional e no relação terapêutica, o indivíduo a uma melhor
desenvolvimento de pesquisas12”. qualidade de vida12”.
Esta consideração atesta o fisioterapeuta como Para melhor entendimento da questão, cabe
um profissional apto a atuar na atenção básica tal assinalar a relação observada entre transforma-
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A busca pela atenção integral à saúde assistência contínua, de qualidade, com menor
custo e em lugar e tempo certos.
O fundamento para a regionalização dos serviços e Em meados da década de noventa, a partir de
dos sistemas de serviços de saúde organizados em um acúmulo de experiências implementadas por
bases populacionais, juntamente com a moderna todo o país, com destaque para o Programa de
concepção de atenção primária à saúde, é encon- Agentes Comunitários de Saúde (PACS), o Progra-
tra-se no Relatório Dawson, de 1920, publicado no ma Saúde da Família (PSF) é adotado pelo governo
Reino Unido. No mesmo relatório, preconiza-se a federal como eixo estruturante da atenção básica
organização do sistema de serviços de saúde em no Sistema Único de Saúde. Hoje chancelado como
três níveis: os centros primários de atenção, os cen- estratégia Saúde da Família, o modelo apresenta,
tros secundários e os hospitais de ensino16. introduz e induz mudanças relevantes no processo
A determinação e abrangência da atenção pri- de trabalho em saúde, como resultado da transfor-
mária à saúde como doutrina universal, entretan- mação das Unidades Básicas de Saúde (UBS) em
to, ocorreu somente em 1978, na Conferência Inter- Unidades de Saúde da Família (USF)18.
nacional sobre Cuidados Primários de Saúde, rea- Ao contrário do modelo assistencial privatista,
lizada em Alma-Ata, a partir da qual a Organização no qual o profissional médico tem presença predo-
Mundial de Saúde começou a estabelecer estratégi- minante nas intervenções, ocasionando um papel
as para operacionalizar as metas então acordadas16. secundário aos demais profissionais que compõem
Dessa maneira, segundo a Declaração de Alma- a força de trabalho na saúde, a Saúde da Família
Ata, os cuidados primários de saúde representam o baseia-se, essencialmente, no trabalho das equipes18.
primeiro nível de contato dos indivíduos, da família Cabe a elas, entre outras atribuições: cadastrar to-
e da comunidade com o sistema nacional de saúde, das as famílias de uma determinada região, identi-
através do qual os cuidados de saúde são levados o ficar os problemas de saúde dessa população ca-
mais proximamente possível aos lugares onde pesso- dastrada, planejar suas ações dentro das necessida-
as vivem e trabalham, e constituem o primeiro ele- des locais, acompanhar os grupos mais vulnerá-
mento de um continuado processo de assistência à veis, realizar atendimentos de qualidade (agenda-
saúde7. dos previamente, por demanda espontânea nas
O Sistema Único de Saúde propõe que os servi- unidades ou em visita em domicílio), desenvolver
ços de saúde sejam organizados por níveis de aten- ações de educação e promoção da saúde e estabele-
ção. A Lei 8.080, de setembro de 1990, que regula as cer vínculos de compromisso e co-responsabilida-
ações e serviços de saúde no âmbito do Sistema, de com as pessoas da comunidade.
prevê que as ações devem ser desenvolvidas e or- Tais funções devem ser desempenhadas tanto
ganizadas em uma rede de serviços regionalizada e numa abordagem individual quanto coletiva. O
hierarquizada. A tecnologia utilizada nas ações deve profissional deve partir da premissa de que as alte-
ser adequada a cada nível, com mecanismos for- rações físicas ou mentais vivenciadas pelos indiví-
malizados de referência e contra-referência, visan- duos geram uma desarticulação de sua existência,
do ao atendimento integral da população. abalando e desestruturando a dinâmica de sua fa-
A atenção básica passa, então, a ser compreen- mília e dos demais grupos com os quais se relacio-
dida como “porta de entrada” para o sistema de nam e nos quais se encontram inseridos. É impres-
saúde, passando a ser defendida como o primeiro cindível perceber a multicausalidade dos proces-
nível do cuidado, representado por um conjunto sos mórbidos, contextualizando, sempre, o indiví-
de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, duo em seu ambiente19.
que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a Por outro lado, a relação e o vínculo dos pro-
prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a fissionais com os membros da comunidade, usuá-
reabilitação e a manutenção da saúde17. rios dos serviços, dá-se através de ações, reações e
Assim, por possuir capacidade de resolução em efeitos que geram novas situações e apresentam
relação a grande parte dos problemas de saúde da novos desafios num processo contínuo de busca
população, a atenção básica, se bem estruturada, por atenuar ou superar problemas e obstáculos20.
permite reduzir o fluxo de usuários para os níveis Aqui revela-se a complexidade do trabalho profis-
de maior densidade tecnológica, racionalizando o sional nesse primeiro nível da atenção5, visto que o
uso da tecnologia e dos recursos terapêuticos mais cumprimento de uma atividade integrada e coo-
caros e possibilitando maior acesso aos cuidados. perativa exige o desenvolvimento de um conjunto
A proposta, portanto, é viabilizar, a partir do pri- de novas competências21.
meiro nível do cuidado, a integração dos diversos No entanto, além de novas competências, o tra-
pontos de atenção à saúde, possibilitando uma balho profissional das equipes envolve, também,
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