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Nº 320 Março de 2016 Órgão Oficial do Corecon-RJ e Sindecon-RJ

O poder do sistema financeiro


Dercio Garcia Munhoz,
Luiz Carlos Bresser-Pereira,
Paulo Kliass, Plínio de
Arruda Sampaio Jr,
Maria Lucia Fattorelli
e o Fórum Popular do
Orçamento analisam,
historiam e apontam as
consequências da hegemonia
do sistema financeiro
2 Editorial Sumário

Sistema financeiro Sistema financeiro ............................................................................. 3

Esta edição do Jornal dos Economistas propõe-se a discutir o prota- Dercio Garcia Munhoz
gonismo do sistema financeiro no atual estágio do Capitalismo no Brasil Origem e consequências da
e no mundo e a influência do setor na definição de políticas de Estado desregulamentação financeira
que impactam o conjunto da sociedade.
Na abertura da edição, texto de Dercio Garcia Munhoz nos brinda Sistema financeiro ............................................................................. 6
com um histórico detalhado, a partir da década de 70, da introdução das Luiz Carlos Bresser-Pereira
políticas neoliberais no mundo e Brasil, que propiciaram a desregula- Por que o sistema financeiro
mentação financeira e a atribuição de superpoderes aos bancos centrais.
tornou-se tão poderoso?
Luiz Carlos Bresser-Pereira, ex-ministro da Fazenda, justifica, no seu
artigo, o grande aumento do poder político do sistema financeiro pelo
fato de o setor empregar mais de 80% dos “macroeconomistas políticos” Sistema financeiro ............................................................................. 8
existentes nos país, que são as fontes consultadas pela imprensa nas pau- Paulo Kliass
tas sobre política macroeconômica. O enigma do financismo
Paulo Kliass, doutor em Economia pela Universidade de Paris 10,
afirma em artigo que a interface cada vez mais simbiótica entre as esfe- Sistema financeiro .......................................................................... 10
ras do setor público e do setor privado estabelece espaços de relação pra- Plínio de Arruda Sampaio Jr
ticamente incestuosos entre a definição de aspectos essenciais das políti-
A ditadura do grande capital
cas públicas e os mecanismos de constituição da impressionante massa
de lucro do setor financeiro.
Sistema financeiro .......................................................................... 12
Plínio de Arruda Sampaio Jr, do IE/Unicamp, argumenta no seu ar-
tigo que o suposto antagonismo entre acumulação financeira e acumula- Maria Lucia Fattorelli
ção produtiva não procede, porque os grandes blocos de capitais operam Auditoria cidadã é a ferramenta para
de maneira sincronizada nas duas esferas. desmascarar a hegemonia financeira obtida
Maria Lucia Fattorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, destaca em com base em exploração e fraudes
artigo o avanço da dominância financeira no mundo e, em particular, no
Brasil, onde o Banco Central pratica abusivas taxas de juros, que não têm Fórum Popular do Orçamento ....................................................... 14
justificativa técnica, política, jurídica ou econômica e resultam no cres-
A financeirização atinge a Saúde
cimento da dívida pública.
O artigo do Fórum Popular do Orçamento analisou a financeiriza-
ção da saúde no Município do Rio de Janeiro, destacando o caso das Or-
O Corecon-RJ apóia e divulga o programa Faixa Livre, apresentado por Paulo Pas-
ganizações Sociais. sarinho, de segunda à sexta-feira, das 9h às 10h30, na Rádio Livre, AM, do Rio, 1440
khz ou na internet: www.programafaixalivre.org.br ou www.radiolivream.com.br

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Sistema financeiro 3

Origem e consequências
da desregulamentação financeira
Dercio Garcia Munhoz* Com os novos negócios alcan- para universalizar o renascido lais-
çando valores astronômicos, a eco- sez-faire, tendo nos emergentes os

A economia mundial presen-


ciou a formação de eleva-
do volume de recursos nos ban-
nomia da produção passou a girar
na orbita do mundo financeiro e
os mercados de trabalho e de bens
alvos preferenciais. Com o cuida-
do de antes, com a renegociação
da divida externa, recuperar a cre-
cos do Euromoedas a partir dos e serviços, sob sucessivos ajustes dibilidade dos antigos devedores.
superávits pós-1973 dos exporta- macroeconômicos, eram domados Tornou-se, então, recorrente
dores de petróleo, que, reciclados para se adequarem aos desarran- – e as trombetas no Brasil foram
dentro do sistema, financiariam jos provocados a partir dos merca- estridentes – o recurso ao argu-
os países deficitários, que, sem re- dos financeiros, fato recorrente na mento falacioso de que o neolibe-
ação, absorveram a conta de pe- União Europeia. ralismo era o caminho para maior
tróleo do mundo industrializado. Como pano de fundo, os ban- eficiência econômica e maior
E a esses valores se agregariam os cos do Euromoedas se lançavam competitividade. Contava-se com
ganhos futuros de intermediação sobre os mercados tradicionais, a fragilidade institucional e a do-
bancária. antes atendidos pelo chamado cré- cilidade dos governantes frente ao
A acumulação de haveres pró- dito doméstico, acirrando a com- canto da sereia do laissez-faire pa-
prios e de terceiros no Euromoe- petição e a conseqüência foi uma ra um desembarque sem riscos nos
das teria criado uma situação de menor dose de cautela, com os mercados emergentes.
overdose em termos globais, um agentes aceitando maiores riscos É fato que já antes, em meados
excesso de recursos no somatório em troca de rentabilidade à ba- dos anos 80, surgiram os primei-
dos mercados de crédito domésti- se das pouco ortodoxas operações ros pruridos do neoliberalismo no
co e internacional – que nos anos não bancárias. mundo em desenvolvimento, im-
80 passaram a atuar interligados – Faltava que os emergentes, pulsionados pelo abre-alas planta-
com desproporção entre recursos tocados pelas fanfarras da glo- do pelo FMI em 1983. Visando a
disponíveis e o tamanho da eco- balização, liberalizassem suas captura de ativos públicos para o
nomia mundial. A situação teria economias, com liberdade de mo- pagamento da dívida externa, as-
se agravado a partir de 1983, com vimentação e operação aos capi- tutamente o FMI recorreu a ar-
o afastamento de importantes tais de curto prazo e um regime de tifícios visando fragilizar as em-
clientes, os PED-devedores, enre- câmbio flutuante sem restrições de presas estatais, introduzindo nos
dados com os problemas da dívi- conversibilidade. O que acontece- programas de ajuste impostos aos
da externa. ria na virada para os anos 90 sob indefesos devedores um concei-
Essa desproporção explicaria um vendaval de justificativas que to esdrúxulo de aferição de défi-
a desregulamentação dos merca- o pensamento liberal reuniria ao cits públicos – a Necessidade de
dos financeiros, com o surgimen- enfocar a América Latina no cha- Financiamento do Setor Público
to de novos intermediários e novas mado Consenso de Washington. – onde o financiamento das em-
operações não bancárias, e a pos- presas estatais passava a ser consi-
sibilidade de, num passe de má- Estratégia para a derado déficit público.
gica, se obter ganhos dissociados liberalização financeira O objetivo dos novos concei-
do circuito produção/comércio: nos emergentes tos era estrangular as estatais ao
em mudanças nas taxas de juros impedir que se financiassem junto
ou flutuações cambiais, ou outras A voracidade dos centros fi- a terceiros, provocando o não in-
imaginosas formas nas flexíveis e nanceiros por novos mercados de- vestimento, a oferta reprimida, a
voláteis bolsas de valores. saguaria na articulação do sistema defasagem tecnológica, criando-se

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4 Sistema financeiro

um clima adverso às empresas, fa- madilhas – tais como a valorização fragilidade normativa dos merca- A dualidade gerencial
cilitando o leilão, exatamente co- cambial, taxas de juros elevadas dos e refletindo as baixas taxas de tem sido fatal no Brasil
mo viria a ocorrer no Brasil nos para atrair capitais especulativos e crescimento econômico, à exceção
anos 90. o acumulo panfletário de reservas. talvez apenas da China, culminan- A economia brasileira viveu a
No liberou geral, com o capi- do no pós-2008, onde estagnação partir de 1974 todas as ilusões e
tal financeiro ofuscando o capi- O imbróglio, com as autorida- e depressão surgem como uma he- todas as angústias. Cresceu a ta-
tal produtivo, predominam no- des monetárias abusando de um rança maldita do generoso laissez- xas elevadas nos anos 70, acumu-
vos dogmas: as metas de inflação, grau de autonomia que subverte as -faire. lou largos déficits externos na crise
o mercado de câmbio à deriva e a bases institucionais, faz com que o Paradoxal que a opção para do petróleo e daí a posição de um
liberdade plena aos capitais erran- global da política macroeconômi- enfrentar os desacertos, no mode- dos maiores devedores, sob aplau-
tes. E mais: a imposição de supe- ca fique refém dos bancos centrais, lo europeu, tenha sido fazer ain- sos generalizados das economias
rávits primários para assegurar o fenômeno gritante na União Eu- da maior e mais voraz o poder dos centrais e sintomático silêncio do
pagamento dos encargos da dívida ropeia com o Tratado de Maastri- bancos centrais com reflexos de- FMI; pagando as consequências já
pública pelo Tesouro. cht de 1992. Aliás, foi para forçar vastadores para as nações periféri- a partir de 1981 na tentativa de
Os novos mercados modelados a independência dos bancos cen- cas, presas fáceis de um tipo selva- corrigir os desequilíbrios.
para os capitais especulativos pas- trais nas econômicas emergentes gem de capitalismo financeiro. Ocuparia ainda o país, em ja-
sam a funcionar como verdadeiros que o FMI enviou 67 missões de
cassinos, enquanto se estabelecia assistência a países membros nos
uma verdadeira aliança entre au- anos 90.
toridades monetárias e o sistema A existência de uma hidra de
financeiro. Ou, talvez com mais duas cabeças na gestão macroeco-
justiça, se deva dizer que no seu nômica, fortalecida pós-Maastri-
retorno profundamente operoso, cht, terá sido grave erro, a julgar
os pregoeiros do liberalismo ousa- pelas sucessivas crises nos merca-
ram produzir uma camisa de for- dos financeiros a partir de então:
ça em torno das autoridades mo- na União Européia, em 1992-
netárias, que sucumbiram iludidas 1993; na Ásia e America Latina,
com a criação de climas artificiais em 1997 e 1998; e em 2008 a ar-
de euforia, lançando-se então a rasadora e universalizada crise do
aventuras – de fato verdadeiras ar- Prime Rate – todas associadas à

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neiro de 1983, a dianteira na fila incapacidade em controlar a infla- va não questionável a partir
de devedores prontos para assinar ção e os próprios gastos. de então a política mone-
programas de ajuste monitorados Conhecidas, todavia, as resis- tária ditada pelo Banco ou
pelo FMI, tendo implementado tências internas à independên- qualquer outra que resol-
medidas rigorosas que gerariam cia do Banco Central, a partir da vesse adotar invocando o
recuo da produção e elevadas frustrada experiência brasileira de objetivo de assegurar as
pressões de custos – dobrando a 1964, abortada pelo novo governo metas inflacionárias.
inflação anual – com aumentos em 1967, optou-se por outro ca- Atingida a per-
de preços que se tornariam in- minho, ainda que aparentemente feição na incorpora-
controláveis na segunda meta- ao arrepio da lei. Criou-se no âm- ção dos princípios ne-
de dos anos 80. Tentativas várias bito do próprio BC um Comitê de oliberais na economia
de controle da inflação, até o Pla- Política Monetária (Copom) com brasileira, as dificuldades
no Real, fracassaram porque fun- regras que autoatribuíam à insti- econômicas presentes
dadas na ilusão de ser possível a tuição poderes que em verdade a atestam o que repre-
estabilização sem perdedores de lei preservava ao Conselho Mone- senta e o que deri-
rendas reais. tário Nacional. va da desorganização
Mas o Brasil já revelara preco- Como o BC nos seus avanços institucional. Os gesto-
cemente, desde o final dos anos regulatórios desconhecia a pirâ- res das diferentes cabeças da hi- tos da administração, cujos frutos
80, uma surpreendente aptidão mide institucional sem encontrar dra se entrechocam, sem conse- amargos estão sendo colhidos. O
para se amoldar às mudanças que obstáculos, buscou a instituição guir definir rumos. Estonteados, passo inicial terá de ser a unifica-
o neoliberalismo dizia essências à reafirmar um grau de indepen- falam em ajuste fiscal ou nas vir- ção do comando da política ma-
inserção num mundo globalizado. dência crescente, criando o que tudes de juros elevados para con- croeconômica, como dos primór-
A iniciativa pioneira foi com des- se denominou de Taxa Selic, co- ter a inflação, embora mais juros e dios da República até o final dos
mantelamento em 1988 do siste- mo instrumento de política mo- mais impostos signifiquem de um anos 90, seguido do corte do cor-
ma de câmbio administrado com netária (Circular BCB 2868 de lado mais custos e mais inflação, e dão umbilical que liga o BC aos
estabilidade das paridades reais, 4/3/1999). Com isso, introduzia de outro menos consumo, menos cofres do Tesouro, à administra-
de 1968, seguido da remoção, em o BC, de moto próprio, uma mu- produção, menos emprego e me- ção da dívida publica, ao privilé-
1991 e 1992, das regras que des- dança profunda nos instrumentos nos receitas fiscais. Perdidos, pre- gio absurdo de fazer política mo-
de início dos anos 80 disciplina- de política monetária, com inevi- gam novas restrições na previdên- netária e cambial com títulos e
vam o ingresso e operações dos ca- táveis reflexos nas despesas finan- cia urbana, fingindo desconhecer custos do Tesouro, sem qualquer
pitais de curto prazo. O resultado ceiras do Governo, já que a ad- seus altos superávits. Desarvora- controle, previsão ou autorização
foi a entrada acelerada dos inves- ministração da dívida pública e o dos, visam obter alguns bilhões orçamentária.
timentos de carteira nos anos 90 tamanho dos seus encargos fica- de superávits primários com mais No rearranjo, medidas priori-
com fluxos explosivos no novo ram fora da alçada das autoridades impostos e cortes em gastos essen- tárias deverão estar centradas na
milênio – mais de US$ 1 trilhão fazendárias, tornando-se imprevi- ciais, escondendo que só em 2015 recomposição das rendas das famí-
apenas entre 2003-2010 – passan- síveis e incontroláveis. o incontrolável BC, numa ação lias, hoje corrompidas graças aos
do a jorrar dólares para aplicações Na prática permitia-se ao BC devastadora, jogou sobre o gover- delírios do BC e à indiferença da
financeiras, posteriormente, tam- a pretendida independência, afas- no uma conta de R$ 500 bilhões Fazenda por mais de R$ 500 bi-
bém como Investimentos Diretos tando-se a Fazenda do núcleo de só de juros, engolindo metade da lhões de juros bancários, que, com
e Empréstimos Intercompanhias. decisões cambiais e monetárias, e arrecadação tributária anual do o peso crescente dos impostos,
Alcançada a desregulamenta- portanto dos rumos dos déficits Tesouro. com destaque o imposto de ren-
ção cambial e financeira, se avan- públicos e da dívida pública. Tudo Cabe indagar, quase ao deses- da, tem um efeito devastador so-
çaria na direção da independência nas mãos do Banco Central, sob a pero: Quo Vadis? Quo Fluctus Bra- bre os assalariados, tornando mais
do Banco Central, tema que, co- batuta do poderoso Copom. zil? (Para onde vamos? Para onde grave o travamento da economia e
mo no modelo europeu e nas refor- A criação das metas de infla- levas o Brasil?). incerta a sua recuperação.
mas nas nações emergentes, passou ção viria em seguida (Decreto Não se dispõe de muito tempo
a ser tratado com prioridade, a fim 3.088 de 21/6/1999), numa am- para contornar o panorama som- * É membro do Conselho de Orientação
de afastar os governos das decisões pliação da carta branca do BC, brio derivado de ilusões tais como do Ipea e foi professor titular do Departa-
mento de Economia da UnB e presiden-
em questões ligadas ao sistema fi- agora em matéria de políticas o câmbio valorizado, preços po- te do Conselho Federal de Economia e do
nanceiro, sob a justificativa da sua macroeconômicas, o que torna- líticos e superpoderes a segmen- Conselho Superior da Previdência Social.

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Por que o sistema financeiro


tornou-se tão poderoso?
Luiz Carlos Bresser-Pereira* no Brasil, em 2012, depois de ha- quando financiam investimentos,
ver logrado baixar a taxa de juros criarem capital. Sem dúvida, mas

P or que o sistema financeiro


tornou-se tão poderoso po-
liticamente nos últimos 50 anos?
básica do Banco Central no ano
anterior e enquanto ainda gozava
de índice de popularidade muito
essa explicação não é um fato no-
vo, e, para explicar um fato histó-
rico novo, precisamos de outro fato
Não apenas no Brasil; em todo o alto, a presidente Dilma Rousse- histórico novo. O sistema financei-
mundo capitalista. Por que os ma- ff voltou-se diretamente contra os ro sempre foi capaz de criar dinhei-
croeconomistas que trabalham nos bancos, criticando-os por suas al- ro. E também de criar capital, como
bancos e em outras instituições fi- tas margens e por não financiarem Marx bem viu com seu conceito de
nanceiras são hoje muito mais cha- adequadamente as empresas. Nes- capital fictício desenvolvido no ter-
mados a opinar do que antes? Por se mesmo ano a presidente viu os ceiro volume de O Capital.
que o peso da opinião dos prin- empresários industriais abandona- Uma segunda explicação: o sur-
cipais banqueiros e dirigentes de rem o pacto político desenvolvi- gimento do “capital financeiro”.
fundos de investimento é hoje mentista que ela e o ex-presiden- Esse foi um conceito introduzido
substancialmente maior do que era te Lula tanto buscaram, e no ano por Rudolf Hilferding em 1910,
nos anos 1950? Por que os gover- seguinte viu sua popularidade des- em seu clássico livro, O Capital Fi-
nos devem hoje ser mais cuidado- pencar. É claro que seu ataque ao nanceiro. Hilferding conceituou o
sos do que antes em regular e, mais sistema financeiro talvez não te- capital financeiro de forma precisa,
amplamente, relacionar-se com o nha sido a única, e nem a principal como a fusão do capital industrial
sistema financeiro? causa das grandes dificuldades que com o capital bancário sob o co-
Antes de tentar responder a esta em seguida enfrentou, mas não te- mando do segundo. Era algo que
questão preciso justificá-la, porque nho dúvida que esse ataque foi po- se observara na Alemanha no úl-
certamente haverá aqueles que dirão liticamente desavisado. timo quartel do século XIX. Mas
que a pergunta está errada: que o sis- Outra evidência do novo poder além de este também não ser um
tema financeiro sempre foi politica- do sistema financeiro é muito sim- fato novo, ele afinal não se confir-
mente poderoso. Suponho, porém, ples. Desde os anos 1950 até mea- mou. A tendência ao controle da
que a maioria das pessoas que parti- dos dos anos 1980, não havia qual- produção pelas finanças não pro-
lharem dessa opinião serão jovens, e quer dúvida que os empresários grediu nem mesmo na Alemanha.
não tiveram a experiência de um se- industriais eram a classe social mais Uma terceira explicação seria a
tor financeiro menos poderoso. importante politicamente no Brasil. financeirização, um fenômeno apa-
Certamente será possível obter Depois da grande Crise da Dívida rentemente mais recente. A adoção
evidências mais fortes para o que Externa dos Anos 1980 e de haverem dessa expressão e a análise original
estou afirmando do que as da me- sido desconsiderados pelos governos do fenômeno foram realizadas por
mória dos mais velhos. Uma con- neoliberais nos anos 1990, os indus- François Chesnais nos anos 1990.
sulta sistemática aos jornais de triais perderam essa posição para o No Brasil, Luiz Gonzaga Belluzzo
hoje e de 50 anos atrás certamen- sistema financeiro, e não a recupera- e Luciano Coutinho têm contri-
te comprovaria minha hipótese. ram nos anos do governo do PT. buições significativas para o tema.
Aqui, apresento apenas dois fatos Mas voltemos à questão do po- No quadro do sistema universitá-
a favor dela. Quem ler os discur- der político do sistema financeiro. rio anglo-saxão, o tema foi ampla-
sos do presidente Franklin Delano Há varias causas que são geralmen- mente abordado em livro organiza-
Roosevelt nos anos 1930 ficará im- te apresentadas para esse poder his- do por Gerald A. Epstein, de 2005.
pressionado com a violência da sua toricamente recente. A explicação Mas o que é a financeirização? Uma
crítica ao sistema e a seus dirigen- mais geral é a de que o poder do forma simples de defini-la está em
tes. E, no entanto, ele continuou sistema financeiro origina-se no fa- meu artigo de 2010 sobre a Crise
a ser reeleito. Por outro lado, aqui to de os bancos criarem dinheiro, e, Financeira Global de 2008: “é um

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arranjo financeiro distorcido, base- nizacional adicional para realizar a ma financeiro? Pela simples razão maior daí derivado não é planeja-
ado na criação de riqueza financei- política macroeconômica. que o sistema financeiro deve em- do; é uma consequência não previs-
ra artificial, ou seja, riqueza finan- Hoje, ao lermos os jornais, te- pregar mais de 80% dos “macroe- ta, mas certamente bem-vinda. Para
ceira desligada da riqueza real ou mos a impressão de que a política conomistas políticos” existentes nos qualquer problema econômico que
da produção de bens e serviços”, macroeconômica está em toda par- países ricos e nos países de renda surja, os jornais precisam consultar
ou então, é o regime das inovações te e é de longe a política que pro- média como o Brasil, entendendo- a opinião de economistas, e quem
e das fraudes financeiras que facili- duz os resultados mais importantes, -se por macroeconomistas políticos eles consultam – quem está dispo-
tam a precificação descolada do va- tanto os bons quanto os maus re- não aqueles que têm mestrados ou nível para oferecer-lhes seu parecer?
lor dos ativos; é o aumento artificial sultados. Certamente há outras po- doutorados nessa área, mas aque- Os macroeconomistas do sistema
dos ganhos dos capitalistas rentistas líticas públicas – a política de edu- les profissionais ou tecnoburocra- financeiro, cuja verdade particular
e dos financistas que administram a cação, de saúde, de previdência, de tas que conhecem razoavelmente se transforma na “verdade geral”.
riqueza dos primeiros; é a atividade infraestrutura, microeconômicas – a macroeconomia e participam de Não há nada de surpreendente
financeira que dá origem a crises fi- que atraem também a atenção. E o alguma forma do debate econômi- no que estou afirmando. Há mui-
nanceiras, ou, nas palavras de Kind- jogo político – o exercício da políti- co público, nem tanto através de li- to que não vivemos no mundo do
leberger, a manias, pânicos e crashes. ca – no país e a nível internacional vros e papers, mas através de entre- capitalismo clássico, onde apenas
Trata-se, portanto, de um fenôme- continua felizmente a ser a ativida- vistas, conversas e artigos de jornal. a burguesia era a classe dominan-
no econômico que teve um papel de humana mais significativa para Os restantes 20% são os economis- te. Vivemos no mundo do capita-
muito claro na crise de 2008, mas nossos destinos e, portanto, aque- tas universitários e os economistas lismo tecnoburocrático, no qual
está muito longe de ser novo. Nova la que continua a ter a primazia do contratados pela indústria, a agri- capitalistas e profissionais parti-
é a expressão, que talvez tenha sur- noticiário jornalístico. Mas logo em cultura e a mineração, e os servi- lham poder e privilégio. A lógica
gido para dar conta do poder maior seguida à política, temos a política ços. Que, portanto, são muito pou- do sistema continua essencialmen-
das finanças. Mas se for assim, a fi- macroeconômica. Que  parece  ser cos. É impressionante como o setor te capitalista – a lógica do lucro –
nanceirização não é algo que expli- capaz de resolver toda sorte de pro- mais importante para o desenvolvi- mas para realizá-lo não basta ca-
ca esse poder, mas é o fenômeno blemas – que garante ou não o cres- mento de qualquer país – o da in- pital que produz lucro; é cada vez
que estamos procurando explicar. cimento econômico, a estabilidade dústria e dos serviços tecnologi- maior a necessidade de mais co-
Voltamos, assim, à estaca zero. financeira, a estabilidade de preços, camente sofisticados – conta com nhecimento que, além de produzir
Ou talvez não, porque descartamos e a própria distribuição de renda. O poucos economistas. lucro, produz salários e bônus ele-
explicações geralmente adotadas, e que é razoavelmente verdade em re- As instituições financeiras não vados para gestores, em particular
nos vemos na contingência de bus- lação aos três primeiros pontos, e contratam esses profissionais pa- para aqueles que são também ma-
car outra explicação. Ofereço-a falso em relação ao quarto. ra ter peso político. Elas os con- croeconomistas políticos.
aqui. O poder político do sistema Dada a enorme importância as- tratam porque precisam de macro-
financeiro aumentou muito desde sumida pela política macroeconô- economistas para administrar as
* É economista e foi ministro da Fazen-
os anos 1950 porque, desde apro- mica, por que deduzir daí que essa tesourarias dessas instituições e pa- da (1987), ministro-chefe da Secretaria da
ximadamente essa década, a políti- é a principal causa do grande au- ra contribuir para a gestão da rique- Administração Federal (1995–1999) e mi-
ca macroeconômica tornou-se ex- mento do poder político do siste- za dos rentistas. O poder político nistro da Ciência e Tecnologia (1999).
tremamente importante para todos
os países, e nenhum setor econômi-
Referências
co tem maior conhecimento de ma- Bresser-Pereira, Luiz Carlos. “A crise financeira global e depois. Um novo capitalismo?”, Novos Estudos Ce-
croeconomia do que esse sistema. brap 86: 51-72, 2010.
A macroeconomia e a políti- Chesnais, François. La Mondialisation du Capital. Paris: Syros, 1994.
ca macroeconômica surgiram nos Chesnais, François. “A fisionomia das crises no capitalismo mundializado”,  Novos Estudos Cebrap, nº.52,
anos 1930, com John Maynard novembro: 21-25, 1998.
Keynes, e logo se transformaram Coutinho, Luciano e Luiz Gonzaga Belluzzo. “‘Financeirização’ da riqueza, inflação de ativos e decisões de
em um extraordinário instrumento gasto em economias abertas”, Economia e Sociedade, no. 11, dezembro 1998: 137-150.
de política pública – de intervenção Epstein, Gerald A., org. Financialization and the World Economy. Cheltenham: Edward Elgar, 2005.
do Estado na economia. Mais ou Hilferding, Rudolf. El Capital Financiero. Madrid: Editorial Tecnos, 1963. Edição original em alemão, 1910.
menos na mesma época os bancos Kindleberger, Charles P. Manias, Panics, and Crashes. Nova York: Basic Books, 1978.
Marx, Karl. O Capital - Livro III. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974. Edição original em alemão,
centrais estavam sendo criados, de
póstuma, 1894.
forma que agora, além dos ministé-
Roosevelt, Franklin D.  Comment J’Ai Vaincu la Crise. Paris: Alternatives Économiques/Les Petits Matins,
rios de finanças, os países passavam 2014. Trechos de discursos escolhidos por Christian Chavagneux.
a contar com uma instituição orga-

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8 Sistema financeiro

O enigma do financismo
Paulo Kliass* mos dos seguros, nos títulos de bolhas especulativas sem nenhum A crise de 2008:
capitalização, nas hipotecas resi- controle de regulamentação e a do principismo
O longo e antigo processo de
concentração e internacio-
nalização das economias no sis-
denciais e de outras modalidades,
nos bancos de investimento, nas
empresas operadoras de cartões
disseminação dos modelos de “pi-
râmides” fictícias, sem nenhuma
base de sustentação na economia
ao pragmatismo

Basta lembrar, por exemplo,


tema capitalista vem sempre de crédito, nas múltiplas ativida- real, levaram centenas de milhões que às vésperas da quebra de ins-
acompanhado, ao longo de suas des de comercialização nas bolsas de indivíduos, famílias e empre- tituições fundamentais – como foi
sucessivas etapas, de uma hegemo- de valores, na constituição e dis- sas de todo o mundo a aplicarem caso do Lehman Brothers nos Es-
nia crescente exercida pelo capital seminação dos títulos inovadores seus recursos em projetos financei- tados Unidos – o establishment ofe-
financeiro. Essa dominação se re- no mercado de capitais, nos fun- ros marcados pela evidente ausên- recia a todos um quadro róseo de
aliza tanto na sua relação com as dos de investimento, nos fundos cia de qualquer base de sustentabi- garantia quanto à liquidez e solidez
demais frações do capital, quanto de pensão, na previdência comple- lidade econômica. do sistema. As agências de classifi-
na sua articulação com o conjunto mentar aberta, nos mercados de A crise mais recente ganha re- cação de risco certificavam os ban-
dos outros setores e classes sociais. câmbio, nos mercados de “com- levância a partir das dificuldades cos, que viriam a quebrar no dia
No interior do capital financei- modities”, nos mercados de deri- surgidas no sistema financeiro seguinte, como investimentos de
ro, os bancos constituem seu nú- vativos, entre tantos outros tipos norte-americano a partir de 2008 segurança máxima, os famosos por-
de atividades. e 2009. O avanço descontrolado tadores da certificação AAA. Todos
conquistado pelo financismo em aqueles analistas que teimassem em
Financismo: relações direção aos produtos e modelos apontar as falhas do modelo e os
entre setor público derivados da inovação e sofistica- riscos iminentes de sua manuten-
e setor privado ção financeiras permitiu a consti- ção sem correções eram excluídos
tuição de bolhas impressionantes. dos espaços dos meios de comuni-
A tendência de reforço da fi- Esse processo contou com a com- cação. Afinal, os dogmas do libera-
nanceirização forneceu uma di- placência dos órgãos que deve- lismo estabeleciam que o mercado
mensão muito especial ao também riam, teoricamente, regulamen- seria a única maneira adequada pa-
importante processo de constitui- tar e fiscalizar o mercado, como ra se aferir a qualidade das empre-
ção e administração das dívidas as agências reguladoras e os ban- sas e dos investimentos.
públicas em todo o mundo. Es- cos centrais. A partir da eclosão da crise, po-
sa interface cada vez mais simbi- Essa complexa engenharia ins- rém, todos os princípios tão propa-
ótica entre as esferas do setor pú- titucional no interior do univer- gandeados pelos defensores do libe-
blico e do setor privado estabelece so das finanças evoluiu de forma ralismo foram sendo abandonados.
espaços de relação praticamente significativa justamente no perí- Colocados frente à possibilidade da
incestuosos entre a definição de odo de auge do paradigma neoli- quebradeira generalizada, os princi-
aspectos essenciais das políticas beral em todo o mundo. Assim, a pais agentes do financismo inicia-
cleo historicamente mais relevan- públicas e os mecanismos de cons- crença quase cega nas virtudes dos ram um poderoso lobby junto aos
te. Tais instituições abandonaram, tituição da impressionante massa ajustes a serem patrocinados pela responsáveis políticos para operar
pouco a pouco, a postura de se de- de lucro do setor financeiro. livre ação das forças de mercado uma mudança significativa na con-
dicar exclusivamente à sua função A acumulação de ganhos na terminou por conduzir o sistema dução da política econômica. Às
mais tradicional de provedoras de esfera apenas financeira estabele- para a beira do abismo. A supos- favas com toda a pureza principis-
recursos para crédito e emprésti- ce uma tangência perigosa com a ta eficiência de um equilíbrio que ta, pois o objetivo mais importante
mo a terceiros, avançando cada vez especulação pura e simples, mas deveria ser atingido exatamente passou a ser a salvação das empresas
mais em direção a um conjunto de com limites levados muito além pela ausência de qualquer meca- privadas e a preservação da sua ca-
outras áreas de diversificação das da fronteira de algumas das bem nismo de controle do setor públi- pacidade de sobrevivência em meio
atividades financeiras. conhecidas características intrín- co encontrou sua falácia nas con- à tormenta que se anunciava.
Os grandes conglomerados do secas ao capitalismo, como a in- sequências econômicas e sociais Isso significou a exigência de
financismo atuam no crédito pes- certeza e o risco envolvidos nos que a crise tem provocado em to- alocação de recursos públicos para
soal e empresarial, nos vários ra- empreendimentos. A formação de dos os continentes. sanear as dívidas das instituições fi-

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Sistema financeiro 9

nanceiras e evitar o colapso do siste- nacional (FMI), também passaram com o núcleo do sistema financei- que questionasse o poder e a essên-
ma como um todo. Significou tam- por semelhante reconversão de seu ro. A formação da opinião públi- cia do financismo, avançando de
bém a adoção de um conjunto de discurso e de suas políticas. Os pró- ca acrítica em uma única direção é forma irreversível na formulação de
medidas heterodoxas na implemen- prios meios de comunicação incor- tão explícita quanto a incrível ca- um novo modelo para o arranjo das
tação da política monetária, da po- poraram a necessidade de adaptar, pacidade de promover uma alte- economias nacionais e sua dinâmi-
lítica fiscal, da política industrial, da de forma pragmática, suas linhas ração substancial em suas propo- ca em escala global. Assim, passada
política cambial, entre outras. Todo editoriais para esse novo paradigma sições sem recorrer ao expediente a fase mais dura da crise, a retomada
o discurso contra a intervenção do indefinido, mas que acentuava ele- da autocrítica sincera. Nesse caso, de sua “normalidade” poderia se via-
setor público no domínio da econo- mentos de crítica em relação à ex- a estratégia parece a ser a tentativa bilizar ainda nas bases desse mesmo
mia cedeu espaço aos clamores por periência do neoliberalismo em sua de atravessar esse período rechea- arranjo que logrou se manter quase
ajuda do Estado na busca de mini- versão sem limites. do de experiências de um keyne- intacto durante esse tempo todo. O
mização das perdas do capital priva- sianismo mal formulado e pouco sistema hegemonizado pelos ban-
do. O principismo cedeu espaço ao Os meios de disfarçado. Necessária para asse- cos auferiu sobrevida e os mesmos
pragmatismo. comunicação e a gurar a sobrevida do modelo e a tornaram-se ainda mais concentra-
Esse movimento de mudan- defesa do modelo sua rentabilidade em momentos dos. As dívidas públicas se manti-
ça atravessou fronteiras nacionais de turbulência, essa rendição a veram como uma armadilha para a
e institucionais. As universidades e Esse processo todo termi- uma visão do mundo e do fenô- definição da política econômica dos
centros de pesquisa vivenciaram es- na por realçar os aspectos de do- meno econômico era tachada de países em todo o mundo. Pouco se
sa experiência. As instituições mul- minação exercida pelos meios de todos os impropérios até então. avançou no estabelecimento de li-
tilaterais, como o Banco Mundial comunicação, em sua relação de O essencial era evitar a consti- mites e de regulação para as ativi-
(BM) e o Fundo Monetário Inter- profunda aliança e promiscuidade tuição de um novo bloco de poder dades da fronteira de sofisticação do
sistema financeiro.
A incapacidade das forças po-
líticas que se opunham ao mode-
lo vigente durante a época áurea
do neoliberalismo em oferecer ao
mundo uma alternativa de natu-
reza progressista colabora com a
consolidação da narrativa domi-
nante. De acordo com essa visão,
esses anos todos pós-crise devem
ser considerados apenas como uma
transição suave no mes-
mo desenho. Ou seja,
foram incorporadas al-
gumas mudanças pontuais de per-
fumaria no modelo, sem que os
elementos essenciais de dominação
financista tenham sido colocados
em questão.

* É doutor em Economia pela Universi-


dade de Paris 10 e especialista em políticas
públicas e gestão governamental, carreira
do governo federal.

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10 Sistema financeiro

A ditadura do grande capital


Plínio de Arruda Sampaio Jr* uma lógica particularmente antis- do capital industrial por capitais
social e perversa de administração “parasitários” que se reproduzem

A expectativa de que a eclosão


de uma crise econômica ge-
ral abriria espaço para a superação
da crise, cuja essência consiste em
diluir no tempo a desvalorização
dos excedentes de capitais conde-
no mercado financeiro. É a que-
da na taxa de lucro, provocada pe-
la própria expansão ilimitada da
do neoliberalismo frustrou-se. Os nados à destruição (financeiros e produção, que paralisa a acumu-
que esperavam a adoção de polí- produtivos); transferir os ativos de lação de capital e estimula a for-
ticas anticíclicas de corte keyne- pior qualidade – os “micos” – pa- mação de processos especulativos
siano ficaram a ver navios. As téc- ra o Estado e para as frações mais na esfera da circulação. Ao reve-
nicas de intervenção na economia débeis da burguesia; e aumentar a lar a existência de forças produti-
não foram utilizadas pelo poder superexploração do trabalho. vas incapazes de sobreviver às no-
público para evitar uma estagna- Iludem-se os que ainda so- vas condições da concorrência, ou
ção regressiva e prolongada e sim nham com a possibilidade de uma seja, ameaçadas de violenta desva-
para proteger incondicionalmente contraofensiva inspirada em va- lorização, a queda na taxa de lucro
o grande capital. lores humanistas de uma burgue- explicita a presença de um exce-
Ao dobrar as apostas no neo- sia progressista e sustentada por dente absoluto de capital sem con-
liberalismo, a “solução americana” uma coalizão de empresários pro- dições de voltar à esfera produtiva potência do grande capital, a hi-
despejou o ônus da crise nas cos- dutivos. A perspectiva keynesia- para ampliar a extração de mais- pertrofia da esfera financeira é um
tas dos elos fracos da sociedade, pe- na, baseada no suposto de um -valia pela intensificação da pro- produto e não uma causa das con-
nalizando fortemente os trabalha- Estado nacional com poderes so- dutividade do trabalho. tradições que comprometem a acu-
dores e, muito particularmente, bre o grande capital, é incapaz de Nessas circunstâncias, a defe- mulação de capital.
aqueles que vivem na periferia do compreender a natureza dos pro- sa patrimonialista da riqueza ve- Na etapa superior do capitalis-
capitalismo. Não por acaso, desde blemas que paralisam a economia lha constitui limite intransponí- mo monopolista, as transições pro-
2008 o mundo assiste atônito à es- mundial e a dimensão das mudan- vel à emergência de riqueza nova, vocadas pelas crises econômicas são
calada do desemprego, ao aumen- ças necessárias para superá-los. pois a sobrevivência de equipa- particularmente complexas e difí-
to explosivo da dívida pública, ao A presença de um suposto anta- mentos anacrônicos simplesmente ceis. Os problemas práticos coloca-
risco generalizado de crises de dí- gonismo entre acumulação financei- pressupõe o congelamento de ino- dos pela necessidade de expropriar
vida externa, à exacerbação da con- ra e acumulação produtiva, tão cara vações radicais. Na impossibilida- blocos de capitais realmente gigan-
centração de renda, à expansão ga- aos que defendem a repressão das fi- de de revolucionar a produtivida- tescos tornam extraordinariamente
lopante dos fluxos migratórios. O nanças descontroladas, é uma inter- de do trabalho, os excedentes são demorada a temporalidade que re-
sofrimento tem sido em vão. Não pretação fetichista da realidade. Os canalizados para a ciranda finan- ge a recomposição das forças produ-
se vislumbra luz no fim do túnel. grandes blocos de capitais operam ceira, especulação mercantil e in- tivas, estrutura orgânica do capital e
A subordinação da políti- de maneira sincronizada nas duas vestimentos portadores de inova- relação capital-trabalho. Daí a mo-
ca econômica aos desideratos de esferas de valorização e suas estraté- ções de segunda ordem que dão rosidade do processo de reconstitui-
corporações consideradas muito gias de concorrência tornam-se in- uma sobrevida aos capitais amea- ção das condições de exploração do
grandes para quebrar – “too big to compreensíveis se isoladas uma da çados de desvalorização. trabalho que permitem a retoma-
fail” – e muito grandes para serem outra, uma vez que sem a combina- Antes de uma manifestação pa- da do desenvolvimento capitalista.
reestruturadas – “too big to be re- ção de poder econômico e financeiro tológica que poderia ser corrigida A subordinação do ritmo e intensi-
estructured” – bloqueia a digestão é impossível sobreviver no mercado pela vontade política de coibir a es- dade da digestão do excedente ab-
dos excedentes absolutos de capi- mundial. O braço de ferro que defi- peculação e estimular a demanda soluto de capital à lei do mais forte
tais, o que impede a renovação do ne os ganhadores e os perdedores na agregada, a primazia dos interesses implica processos de concentração e
desenvolvimento capitalista à me- luta de vida e morte entre os grandes de uma aristocracia capitalista en- centralização de propriedade, basea-
dida que desestimula a introdução blocos de capitais se dá, em grande castelada no mercado financeiro dos na concorrência por estrangula-
de inovações. A força da riqueza medida, no obscuro mundo das al- reflete o impasse gerado pela pre- mento financeiro e tecnológico, que
velha na estrutura patrimonial dos tas finanças, longe dos olhos plebeus. sença de grandes massas de capitais demandam complexas operações
grandes conglomerados globais A depressão dos investimentos condenados à liquidação que relu- econômicas, mercantis e financeiras
consubstancia-se na imposição de não decorre da punção do lucro tam em deixar a cena. Reflexo da e exigem tempo.

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Sistema financeiro 11

A capacidade demonstrada pe- uma lavagem cerebral. rações. Em total contradição com ortodoxo – passaram a ser enalteci-
lo grande capital de encaminhar O poder ilimitado do grande a doutrina do laissez faire, da noite dos como panaceia para os proble-
uma “solução” para a crise que pro- capital sobre a opinião pública fica para o dia, a opinião pública foi co- mas da economia mundial.
voca graves e duradouros sacrifícios patente quando se observa a faci- municada de que o poder público Nas circunstâncias do capita-
na população não pode ser desvin- lidade com que as grandes demo- não poderia poupar recursos para lismo na sua fase totalitária, não
culada de seu poder absoluto de de- cracias do ocidente impuseram a salvar as grandes instituições. E as- há solução rápida e indolor para as
finir a pauta, a agenda e o contexto seus próprios eleitores a socializa- sim, a pretexto de evitar uma crise contradições que comprometem o
do debate público. No capitalismo ção dos prejuízos como norma de sistêmica de proporções cataclísmi- processo de valorização. Nas regiões
contemporâneo, a liberdade de pen- política econômica. cas, os recursos alegadamente ine- periféricas, o poder do grande capi-
samento confunde-se com liberdade Às vésperas da eclosão da que- xistentes para as políticas públicas tal manifesta-se com força dobra-
de manipulação da opinião públi- bra espetacular de outubro de 2008, abundaram para regar as operações da. À mercê das vicissitudes do mo-
ca, assim como a liberdade de im- enquanto a economia mundial se emergenciais de resgate. Calcula-se vimento da crise, regidos ora pelos
prensa se confunde com a liberda- aproximava do abismo, os grandes que até 2010 os governos dos pa- imperativos dos ciclos especulativos,
de de fazer o que for necessário para meios de comunicação consagra- íses desenvolvidos transferiram, fi- ora pelas exigências dos ajustes es-
manter a população na ignorância. ram a tese da “Grande Moderação”, nanciados pela expansão da dívi- truturais, as economias dependentes
Na ausência de um autêntico deba- segundo a qual o mundo tinha fi- da pública, algo em torno de U$ ficam sujeitas a condicionantes ex-
te público, o regime democrático nalmente entrado numa era de es- 20 trilhões para socorrer as grandes ternos que extrapolam, largamente,
torna-se um embuste e o poder do tabilidade que afastava qualquer corporações, o equivalente a dois a sua soberania nacional.
Estado, uma ditadura que mal dis- possibilidade de crise. As vozes crí- terços do PIB anual do G7. É dentro desse contexto históri-
farça seu caráter totalitário. ticas que advertiam para a marcha Após 2010, passado o risco co-estrutural que se deve examinar
O monopólio da informação e insensata dos acontecimentos, refe- iminente de colapso, o grande ca- o raio de manobra da sociedade bra-
a estigmatização da crítica permi- rendadas por crescentes evidências pital cristalizou o senso comum de sileira para enfrentar a crise. A ver-
tem que os interesses particulares do de que as bases que alimentavam a que havia chegado o momento de dade crua é que, sem rupturas qua-
grande capital sejam tomados co- euforia dos mercados eram insus- a sociedade pagar pelos excessos do litativas de grande envergadura que
mo os interesses gerais da socieda- tentáveis, foram completamente Estado. Sem esclarecer que o “regi- coloquem em questão o próprio re-
de. Técnicas agressivas e sofisticadas desprezadas. Com isso, não houve me de austeridade” supõe estagna- gime burguês, é impossível evitar a
de manipulação são mobilizadas pa- moderação alguma na especulação ção econômica de longa duração, lenta digestão da crise e seus efeitos
ra ocultar as contradições e natura- desenfreada que culminou na maior ofensiva sistemática sobre os direi- desastrosos sobre todas as regiões do
lizar visões parciais e distorcidas da crise econômica e financeira da his- tos dos trabalhadores e esvaziamen- globo e, de maneira mais intensa e
realidade. Tudo o que não se enqua- tória do capitalismo. to da soberania dos Estados nacio- bárbara, sobre as sociedades amea-
dra nos interesses estritos das gran- No momento agudo da crise, nais, a disciplina do desemprego, a çadas de reversão neocolonial.
des corporações é condenado e des- quando tudo que parecia sólido se austeridade nas contas públicas e o
qualificado. Sem a possibilidade do desmanchava no ar, o grande capi- aprofundamento do processo de li- * É professor do Instituto de Economia da
contraditório, a repetição ad nau- tal emplacou a agenda do resgate beralização – os três vetores que Universidade Estadual de Campinas – IE/
seam da vulgata neoliberal torna-se incondicional das grandes corpo- compõem os pilares do receituário Unicamp.

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12 Sistema financeiro

Auditoria cidadã é a ferramenta para


desmascarar a hegemonia financeira
obtida com base em exploração e fraudes
Maria Lucia Fattorelli* po de instituições bancárias, tais co- alegou necessidade de “preservar a acesso a paraísos fiscais, possibili-
mo Citigroup, Morgan Stanley, Mer- estabilidade financeira na Europa”4 tando grandes negócios.

O capital tem levado vantagem


descomunal na apropriação
dos recursos financeiros e patrimo-
rill Lynch, Bank of America, Barclays,
Goldman Sachs, JP Morgan Chase,
Deutsche Bank, UBS e Credit Suisse.
e impôs a adoção de medidas que
resultaram na transferência da cri-
se para os países. O resultado tem
No Brasil, diversas regras de
funcionamento do sistema finan-
ceiro deixaram de existir, caben-
niais ao redor do mundo. O avanço Essas mesmas instituições se en- sido o esgarçamento social, a dete- do ressaltar a completa revogação
da dominância financeira possibili- contravam ameaçadas de quebra a rioração econômica e, logicamente, do art. 192 da Constituição Fede-
tado por desregulamentação finan- partir de 2007 e foram “salvas”. Con- a privatização do patrimônio estatal. ral e do Manual de Normas e Ins-
ceira, sigilo bancário, acesso a pa- forme auditoria feita pelo Depar- Pouco ou nada se comenta a truções do Banco Central (MNI)
raísos fiscais, entre outras benesses, tamento de Contabilidade Gover- respeito das “bolhas” de derivati- que compilava as normas8. O re-
tem utilizado múltiplos mecanis- namental2 dos EUA, 16 trilhões de vos sem lastro criadas pelo setor sultado é a proliferação de perver-
mos financeiros que geram obriga- dólares foram transferidos, em segre- financeiro desregulado, que com- sos mecanismos e crise.
ções financeiras para Estados, mul- do, pelo Sistema da Reserva Federal prometeram os balanços contábeis
tiplicam a chamada dívida pública (FED) a essas e outras instituições. dos bancos e inundaram inclusive Mecanismos financeiros
e provocam contínuas crises. A crise de 2008 não ficou mar- contas “fora de balanço” 5. Prevale- geradores de dívida
Evidentemente, as justificativas cada por essa verdadeira farra do ceu o cenário do subprime... pública no Brasil
para as crises são construídas com sistema financeiro, mas sim pelo Na América Latina, a crise pro- Dentre os mecanismos finan-
base em cenários que não respon- cenário de financiamentos habita- duzida pelos bancos internacionais6 ceiros, sobressaem os que utilizam
sabilizam o setor financeiro que as cionais excessivos nos EUA, a crise financiadores de ditaduras milita- o endividamento público às avessas,
provoca. Responsabilizam a socieda- do subprime… Na Europa, no iní- res nos anos 80 ficou conhecida co- gerando obrigações para o Estado
de, para que esta se sacrifique cada cio de 2009, era público o conhe- mo crise da dívida externa. Tal crise de forma abusiva e sem contrapar-
vez mais para pagar a conta. O de- cimento de que o salvamento de justificou a interferência do FMI, tida, pois os recursos beneficiam di-
safio é desmascarar as manobras do bancos empurraria os países para ditando a política econômica e im- retamente o setor financeiro. A isso
setor financeiro e exigir mudança de uma profunda crise3. pondo medidas como ajuste fiscal e denominamos Sistema da Dívida.
rumo. A ferramenta para compro- Apesar das gigantescas manifes- transformação de dívidas privadas Tais mecanismos decorrem da suici-
var e documentar tais mecanismos é tações, a Troika (FMI, Banco Cen- em dívidas a cargo do Banco Cen- da9 política monetária exercida pelo
a auditoria com participação cidadã, tral Europeu e Comissão Europeia) tral. Na década seguinte, o Plano Banco Central (BC), de costas para
cujo relatório fundamentado servi- Brady transformou grandes volu- o país e a serviço do setor financei-
rá de instrumento político, jurídico mes de dívida externa prescrita em ro privado nacional e internacional,
e social que contribuirá para a neces- títulos aceitos como moeda no pro- subserviente à influência dos bancos
sária mudança. É urgente inverter a cesso de privatizações. O resultado e organismos internacionais (FMI e
suicida lógica do modelo vigente. foi desastroso para os países e po- Banco Mundial), que ainda exigem
vos, porém, montanhas de recursos a independência total do BC10.
Desregulamentação financeiros e patrimoniais têm sido O BC é o responsável pelas abu-
Financeira e Crises continuamente destinados ao pa- sivas taxas praticadas no país, sem
A hegemonia do setor financei- gamento de dívidas sem contrapar- justificativa técnica, política, jurí-
ro, comprovada pelo estudo acadê- tida, e que não param de crescer. dica ou econômica. As taxas efe-
mico A rede de controle corporativo Na década de 90, a dominân- tivas são ainda mais elevadas, pois
global1, avança a passos largos em to- cia financeira avançou ainda mais os privilegiados dealers que partici-
do o mundo. O estudo revelou a im- devido à crescente desregulamen- pam dos leilões realizados pelo BC
pressionante concentração de poder tação do setor7, garantindo-lhe ca- só compram os títulos quando a ta-
e propriedade de parte relevante da da vez mais liberdade e poder, alia- xa oferecida alcança o patamar que
economia mundial em reduzido gru- dos à proteção do sigilo bancário e desejam. Os juros extorsivos têm si-

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Sistema financeiro 13

do o principal fator de crescimento rios prejuízos operacionais do BC,


da dívida pública, devido à emissão por exemplo, R$147,7 bilhões em
de títulos para pagar juros, ao ar- 2009, R$ 48,5 bilhões em 2010.
repio da Constituição Federal, art. Recentemente detectamos a ge-
167, inciso III. Essa façanha tem si- ração de dívida em decorrência de
do disfarçada pela contabilização de mera reclassificação estatística de dí-
grande parte dos juros como se fos- vida interna para externa, feita pelo
se amortização11 que tem provoca- BC13 em obediência a manuais do
do crescimento exponencial da dívi- FMI. Tal reclassificação renderá adi-
da. A interna cresceu 700 bilhões só cionalmente aos rentistas estrangei-
em 2015, fechando o ano com um ros a variação cambial dos últimos
estoque superior R$ 3,9 trilhões, anos, gerando obrigação financeira
enquanto a externa bruta alcançou e aumento da dívida pública.
US$ 545 bilhões. Tais exemplos evidenciam a
Contratos de swap cambial ofe- utilização do endividamento pú-
recidos pelo BC têm gerado per- blico às avessas, funcionando co-
das, que somaram, no período de mo um grande negócio financeiro Fonte: http://www4.bcb.gov.br/top50/port/top50.asp
setembro/2014 a setembro/2015, que continuamente subtrai e des-
R$ 207 bilhões negativos. Esse pre- via recursos públicos para o setor * É coordenadora nacional da Auditoria privados credores. A partir de 1979, o
juízo é transferido para a conta dos financeiro privado. Cidadã da Dívida (www.auditoriacidada. FED passou a elevar a Prime, que chegou
org.br e www.facebook.com/auditoriaci- a 20.5% ao ano, provocando crise finan-
juros da dívida e, logicamente, para
dada.pagina), foi membro da Comissão ceira em todos os países que caíram na ar-
o seu estoque, já que os juros têm Lucro bilionário dos de Auditoria Oficial da Dívida Equato- madilha do crédito aparentemente barato.
sido pagos mediante a emissão de bancos riana (2007/2008) e assessora da CPI da 7 FATTORELLI, Maria Lucia. Auditoria
nova dívida. Os bancos lucram e o O fabuloso lucro dos bancos no Dívida Pública na Câmara dos Deputa- Cidadã da Dívida: experiências e métodos.
país registra a dívida, apesar de não Brasil constitui uma evidência da dos Federais no Brasil (2009/2010) e in- (2013) Inove Gráfica e Editora. Capítulo
tegrou a Comissão de Auditoria da Dívida 1 - Financeirização Mundial, Crises e En-
ter recebido um centavo sequer. transferência de recursos para o se- da Grécia (abril a junho de 2015). dividamento Público.
A geração de dívida tem de- tor financeiro. Enquanto a econo- 8 Resolução CMN 4.187/2013
corrido também de operações mia real passa por sérias dificulda- 1 S. VITALI, J.B. GLATTFELDER, S. 9 Disponível em: http://www.gazetado-
“compromissadas” ou “de merca- des; desindustrialização; queda da BATTISTON. The network of global cor- povo.com.br/opiniao/artigos/o-banco-
do aberto”, utilizadas pelo BC sob atividade comercial; desemprego porate control, PLoS ONE 6(10), e25995 -central-esta-suicidando-o-brasil-dh5s-
(2011). Disponível em: http://arxiv.org/ 162swds5080e0d20jsmpc
a justificativa de restringir a base crescente, arrocho salarial e sucessi- pdf/1107.5728v2.pdf 10 Brazil: Financial System Stability Asses-
monetária. Títulos emitidos pe- vos cortes de gastos e investimentos 2 Disponível em: http://www.sanders.se- sment. Disponível em: <https://www.imf.
lo Tesouro são repassados ao BC, governamentais em todas as esferas nate.gov/newsroom/news/?id=9e2a4ea8- org/external/pubs/ft/scr/2012/cr12206.
que os entrega aos bancos em tro- (federal, estaduais e municipais) 6e73-4be2-a753-62060dcbb3c3. pdf> . Acesso em: 10 jan. 2016.
ca do “excesso” de moeda. O BC – o lucro dos bancos não para de 3 Disponível em http://www.telegraph. 11 Essa situação está detalhada no Pare-
co.uk/finance/financialcrisis/4590512/ cer 1/2013, preparado a pedido do Mi-
acumula cerca de 1 trilhão de re- crescer, em escala exponencial. Em European-banks-may-need-16.3-trillion- nistério Público Federal disponível em:
ais nesse tipo de operação, que na 2014 superou R$80 bilhões e cres- -bail-out-EC-dcoument-warns.html http://www.auditoriacidada.org.br/wp-
prática significa a remuneração da ceu ainda mais em 2015, apesar de 4 FATTORELLI, Maria Lucia. Tragédia -content/uploads/2013/11/Parecer-
sobra de caixa dos bancos priva- provisão de R$ 183,7 bilhões14: grega esconde segredo de bancos privados. ACD-1-Vers%C3%A3o-29-5-2013-
dos com os juros mais elevados do Nessa conjuntura, em vez de 2015 - http://www.auditoriacidada.org. com-anexos.pdf
br/tragedia-grega-esconde-segredo-de- 12 FATTORELLI, Maria Lucia. Por que
mundo. Ademais, esses juros têm estancar a sangria de recursos dre- -bancos-privados-2/ os juros são tão elevados no Brasil, disponível
que ser pagos em moeda corrente, nados para o setor financeiro por 5 “Fora de balanço” significa uma seção à em http://www.auditoriacidada.org.br/por-
o que tem pressionado fortemen- meio do Sistema da Dívida, a eco- margem das contas normais que fazem par- -que-os-juros-sao-tao-elevados-no-brasil/
te o arrocho para a realização do nomia tem sido orientada para um te do balanço contábil, onde ativos proble- 13 BC do Brasil - Estatísticas do Setor Ex-
ajuste fiscal. Essas operações têm cenário de escassez, impedindo o máticos, tais como títulos desmaterializa- terno – Adoção da 6a Edição do Manual
dos, não comercializáveis, são informados. de Balanço de Pagamentos e Posição In-
provocado o crescimento expo- desenvolvimento socioeconômico. 6 Logo após o fim da paridade dólar-ouro ternacional de Investimentos (BPM6) -
nencial da dívida e ainda contri- É urgente inverter a suicida ló- em 1971 e excessivo aumento da liquidez Nota Metodológica nº 4 – Dívida externa
buem para manter elevados os ju- gica do modelo vigente, começan- internacional, os bancos privados interna- - Junho de 2015.
ros de mercado12. do pela completa revisão da polí- cionais incrementaram a oferta de créditos 14 Disponível em http://www.correio-
a taxas de juros aparentemente baixas, de braziliense.com.br/app/noticia/eco-
Outros mecanismos têm pro- tica monetária exercida pelo BC
cerca de 5% ao ano, porém vinculadas à nomia/2016/02/04/internas_econo-
vocado a geração de dívida públi- e pela auditoria da dívida pública variação da Prime estabelecida pelo FED, mia,516532/reserva-de-bancos-contra-
ca, como a cobertura de bilioná- com participação cidadã. que era dirigido pelos principais bancos -calotes-vai-a-r-183-7-bi.shtml

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14 Fórum Popular do Orçamento

A financeirização atinge a Saúde


O processo de financeiriza-
ção da vida social nos tem-
pos atuais ocorre em decorrência,
com o estabelecimento de um sis-
tema de proteção social, teve iní-
cio um largo processo de desmon-
utilizados, mas também a sua re-
orientação. O capital se utiliza de
outros mecanismos para garantir
nos seguintes pontos: territoriali-
zação da atenção básica e a rees-
truturação do atendimento emer-
fundamentalmente, do desenvol- te dos compromissos e consensos a acumulação e valorização de sua gencial (VIEIRA, 2016).
vimento da fase madura do capi- que permitiram a expansão do forma fetichizada, sendo a Saúde o O primeiro ponto constitui
talismo. A valorização financeira, Estado do Bem-Estar Social. Se campo mais evidente de ampliação uma reorientação do SUS, que
em que o capital portador de ju- não se pode falar em desmantela- da remuneração da iniciativa priva- passa a ser pensado territorialmen-
ros (capital financeiro), especial- mento, é inegável que as reestru- da com recursos públicos: seja por te, em vez de setorial e programa-
mente sua forma mais perversa, o turações em curso apontam para meio de renúncias fiscais decorren- ticamente, e a priorizar a medicina
capital fictício (ou especulativo), restrição, seletividade e focaliza- tes da dedução dos gastos com pla- preventiva, em lugar da medicina
passa a ocupar a liderança na di- ção. As políticas sociais, sobretu- nos de saúde e símiles no imposto curativa. Desta forma, a preferên-
nâmica do capitalismo desde o fim do aquelas mais universais, torna- de renda e das concessões fiscais às cia tornou-se a demanda georrefe-
dos anos 1970, seria uma respos- ram-se alvo do capital financeiro, entidades privadas sem fins lucra- renciada – ou seja, através da visita
ta à tendência de queda da taxa de na tentativa de solucionar o fenô- tivos (hospitais) e à indústria quí- domiciliar do Agente Comunitá-
lucro verificada nas economias ca- meno da superacumulação. Atra- mico-farmacêutica; seja pelo repas- rio de Saúde, é identificada a ne-
pitalistas desde o pós-guerra, que vés de contrarreformas de caráter se direto a entidades privadas sem cessidade de atendimento clínico;
se manifesta sob a forma de su- neoliberal, empurra-se para o se- fins lucrativos (as organizações so- caso necessário, o paciente é en-
peracumulação e superprodução tor privado alguns serviços de uti- ciais de saúde), para que assumam caminhado a uma das Clínicas da
(CHESNAIS, 2005). No contex- lidade pública (saúde, educação e a administração de unidades públi- Família, que são distribuídas por
to de recuo do capital produtivo, previdência) como campo de in- cas de saúde. áreas. Logo, o objetivo dessa po-
o capital financeiro toma a fren- versão de lucro, alargando assim A seguir, analisaremos a finan- litica é maximizar a resolubilida-
te na insaciável busca capitalista a apropriação privada de parte do ceirização da saúde no Município de de baixa complexidade (Aten-
por valorização do capital, mes- fundo público pelos rentistas. do Rio de Janeiro, evidenciando o ção Básica), assim, minimizando o
mo ele sendo fictício, sem produ- Um dos mecanismos funda- caso das Organizações Sociais, ha- agravamento dos problemas para a
zir mais valia e funcionando de mentais utilizados para drenar re- ja vista a crise recentemente defla- média e alta complexidade.
maneira especulativa e parasitária cursos das políticas sociais bra- grada nesse setor. Para efeitos de O segundo ponto baseia-se no
(CARCANHOLO; NAKATANI, sileiras para o capital rentista é estudo foram utilizados a Presta- fechamento dos hospitais públi-
1999). Trata-se de um desenvolvi- a Desvinculação de Receitas da ção de Contas de 2009 a 2014, os cos ao atendimento de demandas
mento da própria lógica de movi- União (DRU), criada em 2000, Relatórios da Lei de Responsabili- emergenciais, passando a atender
mento do capital. que permite a transferência de dade Fiscal 2015, o Sistema FIN- somente demandas referenciadas
A reordenação do capital sob 20% dos recursos do Orçamento CON 2015 e a Lei Orçamentá- pelo Sistema Nacional de Regula-
hegemonia das finanças acarretou da Seguridade Social para o Orça- ria Anual 2016. Todos os valores mentação relativas à média e alta
grandes transformações nas políti- mento Fiscal com a finalidade de foram corrigidos pelo IPCA-E de complexidade, de modo a desafo-
cas sociais a partir dos anos 1970, facilitar a formação de superávits e dezembro de 2015. gar a alta demanda por atendimen-
após ter início um período de es- pagar a dívida pública. Desta for- to nos hospitais. Deste modo, as
tagnação do seu desenvolvimento. ma, foram repassados bilhões de re- Reorganização demandas emergenciais foram re-
A crise do capital teve como con- ais das políticas sociais para o paga- da saúde carioca passadas às Unidades de Pronto
sequência uma reconfiguração do mento de juros da dívida. A DRU A estratégia de modelo que Atendimento (UPA) e aos Centros
Estado, com os chamados “ajustes pode ser classificada como um pro- prioriza o atendimento de forma de Emergência Regional (CER).
estruturais”, que acarretaram gra- grama de transferência de renda da regionalizada foi desenvolvida pe- Além disso, seguindo essa lógica de
ves consequências para as políti- classe trabalhadora para o grande lo Sistema Único de Saúde (SUS). desospitalização, foi criado o Pro-
cas sociais e, consequentemente, capital rentista. Assim, o financia- Em 2009, no primeiro ano da ges- grama de Atendimento Domiciliar
para as condições de vida da clas- mento do Sistema Único de Saúde tão do Prefeito Eduardo Paes, esse ao Idoso (PADI), com objetivo de
se trabalhadora ao redor do mun- (SUS) sofre não somente os impac- modelo é aprofundado e marca o prestar atendimento domiciliar a
do. Após amplo período de ex- tos da crise contemporânea do ca- início da transformação no serviço pacientes crônicos passíveis de re-
pansão das conquistas dessa classe, pitalismo pela redução dos valores municipal de saúde, estruturada cuperação funcional.

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15

O reflexo dessa transformação


é observado pela evolução do gas- Tabela1
to com a subfunção Atenção Bá-
sica, que era de aproximadamente Peso das Subfunção nas Despesas com Ação de Serviços Públicos da Saúde
R$ 375 milhões em 2009, passan- Subfunção 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
do para R$1,4 bilhão em 2015
Atenção Básica 14% 33% 32% 33% 34% 33% 32%
(aumento de 260%). A tabela 1
destaca as duas subfunções com Assistência Hospitalar e Ambulatorial 86% 67% 68% 67% 66% 67% 61%
maior peso nas despesas com Saú- TOTAL 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%
de: desta forma, ao compararmos
a evolução de ambas, a Atenção Fonte: Prestação de Contas 2009 - 2014, LRF 2015.

Básica mais que dobra, enquanto


a Assistência Hospitalar e Ambu- Líquida (RCL). Segundo a Prefei- cândalo da “Máfia da Saúde” com quatro maiores hospitais em núme-
latorial diminui. Fica claro o en- tura, esse valor estaria próximo de participação da OS Biotech – em ro de leitos hospitalares administra-
foque para a nova política de aten- ser alcançado; logo, não seria pos- razão, principalmente, da falta de dos pela Prefeitura são os Hospitais
ção primária, sobretudo por conta sível suprir a carência de servidores fiscalização e controle. Municipais Souza Aguiar, Miguel
das Clínicas da Família. da saúde. Portanto, seria necessária a Couto, Salgado Filho e Lourenço
contratação por regime da CLT, que A Saúde no Orçamento Jorge. Entre 2012 e 2015, a mé-
A chegada das não é contabilizada como “Pessoal e Municipal dia de gastos com eles foi de R$
Organizações Sociais Encargos Sociais”, mas como “Ou- A porcentagem dos gastos com 142,2 milhões por ano. Já o Hos-
As Organizações Sociais tras Despesas Correntes” (despesas Saúde em relação ao total de despe- pital Municipal Pedro II, que é ad-
(OSs), criadas pela Lei Municipal de custeio), sem limitação específi- sas teve diversas oscilações (gráfico ministrado por OS, assim como os
5.026/2009, são pessoas jurídicas ca. Porém, entre 2009-2014, a Pre- 2), passando de 18,79% em 2009 dois estaduais, teve uma média de
de direito privado, “sem fins lucra- feitura gastou em a média 43,1% para 16,57% em 2015 e com a pre- despesas de R$ 153,9 milhões du-
tivos”, que, através de contratos de da RCL com pessoal, assim, existia visão de 16,19% para 2016. Ape- rante o mesmo período.
gestão com o poder público, for- uma “folga” de 10,9%, o equivalen- sar disso, houve um crescimento Para 2016, a média prevista
mam parceria na execução de ati- te a R$ 2,8 bilhões. no valor dos gastos (gráfico 2) até das despesas com os quatro hos-
vidades de interesse social e utili- Nas Despesas da Saúde, verifica- 2012, passando de R$ 3,07 bilhões pitais de administração pública é
dade pública. A criação das OSs -se um aumento de 62% entre 2009- em 2009 para R$ 4,97 bilhões, de R$ 183,2 milhões. No caso do
teria como objetivo a moderniza- 2013, com quedas em 2014 e 2015, explicado pela criação de diver- Hospital Pedro II, a previsão che-
ção da administração pública, na de 2% e 8%, respectivamente. Es- sas unidades de saúde. A partir de ga a R$ 169,5 milhões.
busca por aumentar a eficiência e se aumento foi impulsionado pelos 2012 houve uma leve queda, atin- Ressalvado o fato de não ter-
flexibilizar as relações de trabalho gastos de custeio, enquanto os gastos gindo o valor de R$ 4,54 bilhões mos nos aprofundado no porquê
no setor da saúde pública, além de com pessoal se mantiveram relativa- em 2015. A estimativa para 2016 é dos gastos em cada hospital, é dig-
substituir contratos precários, rea- mente constantes. As transferências de que as despesas com Saúde che- no de registro que unidades ad-
lizados com ONGs, cooperativas para as OSs entram nos gastos com guem a R$ 5 bilhões. ministradas por OSs gastam mais
e associações; assim, supostamen- custeio e ao isolarmos essas transfe- que as geridas pela Prefeitura.
te, melhorariam a fiscalização. rências, constata-se que na verdade O Estado não tem,
Com a reorganização da saúde, todo o aumento nas despesas ocor- a Prefeitura provém Considerações finais
as OSs têm um papel fundamen- reu devido aos repasses às OSs, que A crise financeira explodiu na A crise do capital produtivo
tal, pois assumem a gestão de to- em 2014 atingiram o montante de Saúde do Estado e, com isso, dois acentuou a já alarmante desigualda-
das as Clinicas da Família, UPA e R$ 1,7 bilhão. Esse crescimento é grandes hospitais estaduais, o Al- de social dada pelas elevadas taxas de
CER, além do PADI e de quatro ilustrado no Gráfico 1. bert Schweitzer e o Rocha Faria, lucro dos detentores dos meios de
novos hospitais. Torna-se claro, portanto, que passaram a receber recursos mu- produção. A ascensão do capital es-
Um dos principais argumentos toda a reorganização do SUS ca- nicipais. Ambos são geridos pe- peculativo permite que instituições
para a implementação das OSs e, rioca objetiva a passagem da gestão la mesma OS. O contrato inicial financeiras tenham lucros recordes
dessa forma, para a flexibilização das da saúde para o setor privado, via é de seis meses e, se expandido por em meio a um aumento do desem-
relações de trabalho no setor da saú- as OSs. Percebem-se alguns pro- um ano, o custo de cada hospital prego e inflação crescente. Nesse
de pública seria o limite máximo de blemas nessa experiência, como para a Prefeitura será de R$ 260,3 contexto, a busca por um eficaz sis-
gastos com pessoal, estabelecido na falta de transparência e corrupção milhões por ano. tema de proteção social é mais pre-
LRF em 54% da Receita Corrente – recentemente foi divulgado o es- Para efeito de comparação, os mente. Entretanto, na contramão

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16 Fórum Popular do Orçamento

das necessidades da população, o


Estado intensifica justamente a de- Gráfico 1
legação à esfera privada da gestão de
serviços sociais. Nesse ambiente de
privatização disfarçada, a transpa-
rência do uso de recursos públicos é
cada vez mais prejudicada.
No caso carioca, o aumento dos
gastos com Atenção Básica (corre-
to, diga-se) e a perda relativa com
Assistência Hospitalar e Ambula-
torial levantam questões que extra-
polam as finanças públicas. O mer-
cado de gestão da saúde básica está
impedindo uma expansão dos servi-
ços em hospitais – vide baixos níveis
de investimento no Gráfico 1 – co-
locando em risco a saúde de pessoas Fonte: Prestação de Contas 2009 - 2014 e Sistema FINCON 2015.
que necessitam de um atendimen-
to mais especializado? Os elemen-
tos levantados por este artigo não Gráfico 2
nos permitem responder, mas se vo-
cê pensa que saúde pública é ruim,
experimente financeirizá-la.

1 SISREG é uma ferramenta de gerencia-


mento da rede de saúde, para administrar
as vagas disponíveis.
2 Reportagem “‘Máfia da Saúde’ do Rio
superfaturava preços em até 1.000%,
diz MP”, do G1 Rio, acessado em
03/02/2016 http://g1.globo.com/rio-
-de-janeiro/noticia/2015/12/mafia-
-da-saude-do-rio-superfaturava-pre-
cos-em-ate-1000-diz-mp.html.
3 Paráfrase de “Se você pensa que pes-
quisa é cara, experimente a doença”
(Woodard Lasker, filantropa estaduni-
Fonte: Prestação de Contas 2009 - 2014, LRF 2015 e LOA 2016.
dense, 1901-1994)”.

Referências:
CARCANHOLO, R.; NAKATANI, P. O capital especulativo parasitário: uma precisão teórica sobre o capital financeiro, característico da globali-
zação. Ensaios FEE, 20 (1): 284-304, 1999.
CHESNAIS, F. (org.) A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. São Paulo: Boitempo, 2005. Cap. 1.
VIEIRA, João Paulo Tapioca de Oliveira. Fragilidades dos mecanismos de controle das organizações sociais de saúde no município do Rio de Janeiro.
Dissertação (Mestrado em Administração Pública) – EBAPE/FGV, Rio de Janeiro, 2016.

FÓRUM POPULAR DO ORÇAMENTO – RJ (2103-0121). Para mais informações acesse: http://www.corecon-rj.org.br/o-forum


Coordenação: Luiz Mario Behnken, Pâmela Matos e Talita Araújo. Assistentes: Est. Ana Krishna Peixoto, Est. Bernardo Isidio e Est. Camila Bockhorny.
Esta matéria contou com a colaboração do economista João Paulo Tapioca de Oliveira Vieira.

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