Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Em Honra de Fadime Assassinato e Humilhacao
Em Honra de Fadime Assassinato e Humilhacao
Em Honra de Fadime
Assassinato e Humilhação
tradução
beth honorato
-
Copyright © 2011 by Editora Unifesp
Copyright © 2008 by The University of Chicago. All rights reserved
Originally published as For aerens skyld: Fadime til ettertanke
Copyright © 2003 Universitetsforlaget
Wikan, Unni
Em Honra de Fadime: Assassinato e Humilhação / Unni Wikan;
tradução [de] Beth Honorato. – São Paulo: Editora Unifesp, 2010.
336 p.; 16 x 23 cm
isbn 978-85-61673-21-5
cdd - 341.481
Editora Unifesp
Fundação de Apoio à Universidade Federal de São Paulo
Rua José de Magalhães, 80 – Vila Clementino
04026-090 – São Paulo – sp – Brasil
(11) 2368-4022
www.fapunifesp.edu.br/editora
editora@fapunifesp.edu.br
Agradecimentos 11
Introdução 15
parte v. A Apelação
16. O Homem da Floresta 253
17. A Mãe 259
Posfácio 309
Referências Bibliográficas 327
Agradecimentos
S
ou grata às inúmeras pessoas que, de várias maneiras, me ajudaram
a compreender mais do que jamais imaginei que pudesse compreen-
der por conta própria, e às várias pessoas que me estimularam e me
apoiaram ao longo do caminho. Poderei mencionar apenas algumas, mas
minha gratidão e minha dívida estendem-se a muitas outras.
A Arne Ruth, devo agradecimentos especiais. Quando editor-chefe do
Dagens Nyheter, ele me convidou em 1997 para um debate de um dia de
duração com a ministra sueca da Integração e alguns acadêmicos suecos. O
motivo era o assassinato de Sara. Esse fato determinou meu caminho. Para
mim, Arne é um exemplo de intelectual público que luta pela liberdade de ex-
pressão e pelos direitos humanos. Seu estímulo e apoio foram inestimáveis.
Na Suécia, várias outras pessoas também me ajudaram e me inspi-
raram. Gostaria de agradecer especialmente Leif Ericksson, Marianne
Spänner, Johan Åsard Niklas Kelemen, Sara Mohammed, Rasool Awla,
Rigmor Mjörnell, Astrid Schlytter e Kickis Åhré Âlgamo. Sou também
grata à Mona Sahlin, pelas interessantes conversas e discussões e por seu
comprometimento permanente em levar adiante o legado de Fadime.
À Mona Ström, meus cordiais agradecimentos por ter compartilhado
comigo as memórias que ela guarda de Fadime. Só nos conhecemos quan-
do este livro estava quase finalizado, mas para mim foi fundamental tê-la
conhecido e podido compartilhar de algumas de suas recordações.
11
12 Em Honra de Fadime
À Breen Atroshi, irmã de Pela, a quem nunca conheci, sou grata por seu
exemplo e por contar sua história nos livros e na imprensa. Isso me permitiu
compreender coisas que talvez não pudesse compreender de outra forma.
Sou grata aos funcionários do Tribunal Distrital de Uppsala, à Polícia
de Uppsala e à Suprema Corte, em Estocolmo, por sua ajuda e cortesia.
Svein Skarheim foi meu editor na edição norueguesa original deste livro.
Ficarei sempre agradecida pela forma como ele me ajudou e me estimulou.
Na Noruega, seriam necessárias várias páginas para citar as pessoas às
quais devo agradecimentos. Agradeço especialmente Sukrü Bilgic, Nasim
Karim, Nadia Latiaoui, Farid Bouras e Walid al-Kubaisi.
Em 2004, recebi o prêmio da Fundação da Liberdade de Expressão (Fritt
Ord). O significado que isso teve para mim é indescritível. Ele me ajudou
a perseverar em um trabalho não totalmente isento de risco e que me fez
ganhar vários inimigos. Minha manifestação contra a violência em nome da
honra fez parte desse trabalho. Devo muito a essa fundação, presidida por
Francis Sejersted, ex-presidente do comitê do Prêmio Nobel da Paz.
Na Dinamarca, gostaria de agradecer Elisabeth Arnsdorf Haslund,
Johanne Tuxen, Arne Schmidt Møller e Klaus Buhr, jornalistas que par-
ticiparam dos julgamentos no caso de Ghazala. Foi bom, espiritualmente
e intelectualmente, estar em sua companhia. Agradecimentos especiais à
Jeanette Vincent-Andersen, promotora pública, por compartilhar comi-
go várias reflexões.
Nos Estados Unidos, fui convidada a dar palestras sobre os temas presen-
tes neste livro aos departamentos de antropologia da Universidade de Emory,
Universidade de Harvard e Universidade da Califórnia em Los Angeles.
Gostaria de agradecer os participantes pelo feedback e por suas reflexões.
Agradecimentos especiais aos alunos do Mellon Seminar, do Centro
Heyman de Humanidades da Universidade de Colúmbia, Nova York, e aos
organizadores do seminário, Akil Bilgrami, Jon Elster e Jeremy Waldron,
por seu convite e pelo debate incisivo.
Agradeço também as pessoas que participaram de minha palestra no
Institut d’Études de l’Islam et des Sociétés du Monde Musulman (Instituto
de Estudos do Islamismo e das Sociedades do Mundo Muçulmano), Paris,
por suas respostas construtivas. Sou grata também a Marcelo Suárez-
Agradecimentos 13
Será que meus dois netos, ainda muito jovens, viverão em um mundo
em que as fronteiras terão menos importância e a liberdade individual
mais? Eu fio neles a minha esperança.
Songül Sahindal é para mim um modelo de coragem, de compaixão
e de sabedoria. Para ela, meu mais profundo agradecimento e reconhe-
cimento.
Dedico este livro à Songül e Nebile.
Introdução
O
que motiva um homem a assassinar a própria filha – defesa
da honra?
O que leva uma mãe a testemunhar a favor de um homem que
matou a própria filha – defesa da honra?
Você conseguirá entender o motivo, se eu tiver conseguido cumprir
o que me propus: esclarecer o que é honra e homicídio de honra. O que
me motivou foi o assassinato de Fadime Sahindal em Uppsala, Suécia,
em 21 de janeiro de 2002. O destino de Fadime não me deu paz. De
descendência curda, Fadime viveu na Suécia dos sete anos de idade até
o dia de sua morte, aos 25 anos. Exemplo brilhante de coragem e inte-
gridade, Fadime, mais do que ninguém, tentou chamar a atenção para
a deficiência das políticas de integração suecas com respeito a pessoas
como seus pais. Tentou fazer a nação compreender que a “honra” – do
modo como é cultivada em alguns países – pode ser um problema fatal.
Advertiu que corria risco de ser assassinada por ter escolhido o homem
de sua vida, o irano-sueco Patrik Lindesjö. Fadime, porém, foi derrotada
quando menos esperava – quase quatro anos haviam se passado após as
ameaças de morte contra ela.
A morte de Fadime foi uma tragédia para o povo sueco. Um trauma.
Enquanto assistia à sua cerimônia fúnebre na antiga e suntuosa Catedral
15
16 Em Honra de Fadime
vendar por que as pessoas são levadas a tirar a vida de alguém em nome
da honra deve levar em conta uma concepção de mundo segundo a qual a
privacidade e a paz da vida familiar é tudo, e que ser exposto publicamen-
te é a mais grave das humilhações. O infortúnio de Fadime nos obriga a
perceber que nossa sociedade multicultural atualmente engloba pessoas
com ideias sobre o que é “confidencial”, e isso impõe que publicidade e
notoriedade devam ser evitadas a qualquer custo. É possível lidar com a
vergonha, desde que ela se mantenha velada. É possível suportar a humi-
lhação, mas somente da porta para dentro. Os conflitos familiares podem
ser resolvidos, mas apenas a portas fechadas e valendo-se de mediadores.
Isso não funcionou no caso de Fadime; ninguém tomou a iniciativa de as-
sumir essa responsabilidade. Contudo, depois disso, vários comentaristas,
inclusive membros da comunidade curda, assinalaram que essa situação
poderia ter sido contornada dessa forma.
A jurisprudência sueca é extremamente específica em um determina-
do aspecto: os arquivos das entrevistas policiais estão abertos ao público.
Tive acesso a todas as declarações das testemunhas no caso de Fadime,
incluindo aquelas dadas por indivíduos que posteriormente desistiram
de testemunhar perante o tribunal ou que não foram intimados. Esses
documentos, alguns com trezentas páginas de texto, possibilitaram-me
examinar esse caso de vários pontos de vista diferentes, servindo como
inestimável fonte de compreensão.
Houve momentos em que vacilei, dada a grande simpatia que passei a
sentir por pessoas pelas quais não queria sentir. Queria estar totalmente e
inteiramente do lado de Fadime, e jamais imaginei que acharia isso difícil.
Continuo sinceramente do seu lado – mas com uma percepção bem mais
nítida da situação de alguns de seus amigos e inimigos mais próximos.
Nesse sentido, avancei consideravelmente em relação ao que já conhecia a
respeito de honra e homicídios de honra.
Já de partida estava convencida de que só é possível compreender o
homicídio de honra – no que se refere a tirar a vida de um filho – quan-
do pertencemos à comunidade em que essa tradição vigora. Tinha essa
certeza, não obstante meus trinta anos de experiência em entendimento
transcultural e vários anos de pesquisa de campo no Oriente Médio e na
22 Em Honra de Fadime
fale por si mesmo, sem minha narração didática. Os fatos continuam aí,
abrigados na forma e na estrutura deste livro. É impossível ignorá-los.
Outra possível objeção é que lancei mão de pessoas cujas declarações à
polícia são extremamente pessoais e muitas vezes emocionais. Talvez elas
nem tenham refletido – ou talvez não soubessem – sobre a possibilidade
de os autos de suas declarações serem disponibilizados ao público e, por-
tanto, ficarem livres para serem utilizados da maneira como eu os utilizei.
Essa objeção é importante, sem dúvida, mas mesmo assim optei por usar
meu direito de acessar e examinar esses documentos. Fui levada a isso, em
parte, por sua exclusividade: eles trazem esclarecimentos sobre problemas
inerentes à honra e aos homicídios de honra que não se encontram em ne-
nhuma obra sobre o assunto. Um exemplo disso é o testemunho da irmã
mais nova de Fadime. Em estilo e conteúdo, é um testemunho diferente
de qualquer outro que eu tenha visto divulgado, e contém em si uma
mensagem sobre o destino de uma criança ferida em seus sentimentos no
momento em que um homicídio pela honra desmantela toda a sua família.
Uma criança que está tentando desesperadamente aceitar que o pai é um
assassino, que a mãe é arrastada de um lado a outro por um turbilhão de
emoções, que o irmão provavelmente é cúmplice no assassinato – poderia
mesmo ser? – e que sua tão querida irmã é condenada por provocar no pai
tanta aflição e um desespero capaz de levá-lo a matá-la.
As mulheres não podem presenciar homicídios de honra, afirma minha
colega Veena Das. Antropóloga indiana altamente respeitada, expressa seu
espanto em relação ao fato de Fadime ter sido assassinada na presença da
mãe e de suas irmãs. De acordo com a experiência de Das na Índia e em
algumas partes do Paquistão, nunca se ouviu falar disso.
A irmã de Fadime de treze anos de idade também está surpresa com o
fato de o pai ter agido do modo como agiu na frente dela, mas se conforta
com a certeza de que ele não sabia que ela estava lá. Debate-se com o pen-
samento de que poderia ter evitado esse crime. Da mesma maneira que
a maioria das crianças, ela leva muito a sério os problemas dos adultos e
se sente responsável. E está assolada pelo medo de ser deixada totalmente
sozinha. Assim que Fadime é baleada e a mãe sai correndo à procura de
ajuda, ela entra em pânico: será que agora mamãe vai se matar?
24 Em Honra de Fadime