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Resumo:
Desde 2010, pelo menos 50.000 haitianos passaram a residir no Brasil, buscando trabalho e melhores
condições de vida. Migram também em razão da crise e da seletividade migratória em países como
Estados Unidos e França, outrora preferenciais. No mercado formal de trabalho brasileiro, inserem-se
sobretudo na produção de bens e serviços industriais, especialmente na construção civil, nas regiões
Sudeste e Sul. Este artigo pretende analisar como a presença haitiana no Brasil é caracterizada pelo maior
jornal do país, a Folha de São Paulo. Pretende-se investigar a narrativa que é construída em torno dos
seguintes momentos: i) o terremoto que ocorreu no Haiti, ii) a concentração de imigrantes na fronteira
com o Peru, iii) as resoluções normativas que permitiram concessão de CPF, Carteira de Trabalho e Visto
Humanitário, iv) o processo de recrutamento e de dispersão pelo país e v) a inserção social e laboral e
suas dificuldades. A metodologia combina revisão teórica sobre o fluxo migratório e a análise de
conteúdo das reportagens. A hipótese a se verificar é se o tratamento conferido a estes imigrantes pelos
jornais reforça a criminalização da migração, a interpretação do imigrante haitiano enquanto um problema
e, por consequência, sua subalternidade na sociedade de destino.
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Deste ponto em diante, nos referiremos ao Jornal Folha de São Paulo como FSP
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As pesquisas foram: “Vozes Silenciadas - Mídia e Protestos”, de 2014, sobre a cobertura dos jornais O
Estado de São Paulo, Folha de São Paulo e O Globo das manifestações de Junho de 2013; e “Vozes
Silenciadas - A cobertura da mídia sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra durante a
Comissão Parlamentar Mista de Inquérito”, de 2011.
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Ver Anexos.
das matérias, e que levou em conta os métodos de análise de enquadramento, análise de
discurso e análise de conteúdo (INTERVOZES, 2011; INTERVOZES, 2014).
Neste artigo, buscamos ainda verificar a hipótese de se o tratamento conferido a estes
imigrantes pelos jornais reforça a criminalização da migração, a interpretação do
imigrante haitiano enquanto um problema e, por consequência, sua subalternidade na
sociedade brasileira – o que tem repercussões econômicas e políticas importantes. A
perspectiva que se utiliza é a do histórico-estruturalismo (SINGER, 1995; BRITO,
1996; BAENINGER, 2012) para a análise da formação deste fluxo (PATARRA, 2012;
MAGALHÃES e BAENINGER, 2014) e suas características (COTINGUIBA, 2014;
FERNANDES, 2014) e a teoria crítica do jornalismo (GENRO FILHO, 1987;
TRAQUINA, 2004) para a compreensão sobre a relação entre os meios de comunicação
e as estruturas de poder e de dominação.
Antes, no entanto, de analisar a forma com que o jornal FSP retrata a imigração haitiana
no Brasil, é necessário caracterizarmos, ainda que de forma breve, esse processo
migratório, situando-o no contexto dos processos históricos de emigração no Haiti. Mais
que um recurso histórico, acreditamos que com isto apontamos de modo mais claro as
especificidades existentes neste fluxo em relação aos fluxos tradicionais da emigração
haitiana - como Estados Unidos, França e Canadá.
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Para mais informações sobre a imigração haitiana no Brasil, consultar MAGALHÃES e BAENINGER,
2014; FERNANDES, 2014; e COTINGUIBA, 2014.
processo de inserção social e laboral se dá mediante recrutamento das empresas,
inicialmente na fronteira do Brasil com o Peru, mas também nos centros de acolhimento
e principais cidades receptoras – entre elas, muitas situadas no Estado de Santa
Catarina, onde residem mais de 10.000 haitianos - 6.357 com vínculo formal no
mercado de trabalho ao final de 2014 (CAGED/MTE, 2015). No entanto, a vigência de
uma política migratória baseada no princípio da segurança nacional e no
desenvolvimentismo se soma à discriminação étnico-racial característica da formação
econômica e social brasileira para compor uma conjuntura migratória também seletiva.
Nessas matérias jornalísticas, não raras são as que utilizam termos que contribuem à
estigmatização dos imigrantes, como a palavra “ilegal”, que reforçam sua
subalternidade política e institucional e reforçam a criminalização do imigrante.
Também observamos a utilização dos termos “invasor” e “invasão haitiana” por duas
influentes colunas de opinião, sugerindo existir na imigração uma situação de
ilegalidade e de ameaça aos brasileiros.
Um fator crítico de avaliação da qualidade da cobertura é a multiplicidade de atores
ouvidos em uma reportagem: em 27,8% das matérias, somente uma fonte foi ouvida, a
maioria delas, fontes oficiais. Em 61,1% de todo o conteúdo levantado, nenhum
imigrante foi entrevistado, enquanto as fontes oficiais estiveram ausentes em 27,8% das
matérias.
Esta desigualdade na escolha das fontes é ainda mais discrepante quando analisamos os
lides8 das matérias pesquisadas. Em 45,37% dos casos, alguma instância do Estado é
citada como fonte protagonista das notícias e reportagens, enquanto os imigrantes e
associações de migrantes são citados em apenas 18,5%.
Um dado importante é que 47,22% do material jornalístico avaliado não cita qualquer
pesquisa ou dado estatístico como fonte, e 71,43% dos textos sequer menciona a
legislação migratória brasileira. O segundo número tem uma repercussão mais grave,
visto a importância dessa informação para a compreensão do processo de chegada de
estrangeiros, a diferenciação entre imigrantes e refugiados, e sobretudo o conhecimento
pelo leitor da responsabilidade do Estado na questão e dos direitos que tanto imigrantes
como refugiados possuem.
Considerações finais
O presente estudo se propôs a analisar a cobertura jornalística do Jornal FSP acerca da
imigração haitiana no Brasil, entre janeiro de 2010 e janeiro de 2015. Foi possível
identificar uma média de 21 matérias por ano, contando os cinco temas elencados,
sendo 90% delas fruto de apuração do próprio jornal.
O conteúdo, entretanto, apresenta uma série de falhas de apuração por conta,
principalmente, da falta de contextualização do fluxo migratório. Em outras palavras,
não se nota um esforço jornalístico de explicar o porquê da chegada de haitianos ao
Brasil. Uma das causas desse contexto seria a ausência de textos que se proponham a
analisar a conjuntura do país de origem e explicar a Legislação Migratória brasileira.
Outro ponto crítico é que a cobertura do jornal também tem contribuído para reforçar
uma visão preconceituosa por sugerir, ainda que em 10,71% de suas matérias, que o
imigrante ameaça o emprego do trabalhador brasileiro por meio de insinuações de que
há uma disputa por vagas no mercado de trabalho e que o imigrante haitiano constitui,
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O jornalismo usa o termo para resumir a função do primeiro parágrafo: introduzir o leitor no texto e
prender sua atenção.
portanto, mais que um sujeito diverso, um sujeito adverso, adversário.
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