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Jornal Dos Economistas
Jornal Dos Economistas
Esta edição do Jornal dos Economistas propõe-se a discutir o prota- Dercio Garcia Munhoz
gonismo do sistema financeiro no atual estágio do Capitalismo no Brasil Origem e consequências da
e no mundo e a influência do setor na definição de políticas de Estado desregulamentação financeira
que impactam o conjunto da sociedade.
Na abertura da edição, texto de Dercio Garcia Munhoz nos brinda Sistema financeiro ............................................................................. 6
com um histórico detalhado, a partir da década de 70, da introdução das Luiz Carlos Bresser-Pereira
políticas neoliberais no mundo e Brasil, que propiciaram a desregula- Por que o sistema financeiro
mentação financeira e a atribuição de superpoderes aos bancos centrais.
tornou-se tão poderoso?
Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda, justifica, no seu
artigo, o grande aumento do poder político do sistema financeiro pelo
fato de o setor empregar mais de 80% dos “macroeconomistas políticos” Sistema financeiro ............................................................................. 8
existentes nos país, que são as fontes consultadas pela imprensa nas pau- Paulo Kliass
tas sobre política macroeconômica. O enigma do financismo
Paulo Kliass, doutor em Economia pela Universidade de Paris 10,
afirma em artigo que a interface cada vez mais simbiótica entre as esfe- Sistema financeiro .......................................................................... 10
ras do setor público e do setor privado estabelece espaços de relação pra- Plínio de Arruda Sampaio Jr
ticamente incestuosos entre a definição de aspectos essenciais das políti-
A ditadura do grande capital
cas públicas e os mecanismos de constituição da impressionante massa
de lucro do setor financeiro.
Sistema financeiro .......................................................................... 12
Plínio de Arruda Sampaio Jr, do IE/Unicamp, argumenta no seu ar-
tigo que o suposto antagonismo entre acumulação financeira e acumula- Maria Lucia Fattorelli
ção produtiva não procede, porque os grandes blocos de capitais operam Auditoria cidadã é a ferramenta para
de maneira sincronizada nas duas esferas. desmascarar a hegemonia financeira obtida
Maria Lucia Fattorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, destaca em com base em exploração e fraudes
artigo o avanço da dominância financeira no mundo e, em particular, no
Brasil, onde o Banco Central pratica abusivas taxas de juros, que não têm Fórum Popular do Orçamento ....................................................... 14
justificativa técnica, política, jurídica ou econômica e resultam no cres-
A financeirização atinge a Saúde
cimento da dívida pública.
O artigo do Fórum Popular do Orçamento analisou a financeiriza-
ção da saúde no Município do Rio de Janeiro, destacando o caso das Or-
O Corecon-RJ apóia e divulga o programa Faixa Livre, apresentado por Paulo Pas-
ganizações Sociais. sarinho, de segunda à sexta-feira, das 9h às 10h30, na Rádio Livre, AM, do Rio, 1440
khz ou na internet: www.programafaixalivre.org.br ou www.radiolivream.com.br
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Origem e consequências
da desregulamentação financeira
Dercio Garcia Munhoz* Com os novos negócios alcan- para universalizar o renascido lais-
çando valores astronômicos, a eco- sez-faire, tendo nos emergentes os
um clima adverso às empresas, fa- madilhas – tais como a valorização fragilidade normativa dos merca- A dualidade gerencial
cilitando o leilão, exatamente co- cambial, taxas de juros elevadas dos e refletindo as baixas taxas de tem sido fatal no Brasil
mo viria a ocorrer no Brasil nos para atrair capitais especulativos e crescimento econômico, à exceção
anos 90. o acumulo panfletário de reservas. talvez apenas da China, culminan- A economia brasileira viveu a
No liberou geral, com o capi- do no pós-2008, onde estagnação partir de 1974 todas as ilusões e
tal financeiro ofuscando o capi- O imbróglio, com as autorida- e depressão surgem como uma he- todas as angústias. Cresceu a ta-
tal produtivo, predominam no- des monetárias abusando de um rança maldita do generoso laissez- xas elevadas nos anos 70, acumu-
vos dogmas: as metas de inflação, grau de autonomia que subverte as -faire. lou largos déficits externos na crise
o mercado de câmbio à deriva e a bases institucionais, faz com que o Paradoxal que a opção para do petróleo e daí a posição de um
liberdade plena aos capitais erran- global da política macroeconômi- enfrentar os desacertos, no mode- dos maiores devedores, sob aplau-
tes. E mais: a imposição de supe- ca fique refém dos bancos centrais, lo europeu, tenha sido fazer ain- sos generalizados das economias
rávits primários para assegurar o fenômeno gritante na União Eu- da maior e mais voraz o poder dos centrais e sintomático silêncio do
pagamento dos encargos da dívida ropeia com o Tratado de Maastri- bancos centrais com reflexos de- FMI; pagando as consequências já
pública pelo Tesouro. cht de 1992. Aliás, foi para forçar vastadores para as nações periféri- a partir de 1981 na tentativa de
Os novos mercados modelados a independência dos bancos cen- cas, presas fáceis de um tipo selva- corrigir os desequilíbrios.
para os capitais especulativos pas- trais nas econômicas emergentes gem de capitalismo financeiro. Ocuparia ainda o país, em ja-
sam a funcionar como verdadeiros que o FMI enviou 67 missões de
cassinos, enquanto se estabelecia assistência a países membros nos
uma verdadeira aliança entre au- anos 90.
toridades monetárias e o sistema A existência de uma hidra de
financeiro. Ou, talvez com mais duas cabeças na gestão macroeco-
justiça, se deva dizer que no seu nômica, fortalecida pós-Maastri-
retorno profundamente operoso, cht, terá sido grave erro, a julgar
os pregoeiros do liberalismo ousa- pelas sucessivas crises nos merca-
ram produzir uma camisa de for- dos financeiros a partir de então:
ça em torno das autoridades mo- na União Européia, em 1992-
netárias, que sucumbiram iludidas 1993; na Ásia e America Latina,
com a criação de climas artificiais em 1997 e 1998; e em 2008 a ar-
de euforia, lançando-se então a rasadora e universalizada crise do
aventuras – de fato verdadeiras ar- Prime Rate – todas associadas à
neiro de 1983, a dianteira na fila incapacidade em controlar a infla- va não questionável a partir
de devedores prontos para assinar ção e os próprios gastos. de então a política mone-
programas de ajuste monitorados Conhecidas, todavia, as resis- tária ditada pelo Banco ou
pelo FMI, tendo implementado tências internas à independên- qualquer outra que resol-
medidas rigorosas que gerariam cia do Banco Central, a partir da vesse adotar invocando o
recuo da produção e elevadas frustrada experiência brasileira de objetivo de assegurar as
pressões de custos – dobrando a 1964, abortada pelo novo governo metas inflacionárias.
inflação anual – com aumentos em 1967, optou-se por outro ca- Atingida a per-
de preços que se tornariam in- minho, ainda que aparentemente feição na incorpora-
controláveis na segunda meta- ao arrepio da lei. Criou-se no âm- ção dos princípios ne-
de dos anos 80. Tentativas várias bito do próprio BC um Comitê de oliberais na economia
de controle da inflação, até o Pla- Política Monetária (Copom) com brasileira, as dificuldades
no Real, fracassaram porque fun- regras que autoatribuíam à insti- econômicas presentes
dadas na ilusão de ser possível a tuição poderes que em verdade a atestam o que repre-
estabilização sem perdedores de lei preservava ao Conselho Mone- senta e o que deri-
rendas reais. tário Nacional. va da desorganização
Mas o Brasil já revelara preco- Como o BC nos seus avanços institucional. Os gesto-
cemente, desde o final dos anos regulatórios desconhecia a pirâ- res das diferentes cabeças da hi- tos da administração, cujos frutos
80, uma surpreendente aptidão mide institucional sem encontrar dra se entrechocam, sem conse- amargos estão sendo colhidos. O
para se amoldar às mudanças que obstáculos, buscou a instituição guir definir rumos. Estonteados, passo inicial terá de ser a unifica-
o neoliberalismo dizia essências à reafirmar um grau de indepen- falam em ajuste fiscal ou nas vir- ção do comando da política ma-
inserção num mundo globalizado. dência crescente, criando o que tudes de juros elevados para con- croeconômica, como dos primór-
A iniciativa pioneira foi com des- se denominou de Taxa Selic, co- ter a inflação, embora mais juros e dios da República até o final dos
mantelamento em 1988 do siste- mo instrumento de política mo- mais impostos signifiquem de um anos 90, seguido do corte do cor-
ma de câmbio administrado com netária (Circular BCB 2868 de lado mais custos e mais inflação, e dão umbilical que liga o BC aos
estabilidade das paridades reais, 4/3/1999). Com isso, introduzia de outro menos consumo, menos cofres do Tesouro, à administra-
de 1968, seguido da remoção, em o BC, de moto próprio, uma mu- produção, menos emprego e me- ção da dívida publica, ao privilé-
1991 e 1992, das regras que des- dança profunda nos instrumentos nos receitas fiscais. Perdidos, pre- gio absurdo de fazer política mo-
de início dos anos 80 disciplina- de política monetária, com inevi- gam novas restrições na previdên- netária e cambial com títulos e
vam o ingresso e operações dos ca- táveis reflexos nas despesas finan- cia urbana, fingindo desconhecer custos do Tesouro, sem qualquer
pitais de curto prazo. O resultado ceiras do Governo, já que a ad- seus altos superávits. Desarvora- controle, previsão ou autorização
foi a entrada acelerada dos inves- ministração da dívida pública e o dos, visam obter alguns bilhões orçamentária.
timentos de carteira nos anos 90 tamanho dos seus encargos fica- de superávits primários com mais No rearranjo, medidas priori-
com fluxos explosivos no novo ram fora da alçada das autoridades impostos e cortes em gastos essen- tárias deverão estar centradas na
milênio – mais de US$ 1 trilhão fazendárias, tornando-se imprevi- ciais, escondendo que só em 2015 recomposição das rendas das famí-
apenas entre 2003-2010 – passan- síveis e incontroláveis. o incontrolável BC, numa ação lias, hoje corrompidas graças aos
do a jorrar dólares para aplicações Na prática permitia-se ao BC devastadora, jogou sobre o gover- delírios do BC e à indiferença da
financeiras, posteriormente, tam- a pretendida independência, afas- no uma conta de R$ 500 bilhões Fazenda por mais de R$ 500 bi-
bém como Investimentos Diretos tando-se a Fazenda do núcleo de só de juros, engolindo metade da lhões de juros bancários, que, com
e Empréstimos Intercompanhias. decisões cambiais e monetárias, e arrecadação tributária anual do o peso crescente dos impostos,
Alcançada a desregulamenta- portanto dos rumos dos déficits Tesouro. com destaque o imposto de ren-
ção cambial e financeira, se avan- públicos e da dívida pública. Tudo Cabe indagar, quase ao deses- da, tem um efeito devastador so-
çaria na direção da independência nas mãos do Banco Central, sob a pero: Quo Vadis? Quo Fluctus Bra- bre os assalariados, tornando mais
do Banco Central, tema que, co- batuta do poderoso Copom. zil? (Para onde vamos? Para onde grave o travamento da economia e
mo no modelo europeu e nas refor- A criação das metas de infla- levas o Brasil?). incerta a sua recuperação.
mas nas nações emergentes, passou ção viria em seguida (Decreto Não se dispõe de muito tempo
a ser tratado com prioridade, a fim 3.088 de 21/6/1999), numa am- para contornar o panorama som- * É membro do Conselho de Orientação
de afastar os governos das decisões pliação da carta branca do BC, brio derivado de ilusões tais como do Ipea e foi professor titular do Departa-
mento de Economia da UnB e presiden-
em questões ligadas ao sistema fi- agora em matéria de políticas o câmbio valorizado, preços po- te do Conselho Federal de Economia e do
nanceiro, sob a justificativa da sua macroeconômicas, o que torna- líticos e superpoderes a segmen- Conselho Superior da Previdência Social.
arranjo financeiro distorcido, base- nizacional adicional para realizar a ma financeiro? Pela simples razão maior daí derivado não é planeja-
ado na criação de riqueza financei- política macroeconômica. que o sistema financeiro deve em- do; é uma consequência não previs-
ra artificial, ou seja, riqueza finan- Hoje, ao lermos os jornais, te- pregar mais de 80% dos “macroe- ta, mas certamente bem-vinda. Para
ceira desligada da riqueza real ou mos a impressão de que a política conomistas políticos” existentes nos qualquer problema econômico que
da produção de bens e serviços”, macroeconômica está em toda par- países ricos e nos países de renda surja, os jornais precisam consultar
ou então, é o regime das inovações te e é de longe a política que pro- média como o Brasil, entendendo- a opinião de economistas, e quem
e das fraudes financeiras que facili- duz os resultados mais importantes, -se por macroeconomistas políticos eles consultam – quem está dispo-
tam a precificação descolada do va- tanto os bons quanto os maus re- não aqueles que têm mestrados ou nível para oferecer-lhes seu parecer?
lor dos ativos; é o aumento artificial sultados. Certamente há outras po- doutorados nessa área, mas aque- Os macroeconomistas do sistema
dos ganhos dos capitalistas rentistas líticas públicas – a política de edu- les profissionais ou tecnoburocra- financeiro, cuja verdade particular
e dos financistas que administram a cação, de saúde, de previdência, de tas que conhecem razoavelmente se transforma na “verdade geral”.
riqueza dos primeiros; é a atividade infraestrutura, microeconômicas – a macroeconomia e participam de Não há nada de surpreendente
financeira que dá origem a crises fi- que atraem também a atenção. E o alguma forma do debate econômi- no que estou afirmando. Há mui-
nanceiras, ou, nas palavras de Kind- jogo político – o exercício da políti- co público, nem tanto através de li- to que não vivemos no mundo do
leberger, a manias, pânicos e crashes. ca – no país e a nível internacional vros e papers, mas através de entre- capitalismo clássico, onde apenas
Trata-se, portanto, de um fenôme- continua felizmente a ser a ativida- vistas, conversas e artigos de jornal. a burguesia era a classe dominan-
no econômico que teve um papel de humana mais significativa para Os restantes 20% são os economis- te. Vivemos no mundo do capita-
muito claro na crise de 2008, mas nossos destinos e, portanto, aque- tas universitários e os economistas lismo tecnoburocrático, no qual
está muito longe de ser novo. Nova la que continua a ter a primazia do contratados pela indústria, a agri- capitalistas e profissionais parti-
é a expressão, que talvez tenha sur- noticiário jornalístico. Mas logo em cultura e a mineração, e os servi- lham poder e privilégio. A lógica
gido para dar conta do poder maior seguida à política, temos a política ços. Que, portanto, são muito pou- do sistema continua essencialmen-
das finanças. Mas se for assim, a fi- macroeconômica. Que parece ser cos. É impressionante como o setor te capitalista – a lógica do lucro –
nanceirização não é algo que expli- capaz de resolver toda sorte de pro- mais importante para o desenvolvi- mas para realizá-lo não basta ca-
ca esse poder, mas é o fenômeno blemas – que garante ou não o cres- mento de qualquer país – o da in- pital que produz lucro; é cada vez
que estamos procurando explicar. cimento econômico, a estabilidade dústria e dos serviços tecnologi- maior a necessidade de mais co-
Voltamos, assim, à estaca zero. financeira, a estabilidade de preços, camente sofisticados – conta com nhecimento que, além de produzir
Ou talvez não, porque descartamos e a própria distribuição de renda. O poucos economistas. lucro, produz salários e bônus ele-
explicações geralmente adotadas, e que é razoavelmente verdade em re- As instituições financeiras não vados para gestores, em particular
nos vemos na contingência de bus- lação aos três primeiros pontos, e contratam esses profissionais pa- para aqueles que são também ma-
car outra explicação. Ofereço-a falso em relação ao quarto. ra ter peso político. Elas os con- croeconomistas políticos.
aqui. O poder político do sistema Dada a enorme importância as- tratam porque precisam de macro-
financeiro aumentou muito desde sumida pela política macroeconô- economistas para administrar as
* É economista e foi ministro da Fazen-
os anos 1950 porque, desde apro- mica, por que deduzir daí que essa tesourarias dessas instituições e pa- da (1987), ministro-chefe da Secretaria da
ximadamente essa década, a políti- é a principal causa do grande au- ra contribuir para a gestão da rique- Administração Federal (1995–1999) e mi-
ca macroeconômica tornou-se ex- mento do poder político do siste- za dos rentistas. O poder político nistro da Ciência e Tecnologia (1999).
tremamente importante para todos
os países, e nenhum setor econômi-
Referências
co tem maior conhecimento de ma- Bresser-Pereira, Luiz Carlos. “A crise financeira global e depois. Um novo capitalismo?”, Novos Estudos Ce-
croeconomia do que esse sistema. brap 86: 51-72, 2010.
A macroeconomia e a políti- Chesnais, François. La Mondialisation du Capital. Paris: Syros, 1994.
ca macroeconômica surgiram nos Chesnais, François. “A fisionomia das crises no capitalismo mundializado”, Novos Estudos Cebrap, nº.52,
anos 1930, com John Maynard novembro: 21-25, 1998.
Keynes, e logo se transformaram Coutinho, Luciano e Luiz Gonzaga Belluzzo. “‘Financeirização’ da riqueza, inflação de ativos e decisões de
em um extraordinário instrumento gasto em economias abertas”, Economia e Sociedade, no. 11, dezembro 1998: 137-150.
de política pública – de intervenção Epstein, Gerald A., org. Financialization and the World Economy. Cheltenham: Edward Elgar, 2005.
do Estado na economia. Mais ou Hilferding, Rudolf. El Capital Financiero. Madrid: Editorial Tecnos, 1963. Edição original em alemão, 1910.
menos na mesma época os bancos Kindleberger, Charles P. Manias, Panics, and Crashes. Nova York: Basic Books, 1978.
Marx, Karl. O Capital - Livro III. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974. Edição original em alemão,
centrais estavam sendo criados, de
póstuma, 1894.
forma que agora, além dos ministé-
Roosevelt, Franklin D. Comment J’Ai Vaincu la Crise. Paris: Alternatives Économiques/Les Petits Matins,
rios de finanças, os países passavam 2014. Trechos de discursos escolhidos por Christian Chavagneux.
a contar com uma instituição orga-
O enigma do financismo
Paulo Kliass* mos dos seguros, nos títulos de bolhas especulativas sem nenhum A crise de 2008:
capitalização, nas hipotecas resi- controle de regulamentação e a do principismo
O longo e antigo processo de
concentração e internacio-
nalização das economias no sis-
denciais e de outras modalidades,
nos bancos de investimento, nas
empresas operadoras de cartões
disseminação dos modelos de “pi-
râmides” fictícias, sem nenhuma
base de sustentação na economia
ao pragmatismo
nanceiras e evitar o colapso do siste- nacional (FMI), também passaram com o núcleo do sistema financei- que questionasse o poder e a essên-
ma como um todo. Significou tam- por semelhante reconversão de seu ro. A formação da opinião públi- cia do financismo, avançando de
bém a adoção de um conjunto de discurso e de suas políticas. Os pró- ca acrítica em uma única direção é forma irreversível na formulação de
medidas heterodoxas na implemen- prios meios de comunicação incor- tão explícita quanto a incrível ca- um novo modelo para o arranjo das
tação da política monetária, da po- poraram a necessidade de adaptar, pacidade de promover uma alte- economias nacionais e sua dinâmi-
lítica fiscal, da política industrial, da de forma pragmática, suas linhas ração substancial em suas propo- ca em escala global. Assim, passada
política cambial, entre outras. Todo editoriais para esse novo paradigma sições sem recorrer ao expediente a fase mais dura da crise, a retomada
o discurso contra a intervenção do indefinido, mas que acentuava ele- da autocrítica sincera. Nesse caso, de sua “normalidade” poderia se via-
setor público no domínio da econo- mentos de crítica em relação à ex- a estratégia parece a ser a tentativa bilizar ainda nas bases desse mesmo
mia cedeu espaço aos clamores por periência do neoliberalismo em sua de atravessar esse período rechea- arranjo que logrou se manter quase
ajuda do Estado na busca de mini- versão sem limites. do de experiências de um keyne- intacto durante esse tempo todo. O
mização das perdas do capital priva- sianismo mal formulado e pouco sistema hegemonizado pelos ban-
do. O principismo cedeu espaço ao Os meios de disfarçado. Necessária para asse- cos auferiu sobrevida e os mesmos
pragmatismo. comunicação e a gurar a sobrevida do modelo e a tornaram-se ainda mais concentra-
Esse movimento de mudan- defesa do modelo sua rentabilidade em momentos dos. As dívidas públicas se manti-
ça atravessou fronteiras nacionais de turbulência, essa rendição a veram como uma armadilha para a
e institucionais. As universidades e Esse processo todo termi- uma visão do mundo e do fenô- definição da política econômica dos
centros de pesquisa vivenciaram es- na por realçar os aspectos de do- meno econômico era tachada de países em todo o mundo. Pouco se
sa experiência. As instituições mul- minação exercida pelos meios de todos os impropérios até então. avançou no estabelecimento de li-
tilaterais, como o Banco Mundial comunicação, em sua relação de O essencial era evitar a consti- mites e de regulação para as ativi-
(BM) e o Fundo Monetário Inter- profunda aliança e promiscuidade tuição de um novo bloco de poder dades da fronteira de sofisticação do
sistema financeiro.
A incapacidade das forças po-
líticas que se opunham ao mode-
lo vigente durante a época áurea
do neoliberalismo em oferecer ao
mundo uma alternativa de natu-
reza progressista colabora com a
consolidação da narrativa domi-
nante. De acordo com essa visão,
esses anos todos pós-crise devem
ser considerados apenas como uma
transição suave no mes-
mo desenho. Ou seja,
foram incorporadas al-
gumas mudanças pontuais de per-
fumaria no modelo, sem que os
elementos essenciais de dominação
financista tenham sido colocados
em questão.
A capacidade demonstrada pe- uma lavagem cerebral. rações. Em total contradição com ortodoxo – passaram a ser enalteci-
lo grande capital de encaminhar O poder ilimitado do grande a doutrina do laissez faire, da noite dos como panaceia para os proble-
uma “solução” para a crise que pro- capital sobre a opinião pública fica para o dia, a opinião pública foi co- mas da economia mundial.
voca graves e duradouros sacrifícios patente quando se observa a faci- municada de que o poder público Nas circunstâncias do capita-
na população não pode ser desvin- lidade com que as grandes demo- não poderia poupar recursos para lismo na sua fase totalitária, não
culada de seu poder absoluto de de- cracias do ocidente impuseram a salvar as grandes instituições. E as- há solução rápida e indolor para as
finir a pauta, a agenda e o contexto seus próprios eleitores a socializa- sim, a pretexto de evitar uma crise contradições que comprometem o
do debate público. No capitalismo ção dos prejuízos como norma de sistêmica de proporções cataclísmi- processo de valorização. Nas regiões
contemporâneo, a liberdade de pen- política econômica. cas, os recursos alegadamente ine- periféricas, o poder do grande capi-
samento confunde-se com liberdade Às vésperas da eclosão da que- xistentes para as políticas públicas tal manifesta-se com força dobra-
de manipulação da opinião públi- bra espetacular de outubro de 2008, abundaram para regar as operações da. À mercê das vicissitudes do mo-
ca, assim como a liberdade de im- enquanto a economia mundial se emergenciais de resgate. Calcula-se vimento da crise, regidos ora pelos
prensa se confunde com a liberda- aproximava do abismo, os grandes que até 2010 os governos dos pa- imperativos dos ciclos especulativos,
de de fazer o que for necessário para meios de comunicação consagra- íses desenvolvidos transferiram, fi- ora pelas exigências dos ajustes es-
manter a população na ignorância. ram a tese da “Grande Moderação”, nanciados pela expansão da dívi- truturais, as economias dependentes
Na ausência de um autêntico deba- segundo a qual o mundo tinha fi- da pública, algo em torno de U$ ficam sujeitas a condicionantes ex-
te público, o regime democrático nalmente entrado numa era de es- 20 trilhões para socorrer as grandes ternos que extrapolam, largamente,
torna-se um embuste e o poder do tabilidade que afastava qualquer corporações, o equivalente a dois a sua soberania nacional.
Estado, uma ditadura que mal dis- possibilidade de crise. As vozes crí- terços do PIB anual do G7. É dentro desse contexto históri-
farça seu caráter totalitário. ticas que advertiam para a marcha Após 2010, passado o risco co-estrutural que se deve examinar
O monopólio da informação e insensata dos acontecimentos, refe- iminente de colapso, o grande ca- o raio de manobra da sociedade bra-
a estigmatização da crítica permi- rendadas por crescentes evidências pital cristalizou o senso comum de sileira para enfrentar a crise. A ver-
tem que os interesses particulares do de que as bases que alimentavam a que havia chegado o momento de dade crua é que, sem rupturas qua-
grande capital sejam tomados co- euforia dos mercados eram insus- a sociedade pagar pelos excessos do litativas de grande envergadura que
mo os interesses gerais da socieda- tentáveis, foram completamente Estado. Sem esclarecer que o “regi- coloquem em questão o próprio re-
de. Técnicas agressivas e sofisticadas desprezadas. Com isso, não houve me de austeridade” supõe estagna- gime burguês, é impossível evitar a
de manipulação são mobilizadas pa- moderação alguma na especulação ção econômica de longa duração, lenta digestão da crise e seus efeitos
ra ocultar as contradições e natura- desenfreada que culminou na maior ofensiva sistemática sobre os direi- desastrosos sobre todas as regiões do
lizar visões parciais e distorcidas da crise econômica e financeira da his- tos dos trabalhadores e esvaziamen- globo e, de maneira mais intensa e
realidade. Tudo o que não se enqua- tória do capitalismo. to da soberania dos Estados nacio- bárbara, sobre as sociedades amea-
dra nos interesses estritos das gran- No momento agudo da crise, nais, a disciplina do desemprego, a çadas de reversão neocolonial.
des corporações é condenado e des- quando tudo que parecia sólido se austeridade nas contas públicas e o
qualificado. Sem a possibilidade do desmanchava no ar, o grande capi- aprofundamento do processo de li- * É professor do Instituto de Economia da
contraditório, a repetição ad nau- tal emplacou a agenda do resgate beralização – os três vetores que Universidade Estadual de Campinas – IE/
seam da vulgata neoliberal torna-se incondicional das grandes corpo- compõem os pilares do receituário Unicamp.
Referências:
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VIEIRA, João Paulo Tapioca de Oliveira. Fragilidades dos mecanismos de controle das organizações sociais de saúde no município do Rio de Janeiro.
Dissertação (Mestrado em Administração Pública) – EBAPE/FGV, Rio de Janeiro, 2016.