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Módulo 1 Volume 3

Adilson Gonçalves
Luiz Manoel Figueiredo

Álgebra I

Z
MDC MDC MDCA B MDC MDC
C
A B

C
A B

MMC MMC MMC MMC


.
Álgebra I
Volume 3 – Módulo 1 Adilson Gonçalves
Luiz Manoel Figueiredo

Apoio:
Fundação Cecierj / Consórcio Cederj
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Adilson Gonçalves
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eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Fundação.

G635a
Gonçalves, Adilson.
Álgebra I. v. 3 / Adilson Gonçalves; Luiz Manoel Figueiredo. – Rio de
Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009.
52p.; 21 x 29,7 cm.

ISBN: 85-7648-329-7

1. Álgebra. 2. Teorema de Fermat. 2. Função de Euler. 3. Equações


diofantinas. 4. Sistemas lineares. 5. Teorema chinês. I. Figueiredo, Luiz
Manoel. II. Título.

CDD: 512
2009/2
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Governo do Estado do Rio de Janeiro

Governador
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.
Álgebra I Volume 3 – Módulo 1

SUMÁRIO Aula 13 – Pequeno teorema de Fermat __________________________________ 3


Adilson Gonçalves / Luiz Manoel Figueiredo

Aula 14 – A função φ (phi) de Euler_____________________________________ 9


Adilson Gonçalves / Luiz Manoel Figueiredo

Aula 15 – As equações diofantinas lineares _____________________________ 19


Adilson Gonçalves / Luiz Manoel Figueiredo

Aula 16 – A equação diofantina pitagórica x2 + y2 = z2 ___________________ 25


Adilson Gonçalves / Luiz Manoel Figueiredo

Aula 17 – Equações de congruências__________________________________ 33


Adilson Gonçalves / Luiz Manoel Figueiredo

Aula 18 – Sistemas lineares de congruências: o teorema chinês do resto________ 43


Adilson Gonçalves / Luiz Manoel Figueiredo
Pequeno teorema de Fermat
AULA 13

Aula 13 – Pequeno teorema de Fermat

Objetivos
• Apresentar o teorema de Fermat.

Introdução
Nesta aula estudaremos o pequeno teorema de Fermat ou, simples-
mente, teorema de Fermat, que essencialmente diz que todo primo ı́mpar p
divide q p − q onde q é um inteiro qualquer.
Os chineses, desde a antiguidade, já conheciam esta afirmação quando
q = 2. Por exemplo,

p = 3 −→ 3 divide 23 − 2 = 8−2= 6 Não confunda este teorema


5 de Fermat com o chamado
p = 5 −→ 5 divide 2 − 2 = 32 − 2 = 30 “último teorema de Fermat”
p = 7 −→ 7 divide 27 − 2 = 128 − 2 = 126 demonstrado apenas
recentemente (1995), de que,
a equação xn + y n = z n , com
No entanto, foi Fermat quem demonstrou a afirmação p|q p − q, para q n ≥ 3, não tem solução com
inteiro qualquer. x, y, z inteiros não-nulos.

Atividade: Escolha alguns valores de p, primo, e q inteiro qualquer e verifique


que p divide q p − q.

Demonstração do teorema de Fermat


Vamos fazer esta demonstração por indução. O teorema diz que p divide
q p − q, isto é,
q p ≡ q (mod p)
para todo primo p e q inteiro.
Vamos usar a seguinte propriedade P (n):

P (n) : np ≡ n (mod p) .

Claramente P (1) é verdadeira (alguma dúvida?). Vamos mostrar que


P (n) =⇒ P (n + 1). Com isto, pelo teorema de indução finita, teremos
provado que P (n) é verdadeira para todo n ∈ Z. A partir daı́, provaremos
que q p ≡ q (mod p), para todo inteiro q. Vamos então provar a hipótese de
indução
P (n) =⇒ P (n + 1) .

3 CEDERJ
Pequeno teorema de Fermat
Algebra 1

Suponha que P (n) seja verdadeiro, isto é,

np ≡ n (mod p) .

Para provarmos que (n + 1)p ≡ n + 1 (mod p), vamos usar o binômio de


Newton. ! ! !
n + 1 . Note que cada termo
p p p
(n + 1)p = np + np−1 + np−2 + · · · +
1 2 p−1
!
p
i
, i = 1, · · · , p − 1 é um múltiplo de p, portanto:
! ! !
p p p−1 p p−2 p
n + n + n + ··· + n +1 ≡ np + 1 (mod p)
1 2 p−1
| {z }
A fórmula de binômio de múltiplo de p
Newton
! é:
(a + b)p = ap +
p
1
q p−1 b + logo,
(n + 1)p ≡ np
!
p
2
q p−2 b2 + · · · + (mod p) ≡ n + 1 (mod p)
!
p
p−1
q 1 bp−1 + bp . isto é, onde usamos a hipótese de indução np ≡ n (mod p).
p !
X p p−i i
(a + b)p =
i=0
i
a b
Portanto, P (n + 1) é verdadeiro. Pelo teorema de indução finita, P (n)
é verdadeiro para todo n natural, isto é,

np ≡ n (mod p) ,

para todo n ≥ 1.
Para concluir a demonstração, temos que cuidar do caso
p
q ≡ q (mod p), com q inteiro negativo.
Bem, se q < 0 então, evidentemente, (−q) > 0. Assim, q ∈ Z e q < 0,
então o resultado vale para (−q), isto é,

(−q)p ≡ (−q) (mod p) .

Se p é primo ı́mpar, então

(−q)p = (−1)p · q p = −q p

assim,

(−q)p ≡ (−q) (mod p) =⇒ −q p ≡ −q (mod p) =⇒ q p ≡ q (mod p) .

Se p é primo par, então p = 2. Mas o caso p = 2 é bastante simples de


2
ser verificado, pois 0 e 1 são todas as classes (mod 2) e vale que 0 = 0 e
2
1 = 1.

Concluı́mos a prova do pequeno teorema de Fermat. Em seguida, pro-


varemos uma outra versão, ligeiramente diferente, do mesmo teorema.

CEDERJ 4
Pequeno teorema de Fermat
AULA 13

Segunda versão do teorema de Fermat


Nossa primeira versão do teorema de Fermat diz que q p ≡ q (mod p),
para todo inteiro q. Vamos agora considerar dois casos:

i. Se p divide q então p | q p , logo q p ≡ q ≡ 0 (mod p), isto é,


a afirmação q p ≡ q (mod p) é, no fundo, trivial, pois diz apenas que
0 ≡ 0 (mod p).

ii. Se p não divide q então mdc(q, p) = 1, pois p é primo, logo existe


inverso de q mod p, isto é, existe inteiro b tal que ab ≡ 1 (mod p).
Multiplicando ambos os lados de q p ≡ q (mod p) por b, obtemos

q p b ≡ qb (mod p) =⇒ q p−1 (qb) ≡ qb (mod p)

como qb ≡ 1 (mod p), então, substituindo na equação acima, resulta

q p−1 ≡ 1 (mod p) .

Resumindo, podemos dividir o teorema de Fermat em dois casos, se p


divide q então a afirmação q p ≡ q (mod p) é trivial e, se p não divide q então

qp ≡ q (mod p) =⇒ q p−1 ≡ 1 (mod p) .

Provamos, portanto, que


Teorema 1 (teorema de Fermat - Segunda versão)
Se p é primo e q é um inteiro que não é divisı́vel por p então

q p−1 ≡ 1 (mod p) .

Aplicação do teorema de Fermat


Uma aplicação muito interessante do teorema de Fermat é a deter-
minação da classe de q n mod p, onde p é primo e p não divide q.
A idéia aqui é que, se fizermos a divisão do expoente n por p − 1:

n = (p − 1)q + r

então
q n = q q(p−1)+r = q r · q q(p−1) = q r (q p−1 )q .
Como q p−1 ≡ 1 (mod p) então

q n = q r (q p−1 )q ≡ q r · 1q ≡ q r (mod p) .

5 CEDERJ
Pequeno teorema de Fermat
Algebra 1

Mas 0 ≤ r < p−1 (resto da divisão de n por p−1). Assim, q r é uma potência
possivelmente muito menor que q n .

Exemplo 1
Encontre o resto da divisão de 24514 por 7.
Solução:
Dividindo 4514 por 7-1=6, obtemos

4514 = 6 × 752 + 2 .

Portanto,
24514 = 26×752+2 = 22 (2b )752 ≡ 22 (mod 7)

onde usamos 2b ≡ 1 (mod 7).


Assim, o resto da divisão de 24514 por 7 é 22 = 4.

Exemplo 2
Vamos mostrar que 270 + 370 é divisı́vel por 13.
Solução:
Vamos verificar o resto de 270 e 370 por 13 usando o teorema de Fermat.

70 = 5 × 12 + 10

e, logo
270 = 25×12+10 = 210 (212 )5 ≡ 210 (mod 13) .

Analogamente, 370 ≡ 310 (mod 13).


Para calcular 210 mod 13, podemos usar, por exemplo, 25 = 32 ≡ b (mod 13).
Assim,

210 ≡ 25 × 25 ≡ b × b (mod 13) ≡ 3b (mod 13) ≡ 10 (mod 13) .

Para calcular 310 mod 13 podemos usar 33 = 27 ≡ 1 (mod 13). Assim,

310 = (33 )3 · 31 ≡ 3 × 13 ≡ 3 (mod 13) .

Portanto,
270 + 370 ≡ 10 + 3 ≡ 13 ≡ 0 (mod 13) .

Logo, 13 divide 270 + 370 .

CEDERJ 6
Pequeno teorema de Fermat
AULA 13

p sendo primos de Fermat

Uma outra aplicação muito interessante do teorema de Fermat é como


teste de primalidade, isto é, um processo que permite determinar se um dado
inteiro é ou não primo.
O processo funciona assim: sabemos que, se p é primo, então
p−1
q ≡ 1 (mod p), onde p não divide q.
Portanto, dado inteiro n se encontrarmos uma base q tal que
n−1
q 6≡ 1 (mod n) então podemos dizer com certeza que n é composto.
Mas, e se acontecer de q n−1 ≡ 1 (mod n). Isto prova que n é primo?
Leibnitz pensava que sim. Ele usava a base q = 2 como teste de primalidade.
Na verdade, o fato de q n−1 ≡ 1 (mod n) não implica em que n seja
primo.
Por exemplo, com n = 341 e q = 2, temos

2341−1 = 2340 ≡ 1 (mod 341) ,

mas 341 = 11 × 31 não é primo.


Assim, este teste permite identificar números compostos, mesmo que
não saibamos fatorá-los, mas não permite provar que um inteiro seja primo.
Se é assim, então qual a sua utilidade? Ela é útil porque acerta bem mais do
que erra. Vou explicar melhor.
Se bn−1 ≡ 1 (mod n), mas n não é primo, dizemos que n é pseudoprimo
para a base b. Por exemplo, 341 é um pseudoprimo para a base 2.
O teste descrito acima é muito útil porque há muito mais primos que
pseudoprimos. Por exemplo, entre 1 e 106 existem 78498 números primos,
mas somente 245 pseudoprimos para a base 2.
Portanto, se um inteiro n passa no teste para a base 2 então é muito Sabe-se que para cada base q
existem infinitos inteiros n
provável que seja primo. O teste pode ser melhorado se testarmos várias
que são pseudoprimos para a
bases. Por exemplo, usando bases 2 e 3 podemos aumentar em muito a base q.

probabilidade de que um inteiro n que passe no teste seja primo.


R.D. Carmichael foi o
O problema é que existem inteiros que não são primos e que passam no primeiro matemático que
teste para qualquer base. Estes inteiros são chamados números de carmichael. mostrou que estes números
existem.
O menor número de carmichael é 561.

7 CEDERJ
Pequeno teorema de Fermat
Algebra 1

Resumo
Nesta aula vimos o pequeno teorema de Fermat. Na verdade, vimos
duas versões bem próximas deste teorema.
Vimos duas aplicações: como um meio de obter a classe q n mod p,
e como “teste” de primalidade.
Vimos que se um inteiro passa pelo teste com várias bases então é
um primo com forte probabilidade. Se falha o teste então certamente é um
composto.

Exercı́cios:
1. Mostre que se p é um primo e a e b são inteiros então

(a + b)p ≡ ap + bp (mod p) .

2. Calcule o resto da divisão de

a) 3200 por 13
b) 52530 por 7

3. Use o teorema de Fermat para provar que para todo inteiro n, o número

n3 + (n + 1)3 + (n + 2)3

é divisı́vel por 9.

4. O que são pseudoprimos? mostre que 341 é pseudoprimo para a base


2, mas não é pseudoprimo para a base 3.

CEDERJ 8
A função φ (phi) de Euler
AULA 14

Aula 14 – A função φ (phi) de Euler

Objetivos
• Escrever a definição da função phi de Euler e calcular φ(n), para qual-
quer inteiro n;

• Listar as principais propriedades desta função.

Leonhard Euler (1707 -


Introdução 1783) foi um matemático e
fı́sico suı́ço. Muitos
consideram ele e Gauss os
Nesta aula estudaremos a função phi de Euler que recebe este nome em
maiores matemáticos que
homenagem ao matemático suı́ço Euler que foi quem primeiro estudou esta existiram.
Euler foi um dos primeiros a
função.
aplicar o cálculo à Fı́sica.
Essa função também é conhecida como função totiente. Seu nome se pronuncia
“óiler” e não “euler”.

Definição
Definição 1
Para qualquer inteiro positivo n, definimos φ(n) como o número de inteiros Lembre-se que o sı́mbolo #
positivos menores que n e coprimos com n. indica a cardinalidade
(o número de elementos de)
Em outras palavras, um conjunto.

φ(n) = #{x ∈ Z | 1 ≤ x < n e mdc(x, n) = 1}

Exemplo 3
Seja n = 12. Os inteiros positivos menores que 12 e coprimos com 12 são
1, 5, 7 e 11. Assim, φ(12) = 4.

φ(12) = #{1, 5, 7, 11} = 4 .

Exemplo 4
Seja n = 15. Os inteiros positivos menores que 15 e coprimos com 15 são
1, 2, 4, 7, 8, 11, 13 e 14. Assim, φ(15) = 8.

φ(15) = #{x ∈ Z | 1 ≤ x < 15 e mdc(x, 15) = 1}


= #{1, 2, 4, 7, 8, 11, 13, 14} = 8 .

9 CEDERJ
A função φ (phi) de Euler
Algebra 1

Atividade: Verifique que φ(20) = 8 e φ(25) = 20.

Observe que φ(1) = 1 (segue-se da nossa definição).


A tabela abaixo mostra os valores da função φ(n) para os 20 primeiros
inteiros positivos.

n 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20
φ(n) 1 1 2 2 4 2 6 4 6 4 10 4 12 6 8 8 16 6 18 8

Primeiras propriedades: φ(p) e φ(pα )


Vamos demonstrar algumas propriedades que permitirão calcular φ(n)
para qualquer inteiro n, usando-se a decomposição de n em fatores primos.
Vamos começar determinando φ(p) para p primo.

Lema 1
Se p é um primo então
φ(p) = p − 1 .

Demonstração: Por definição, φ(p) é o número de inteiros positivos x menores


que p e coprimos com p. Mas, como p é primo, todo inteiro x, 1 ≤ x < p − 1
é coprimo com p. Assim, φ(p) = p − 1.

Observe essa propriedade na tabela acima:

φ(2) = 2−1=1
φ(3) = 3−1=2
φ(5) = 5−1=4
φ(7) = 7−1=6
..
.

O próximo passo é generalizar essa propriedade determinando o valor


da função em potências de primos, isto é, φ(pα ).

Proposição 1
Seja p primo. Então vale que

φ(pα ) = pα − pα−1 = pα−1 (p − 1)

onde n é um inteiro positivo qualquer.

CEDERJ 10
A função φ (phi) de Euler
AULA 14

Demonstração: Temos que contar quantos inteiros entre 1 e pα são coprimos


com pα . Faremos isso de uma maneira indireta: contaremos quantos inteiros
entre 1 e pα não são coprimos com pα .
Teremos:

φ(pα ) = pα −#{não coprimos com pα } (∗)


| {z } |{z}
coprimos com pα números de inteiros entre 1 e pα

E quem são os inteiros que não são coprimos com pα ? como p é primo, se
mdc(x, pα ) 6= 1, então x deve conter o fator primo p, isto é, p divide x. Por
outro lado, se p | x então, evidentemente, mdc(x, pα ) 6= 1.
Assim, os inteiros não coprimos com pα são exatamente os múltiplos de
p. A questão então é: quantos múltiplos de p existem entre 1 e pα ?
Os múltiplos de p entre 1 e pα são:

1p, 2p, 3p, · · · , pα−1 · p = pα .

Existem, portanto, pα−1 múltiplos de p entre 1 e pα .


Voltando à equação (∗), obtemos

φ(pα ) = pα − pα−1 = pα−1 (p − 1)

Exemplo 5
Temos que φ(9) = 6 pois, os inteiros 1, 2, 4, 5, 7 e 8 são coprimos com 9.
Usando o teorema obtemos:

φ(9) = φ(3α ) = 3α−1 (3 − 1) = 3 × 2 = 6 .

Exemplo 6

φ(125) = φ(53 ) = 53−1 (5 − 1) = 52 · 4 = 100 .

Atividade: Encontre φ(16), φ(25) e φ(49).

Outra propriedade: φ(mn) com mdc(m, n) = 1


Falta ainda uma propriedade para que passemos calcular φ(n) a partir
da decomposição de n em fatores primos.
Desta vez vamos iniciar com alguns exemplos.

11 CEDERJ
A função φ (phi) de Euler
Algebra 1
Exemplo 7
• φ(3) = 2; φ(4) = 2 e

φ(3 × 4) = φ(12) = 4 = 2 × 2 = φ(3) × φ(4) .

• φ(3) = 2 e φ(5) = 4. Temos que

φ(3 × 5) = φ(15) = 8 = 2 × 4 = φ(3) × φ(5) .

• φ(6) = 2 e φ(2) = 1 mas,

φ(2 × 6) = φ(12) = 4 6= φ(6) × φ(2) .

Veja que nos dois primeiros exemplos vale que φ(mn) = φ(m) × φ(n) mas,
isso não se verificou no terceiro. O que deu errado? o que os dois primeiros
exemplos têm em comum é que se trata de φ(mn), com m e n coprimos.
Veja:
φ(3 × 4) = φ(3) × φ(4)
onde 3 e 4 são coprimos e

φ(3 × 5) = φ(3) × φ(5)

onde 3 e 5 são coprimos.


No terceiro exemplo, 2 e 6 não são coprimos.
Atividade: Faça você mesmo mais alguns exemplos de φ(mn), com m e n
coprimos. Você encontrará φ(mn) = φ(m) × φ(n) em todos eles.
Provaremos a seguinte
Proposição 2
Se m e n são coprimos então

φ(mn) = φ(m) · φ(n) .

Demonstração: Sejam m e n inteiros positivos tais que mdc(m, n) = 1 e


sejam
Sm = {x ∈ Z | 1 ≤ x < m e mdc(x, m) = 1}
Sn = {x ∈ Z | 1 ≤ x < n e mdc(x, n) = 1}
Smn = {x ∈ Z | 1 ≤ x < mn e mdc(x, mn) = 1}
Queremos mostrar que #Smn = (#Sm ) · (#Sn ), pois φ(mn) = #Smn ,
φ(m) = #Sm e φ(n) = #Sn . O que vamos fazer é definir uma função

f : Smn −→ Sm × Sn ,

CEDERJ 12
untos
e que
× #B. A função φ (phi) de Euler
AULA 14

isto é, uma função f de Smn no produto cartesiano Sm × Sn . Observe que


#(Sm × Sn ) = #Sm × #Sn .
Em seguida, mostraremos que f : Smn −→ Sm × Sn é bijetiva quando
mdc(m, n) = 1 e, portanto,

#Smn = #(Sm × Sn ) = (#Sm ) × (#Sn ) =⇒ ϕ(mn) = ϕ(m) × ϕ(n) ,

quando mdc(m, n) = 1.
Em resumo, o nosso plano é definir uma função f : Smn −→ Sm × Sn
e mostra que ela é bijetiva se mdc(m, n) = 1. Vamos em frente então!

• A função f :
Definimos
f : Smn −→ Sm × Sn

x 7−→ x, x
onde x ≡ x (mod m) e x ≡ x (mod n).
Esta definição merece alguns esclarecimentos: se x ∈ Smn então
mdc(x, mn) = 1. Portanto, x não tem fatores primos em comum
com mn, logo x não tem fatores comuns com m ou com n, isto é,
mdc(x, m) = mdc(x, n) = 1.
Pode ser que x > m mas x ≡ x, com 1 ≤ x ≤ m. Como mdc(x, m) = 1
então mdc(x, m) = 1 (prove isto!), logo 1 ≤ x ≤ m e mdc(x, m) = 1,
isto é, x ∈ Smn . Assim, existe x ∈ Sm tal que x ≡ x (mod m).
Analogamente, existe x ∈ Sn tal que x ≡ x (mod n). Assim, nossa
definição da função f faz todo o sentido.

• f é injetiva:
Vamos mostrar, por contradição, que f é injetiva. Suponha que não
seja e suponha que existem x, y ∈ Smn tais que f (x) = f (y), isto é,

(x mod m, x mod n) = (y mod m, y mod n) =⇒ x ≡ y (mod m)


e x ≡ y (mod n) (∗)

Suponha que x > y (o caso y > x é análogo). Temos

1 ≤ y, x < mn (pois x, y ∈ Smn ) .

Logo
0 ≤ x − y < mn .

13 CEDERJ
A função φ (phi) de Euler
Algebra 1

De (∗) concluı́mos que x − y ≡ 0 (mod m) e x − y ≡ 0 (mod n) o que


implica m | x − y e n | x − y, isto é, x − y é múltiplo comum de m e n.
Portanto, x − y é múltiplo de mmc(m, n) = mn. Daı́ resulta uma con-
tradição, x − y não pode ser múltiplo de mn, uma vez que
0 ≤ x − y < mn.

• f é sobrejetiva:
Seja (a, b) ∈ Sm × Sn . Devemos encontrar um x ∈ Smn tal que
f (x) = (a, b), isto é,

x≡a (mod m) e x ≡ b (mod n) (∗∗)

Note que, caso exista tal x, teremos

x≡a (mod m) =⇒ x = a + km

para algum k ∈ Z e

Lembre-se que
x≡b (mod n) =⇒ x = b + ln
mmc(m, n) · mdc(m, n) =
= m · n. Se m e n são para algum l ∈ Z.
primos entre si então
mdc(m, n) = 1, logo Igualando as duas equações temos
mmc(m, n) = m · n.

a + km = b + ln =⇒ a − b = ln = km .

Portanto, para encontrarmos x, podemos começar expressando a−b em


termos de n e m. Lembre-se que, como mdc(m, n) = 1 então existem
k 0 , k 00 ∈ Z tais que
1 = k 0 m + k 00 n .
Multiplicando por a − b:

a − b = (a − b)k 0 n + (a − b)k 00 n
a − (a − b)k 00 m = b + (a − b)k 0 n .
| {z } | {z }
k l

Logo existem k, l ∈ Z tais que

a + km = b + ln .

Seja x0 = a + km = b + ln. Então,

x0 = a + km =⇒ x0 ≡ a (mod m)
x0 = b + ln =⇒ x0 ≡ b (mod n) .

CEDERJ 14
A função φ (phi) de Euler
AULA 14

Assim, x0 atende às congruências (∗∗).


O único problema é que x0 pode ser grande demais para estar em Smn ,
isto é, poderı́amos ter x0 > mn. Se este for o caso, seja x tal que
x0 ≡ x (mod mn) e 1 ≤ x ≤ mn.
Como x0 ≡ x (mod mn) então x ≡ x0 ≡ a (mod m). Logo
x ≡ a (mod m) e x ≡ b (mod n) e x ≡ x0 ≡ b (mod n) e, 1 ≤ x ≤ mn.
Resta apenas mostrar que mdc(x, mn) = 1.
Como a e m não tem fatores comuns (pois a ∈ Smn ) e x ≡ a (mod m)
então x e m não tem fatores comuns.
Analogamente, como b e n não tem fatores comuns (pois b ∈ Sn ) e
x ≡ (mod n) então x e n não tem fatores comuns.
Portanto, x e mn não tem fatores comuns (porque x não os tem com
m e com n), isto é, mdc(x, mn) = 1.
Com isto, conseguimos encontrar um x ∈ Smn tal que x ≡ (mod m) e
x ≡ b (mod n) o que completa a demonstração de que f é sobrejetiva.

Demonstramos que f : Smn −→ Sm × Sn é bijetiva e, portanto,


ϕ(mn) = ϕ(m) · ϕ(n) se mdc(m, n) = 1.

Exemplo 8
a) ϕ(20) = ϕ(4 × 5) = ϕ(4) · ϕ(5) = 2 × 4 = 8.
b) ϕ(30) = ϕ(5 × 6) = ϕ(5) · ϕ(6) = ϕ(5) · ϕ(2) · ϕ(3) = 4 × 1 × 2 = 8.

Atividade: Encontre ϕ(100) e ϕ(600).

Juntando tudo
Aplicando as propriedades da função ϕ(m) que demonstramos ante-
riormente, podemos calcular ϕ(n) a partir da decomposição de n em fatores
primos.
Provemos que ϕ(mn) = ϕ(m) · ϕ(n) se mdc(m, n) = 1. Podemos
facilmente estender este resultado:
Proposição 3
Se N1 , N2 , · · · , Nr são inteiros positivos dois a dois primos entre si então

ϕ(N1 · N2 · N3 · ... · Nr ) = ϕ(N1 ) · ϕ(N2 ) · ... · ϕ(Nr ) .

15 CEDERJ
A função φ (phi) de Euler
Algebra 1

Demonstração: Basta aplicar a proposição anterior sucessivamente:


ϕ(N1 · N2 · N3 · ... · Nr ) = ϕ(N1 ) · ϕ(N2 · N3 · ... · Nr ), pois mdc(N1 , N2 , · · · , Nr ) = 1
= ϕ(N1 ) · ϕ(N2 ) · ϕ(N3 · ... · Nr ), pois mdc(N2 , N3 , · · · , Nr ) = 1
..
.
= ϕ(N1 ) · ϕ(N2 ) · ... · ϕ(Nr ) .

Seja agora N = pα1 1 · pα2 2 · ... · pαr r , onde p1 , · · · , pr são primos distintos.
Os termos pα1 1 , pα2 2 , ..., pαr r são dois a dois primos entre si. Logo
ϕ(N ) = ϕ(pα α2 αr α1 α2 αr
1 · p2 · ... · pr ) = ϕ(p1 ) · ϕ(p2 ) · ... · ϕ(pr ) .
1

Mas,  
α α α−1 α 1
ϕ(p ) = p − p =p 1− .
p
Logo,      
1 1 1
ϕ(N ) = pα
1
1
1 − · p α2
2 · 1 − · ... · p αr
r 1 − .
p1 p2 pr

Reordenando os termos do produto obtemos:


     
1 1 1
ϕ(N ) = (pα
1
1
· pα
2
2
· ... · pα
r )
r
· 1− · 1− · ... · 1 −
| {z } p1 p2 pr
=N
     
1 1 1
ϕ(N ) = N · 1 − · 1− · ... · 1 − .
p1 p2 pr

Podemos escrever esta expressão de uma forma mais sintética como:


Y  1

ϕ(N ) = N · 1− .
p|N
p
p primo
Q
O sı́mbolo indica o produto e p | N , p primo, sob o sı́mbolo, indica
„ «
que os fatores do produto são os termos 1 − 1 , onde tomamos todos os
p
primos p divisores de N .

Exemplo 9
Tomemos N = 120.
Fatorando 120, obtemos
120 = 23 × 3 × 5 .
Assim,
     
1 1 1 1 2 4
ϕ(120) = 120 · 1 − · 1− · 1− = 120 · · · = 32 .
2 3 5 2 3 5

Equivalentemente, poderı́amos fazer


ϕ(120) = ϕ(23 ×3×5) = ϕ(23 )·ϕ(3)·ϕ(5) = 23−1 (2−1)×(3−1)×(5−1) = 4×2×4 = 32 .

CEDERJ 16
A função φ (phi) de Euler
AULA 14

Resumo
Nesta aula definimos a função ϕ de Euler e obtivemos duas propriedades
desta função que permitem calcular rapidamente o valor de ϕ(N ) e partir da
decomposição de N em fatores primos.
Na próxima aula veremos um teorema muito importante que envolve a
função ϕ(N ): o teorema de Euler.

Exercı́cios
1. Calcule ϕ(N ) para os seguintes valores de N :
a) N = 200

b) N = 500

c) N = 22 × 35 × 74

d) N = (20)5

2. Verifique, para N = 12, N = 15 e N = 20, que vale a fórmula


X
ϕ(d) = n .
d|n

Por exemplo, para N = 12, os divisores positivos são {1, 2, 3, 4, 6, 12}.


A fórmula seria:
X
ϕ(d) = n =⇒ ϕ(1) + ϕ(2) + ϕ(3) + ϕ(4) + ϕ(6) + ϕ(12) = 12
d|12

que é uma sentença verdadeira (verifique!).


Verifique que a fórmula também vale para N = 15 e N = 20.
Na verdade, pode-se demonstrar que esta fórmula vale para todo n
inteiro positivo.

17 CEDERJ
As equações diofantinas lineares
AULA 15

Aula 15 – As equações diofantinas lineares

Meta:
Apresentar o conceito de equações diofantinas e discutir soluções intei-
ras das equações diofantinas lineares.

Objetivos
• Definir o conceito de equações diofantinas e equações diofantinas line-
ares;

• determinar condições necessárias e suficientes para existência das equações


diofantinas lineares;

• resolver, quando possı́vel, equações diofantinas lineares em duas variáveis.

Introdução

O estudo das equações polinomiais com coeficientes inteiros e suas


possı́veis soluções inteiras se reporta aos gregos, no século III d.C.
Diophantes de Alexandria foi o primeiro a tratar sistematicamente des-
sas equações, discutindo existência de suas soluções inteiras e procurando
calcular essas soluções. Por isso, essas equações especiais são chamadas de
equações diofantinas. E entendido que nessas equações estamos interessados
em discutir a existência e a possı́vel determinação de suas soluções inteiras
(as vezes também soluções racionais). Em geral, esse é um problema que
pode ser muito difı́cil de se atacar com sucesso. Uma dada equação diofan-
tina pode não possuir soluções inteiras, como pode também possuir infinitas
soluções inteiras. Por exemplo, x2 + y 2 = 3 não possui soluções inteiras,
x2 + y 2 = 2 possui quatro soluções inteiras (±1, ±1), enquanto que a equação
x2 + y 2 = z 2 possui infinitas soluções inteiras (x, y, z).
Nessa aula, discutiremos a existência e, quando possı́vel, calculare-
mos todas as soluções das equações diofantinas lineares em duas variáveis,
ax + by = c.

As equações diofantinas lineares

Sejam a1 , a2 , · · · , an inteiros não nulos, e seja c um dado número inteiro.

19 CEDERJ
As equações diofantinas lineares
Algebra 1

A equação a1 x1 + a2 x2 + · · · + an xn = c é chamada equação diofantina


linear em n variáveis x1 , x2 , · · · , xn .
O subconjunto S ⊆ Zn = Z
| ×Z×
{z· · · × Z} de todas as n-uplas inteiras
n vezes
(r1 , r2 , · · · , rn ) ∈ Zn , que satisfazem a equação a1 x1 + a2 x2 + · · · + an xn = c
(isto é, a1 r1 + a2 r2 + · · · + an rn = c) é chamado de conjunto solução dessa
equação diofantina linear.
Primeiramente estamos interessados em dar condições necessárias e su-
ficientes para que o conjunto S seja não vazio (isto é, exista solução para a
dada equação diofantina linear). A seguinte proposição responde a pergunta
anterior.
Sejam a1 , a2 , · · · , an inteiros não nulos e seja d ≥ 1, onde
d = mdc(a1 , a2 , · · · , an ) e, seja S o conjunto solução da equação diofantina li-
near a 1 x1 +
+a2 x2 + · · · + an xn = c.
Proposição 1

S 6= ∅ ⇐⇒ d é divisor de c .

Primeiramente observamos que o Teorema 2, da Aula #6, pode ser


generalizado com o seguinte enunciado:

Lema 2 (generalização do Teorema 2 da Aula #6)


Za1 + Za2 + · · · + Zan = Zd , (d ≥ 1) ⇐⇒ d = mdc(a1 , a2 , · · · , an ) . Em
particular, se mdc(a1 , a2 , · · · , an ) = 1 então existem inteiros s1 , s2 , · · · , sn
tais que:
s1 a01 + s2 a02 + · · · + sn a0n = 1 ,
e nessa situação, tem-se:

Za01 + Za02 + · · · + Za0n = Z .

Assumindo o Lema 1 como verdadeiro, vamos então demonstrar a Pro-


posição 1.

Demonstração:
(=⇒) Assume S 6= ∅. Vamos mostrar que d | c (isto é, d é divisor de c).
De S 6= ∅ segue que existe uma solução (b1 , b2 , · · · , bn ) para a equação
diofantina linear a1 x1 +a2 x2 +· · ·+an xn = c.Assim, a1 b1 +a2 b2 +· · ·+an bn = c.
Agora, d | a1 , · · · , an =⇒ d | c .

CEDERJ 20
As equações diofantinas lineares
AULA 15

(⇐=) Assume que d | c . Vamos provar que S 6= ∅.

d = mdc(a1 , · · · , an ) =⇒ d | a1 , · · · , an .

a a a c
Sejam a01 = 1 , a02 = 2 , · · · , a0n = n (todos inteiros) e c0 = ∈ Z . Como
d d d d
d = mdc(a1 , a2 , · · · , an ) segue que mdc(a01 , a02 , · · · , a0n ) = 1. Daı́ segue que:

Za01 + Za02 + · · · + Za0n = Z ,

e daı́ segue que existem inteiros s1 , s2 , · · · , sn tais que

s1 a01 + s2 a02 + · · · + sn a0n = c0 .

Multiplicando por d, temos:

s1 a1 + s 2 a2 + · · · + s n an = c ,

e, portanto, (s1 , s2 , · · · , sn ) ∈ S é uma solução da equação diofantina linear


a1 x1 + a2 x2 + · · · + an xn = c, e S 6= ∅ completando a demonstração da
Proposição 1.

Atividade:

1. Defina a noção de mdc(a1 , a2 , · · · , an ) e demonstre o Lema 1, usado na


demonstração da Proposição 1.

2. Reescreva a demonstração da Proposição 1 para equações diofantinas


lineares ax + by = c, em duas variáveis x e y.

As equações diofantinas lineares em duas variáveis


Agora vamos desenvolver os estudos para analisar as equações diofan-
tinas lineares ax + by = c, em duas variáveis x e y, com a, b 6= 0.
Seja S o conjunto solução (inteiras) de ax + by = c. Pela Proposição 1,
anteriormente demonstrada, temos que:

“O conjunto solução S de ax + by = c é não vazio


se, e somente se, d | c ”, onde d = mdc(a, b) .

21 CEDERJ
As equações diofantinas lineares
Algebra 1

Em seguida, responderemos a seguinte pergunta, onde d = mdc(a, b).


Caso S seja não vazio, como descrever todas as soluções inteiras (x, y)
da equação diofantina linear ax + by = c?

Proposição 2
Seja (x0 , y0 ) ∈ S uma solução particular de ax + by = c. Então S possui
infinitas soluções (x, y) ∈ Z2 , e todas as soluções podem ser descritas em
equações paramétricas inteiras do seguinte modo:
 b

 x = x0 −
 t
d
 a

 y = y0 + t
d
com t ∈ Z .

Demonstração: Primeiramente vamos verificar que os pares (x, y) ∈ Z2 ,


descritos por x = x0 − db t e y = y0 + ad t (t ∈ Z) são soluções de ax + by = c.
De fato,
     
b a ab ba
ax + by = a x0 − t + b y0 + t = (ax0 + by0 ) + − t+ t = c +0 = c.
d d d d

Agora, seja (x, y) ∈ S uma solução genérica de ax+by = ce, seja (x0 , y0 ) ∈ S
uma dada solução particular de ax + by = c. Assim,
(
ax + by = c
ax0 + by0 = c

Diminuindo essas igualdades temos:

a(x − x0 ) + b(y − y0 ) = 0 ,

ou seja,
a(x − x0 ) = (−b)(y − y0 ) .
a b
Seja a0 = e b0 = , onde d = mdc(a, b).
d d
Portanto teremos:

a0 (x − x0 ) = −b0 (y − y0 ) = 0 ,

onde mdc(a0 , b0 ) = 1. Assim, a0 | (y − y0 ) e −b0 | (x − x0 ) e temos:

x − x0 y − y0
0
= = t ∈ Z.
−b a0

CEDERJ 22
As equações diofantinas lineares
AULA 15

Daı́ segue que:


  
0 b


 x = x 0 + (−b )t = x 0 + − t
 d
 

 0 a
 y = y0 + (a )t = y0 +
 t
d
com t ∈ Z como querı́amos demonstrar.

Observação
ab
Seja d = mdc(a, b) e m = mmc(a, b). Sabemos que = m, daı́ segue que
d
b m a m
= e = . Portanto, na Proposição 2, anterior, poderı́amos descrever
d a d b
as soluções (x, y) de ax + by = c do seguinte modo:
 m
 x = x0 − a t

 y=y +mt

0
b
com t ∈ Z .
Exemplo 10
Determine o conjunto S de todas as soluções da equação diofantina linear
12x + 18y = 30.
Solução:
Seja d = mdc(12, 18) = 6. Como d = 6 é divisor de c = 30, temos que o
conjunto solução S é não vazio.
De fato, (x0 , y0 ) = (1, 1) ∈ S é uma solução particular da equação 12x+18y =
30. Assim, o conjunto S de todas as soluções inteiras de 12x + 18y = 30 é
dado por: (x, y) ∈ S:

 x = 1 − 18 t = 1 − 3t

6
 12
 y = 1+ t = 1 + 2t
6

Atividade:

1. Discuta a existência de soluções inteiras da equação diofantina linear


ax = c em uma variável x (a 6= 0 e c inteiros).

2. Resolva, se possı́vel, a equação diofantina 10x + 25y = 20.

23 CEDERJ
As equações diofantinas lineares
Algebra 1

( (x, y) ∈ S das soluções inteiras das


3. Interprete graficamente o conjunto
(a) 12x + 18y = 30
seguintes equações diofantinas .
(b) 10x + 25y = 20

4. Em geral, determinar as soluções de equações diofantinas lineares em


mais de duas variáveis é mais complicado do que em apenas duas
variáveis.
Por exemplo, mostre que (x, y, z) ∈ Z3 descritas parametricamente, em
Z, abaixo, são soluções da equação diofantina 2x + 3y + 5z = 0.

 x = α + 5r

y = α + 5s


z = −α − 2r − 3s

com α, r, s ∈ Z .
(Observe que (α, α, −α) é uma solução).

Resumo
Nesta aula, introduzimos métodos que nos permitem discutir existência
e cálculo de soluções de equações diofantinas lineares. No caso de duas
variáveis, demos a partir de uma solução particular de ax + by = c, uma
descrição paramétrica inteira de todos as soluções inteiras de ax + by = c.

CEDERJ 24
A equação diofantina pitagórica x2 + y 2 = z 2
AULA 16

Aula 16 – A equação diofantina pitagórica


x2 + y 2 = z 2

Meta:
Apresentar a equação diofantina x2 +y 2 = z 2 como um modelo quadrático
contendo infinitas soluções.

Objetivos
• Determinar todas as infinitas soluções inteiras da equação quadrática
diofantina x2 + y 2 = z 2 , em três variáveis x, y e z.

Introdução
As equações diofantinas vem fascinando muitos matemáticos ao longo
de muitos séculos e, um desses matemáticos, foi Pierre de Fermat (1601-
1665), jurista francês, que dedicava grande parte do seu tempo disponı́vel ao
estudo de problemas de Matemática.
Fermat, estudando os escritos de Diophantus, na página onde se tratava
das equações pitagóricas x2 + y 2 = z 2 e suas soluções inteiras, anotou na
margem da página a seguinte afirmação:

“A equação xn + y n = z n , para n > 2,


não possui soluções inteiras não nulas x, y e z”,

e escrevia em seguida que tinha descoberto “uma verdadeiramente maravi-


lhosa demonstração para esta afirmação, mas que a margem era demasiada-
mente estreita para contê-la”.
É senso comum que, de fato, Fermat não possuı́a qualquer demons-
tração daquela afirmação que se convencionou chamar de “o último teorema
de Fermat”, um dos mais celebrados desafios na Matemática em todos os
tempos.
As tentativas para demonstrar esse teorema, foram muitas e, de fato,
deram origem a criação de importantes e belas teorias na Matemática como,

25 CEDERJ
A equação diofantina pitagórica x2 + y 2 = z 2
Algebra 1

por exemplo, a teoria dos anéis e ideais, com destaque para o matemático
alemão E.Kummer, no sec XIX.
Algumas soluções particulares desse teorema foram apresentadas, como
por exemplo, para n = 3 (Euler), n = 4 (Fermat, Leibnitz e Euler) e n = 5
(Dirichilet e Legendre) e para alguns valores de n (primos regulares), por
E.Kummer.
Em 1993, quase 300 anos após a formulação de Fermat, e após a contri-
buição de muitos matemáticos, o matemático inglês Andrew Wiles, anunciou
a demonstração do chamado “último teorema de Fermat”.
Em 1993, aos 40 anos de idade, Andrew Wiles relatou o que sentiu ao
ter tomado conhecimento do grande desafio legado por Fermat: “Parecia tão
simples e, no entanto, nenhum dos grandes matemáticos da história conse-
guira resolvê-lo. Ali estava um problema que eu, menino de 10 anos, podia
entender e a partir daquele momento nunca o deixaria escapar”.
Nessa aula trataremos da equação diofantina pitagórica x2 + y 2 = z 2
e suas infinitas soluções inteiras.

A equação diofantina x2 + y 2 = z 2
Estamos interessados em descrever o conjunto S de todas as soluções
inteiras S = (a, b, c) da equação x2 + y 2 = z 2 .
Assim, S pode ser descrito por:

S = {(a, b, c) ∈ Z × Z × Z | a2 + b2 = c2 } .

Observação
É fácil verificar as seguintes afirmações:
a. (0, ±b, ±b) e (±a, 0, ±a) ∈ S, ∀a, b ∈ Z
b. Se (a, b, c) ∈ S então (±a, ±b, ±c) ∈ S
c. Se k ∈ Z e (a, b, c) ∈ S então (±ka, ±kb, ±kc)

Definição 1
Seja (a, b, c) ∈ S. Dizemos que (a, b, c) ∈ S é uma solução reduzida se
mdc(a, b) = 1 com a, b, c positivos.

Pelas observações anteriores temos que se (a, b, c) ∈ S é uma solução


reduzida então (±ka, ±kb, ±kc) ∈ S, ∀ k ∈ Z .
Em seguida provaremos que todas as soluções (a, b, c) ∈ Z3 de x2 +

CEDERJ 26
A equação diofantina pitagórica x2 + y 2 = z 2
AULA 16

y 2 = z 2 com ab 6= 0 são expressas da forma acima, em função das soluções


reduzidas.
Proposição 1
Seja (a, b, c) ∈ S, com ab 6= 0. Então existe solução reduzida (a0 , b0 , c0 ) e existe
k ∈ Z tal que (a, b, c) é uma das soluções descritas por (±ka0 , ±kb0 , ±kc0 ).

Demonstração: Seja (a, b, c) ∈ S, com ab 6= 0. Assim, a2 + b2 = c2 com a e b


não nulos. Como (s)2 = (−s)2 para todo s ∈ Z temos que |a|2 + |b|2 = |c|2
e (|a|, |b|, |c|) ∈ S com |a|, |b| > 0.
Seja d = mdc(|a|, |b|). Assim, d ≥ 1. Se d = 1, temos que
(|a|, |b|, |c|) ∈ S é uma solução reduzida e, nesse caso, (a, b, c) é uma das
soluções (±a, ±b, ±c) e a Proposição 2 é verdadeira tomando k = 1. Assim,
podemos assumir d ≥ 2.
|a| |b|
Sejam a0 e b0 definidos por a0 = e b0 = . Sabemos que a0 e b0 são
d d
inteiros positivos e que mdc(a0 , b0 ) = 1.
Agora,

|a|2 + |b|2 = |c|2 =⇒ d2 ((a0 )2 + (b0 )2 ) = |c|2

e, portanto, d2 | |c|2 .
Como d2 | |c|2 , segue, pelo teorema fundamental da aritmética, que
|c|
d também divide |c|. Seja c0 o inteiro positivo definido por c0 = . Assim,
d
d2 ((a0 )2 +(b0 )2 ) = d2 (c0 )2 , (a0 )2 +(b0 )2 = (c0 )2 e (a0 , b0 , c0 ) é solução reduzida.
Portanto, (a, b, c) é uma das soluções (±|a|, ±|b|, ±|c|) e como
|a| = da0 , |b| = db0 e |c| = dc0 temos que existe k = d tal que (a, b, c) é
uma das soluções (±da0 , ±db0 , ±dc0 ) e isto demonstra a Proposição 2 com
(a0 , b0 , c0 ) solução reduzida.

Proposição 2
Seja (a, b, c) ∈ S uma solução reduzida. Então

mdc(a, b) = mdc(a, c) = mdc(b, c) = 1 .

Demonstração: Pela definição de solução reduzida, temos a, b, c > 0 e


mdc(a, b) = 1.
Sejam d1 = mdc(a, c) e d2 = mdc(b, c). Vamos provar que d1 = d2 = =
1.

27 CEDERJ
A equação diofantina pitagórica x2 + y 2 = z 2
Algebra 1

Seja p1 ≥ 2 um primo dividindo d1 . Assim, p1 | a e p1 | c. Agora,

a2 + b2 = c2 =⇒ b2 = c2 − a2 .

Como p1 | a e p1 | c temos que p21 | b2 e daı́ segue que p1 | b e, portanto,


p1 | mdc(a, b) = 1, uma contradição. Daı́, segue que d1 = 1. Analogamente
temos que d2 = 1.

Agora, vamos calcular todas as soluções reduzidas (a, b, c) de x2 + y 2 =


= z 2 . A partir dessas soluções reduzidas, temos que o conjunto de todas as
soluções inteiras de x2 + y 2 = z 2 será a união de todas as soluções dos tipos

(±a, 0, ±a), (0, ±b, ±b), ∀ a, b ∈ Z .

e (±ka, ±kb, ±kc), com (a, b, c) solução reduzida e para todo k ∈ Z.

Teorema 1
O conjunto de todas as soluções reduzidas (a, b, c) de x2 + y 2 = z 2 pode ser
descrito do seguinte modo:
 
 a = rs  s2 − r 2

 
 a=


 2 2


 2

 s −r 

b= b = rs
2 ou

 



 s2 + r 2 

 s2 + r 2

 c = 
 c =
 2  2

com r < s inteiros positivos ı́mpares.

Demonstração: Sejam a, b, c > 0 inteiros e (a, b, c) uma solução reduzida


x2 + y 2 = z 2 .
Inicialmente, vamos provar o seguinte:

Lema 3
c deve ser ı́mpar, e temos duas possibilidades?

(i) a ı́mpar, b par e c ı́mpar ou,

(ii) a par, b ı́mpar e c ı́mpar.

CEDERJ 28
A equação diofantina pitagórica x2 + y 2 = z 2
AULA 16

Demonstração: Primeiramente, vamos demonstrar que c deve ser ı́mpar.


Assume, por contradição, que c = 2t é um inteiro par. Portanto,
c2 = 4t2 ≡ 0 (mod 4) é um par, múltiplo de 4.
Como a solução é reduzida temos, pela Proposição 3, que mdc(a, c) =
= mdc(b, c) = 1. Daı́, segue que terı́amos a = 2k + 1 e b = 2s + 1 ı́mpares.
Agora a2 + b2 = c2 nos diz que:

(2k + 1)2 + (2s + 1)2 = 4t4 ≡ 0 (mod 4) .

Mas,
4k 2 + 4k + 1 + 4s2 + 4s + 1 ≡ 2 (mod 4) .

Uma contradição. Portanto c é ı́mpar, em qualquer solução reduzida (a, b, c).


Como a soma de dois números inteiros ı́mpares (ou dois inteiros pares)
é sempre par, temos que em uma solução reduzida (a, b, c) uma das duas vale:

 a = ı́mpar

(i) (a, b, c), com b = par


c = ı́mpar

ou

 a = par

(ii) (a, b, c), com b = ı́mpar .


c = ı́mpar
Como na situação (ii) apenas trocamos os papéis de a e b, vamos resolver
calculando todas as soluções reduzidas (a, b, c), com a ı́mpar, b par e c ı́mpar.
Depois trocamos os papéis de a e b.
A partir de agora, seja (a, b, c) uma solução reduzida de x2 + y 2 = z 2 ,
com a ı́mpar, b par e c ı́mpar.
Agora vamos provar um lema:

Lema 4

mdc(c − b, c + b) = 1 .

Demonstração: Assume d = mdc(c − b, c + b) e suponhamos d ≥ 2. Seja


p ≥ 2 um primo tal que p | d.
Agora, (c − b) e (c + b) ı́mpares nos diz que p ≥ 3 é ı́mpar.

a2 + b2 = c2 =⇒ a2 = c2 − b2 = (c − b)(c + b) .

29 CEDERJ
A equação diofantina pitagórica x2 + y 2 = z 2
Algebra 1

Como p | (c − b) e p | (c + b) temos que p | a2 . Agora, p primo nos diz que


p | a.
Agora, (
c − b = rp
c + b = sp
nos dá 2c = (r + s)p. Como p ≥ 3 é ı́mpar, segue que p | c.
Portanto, p | a e p | c. Uma contradição pois, pela Proposição 3, temos
mdc(a, c) = 1.
Portanto d = mdc(c − b, c + b) = 1. Daı́ segue que a2 = c2 − b2 =
= (c − b)(c + b) com mdc(c − b, c + b) = 1.
Como a é ı́mpar, temos pelo teorema fundamental da aritmética que
(c − b) e (c + b) são inteiros quadrados ı́mpares.
Digamos que existem r, s inteiros ı́mpares tais que c−b = r 2 e c+b = s2
com |s| > |r|.
Portanto, temos que existem r, s inteiros ı́mpares tais que

s2 − r 2 s2 + r 2
b= >0 e c= >0 (s2 > r 2 ) .
2 2
Como a2 = (c − b)(c + b) = r 2 s2 temos que a = |r| · |s| > 0 com r, s ı́mpares.
Assim, as soluções reduzidas com a ı́mpar são as seguintes:



 a = |r| · |s|




 |s|2 − |r|2
b=
2




 |s| + |r|2
2

 c=


2

com |r| > 0, |s| > 0 inteiros ı́mpares com |s| > |r|.
As soluções reduzidas com a par e b ı́mpar são dadas por:

 |s|2 − |r|2

 a =


 2


b = |r| · |s|




 |s|2 + |r|2

 c =
 2

com |r| > 0, |s| > 0 inteiros ı́mpares com |s| > |r| e isto demonstra o teore-
ma 1.

CEDERJ 30
A equação diofantina pitagórica x2 + y 2 = z 2
AULA 16

Observação
As soluções reduzidas (a, b, c) ∈ S da equação pitagórica x2 + y 2 = z 2 pode-
riam ainda ser apresentadas de uma outra forma. Vamos ver como podemos
apresentar essa nova forma das soluções reduzidas.
Como 0 < r < s são números ı́mpares na descrição paramétrica (inteira)
apresentada no teorema 1, podemos então introduzir os inteiros m e n tais
que: (
s + r = 2m
(∗)
s − r = 2n
(observe que s ± r é par).
Daı́, segue que (s + r)(s − r) = 4mn, ou seja,

s2 − r 2
= 2mn (1)
2

Mas resolvendo o sistema (∗) temos s = m+n e r = m−n, com m > n.


Daı́ segue que

s2 + r 2 (m + n)2 + (m − n)2
= = m2 + n2 (2)
2 2
e
rs = (m + n)(m − n) = m2 − n2 (3)

Portanto, utilizando essa nova parametrização inteira, teremos a des-


crição de todas as soluções reduzidas (a, b, c) ∈ S da equação pitagórica
através de 
2 2
 a=m −n

b = 2mn


c = m 2 + n2
com m > n inteiros, onde m e n são distintas paridades, pois a e c são
ı́mpares ou 
 a = 2mn

b = m 2 − n2


c = m 2 + n2
com m e n inteiros de distintas paridades.

Atividades:

31 CEDERJ
A equação diofantina pitagórica x2 + y 2 = z 2
Algebra 1

1. Seja a = pq, onde p e q são primos ı́mpares com q > p. Mostre que:
q 2 − p2 q 2 + p2
(i) a = pq, b = e c= é uma solução inteira reduzida de
2 2
x2 + y 2 = z 2 .
(ii) Aplique a fórmula acima para os seguintes valores de p e q:

a) p = 3 < 5 = q
b) p = 5 < 7 = q

2. Sejam d e c inteiros positivos tais que d2 | c2 . Mostre que d | c.

3. Mostre que: dado um número inteiro positivo a ≥ 3 sempre existe


inteiros positivos b e c tais que a2 + b2 = c2 .

Resumo
Nessa aula, apresentamos as equações diofantinas pitagóricas
x2 + y 2 = z 2 correlacionadas com o mais famoso desafio da Matemática:
“o último teorema de Fermat”, e apresentamos uma forma de apresentar
todas as soluções inteiras (a, b, c) dessa equação.

CEDERJ 32
Equações de congruências
AULA 17

Aula 17 – Equações de congruências

Meta:
Apresentar as equações de congruências do tipo ax ≡ b (mod n).

Objetivos
• Discutir a existência de soluções inteiras das equações de congruências
ax ≡ b (mod n);

• resolver, quando possı́vel, equações de congruências;

• utilizar congruências para discutir a existência de certas equações dio-


fantinas.

Introdução
Equações de congruências são equações onde o sı́mbolo = de igualdade
é substituı́do pelo sı́mbolo ≡ (mod n), de congruência módulo n.
Equações de congruências são muitas vezes utilizadas para discussão e
determinação de soluções inteiras de equações diofantinas.
Estudaremos nessa aula as equações de congruências lineares do tipo
ax ≡ b (mod n).
Estamos interessados em descrever todos os inteiros x ∈ Z, se existirem,
que satisfaçam a equação de congruência ax ≡ b (mod n). Assim, resolver
uma equação de congruência é descrever todas as suas soluções inteiras.

As equações de congruências ax ≡ b (mod n)


Seja n > 0 um dado inteiro e sejam a, b ∈ Z com a 6= 0. Vamos discutir
a existência de soluções inteiras x ∈ Z que satisfazem a congruência ax ≡ b
(mod n).
Observe que x ∈ Z satisfaz a congruência ax ≡ b (mod n) se, e somente
se, existir t ∈ Z tal que

(ax − b) = tn ⇐⇒ ∃ t ∈ Z tal que ax = b + tn .

33 CEDERJ
Equações de congruências
Algebra 1

Assim, a congruência pode ser vista como uma igualdade mais um múltiplo
de n
Nas equações usuais (estudadas no ensino médio) do tipo ax = b, com
a, b ∈ Z e a 6= 0, nem sempre possui soluções inteiras. De fato, a solução
x = ab será inteira (e única) apenas se “a for divisı́vel por b”. Se “a não for
divisı́vel por b” então não existe solução inteira da equação ax = b.
Quando trabalhamos com a congruência ≡ (mod n), em vez da igual-
dade =, na equação ax ≡ b (mod n) o contexto é diferente. Nessa última si-
tuação, pode não existir solução (inteira) de ax ≡ b (mod n), como também
pode existir infinitas soluções inteiras. De fato, vamos ver mais adiante
que : “se a congruência ax ≡ b (mod n) possui uma solução x = x0 ∈ Z
então possui infinitas soluções do tipo x = x0 + tn para todo t ∈ Z” .
Antes de demonstrarmos algumas proposições vamos analisar dois
exemplos.

Exemplo 11
A equação de congruência 2x ≡ 1 (mod 4) não possui soluções inteiras.
Solução:
De fato, suponhamos que x0 ∈ Z é uma solução. Assim, 2x0 ≡ 1 (mod 4), o
que nos diz que: existe t ∈ Z tal que (2x0 − 1) = 4t. Mas isto é um absurdo
pois, (2x0 − 1) é ı́mpar e é igual a 4t que é um inteiro par.

Exemplo 12
A equação 2x ≡ 1 (mod 7) possui infinitas soluções inteiras.
Solução:
Seja S ⊂ Z o conjunto de todas as soluções inteiras da equação de congruência
2x ≡ 1 (mod 7). Vamos determinar S, mostrando que S é um conjunto
infinito.
De fato, como 4 × 2 = 8 ≡ 1 (mod 7) temos que: resolver 2x ≡ 1 (mod 7),
multiplicando por 4, temos

8x ≡ x ≡ 4 (mod 7) ,

e, assim,
S = {x ∈ Z | x ≡ 4 (mod 7)} .

Mas, x ≡ 4 (mod 7) se, e somente se, existe t ∈ Z tal que

x = 4 + 7t ⇐⇒ x ∈ Z.7 + 4 .

CEDERJ 34
Equações de congruências
AULA 17

Portanto, nesse caso, o conjunto S de todas as soluções inteiras de 2x ≡ 1


(mod 7) é dado por:

S = Z.7 + 4 = {x = 4 + 7k | k ∈ Z} .

Em particular, vemos que S é um conjunto com infinitas soluções inteiras.

Atividades:

1. Verifique que as seguintes equações de congruências não possuem soluções


inteiras:

(i) 4x ≡ 5 (mod 6)
(ii) 6x ≡ 8 (mod 9)

2. Determine o conjunto S ⊂ Z de todas as soluções das seguintes con-


gruências:

(i) 3x ≡ 2 (mod 5)
(ii) 5x ≡ 4 (mod 7)
(iii) 4x + 7 ≡ 10 (mod 9)

3. Você conseguiria descobrir por que razão as equações de congruências


do ı́tem 1 não possuem soluções?

Observação
No exemplo 2 vimos que mesmo que a equação usual 2x = 1 não possua
solução inteira, a equação de congruência 2x ≡ 1 (mod 7) possui infinitas
soluções dadas por

S = Z.7 + 4 = {4 + 7k | k ∈ Z} .

No contexto geral se uma equação de congruência ax ≡ b (mod n)


possui uma solução particular x0 ∈ Z então x = x0 + kn para todo k ∈ Z,
também será solução da equação. Para isso, basta substituir:

ax = a(x0 + kn) = ax0 + akn .

Mas x0 , sendo solução particular, satisfaz a congruência ax ≡ b (mod n) e


portanto, existe t ∈ Z tal que ax0 = b + tn.

35 CEDERJ
Equações de congruências
Algebra 1

Substituindo, teremos

ax = ax0 + akn = (b + tn) + akn = b + (t + ak)n =⇒ ax ≡ b (mod n) .

Agora seja dada a equação de congruência ax ≡ b (mod n) com a 6= 0


e seja S o subconjunto de Z de todas as soluções inteiras dessa equação.
Definição 1
S ⊂ Z é chamado de o conjunto solução da equação ax ≡ b (mod n).

O conjunto S pode ser ∅, como vimos no exemplo 1, ou pode ser infinito


como vimos no exemplo 2.
É natural perguntarmos: Quando é que S 6= ∅? A seguinte proposição
faz a primeira abordagem sobre essa questão.
Proposição 1
Seja d = mdc(a, n). Então S 6= ∅ se, e somente se, d | b (d é também divisor
de b).

Demonstração: Seja d = mdc(a, n).


(=⇒) Assumir primeiramente que o conjunto solução S, da equação de con-
gruência ax ≡ b (mod n) seja não vazio.
Assim, existe x0 ∈ S, uma solução inteira da equação ax ≡ b (mod n).
Portanto, existe t ∈ Z tal que ax0 = b + tn. Como d | a e d | n, segue que d
deve também dividir b = ax0 + (−t)n.
(⇐=) Agora vamos assumir que d | b e vamos exibir uma solução x0 ∈ S
(portanto S 6= ∅).
Como d | a, d | b e d | n, podemos definir os números inteiros a0 = a ,
d
b0 = b e n 0 = n .
d d
Agora, pode-se verificar diretamente dividindo a, b e n por d, que:

ax ≡ b (mod n) ⇐⇒ a0 x ≡ b0 (mod n0 ) .

Assim, resolver a equação de congruência, módulo n, ax ≡ b (mod n) é


equivalente a resolver a equação de congruência módulo n0 , a0 x ≡ b0 (mod n0 )
de equação de congruência reduzida.
Como resolver ax ≡ b (mod n) é equivalente a resolver a equação re-
duzida a0 x ≡ b0 (mod n0 ), vamos apresentar uma metodologia de exigir uma
solução x0 dessa última equação reduzida. Mais ainda, após apresentar uma

CEDERJ 36
Equações de congruências
AULA 17

solução particular x0 da equação reduzida, vamos provar que S = Z.n0 + x0 ,


isto é, o conjunto solução de ax ≡ b (mod n) que é o mesmo de a0 x ≡ b0
(mod n0 ) é infinito e expresso por S = Z.n0 + x0 .
Como mdc(a0 , n0 ) = 1 sabemos que existem inteiros r e s tais que
ra0 + sn0 = 1. Determinado o inteiro r, vamos provar que x0 = rb0 é uma
solução particular de a0 x ≡ b0 (mod n0 ).
De fato, de ra0 + sn0 = 1, multiplicando por b0 temos:

ra0 b0 + sn0 b0 = b0 .

Assim, a0 (rb0 )b0 + (−sb0 )n0 e isto nos diz que a0 (x0 ) ≡ b0 (mod n0 ) onde
x0 = rb0 é solução particular de a0 x ≡ b0 (mod n0 ).
Portanto, achando r, como acima, temos x0 = rb0 , solução particular,
e portanto, existe t ∈ Z tal que a0 x0 = b0 + tn0 .
Agora, seja x ∈ S uma solução geral de a0 x ≡ b0 (mod n0 ). Assim,
existe k ∈ Z tal que a0 x = b0 + kn0 . Mas, a0 x0 = b0 + tn0 , daı́ segue que

a0 (x − x0 ) = (k − t)n0 .

Portanto, n0 é um divisor de a0 (x − x0 ). Como mdc(a0 , n0 ) = 1, segue,


pelo teorema fundamental da aritmética, que n0 deve ser divisor de (x − x0 ).
Portanto, (x − x0 ) é múltiplo de n0 e temos que x ∈ Z.n0 + x0 .
Como Z.n0 + x0 ⊂ S, por verificação direta, vemos que o conjunto
solução S é igual ao conjunto Z.n0 + x0 como querı́amos demonstrar.

Agora vamos ver um exemplo.


Exemplo 13
Determinar o conjunto solução S da equação de congruência

12x ≡ 18 (mod 21) .

Solução:
Primeiramente vamos testar se S é não vazio.
Temos que d = mdc(a, n) = 3. Como d = 3 divide 18 = b, temos pela
proposição anterior que S 6= ∅.
Agora vamos determinar S. A equação reduzida a0 x ≡ b0 (mod n0 ) é a se-
guinte: a0 = 12 = 4, b0 = 18 = 6 e n0 = 21 = 7. Então 4x ≡ 6 (mod 7).
3 3 3

37 CEDERJ
Equações de congruências
Algebra 1

Como mdc(a0 , n0 ) = mdc(4, 7) = 1 então existem r = 2 e s = 1 tal que

ra0 + sb0 = 2 × +(−1) × 7 = 1 .

Pela Proposição 1, x0 = rb0 = 2 × 6 = 12 é uma solução particular de


congruência 12x ≡ 18 (mod 21) ou, equivalentemente, de 4x ≡ 6 (mod 7).
Como 12 ≡ 5 (mod 7), podemos escolher x0 = 5 como solução particular da
nossa equação de congruência módulo n0 = 7.
Pela Proposição 1, o conjunto solução S pode ser descrito por:

S = Z.n0 + x0 = Z.7 + 5 = {x = 5 + 7k | k ∈ Z} .

Portanto, a solução da equação de congruência módulo 21 está dada, em


função da congruência módulo 7: S = Z.7 + 5.

E se quiséssemos dar uma outra resposta usando congruências módulo


21, como poderı́amos descrever o conjunto S?
As soluções x dadas acima são da forma x = 5 + 7t. Como 21 = 7 × d =
= 7 × 3, podemos demonstrar t ∈ Z em d = 3 categorias: t = 3k (múltiplo
de d = 3); t = 3k + 1 ou t = 3k + 2. Substituindo em x = 5 + 7t obtemos as
respostas módulo 21:

 5 + 21k
 se t = 3k
x = 5 + 7t = 5 + 7(3k + 1) = 12 + 21k se t = 3k + 1


5 + 7(3k + 2) = 19 + 21k se t = 3k + 2

Portanto, podemos dar uma descrição, alternativa, para o conjunto


solução S, em função da congruência original módulo 21.
[ [
S = Z.21 + 5 • Z.21 + 12 • Z.21 + 19 .

Enquanto, que descrevendo, na forma reduzida, temos uma única classe


solução módulo 5, S = Z.7 + 5, temos descrevendo o mesmo conjunto S
três distintas classes soluções módulo 21, com representantes x0 = 5, x1 = 12
e x2 = 19.
Observe que
[ [
Z.7 + 5 = Z.21 + 5 • Z.21 + 12 • Z.21 + 19

(união disjunta de três classes).

CEDERJ 38
Equações de congruências
AULA 17

Inversão modular e solução da equação ax ≡ b (mod n)


em Zn
Seja Zn = {0, 1, 2, · · · , n − 1}, +, · o Anel comutativo com unidade 1
dos inteiros módulo n.
A equação modular ax ≡ b (mod n) em Z, pode ser interpretada como
uma equação (usual) em Zn . Para isso, basta observar que:

ax ≡ b (mod n) ⇐⇒ a
| · x{z= }b .
| {z }
em Z em Zn

Assim, resolver ax ≡ b (mod n) é equivalente a resolver (achar x) a equação


a · x = b em Zn .
Na Aula 12, vimos pela Proposição 2 que a 6= 0 possui inverso multi-
plicativo, r 6= 0, em Zn , se, e somente se, mdc(a, n) = 1.
Portanto, se ax ≡ b (mod n) for uma equação de congruência reduzida,
isto é, mdc(a, n) = 1, temos que a 6= 0 possui inverso multiplicativo e r 6= 0
em Zn . Assim, r · a = 1.
Agora, para resolver a · x = b, basta multiplicar por r = (a)−1 ambos
os membros dessa igualdade. De fato,

x = r(a · x) = r · b = rb

e x = rb é a única solução em Zn . Voltando para trabalhar com ≡ (mod n),


em Zn , isto significa que x0 = rb é uma solução particular da congruência
ax ≡ b (mod n) e o conjunto solução S ⊂ Z dessa equação reduzida é dado
por
S = x = x0 = Z.n + x0 ,
como já tı́nhamos visto anteriormente na resolução de equações de con-
gruências reduzidas.
Observação
Essa metodologia de resolver a equação de congruência reduzida através de
a · x = b é equivalente aquela desenvolvida na demonstração da Proposição 1.
As dificuldades que aparecem em ambas são essencialmente de mesmo grau.
Na Proposição 1, se mdc(a, n) = 1, temos que achar inteiros r, s ∈ Z tais que
ar + sn = 1 e x0 = rb é uma solução particular com S = Z.n + x0 . Olhando
como uma equação (usual) a · x = b, em Zn , temos que achar r ∈ Zn tal que
a · r = 1 e aı́, x0 = rb ∈ Z é uma solução particular sendo x = x0 = Z.n + x0
a única solução em Zn .

39 CEDERJ
Equações de congruências
Algebra 1

Exemplo 14
Resolver a equação de congruência 243x ≡ 5 (mod 725).
Solução:
Temos que a = 243, b = 5 e n = 725 com mdc(a, n) = mdc(243, 725) = 1.
Pode-se calcular, usando a metodologia usada no exemplo 16 da Aula 12
utilizando o algoritmo da divisão de Euclides.
Os valores r = 182 e s = −61 tais que

ra + sn = 182 × 243 + (−61) × 725 = 1 .

Portanto, x0 = rb = 182 × 5 = 910 é uma solução particular módulo 725.


Mas, módulo 725, podemos escolher x0 = 910−725 = 185 é uma solução par-
ticular da congruência 243x ≡ 5 (mod 725) e a solução geral dessa equação
de congruência reduzida é

S = Z.725 + 185 = {x = 185 + 725k | k ∈ Z} .

Observe que (234)−1 = 182, em Z725 e não seria mais fácil seguir o caminho
de resolver a · x = b com a = 243, b = 5, módulo 725.

Atividade:

1. Calcule os inversos multiplicativos de a nos seguintes casos:

(i) a = 3, Zn = Z10
(ii) a = 4, Zn = Z21
(iii) a = 6, Zn = Z35

2. Use o exemplo 1 acima para resolver as seguintes equações de con-


gruências reduzidas?

(i) 3x ≡ 7 (mod 10)


(ii) 4x ≡ 15 (mod 21)
(iii) 6x − 2 ≡ 11 (mod 35)

3. Sejam a e n os seguintes pares de números dados. Para cada um deles


use o algoritmo de Euclides, utilizado no exercı́cio 16 da Aula 12, para
determinar inteiros r e s tal que ar + ns = 1.

(i) a = 26, n = 14

CEDERJ 40
Equações de congruências
AULA 17

(ii) a = 243, n = 725

4. Seja 10x ≡ 15 (mod 20) a equação de congruência dada.

(i) Determine a solução módulo n0 = n = 4 da equação reduzida


d
2x ≡ 3 (mod 4).
(ii) Escreva as soluções dessa equação módulo 21.

Resumo
Nessa aula apresentamos metodologia para solucionar as equações de
congruências do tipo ax ≡ b (mod n), em Z. Se d = mdc(a, n) divide b,
o conjunto solução S é não vazio e através da equação de congruência reduzida
a0 x ≡ b0 (mod n)0 encontramos as soluções módulo n0 (única) e em seguida
expressamos essas soluções módulo n (d soluções módulo n). Apresentamos
ainda a forma alternativa de se considerar a equação de congruência ax ≡ b
(mod n), em Z, como uma equação (usual) a·x = b, em Zn onde pretendemos
determinar x.

41 CEDERJ
Sistemas lineares de congruências: o teorema chinês do resto
AULA 18

Aula 18 – Sistemas lineares de congruências:


o teorema chinês do resto

Meta:
Apresentar sistemas lineares de congruências e o teorema chinês do
resto.

Objetivos (
x ≡ a (mod m)
• Resolver sistemas lineares de congruências simples do tipo x ≡ a (mod n)
;

(
x ≡ a (mod m)
• resolver sistemas lineares do tipo ,usando uma primeira
x ≡ b (mod n)
versão do teorema chinês do resto;

• resolver sistemas lineares, com n equações e uma incógnita, utilizando


o teorema chinês do resto (versão geral).

Introdução

Sistemas de congruências é um conjunto de equações de congruências


onde se procura soluções inteiras que satisfaçam simultaneamente todas as
equações de congruências do sistema.
Estudaremos nessa aula sistemas lineares de congruência em uma variável
x, do tipo


 x ≡ a1 (mod m1 )


 x ≡ a (mod m )
2 2
.. .. ..


 . . .

 x ≡ a (mod m )
n n

O instrumento principal utilizado na resolução desses sistemas é o fa-


moso teorema chinês do resto, assim chamado por ter sido utilizado pe-
los chineses desde o inı́cio da era cristã e aparecendo no livro - Manual
de Aritmética - do mestre Sun, escrito por volta do sec IV, da nossa era.
Esse teorema tem várias aplicações computacionais aritméticas com grandes
números, utilizando-se várias congruências escolhidas dentro das condições
de aplicabilidade do teorema.

43 CEDERJ
Sistemas lineares de congruências: o teorema chinês do resto
Algebra 1

Os sistemas lineares
Os sistemas lineares mais simples de congruência são do tipo
(
x ≡ b (mod m)
(∗) .
x ≡ b (mod n)

Como resolver esse sistema descrevendo todas as suas soluções inteiras?


Solução:
De x ≡ b (mod m) segue que (x − b) ∈ Z.m e de x ≡ b (mod n) segue
que (x − b) ∈ Z.n. Assim, (x − b) ∈ Z.m ∩ Z.n.
Pelo teorema 6 da Aula 3, temos que:

(x − b) ∈ Z.m ∩ Z.n = Z.M, M = mmc(m, n) .

Portanto, x ≡ b (mod M ) com M = mmc(m, n) nos dão todas as infinitas


soluções do sistema (∗):
S = Z.M + b .

Observação
Se mdc(m, n) = 1, temos que, nesse caso, M = mn e as soluções inteiras do
sistema (∗) são dadas por:

x≡b (mod mn) .

A dificuldade é bem maior se considerarmos o sistema de congruência


do tipo (
x ≡ a (mod m)
(∗∗)
x ≡ b (mod n)
(se a = b caı́mos no caso anterior cuja solução já foi explicitada).
Como resolver esse sistema (∗∗)? Antes de fazermos uma consideração
geral sobre as soluções do sistema (∗∗), vamos dar um exemplo.

Exemplo 15
Resolva o sistema de congruência
(
x ≡ 2 (mod 5)
x ≡ 4 (mod 8)

Solução:

CEDERJ 44
Sistemas lineares de congruências: o teorema chinês do resto
AULA 18

Se x ≡ 2 (mod 5) então existe y ∈ Z tal que

x = 2 + 5y (4)

Substituindo na segunda congruência do sistema temos que x = 2 + 5y ≡ 4


(mod 8) implica
5y ≡ 2 (mod 8) . (5)

Portanto os valores de x são da forma x = 2 + 5y onde y é solução da


congruência (5). Como mdc(5, 8) = 1, essa equação (5) é uma equação
de congruência reduzida e, portanto, teremos soluções y = y0 + 8k onde
y0 = rb = r2 = −6, onde r = −3, s = 2 e −3 × 5 + 2 × 8 = 1. Logo
as soluções y são y ≡ −6 (mod 8), ou seja, y ≡ 2 (mod 8) o que implica
y = 2 + 8k com k ∈ Z.
As soluções x do sistema serão:

x = 2 + 5y = 2 + 5(2 + 8k) = 12 + 40k ,

isto é,
x ≡ 12 (mod 40) .

Assim, S = Z.40 + 12 ⊂ Z é o conjunto de todas as soluções inteiras do


sistema.

Observação
Observe que foi importante, para a solução de congruência, em y, que
mdc(m, n) = 1 e daı́ então construı́mos a solução de congruência módulo
mn = 40, para o sistema dado.
(
x ≡ a (mod m)
Agora vamos mostrar que existe solução do sistema
x ≡ b (mod n)
quando mdc(m, n) = 1.

Teorema 1
Sejam m e n inteiros positivos tal que mdc(m, n) = 1. Então
(
x ≡ a (mod m)
(i) o sistema de congruência possui solução x0 com
x ≡ b (mod n)
0 ≤ x0 < mn

(ii) as soluções do sistema são dadas por x ≡ x0 (mod mn).

Observação
A solução x0 com 0 ≤ x0 < mn é a menor solução não negativa do sistema.

45 CEDERJ
Sistemas lineares de congruências: o teorema chinês do resto
Algebra 1

Demonstração: Se x ≡ a (mod m) então existe y ∈ Z tal que

x = a + my (6)

Substituindo (6) na segunda equação do sistema de congruência temos


x = a + my ≡ b (mod n). Daı́,

my ≡ (b − a) (mod n) (7)

Como mdc(m, n) = 1 essa equação de congruência reduzida possui solução


y0 e as soluções de (7) são dadas por:

y = y0 + nk (8)

com k ∈ Z. Substituindo (8) em (6) temos:

x = a + my = a + m(y0 + nk) = (a + my0 ) + (mn)k ,

com k ∈ Z o que implica

x ≡ (a + my0 ) (mod mn) .

A solução particular a + my0 pode ser escolhida módulo mn, como um valor
x0 , com 0 ≤ x0 < mn, e teremos x ≡ x0 (mod mn), como todas as soluções
do sistema de congruência.

Exemplo 16
Vamos resolver agora um sistema linear de congruência com três equações.
“Resolva o seguinte”:

 x≡1
 (mod 3)
(∗) x≡2 (mod 5)


x≡3 (mod 14)

Solução:
A nossa estratégia poderia ser:
Primeiramente vamos resolver o sistema com as duas primeiras equações.
(
x ≡ 1 (mod 3)
(∗∗)
x ≡ 2 (mod 5)

Então temos:
x≡1 (mod 3) =⇒ x = 1 + 3y, y ∈ Z

CEDERJ 46
Sistemas lineares de congruências: o teorema chinês do resto
AULA 18

e
x = 1 + 3y ≡ 2 (mod 5) =⇒ 3y ≡ 1 (mod 5) .
Daı́ segue as soluções y ≡ 2 (mod 5) (verifique isto, como na atividade pro-
posta).
Assim, y = 2 + 5k, com k ∈ Z daı́,

x = 1 + 3y = 1 + 3(2 + 5k) = 7 + 15k =⇒ x ≡ 7 (mod 15)

nos dá todas as soluções do sistema (∗∗).


Para resolver o sistema (∗), basta agora resolver o sistema
(
x ≡ 7 (mod 15)
x ≡ 3 (mod 14)

Então
x ≡ 7 (mod 15) =⇒ x = 7 + 15y ,
com y ∈ Z. Substituindo em x ≡ 3 (mod 14) temos:

x = 7 + 15y ≡ 3 (mod 14) =⇒ 15y ≡ −4 (mod 14) ≡ 10 (mod 14) ,

isto é, 15y ≡ 10 (mod 14).


Como 1 × 15 + (−1) × 14 = 1, temos r = 1 e s = −1 e, como solução para
esta última equação de congruência reduzida:

y0 = 1 × 10 = 10 e y ≡ 10 (mod 14)

o que implica y = 10 + 14k. Substituindo em x = 7 + 15y temos:

x = 7 + 15y = 7 + 15(10 + 14k) = 157 + (14 × 15)k

Assim, x0 = 157 é o menor inteiro não negativo que satisfaz simultaneamente


as três equações de congruência do sistema e o conjunto de todas as soluções
do sistema é dado por

x ≡ x0 (mod 3 × 5 × 14) ≡ 157 (mod 210) .

Agora vamos apresentar a versão mais geral do teorema chinês do resto,


para um sistema com n equações de congruências.
Teorema 2 (Teorema chinês do resto)
Sejam m1 , m2 , · · · , mn inteiros positivos tal que mdc(mi , mj ) = 1 para todo
i 6= j. Então

47 CEDERJ
Sistemas lineares de congruências: o teorema chinês do resto
Algebra 1

(i) o sistema de congruência




 x ≡ a1 (mod m1 )


 x≡a (mod m2 )
2
(∗) . . ..

 .
. .
. .


 x≡a (mod mn )
n

possui uma solução x0 , com 0 ≤ x0 < (m1 .m2 . . . . .mn )

(ii) as soluções do sistema são dadas por


x ≡ x0 (mod m1 .m2 . . . . .mn ) .

Demonstração: Vamos usar indução sobre n. Se n = 1 o sistema possui uma


única equação e portanto, a equação já nos dá as soluções do sistema.
Agora, vamos assumir n ≥ 2 e vamos supor que o teorema é válido para
qualquer sistema com as hipóteses relativamente primos dos m0i s, contando
com (n − 1) equações. A partir daı́, provaremos o teorema para o nosso
sistema com n equações de congruências.
Portanto, estamos assumindo que o sistema


 x ≡ a1 (mod m1 )


 x ≡ a (mod m )
2 2
(∗∗) .. .. ..


 . . .

 x≡a
n−1 (mod mn−1 )
com mdc(mi , mj ) = 1 se i 6= j, possui uma solução a e que todas as soluções
de (∗∗) são da forma x ≡ a (mod t), onde t = m1 m2 · · · mn−1 .
Agora, escrevemos um sistema (∗∗∗) com duas equações, cujas soluções
são as mesmas do sistema original (∗):
(
x ≡ a (mod t)
(∗ ∗ ∗)
x ≡ an (mod mn )
com mdc(t, mn ) = 1.
Como mdc(t, mn ) = 1, temos pelo Teorema 1 (Teorema chinês dos
restos para duas equações), que (∗ ∗ ∗) admite uma solução x0 , com 0 ≤ x0 <
tmn = m1 m2 · · · mn e todas as soluções x desse sistema é dada por
x ≡ x0 (mod tmn ) ≡ x0 (mod m)
onde m = tmn = m1 m2 · · · mn .
Como as soluções de (∗) e (∗ ∗ ∗) são as mesmas, o teorema está
demonstrado.

CEDERJ 48
Sistemas lineares de congruências: o teorema chinês do resto
AULA 18

Atividades:

1. Determine todas as soluções do sistema linear de congruência



 x ≡ 1 (mod 13)

x ≡ 4 (mod 15)


x ≡ 8 (mod 19)

Determine ainda, a menor solução x0 (não negativa) disse sistema.

2. (i) Observe que o sistema de congruência


(
x ≡ 5 (mod 12)
x ≡ 21 (mod 8)

possui soluções embora mdc(12, 8) = 4 6= 1.


(ii) Calcule essas soluções, e entenda criticamente porque alguns sis-
temas sem a hipótese do mdc = 1 ainda podem ter soluções.

3. Verifique que a menor solução positiva do sistema



 x ≡ 1 (mod 3)

x ≡ 4 (mod 5)


x ≡ 2 (mod 7)

é 79.

4. Calcule o resto da divisão de N = 26754 por 105 (relacione com o


exercı́cio 3).

Uma aplicação: computação aritmética com grandes


números
Vamos supor que a capacidade máxima de nossa máquina computacio-
nal é 100 e que gostarı́amos dar condições para que ele calculasse o produto
X dos números N1 = 3456 e N2 = 7982.
Vamos escolher os seguintes números, dois a dois relativamente pri-
mos, m1 = 89, m2 = 95, m3 = 97, m4 = 98, m5 = 99 para, através de con-
gruências módulo mk , (k = 1, 2, 3, 4, 5) operarmos dentro da capacidade da
nossa máquina que é C = 100.

49 CEDERJ
Sistemas lineares de congruências: o teorema chinês do resto
Algebra 1

Calculo restos de divisão


3456 ≡ 74 (mod 89) 7982 ≡ 61 (mod 89)
3456 ≡ 36 (mod 95) 7982 ≡ 2 (mod 95)
3456 ≡ 61 (mod 97) 7982 ≡ 28 (mod 97)
3456 ≡ 26 (mod 98) 7982 ≡ 44 (mod 98)
3456 ≡ 90 (mod 99) 7982 ≡ 62 (mod 99)
Multiplicando essas congruências teremos que X = 3456 × 7982 satisfaz
as seguintes congruências:


 x ≡ 74 × 61 ≡ 64 (mod 89)


 x ≡ 36 × 2 ≡ 72 (mod 95)


(∗) x ≡ 61 × 28 ≡ 59 (mod 97)




 x ≡ 26 × 44 ≡ 66 (mod 98)

 x ≡ 90 × 62 ≡ 36 (mod 99)

Usando o teorema do resto chinês, pode-se resolver o sistema (∗) cuja


solução geral
X ≡ X0 (mod m) ,

com m = 89 × 95 × 97 × 98 × 99 e

X0 = 27.585.792 ,

com 0 ≤ X0 < m.
O valor de m é m = 7.956.949.770, e X0 é a menor solução positiva
0 < X0 < m. Como 0 < (3456) × (7982) < 108 < m temos que

X0 = 3456 × 7982 = 27.585.792 .

Atividades:

1. Resolva, usando o teorema do resto chinês, o seguinte sistema:




 x ≡ 10 (mod 13)

 x≡5 (mod 11)


 x≡3 (mod 6)

x≡1 (mod 5)

2. Mostre que a menor solução inteira de X no exemplo 1 é também


solução do seguinte problema:

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Sistemas lineares de congruências: o teorema chinês do resto
AULA 18

”Um grupo de 13 ladrões assaltaram um cofre com x moedas de ouro.


Quando eles fizeram a divisão, equitativamente de todas as moedas
entre eles, sobraram 10 moedas. Isso deu motivo a uma briga entre
eles e dois dos ladrões morreram. Eles tornaram a dividir,
equitativamente entre eles, todas as moedas e sobraram 5 moedas de
ouro. Brigaram outra vez e cinco ladrões morreram. Dividiram,
equitativamente todas as moedas e sobraram 3 moedas. Mais uma
última briga e morreu mais um ladrão. Repetiram a divisão de todas
as x moedas, equitativamente entre eles, e sobrou apenas uma moeda.
Sabendo-se que x < m = 5 × 6 × 11 × 13, calcule x”.

Resumo
Nesta aula apresentamos métodos que nos permite resolver alguns sis-
temas de congruências lineares, através do famoso teorema do resto chinês.
Esse teorema, conhecido há mais de dois mil anos, nos ajuda a fazer operações
com grandes números, através de adequadas congruências que se ajustam
dentro das hipóteses do teorema chinês dos restos.

51 CEDERJ
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I SBN 85 - 7648 - 329 - 7

9 788576 483298

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