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Maquinas de Imagem Arte Tecnologia e Pos PDF
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CESAR BAIO
mento de uma série de discussões, polêmicas e produções que gem, Cesar Baio nos pro-
se estendem pelo menos desde os anos 1960, mas que ganhou porciona uma acurada
leitura da condição con-
um contorno mais definido a partir do final do século XX: trata- temporânea, atualizando
se de um balanço do que significou o surgimento das tecno- as proposições desen-
logias digitais nos conceitos de cultura, arte, filosofia e modos volvidas por Vilém Flus-
de vida. O autor, Cesar Baio, atualiza as discussões anteriores ser sobre os aparelhos
colocadas por autores como Vilém Flusser, Edmond Couchot, técnicos de mediação.
Peter Weibel, Júlio Plaza, Lúcia Santaella e tantos outros que as Uma perspectiva teórica
consistente, radicada na
formularam num período imediatamente anterior, sobre como identificação das linhas
tudo se transforma quando se passa para uma existência digi- de forças singularizantes
tal, não apenas nas imagens, sons e textos, mas também na
MÁQUINAS DE IMAGEM
dos fenômenos culturais
condução do pensamento, dos novos comportamento e mo- contemporâneos, consi-
dos de produção e consumo, da vida contemporânea, enfim. derados a partir da leitu-
ra crítica das formulações
Ele analisa também uma seleção de novos criadores, nos mais ARTE, TECNOLOGIA E PÓS-VIRTUALIDADE conceituais predominan-
diversos campos das artes, que souberam tirar proveito não tes até o início dos anos
apenas das novas tecnologias, mas também das novas formas 1980, mas, igualmente
de sociabilidade e de economia política que se formaram ao decisivo, desde o ponto
redor delas. A ideia é pensar sobre o que podemos hoje ainda CESAR BAIO de vista da liberdade do
dizer mais sobre esse fenômeno e também captar as mudan- artista e do participante
ças que aconteceram nesse universo depois das análises dos implicados na aventu-
ra estética. A percepção
primeiros cientistas e artistas. Mas Baio não fica apenas na
MÁQUINAS DE IMAGEM
dos acontecimentos his-
citação de autores e obras. Ele também interfere na discussão tóricos, o pensamento
cesAr BAio é mestre e com suas ideias próprias e arrisca suas próprias opiniões sobre filosófico e a experiência
doutor em Comunicação o que está acontecendo exatamente agora. É um pensador no estética encontram-se
e Semiótica pela PUC-SP, legítimo sentido do termo, não apenas um repetidor de ideias entrelaçadas nas análises
onde realizou pesquisas empreendidas por Baio,
de caráter transdiscipli- alheias. E, além de pensador de peso, ele é também artista,
nar nos campos do ci- de modo a proporcionar
o que explica a facilidade com que ele transita no universo
nema, das artes visuais as condições de existên-
das poéticas contemporâneas. Enfim, trata-se de um livro que cia de um pensamento
e da tecnologia. Parte
deste trabalho foi reali- o leitor lerá com prazer (porque é literariamente bem escri- que se exerce orientado
zado durante seu está- to), mas no qual poderá entrar em contato com o pensamento pelo princípio do desafio
gio de pesquisa no Vi- mais avançado de hoje. e da superação, em diá-
lém Flusser Archive, na logo direto com a expe-
Universität der Künste, riência artística processu-
em Berlim, Alemanha. al, desencadeada a partir
Atualmente, é professor Arlindo MAchAdo das disposições singu-
do curso de Cinema e lares das imagens e dos
Audiovisual e do Progra- participantes, quando o
ma de Pós-Graduação
em Artes da Universi- que faz diferença são as
dade Federal do Ceará, relações instituídas no
onde coordena o actLAB encontro entre a obra e o
– Laboratório de Investi- seu ativador.”
gações em Arte, Ciência
e Tecnologia. Do Prefácio de
Antonio FAtorelli
MÁQUINAS DE IMAGEM
ARTE, TECNOLOGIA E PÓS-VIRTUALIDADE
MÁQUINAS DE IMAGEM
ARTE, TECNOLOGIA E PÓS-VIRTUALIDADE
CESAR BAIO
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Bibliotecária Juliana Farias Motta CRB7- 5880
ISBN: 978-85-391-0719-3.
CDD 302.2
Máquinas de imagem:
Arte, Tecnologia e Pós-virtualidade
Capa
Jeferson Santiago de França
Imagem de Capa
Surface tension; Rafael Lozano-Hemmer
Projeto e Produção
Coletivo Gráfico Annablume
Annablume Editora
Conselho Editorial
Eugênio Trivinho
Gabriele Cornelli
Gustavo Bernardo Krause
Iram Jácome Rodrigues
Pedro Paulo Funari
Pedro Roberto Jacobi
© Cesar Baio
Annablume Editora
Rua Dr. Virgílio de Carvalho Pinto, 554 . Pinheiros
05415-020 . São Paulo . SP . Brasil
Televendas: (11) 3539-0225 – Tel.: (11) 3539-0226
www.annablume.com.br
Para Doralice e Pedro.
AgrAdecimentos
13 Prefácio
Antonio Fatorelli
Antonio FAtorelli
1. Ainda que estes projetos possam ser superados daqui a certo tempo, eles já conquistaram um papel
de relevância na história da disseminação efetiva de conhecimento sobre tecnologias livres.
20 máquinas de imagem
2. O termo artemídia, em seu sentido amplo, é uma forma brasileira de interpretar (e de recortar) o
que é entendido pelo termo abrangente “media art”. A expressão em língua inglesa é usada ao redor
do mundo para se referir a um conjunto de práticas criativas que se utilizam das tecnologias para
produção, distribuição e consumo de imagens, textos, sons e outros modos de comunicação. Em-
bora muitas vezes seja relacionado à arte, de maneira geral, o termo é aplicado também em áreas
como design, propaganda, jogos eletrônicos, entretenimento, desenvolvimento de aplicativos etc.
No entanto, uma definição stricto sensu do termo, tal como sugerida por Arlindo Machado, é capaz
de conceituar a artemídia de um modo mais preciso. O conceito elaborado por Machado (2007: 7-8)
considera artemídia as propostas artísticas que não são apenas feitas com e para os meios de comu-
nicação, mas que, prioritariamente, problematizam, dialogam e produzem intervenções críticas na
mídia e nas diversas áreas da tecnologia e da ciência.
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3. Muitos dos seus textos utilizados neste trabalho permanecem não publicados. Estes textos foram
acessados durante um estágio de pesquisa no Vilém Flusser Archive, hospedado na Berlin Univer-
sity of the Arts (UDK) sob os cuidados de Siegfried Zielinski. Por isso, nas referências feitas a estes
textos aparece diretamente o nome do texto em questão.
cesar baio 23
Para estes artistas a tecnologia tornou-se uma linguagem poderosa para pensar
o mundo e a nossa condição em relação a ele. Para muitos, inclusive, operar no inte-
rior desses aparatos parece ser mesmo a maneira mais adequada para se posicionar
frente a um contexto cultural cujas transformações emergem de maneira dinâmica
nas dimensões abstratas que atravessam os sistemas de mediação contemporâneos,
sejam estes tomados por suas tecnologias, instituições ou discursos. Trabalhem eles
usando câmeras e programas disponíveis no mercado para outros fins que não os
da indústria do entretenimento, subvertendo as tecnologias existentes, intervindo no
fluxo de informação que circula nas redes ou, ainda, programando software e desen-
volvendo hardware, o que pode caracterizar este campo é, assim, o deslocamento da
produção artística para intervenções qualitativas e críticas nos aparatos técnicos de
mediação por meio das camadas abstratas que neles se sedimentam.
Atualizando as estratégias dos pioneiros da arte e tecnologia, alguns artistas
operam pela subversão de equipamentos analógicos como câmeras e projetores. Com
seus trabalhos, artistas como Anthony Mccall, Milton Marques e Julius von Bismarck
fazem repensar a lógica das máquinas de captura e exibição de imagens para além
das tecnologias empregadas. Por vezes, a inversão da lógica de funcionamento se
dá a partir da ressignificação de projetos abandonados, ideias interrompidas e dos
aparelhos obsoletos da chamada dead media, como em A Parallel Image (2009) de
Gebhard Sengmüller, White Noise (2007) de Žilvinas Kempinas e Visorama (2000),
de André Parente. Alguns artistas, no entanto, assumem explicitamente técnicas de
“raqueamento”, de circuit bending, de low tech e de gambiarra, tais como fazem Peter
Vogel, e, no Brasil, Jarbas Jácome, Ricardo Brazileiro, os coletivos Gambiologia e
O Grivo, entre outros. O trabalho desses artistas obriga a repensar tais mídias e, com
isso, lançam novas perspectivas para o exame de questões introduzidas pelas tecno-
logias mais recentes.
Estas questões são tratadas de outra perspectiva quando certos artistas passam a
operar com as chamadas novas mídias, surgidas a partir das tecnologias digitais. É isso
que acontece quando, por exemplo, artistas como Mark Napier, Joan Heemskerk, Dirk
Paesmans, Eva e Franco Mattes, Gilbertto Prado, Eduardo Kac e Giselle Beiguelman
subvertem a lógica de programação de sites, o funcionamento das redes de comuni-
cação e dos aplicativos on-line para colocar em discussão questões fundamentais do
universo das redes digitais, expondo suas fragilidades e questionando suas incoerên-
cias. Muitas vezes o curto-circuito entre o analógico e o digital se dá pelo simples
deslocamento de técnicas e instrumentos da indústria midiática, tal como o fazem
Gerald van der Kaap, Paul M. Smith e Helga Stein com os aplicativos de correção de
imagens fotográficas.
Em outros casos, a proposta de tomar a arte como um modo de pensar uma
cultura atravessada pelas tecnologias e pelos processos de mediação técnica não se dá
necessariamente por meio da fisicalidade das máquinas ou da virtualidade do softwa-
re, mas sim pela imaterialidade de aparatos muitos mais abstratos do que estes. Esses
24 máquinas de imagem
4. Apenas recentemente, graças à ação de um grupo de editores, a obra de Flusser vem sendo traduzida
mais sistematicamente.
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pensar (segundo quem o conheceu pessoalmente) eram, em todo o tempo, uma busca
de se esquivar da unanimidade, por meio de provocações, atravessamentos, desvios e
inversões. Nesse sentido, Flusser desvia seus argumentos da unicidade organizadora
do discurso unívoco para conformar seu pensamento como diálogo, no sentido mais
bakhtiniano no termo. Nada indica que ele tenha tido algum contato com a obra de
Mikhail Bakhtin; entretanto, uma análise do método que Flusser utiliza para elaborar
argumentos e formular questões revela uma estratégia baseada no entrechoque de
pensamentos independentes, de acordo com o que o pensador russo chamou de “poli-
fonia de vozes plenivalentes” (bAkHtin, 1997). De fato, esta não é uma coincidência.
Os pensamentos de Bakhtin e Flusser compartilham referências. Como se sabe, um
dos eixos conceituais de Flusser é a filosofia de Martin Buber, para quem a existência
humana é baseada no diálogo. Além de Buber, Ludwig Wittgenstein e Husserl, que
também aparecem como referência para Flusser, apresentam visões de mundo basea-
das no diálogo.
Este enfrentamento entre consciências plenas de poder, muitas vezes, é radi-
calizado ao máximo pela alternância entre pessimismo e otimismo. O que cria uma
ambiguidade capaz de desorientar qualquer leitor. Mas tal ambivalência é muito sig-
nificativa, pois representa a um só tempo a profunda recusa por determinismos de
qualquer ordem e sua concepção de mundo como uma complexidade inexplicável.
Elaboradas a partir desta estratégia precisamente articulada por Flusser, cada
curva do texto, cada inversão, lança o leitor para fora e o coloca de frente com a ma-
terialidade da escrita e com o caráter argumentativo das ideias apresentadas, abrindo
espaço para geração de suas próprias contra-argumentações, conexões, hipóteses e
conclusões. E, justamente, ao se revelar como estrutura é que o texto libera seu leitor.
A maneira como se estabelecem os conflitos entre ideias aparece como uma estratégia
para dar conta das complexidades e, principalmente, das ambiguidades do mundo to-
mado em sua total complexidade. Situar-se nessas curvas do pensamento flusseriano
é um verdadeiro desafio ao leitor e exige conhecer com certa latitude a genealogia de
tais pensamentos.
A sombrA dA noVidAde
“O novo é horrível, não por ser da forma que é e não por ser di-
ferente, mas por ser novo. (…) O novo é horrível e nós mesmos
somos o novo”. (Flusser, 1990: 168 apud ströHl, 2002: 1)
mações culturais, sociais e políticas que daí despontavam. Mas Flusser foi também
vítima do novo. Não apenas da novidade de sua perspectiva teórico-filosófica, como
mencionado, mas também porque, muitas vezes, seu pensamento foi vinculado aos
discursos ufanistas de pregação de certa revolução tecnológica que tiveram muito
destaque, nos anos 1990 principalmente. Como ressaltou Ströhl, (2000), muitas ve-
zes, Flusser foi tomado como uma figura cult do admirável mundo novo da mídia,
um profeta das tecnologias da informação ou, ainda, um pioneiro radical das novas
tecnologias do microchip, do monitor e do computador.
Grande parte dessa confusão se dá pela própria noção de novo, que pode ser
delimitada a partir de, pelo menos, duas diferentes perspectivas. A primeira trata o
novo como aquele que se opõe ao velho, ao antigo, ao passado, para proferir certa
ideologia da obsolescência. É este conceito de novo que se mantém à frente do ideal
que impulsiona, de uma maneira ou de outra, toda a ideia de modernidade vista em
certos discursos artísticos que ganharam força no século XX e que hoje é reformulada
e deslocada para as campanhas publicitárias das empresas de tecnologia.
Em oposição a esta concepção está aquela disseminada a partir das teorias da
informação, para as quais o novo se opõe não ao velho ou ao obsoleto, mas ao re-
dundante. Segundo esta concepção, algo novo surge de operações feitas dentre algo
conhecido. Estas operações se dão como processos de associações entre dados ou
informações já conhecidas, de modo que destas surja algo da ordem do ainda não
conhecido, do não redundante, da invenção. Tal concepção, assumida nas análises de
Flusser para dar conta do contexto cultural pós-histórico por ele identificado, parte de
uma perspectiva que foge à linearidade causal do pensamento histórico, de modo a
colocar em crise categorias como a do antigo, do velho ou do ultrapassado.
Esta originalidade, que marca não apenas suas teorias, mas também seu estilo
lúdico e dialógico de filosofar, inspira esta pesquisa a olhar para o cenário contempo-
râneo da arte de um ponto de vista particular, entendendo este como um dos poucos
terrenos em que ainda é possível jogar em busca de um diálogo sensível com o outro.
Neste trabalho, em particular, esta maneira de ver a arte contemporânea permite iden-
tificar propostas que expandem o campo formal das imagens e sons produzidos com
meios técnicos para a materialidade do espaço, do corpo, das tecnologias e das redes
de comunicação. Esta, que poderia ser tomada como uma arte dos aparatos técnicos
audiovisuais, reúne uma série de práticas que assumem as tecnologias de mediação
como campo de experimentação em busca de novos regimes de imagem, operando
através de uma especulação criativa incessante que visa, sobretudo, estabelecer ou-
tras políticas de sensibilidade e outras formas de conhecimento.
O capítulo que se segue leva a frente algumas questões referentes justamente
às relações que estas práticas e estes artistas estabelecem com a tecnologia e com a
sociedade. Como o estágio atual de automatização, fetichização e inserção da tecno-
logia no cotidiano, na economia, na sociabilidade impulsionam as práticas artísticas
a se repensar? Como os artistas têm se posicionado em relação a estas questões? De
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