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UNIVERSIDADE DE SOROCABA

Pró-reitora Acadêmica
Programa de Pós-Graduação em Educação - DOUTORADO
Linha de Pesquisa: Cotidiano Escolar

Disciplina: Cultura, Meio Ambiente e Cotidiano Escolar II


Artigo: Haiti é também aqui – e, também não é.
Professor responsável: Marcos A. dos Santos Reigota.
Discente: Márcio José Andrade da Silva – RA 00083581

O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
Caetano Veloso/ Gilberto Gil

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é fruto de diálogos desenvolvidos durante as aulas do


professor Marcos Reigota, nas quais analisamos a tese “DIASPORA. AS DINÂMICAS
DA MOBILIDADE HAITIANA NO BRASIL, NO SURINAME E NA GUIANA
FRANCESA” de Joseph Handerson, seus desdobramentos, aproximações com outros
relatos, textos e filmes.

Destas conversações nos foi lançado o desafio de compreender e, principalmente,


perceber a presença haitiana em nosso cotidiano. Seja de modo objetivo, com a
apresentação e discussão da tese de Handerson, seja de modo subjetivo, em nosso dia a
dia, nas transversalidades que a presença deste povo marca a nossa história de vida e, até
aquele momento, não nos havíamos dado conta.

Em 2015, ao participar de um evento promovido pelo vereador Pedro Tourinho


(PT/SP), sobre os refugiados sírios em Campinas, tomei conhecimento de um programa
da Prefeitura para acolher estrangeiros denominado Consolidando a escolaridade1, que
vem a ser uma parceria entre o Centro Público de Apoio ao Trabalhador de Campinas
(CPAT) e a Fundação Municipal para Educação Comunitária (FUMEC) que visa o
reforço escolar de matemática, português e redação para aqueles que concluíram no
mínimo a antiga 4ª série do ensino fundamental (hoje 5º ano), neste evento soube da
existência de classes voltadas especificamente aos haitianos que chegaram à Campinas,
principalmente pós terremoto de 2010 que atingiu aquele país.

1
RESOLUÇÃO FUMEC Nº 08/2015 - Cria o Programa Consolidando a Escolaridade – Conforme
http://www.jusbrasil.com.br/diarios/100362657/dom-camp-18-09-2015-pg-6

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Enquanto aguardava a gestora Marinalva, responsável pelo programa
Consolidando, conversei com a estagiária Laís Polli, que me informou que uma das
grandes dificuldades dos haitianos que frequentam as salas de aulas é conseguir os passes
circulares urbanos, tendo em vista que não possuem todos os documentos e utilizam,
geralmente, o mesmo endereço, provocando uma certa confusão junto à burocracia da
emissão dos passes. Cabendo a uma parte do FUMEC cuidar desses problemas. Ao
conversar com a gestora Marinalva, ela me informou ser necessário apresentar um
projeto/proposta sobre a pesquisa a ser realizada, o que, em virtude do tempo escasso, não
foi possível providenciar. No entanto a questionei sobre a existência ou não de material
específico voltado aos estrangeiros2, ou mais especificamente, aos haitianos, visto serem,
aparentemente, uma classe maior, pois já estão chegando há mais tempo. A resposta foi
que não há material especifico.

Durante a pesquisa sobre as classes das escolas municipais voltadas aos haitianos
acabei me deparando com duas intervenções na rede social Facebook feita por Renato
Gama, até onde percebi, psicólogo e militante do movimento negro. Dito desta forma,
pois evitei ao máximo uma intervenção que pudesse alterar o discurso, mais tarde, após a
colheita dos diálogos, solicitei permissão ao Renato:

Salve Renato, como disse anteriormente (se não disse, digo agora) sou
estudante de doutorado em educação na Uniso e estamos trabalhando a questão
do Haiti (e haitianos e haitianas). Gostei muito de tuas duas intervenções a
respeito do assunto. E solicito a tua permissão para apresentá-las na aula.
Desde já agradeço. Abraços. (Márcio José em 16 de outubro de 2016 às 23:09)
O qual autorizou. Em virtude de não termos, à época, o vínculo denominado
“amizade” na rede social, a resposta ocorreu dois dias depois da solicitação.

Salve, Márcio, bom dia.


Desculpe, só vi agora.
Muito obrigado pela implicação.
A tese de.um professor haitiano, sem dúvidas, me interessa, e precisa ser
interessante também a toda comunidade diáspora
Sobre usar minhas intervenções em sala, agradeço seu gesto de vir me
consultar antes, mesmo sabendo do terreno-de-ngm r fáceis plágios e
apropriações principalmente via Facebook. Conto com sua honestidade para
atribuir os devidos créditos.
Um forte abraço!3 (Renato Gama em 18 de outubro de 2016 às 06:47)

2
Esta indagação veio de uma provocação da professora Lúcia Barbosa (UnB), coordenadora do NEPPE – Núcleo de Ensino e Pesquisa
em Português para Estrangeiros, ao afirmar que uma das grandes dificuldades dos professores de português é a ausência de material
voltado para este público, bem como a percepção, por parte dos professores, de que estes alunos, geralmente, já tem conhecimento de
uma ou mais línguas, além de uma formação em nível superior, conforme sua fala no Seminário: “A imigração haitiana no Brasil:
desafios e perspectivas futuras”, realizado na FUNDACENTRO, em São Paulo/SP, no dia 04/11/2016.
3
Transcrevi literalmente todas as intervenções, visto que elas, em sua maioria, são feitas no calor do debate e querem, desta forma,
passar a ideia defendida pela pessoa que argumenta, sendo a questão da construção gramatical ou da palavra de somenos importância.

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Desta forma dei início à pesquisa em busca de material que me situasse sobre a
história do Haiti – para me contextualizar, o mais próximo possível da cultura haitiana,
bem como sobre a atual situação deste país diante da nova catástrofe que se abateu sobre
ele, o furacão denominado “Matthew” e seus desdobramentos na percepção da condição
do negro, lá no Haiti e sua comparação, provocada pela fala do Renato, com a condição
do negro no Brasil.

ANTECEDENTES

O Haiti sempre foi divulgado, nos quadrinhos e no cinema principalmente4, como


a terra do Vodu, magia “negra” responsável por transformar seres humanos em zumbis5,
mortos-vivos que obedeciam a um feiticeiro.

Nos noticiários era descrita como terra dos ditadores François Duvalier, o “Papa
Doc” e seu filho Jean-Claude Duvalier, o “Baby Doc”. Em seguida da eleição e golpe
contra o presidente Jean Bastide Aristide. Passavam a ideia de um país em convulsão
permanente.6 (ANEXO I)

No ano de 1993, Caetano Veloso e Gilberto Gil lançam o CD Tropicália 2,


contendo a música “Haiti” (ANEXO II), e me veio o questionamento: “por que eles
afirmam que o Haiti é aqui?”, resposta que o tempo veio trazer.

Em 2004 o Brasil faz parte da Missão das Nações Unidas para a estabilização no
Haiti (MINUSTAH - Mission des Nations Unies pour la Stabilisation en Haïti). No
Brasil havia um fervoroso debate, principalmente entre as forças de esquerda, se o nosso

4
A mórbida história por obsessão por zumbis, por Otávio Frias Filho (fragmento)
“Sucessor de ‘Frankenstein’ e ‘Drácula’ no imaginário macabro, o mito dos zumbis, originário do Haiti, ganhou fôlego no cinema e
nos quadrinhos. [...]
AFRO-AMERICANO.
Também em contraste com ‘Drácula’ e ‘Frankenstein’, que se nutriam do folclore europeu, o mito dos zumbis é afro-americano,
originário do Haiti. Em 1929, o jornalista William Seabrook publicou um livro de viagens pseudo-etnográfico sobre aquela metade
ocidental da ilha caribenha, The Magic Island. Relata ali que legiões de mortos, ressuscitados por sortilégio, trabalhavam nas
plantações de feiticeiros haitianos. O próprio autor ventila uma explicação racional, ao supor que tais latifundiários conhecessem
alguma substância capaz de induzir pessoas vivas a um estado catatônico que possibilitava escraviza-las.
Essa crença percorria camadas de ressentimento. A ressureição dos mortos era vinculada na ilha às sucessivas revogações da abolição
depois da Revolução Haitiana de 1791, a única revolta de escravos vitoriosa na história. Movidos pelo interesse de explorar e assegurar
abastecimento de açúcar e café produzidos no Haiti, os Estados Unidos mantiveram um governo fantoche na capital, o que terá dado
ensejo às habituais reações de medo e culpa nas camadas mais sensíveis da sociedade invasora. O livro de Seabrook inoculou, assim,
a mania de zumbis na cultura popular americana.
Em 1932, estreou nos cinemas ‘White Zombie’, baseado na história. Bela Lugosi, ator de origem húngara que havia encarnado o
conde Drácula num filme famoso no ano anterior, faz o papel do feiticeiro. Roteiro e diálogo soam hoje ingênuos, e os efeitos, como
se pode imaginar, tosquíssimos; Lugosi é um canastrão experimentado que causou calafrios nas plateias da época ao perfura-las com
seu olhar captado num insistente primeiro plano”. In http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2015/03/1595797-a-morbida-historia-
da-obsessao-pelos-zumbis.shtm
5
ZUMBI, do quimbundo, nzumbi, ‘duende’. Substantivo masculino. 2. Bras. Fantasma que, segundo a crença popular afro-brasileira,
vaga pela noite morta; cazumbi. (FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Ed. Nova
Fronteira. 1975.
6
No ANEXO I uma cronologia da história haitiana.

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país devia ou não interferir na autonomia/soberania de um povo, principalmente através
de uma presença belicista. Essa discussão arrefeceu quando em 2010 o Haiti é abalado
pelo terremoto que levou mais de 300.000 vidas, entre elas da brasileira Zilda Arns.

Essas eram algumas das escassas notícias que eram divulgadas por aqui. Ao ler as
intervenções do Renato Gama, ao pesquisar sobre o tema, o horizonte foi se ampliando.
E começando a compreender porque o Haiti também é aqui.

REPÚBLICA DO HAITI

Com base no capítulo “A formação da sociedade haitiana e as heranças


identitárias culturais afro” da dissertação de mestrado de Joseph Handerson, “Vodu no
Haiti – Candomblé no Brasil: Identidades culturais e sistemas religiosos como
concepções de mundo afro-latino-americano” (UFPel, 2010), no qual há uma profunda
descrição e análise histórica do Haiti. Destaco aqui uma síntese historiográfica, focada
principalmente no início da história haitiana enquanto povo e país. É importante conhecer
também a história do Haiti para que questões como: “O que o senhor pensa da civilização
levada pelos militares brasileiros ao povo haitiano atualmente?” feita durante uma
palestra de Handerson na Universidade Federal de Pelotas, não se reproduzam,
demonstrando, além de um total desconhecimento daquele país, um preconceito
etnocêntrico. (HANDERSON, 2010: 18). Bem como, para uma melhor compreensão
nossa dos argumentos utilizados pelo Renato Gama e seus interlocutores, como veremos
adiante.

Para este trabalho destacamos do autor “as categorias explicativas da realidade


histórica haitiana com suas respectivas análises [...]. Assim, tornam-se elementos de
discussão: a Revolução haitiana até a crise de 2004, quando iniciou a participação do
Brasil nas Tropas na MINUSTAH”. Contidas no capítulo supracitado.

O Haiti é um pais que fica ao norte do Caribe, também conhecido por Mar das
Caraíbas. Ocupa uma pequena parte da ilha Hispaniola, dividindo-a com a República
Dominicana (ANEXO III). Esta ilha faz parte do arquipélago das Grande Antilhas,
compostas também pelas ilhas Cuba, Jamaica e Porto Rico. O seu nome provém da língua
dos Tainos, povo amistoso que habitava as ilhas quando da chegada de Cristóvão
Colombo em 1492 à ilha de São Salvador. Ayiti significa “terra de altas montanhas”, e,

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para lá se dirigiram os espanhóis, pois ali era uma grande ilha, rica, segundo os Tainos,
no metal amarelo.

No final do século XVI quase toda a população nativa havia sido exterminada
pelos conquistadores. A população originária foi substituída pelos escravos africanos. A
pré-existência do Haiti começa em 1697, quando esta parte ocidental da ilha Hispaniola
é cedida à França. Tornando-se, no século XVIII, a mais próspera colônia francesa na
América, graças à exportação de açúcar, café e cacau. Desta forma ficou conhecida como
“A Pérola das Antilhas”.

No ano de 1734 os colonizadores iniciaram o cultivo do café. Com uma dupla


vantagem econômica, a terra era fértil e o bom mercado francês, no entanto ele não
possuíam mão de obra que suprisse a produção. Desta forma trouxeram negros, como
escravos, e brancos endividados que deveriam trabalhar com a finalidade de saldar suas
dívidas, conhecidos como engagés. As leis para negros e brancos era a mesma, mas os
brancos não suportaram o clima tropical, para resolver esse problema de produção os
escravagistas começaram a trazer mais negros. Toda a América comprava escravos.

Naturalmente, havia todo tipo de homem entre os escravos, desde antigos chefes
tribais, como era o caso do pai de Toussaint L`Ouverture, filho de um pequeno chefe na
África, depois de feito prisioneiro em uma guerra foi vendido como escravo e
transportado ao Haiti num navio negreiro. Toussaint (1743-1803) foi um dos líderes da
revolta haitiana do século XVIII, conquistou sua liberdade aos 33 anos, comandou todos
os escravos e derrotaram as tropas de Napoleão Bonaparte.

Em 1789, com a Revolução Francesa, é votada pela Assembleia Constituinte na


Franca a Declaração dos Diretos do Homem e do Cidadão, criando um novo conceito de
indivíduo, impressionando e causando medo entre os colonos. Os deputados colonos
constituintes fizeram de tudo para proibir a promulgação do documento, temendo uma
possível revolta dos escravos e dos negros livres.

Conforme Handerson:

No final do século XVIII, os ideais da Revolução Francesa começaram a se


difundir pelo mundo: liberdade, igualdade e fraternidade. A revolução haitiana
foi uma aplicação desses ideais da Revolução Francesa nas Américas. O
impulso revolucionário chegou à ilha de São Domingos trazido da França pelo
escravo liberto Vincent Ogé, líder de um movimento armado contra os brancos.
(2010: 44)

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A primeira fase da revolução haitiana ou descolonização haitiana (1789-1791),
caracteriza-se por um movimento dos colonos franceses que queriam autonomia política
da ilha e serem as autoridades máximas e os mulatos7 que queriam igualdade de direitos.

Duas lideranças mulatas, Vincent Ogé e Baptiste Chavannes voltaram da França na


véspera da revolução francesa e, ao chegarem a São Domingos, buscaram, através de
diálogo, a igualdade de direitos entre os colonos e eles. Fracassaram, pois os colonos
negaram esse Direito Constitucional. Vicent e Baptiste recorreram às armas, com o
objetivo de fazer valer os seus direitos constitucionais. Mobilizaram todos os mulatos e
lutaram contra os brancos, mas fracassaram. Fugiram para outra parte da Ilha (onde hoje
fica a República Dominicana). Isso levou à morte deles em 25 de fevereiro de 1791.

A segunda fase da revolução, ocorrida em março de 1791, iniciou-se com

“outros livres de cor tendo o mesmo objetivo de lutar contra os brancos na


colônia para garantir a própria igualdade. Esses últimos buscaram o apoio dos
negros escravos, os quais se aliaram a eles e venceram a batalha. Os mulatos
ou libertos ocuparam a arena política colonial com o objetivo de reivindicar a
participação nas esferas de decisão e poder da colônia. Os brancos aceitaram o
pedido dos mulatos e esses entregaram os negros que os ajudaram na luta, os
quais foram jogados no alto mar pelos colonos.
A aliança com os negros fora apenas um artifício retórico para pressionar os
legisladores coloniais, pois os mulatos preferiram o caminho da diplomacia
para alcançar a igualdade civil. Ao acreditar na possível união entre negros e
mulatos e temendo uma guerra, a França enviou a Port-au-Prince, em abril de
1793, tropas aliadas para assegurar o cumprimento dos direitos civis e políticos
dos mulatos. O poder colonial francês acreditava que o reconhecimento desses
direitos silenciaria as tensões coloniais e tornaria os mulatos aliados no
combate à rebelião negra.” (2010: 45)
A terceira e mais importante fase da Revolução Haitiana, ocorre em 14 de agosto
de 1791. Após a traição dos mulatos, quando estes entregaram os negros aos colonos para
serem assassinados em alto mar, os negros decidiram por lutarem sozinhos por sua
liberdade. A religião Vodu tem uma importância crucia na rebelião, conforme relata
Handerson:

“Pela dura experiência, aprenderam que esforços isolados estavam condenados


ao fracasso e, nos primeiros meses de 1791, dentro e nos arredores de Le Cap
(atualmente Cidade chamada Cabo Haitiano), eles estavam organizando-se
para a revolução. O Vodu era o meio de mascarar e difundir a conspiração,
inspirando seus líderes. [...]
Como culto familiar e coletivo, o Vodu10 é a prática, por excelência, na qual
o haitiano se esforça por reencontrar a identidade perdida com a separação da
África e a opressão socioeconômica que o persegue da escravidão até hoje,
visto a euforia da Independência, em 1804, quase nada ter durado. [...]

7
Na literatura do período colonial haitiano, existe uma alternância entre o uso do nome mulato ou liberto. Muitas vezes, eles significam
a mesma coisa, enquanto os termos negro e mulato são categorias excludentes, utilizadas para marcar lugares sociais distintos e não
propriamente uma identidade de cor. (Handerson, 2010: 67)

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Assim, o Vodu se apresenta como uma resposta à exploração do cativeiro, do
imperialismo econômico, social e cultural dos brancos. Significou, desde cedo,
a “linguagem própria” (HURBON, 1987), a consciência de sua diferença em
relação ao mundo dos senhores, a força que aguçaria a sua capacidade de luta.”
(2010: 47)
Vale destacar que foi o Haiti que abriu o ciclo de abolição da escravatura na
América Latina, que durou por volta de um século, conforme destaca Handerson:
Lembramos as datas e os países: 1791 – 1793, abolição da escravatura em São
Domingos-Haiti; 1801 – 1822, abolição no atual país chamado República
Dominicana; 1823, no Chile; 1826, na Bolívia; 1829, no México; 1848, nas
colônias francesas nas Américas; 1854, na Venezuela; 1873, em Porto Rico;
1888, no Brasil e 1889, em Cuba. (2010: 54)
Handerson conclui:
“Torna-se necessário ainda argumentar que os ex-escravos
haitianos se viram definitivamente livres do trabalho compulsório
nas plantações de cana e nos engenhos de açúcar. Sob a
presidência de Alexandre Pétion (1806-1818) e de Jean Pierre
Boyer (1818-1843), passaram a se dedicar à tradição herdada da
África, ou seja, à agricultura de subsistência.” (2010: 54)
A Revolução Haitiana, feita por escravos e negros livres, tornou o Haiti a primeira
nação independente da América Latina e do Caribe, foi o único país do mundo resultado
de uma revolta de escravos bem-sucedida.

O TERREMOTO DE 2010

Além de toda essa história sangrenta para obter sua existência quanto país e as
outras convulsões sociais e políticas descrita no ANEXO I, em 2010 o país passou por
outra tragédia, dessa vez de ordem natural. No dia 12 de janeiro, um terremoto de
magnitude 7,0 na escala Richter atingiu o país, e tendo outros subsequentes de magnitudes
5,9 e 5,5. (ANEXO IV) Esse fato provocou uma série de destruição na capital Porto
Príncipe, “calcula-se que metade das construções foram destruídas, 250 mil pessoas
foram feridas, 1,5 milhão de habitantes ficaram desabrigados e o número de mortos
ultrapassou 200 mil”8. Entre os diversos edifícios estava o palácio presidencial.

Entre as vítimas estavam alguns brasileiros, visto que o Brasil é responsável pelo
segurança, monitoramento e pacificação do Haiti 9, após o terremoto confirmaram-se a

8
http://fisicauniverse.blogspot.com.br/2010/08/o-que-sao-terremotos.html. A quantidade de mortos foi atualizada com números mais
recentes.
9
“Em fevereiro de 2004, conflitos armados eclodiram em Gonaives, espalhando-se por outras cidades nos dias subsequentes.
Gradualmente, os insurgentes assumiram o controle do norte do Haiti. Apesar dos esforços diplomáticos, a oposição armada ameaçou
marchar sobre Porto Príncipe. Aristide deixou o País em 29 de fevereiro e asilou-se na África do Sul. De acordo com as regras de
sucessão constitucional, o presidente da Suprema Corte, Bonifácio Alexandre, assumiu a presidência, interinamente. Bonifácio
requisitou, de imediato, assistência das Nações Unidas para apoiar uma transição política pacífica e constitucional e manter a segurança

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morte de 21 brasileiros, sendo 18 militares e três civis. Entre eles encontrava-se Zilda
Arns Neumann, coordenadora internacional da Pastoral da Criança, médica pediatra e
sanitarista.

O FURACÃO MATTHEW

No dia quatro de outubro de 2016, novamente o Haiti é atingido por uma catástrofe
natural, o furacão Matthew10, de intensidade 4 (numa escala que vai até 5), chega ao país,
causando cerca 1.000 mortes e deixando mais de 60.000 pessoas desabrigadas. Foi a
segunda maior catástrofe ocorrida no Haiti, a primeira foi o terremoto ocorrido em 2010
que ceifou em torno de 300.000 vidas.

O Haiti conta com 10 milhões de habitantes, destes 4 milhões são crianças,


milhares das pessoas ainda vivem em barracas de campanha, resultado do terremoto de
2010. Segundo o relato da organização humanitária internacional Médicos Sem
Fronteiras (MSF), existem pessoas que foram afetadas pelo cólera, infecções do trato
urinário, diarreia, febre, infecções de pele, além de outras doenças e ferimentos
provocados pela passagem do furacão, além de prestarem apoio aos centros de saúdes
afetados. O problema da falta de água e saneamento básico, já eram insuficientes antes
de serem agravado pelo furacão.

Dois meses após o furacão Matthew ter devastado o sudoeste do Haiti,


milhares de pessoas ainda estão sem abrigo, alimentos e água potável,
e algumas comunidades remotas ainda não receberam nenhum tipo de
assistência.
Equipes da organização humanitária internacional Médicos Sem
Fronteiras (MSF) estão observando uma deterioração das condições de
vida nas áreas mais gravemente afetadas. Por meio de clínicas móveis
nas províncias de Sud e de Grand’Anse, MSF examinou e tratou 163
crianças com menos de 5 anos de idade com complicações respiratórias;
60% delas estavam com infecções do trato respiratório superior e 5%
tinham pneumonia ou bronquite.
“Essas complicações estão ligadas, sobretudo, à falta de abrigo
adequado, além das noites frias passadas nas montanhas”, disse Chiara
Burzio, coordenadora médica de MSF. “Algumas crianças estavam com
diarreia e infecções de pele causadas pelo acesso limitado à água limpa.”

interna. Nesse sentido, o Conselho de Segurança (CS) aprovou o envio da Força Multinacional Interina (MIF) que, prontamente,
iniciou seu desdobramento, liderada pelos EUA.
Considerando que a situação no Haiti ainda constitui ameaça para a paz internacional e a segurança na região, o CS decidiu estabelecer
a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (MINUSTAH), que assumiu a autoridade exercida pela MIF em 01 de
junho de 2004. Para o comando do componente militar da MINUSTAH (Force Commander) foi designado o General Augusto Heleno
Ribeiro Pereira, do Exército Brasileiro. O efetivo autorizado para o contingente militar é de 6.700 homens, oriundos dos seguintes
países contribuintes: Argentina, Benin, Bolívia, Brasil, Canadá, Chade, Chile, Croácia, França, Jordânia, Nepal, Paraguai, Peru,
Portugal, Turquia e Uruguai.” (http://www.eb.mil.br/web/exercito-em-acao/minustah-haiti/historico)
10
Em seu percurso o furacão Matthew atingiu Jamaica, Cuba, República Dominicana, Bahamas, o Haiti (principalmente) e a costa
leste dos Estados Unidos, atingindo os estados da Flórida, Geórgia, Carolina do Sul e Carolina do Norte (com menor intensidade).
(ANEXO V).

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Garantir o abastecimento de água potável já é um problema crônico
para muitas comunidades haitianas, algo que piorou ainda mais após a
passagem do furacão. Redes de tubulação foram destruídas e as
reservas de água estão cheias de areia.11
Este é o quadro mais atualizado do Haiti, na questão humanitária.

PROVOC-AÇÕES & DIÁLOGOS

Enquanto pesquisava sobre os haitianos e haitianas no Brasil, me deparei com o


perfil do Renato Gama na rede social Facebook, que fez algumas provocações sobre a
situação do Haiti, a questão do negro e, afirma ele, o exemplo que a Revolução Haitiana
é para a população negra brasileira. A figura do ANEXO VI, vem de encontro aos
diálogos aqui travado. Ela foi criada pelo ilustrador espanhol Miguel Villalba Sánchez,
como ele se define, um cartunista defensor da liberdade de imprensa; fundou, junto com
Kap, a ONG Desenhistas Sem Fronteiras e participa da Cartooning for Peace.

Desta forma a primeira provocação inicia com a apresentação e defesa do ponto


de vista feita pelo Renato no dia 9 de outubro de 2016. O seu desafio lançado é para se ir
além do que é mostrado na grande mídia. Para que se perceba porque o Haiti é para ser
uma referência na luta dos negros, em especial, os negros brasileiros.

Para uma melhor compreensão dos diálogos desenvolvidos os dividi em dois


grandes blocos denominados “Provoc-ação”, e os desdobramentos destas inserções do
Renato Gama, denominei “diálogo”, desta forma a Provoc-ação 1, sob o título “O
ocidente nunca ‘perdoou’ o Haiti” desdobra-se em apenas um diálogo. A Provoc-ação 2,
“Sobre o Haiti”, desdobra-se em seis diálogos.

Nesta primeira provocação, Renato, fala da inquietude que foi para o ocidente, em
particular a Europa, ter que engolir uma revolta dos escravos e negros, e mais, esta ser
vitoriosa. E insta a que tenham como referência a Revolução Haitiana.

Provoc-ação 1
O OCIDENTE NUNCA 'PERDOOU' O HAITI!
Pesquisem sobre o que foi Revolução Haitiana.
Entendam porque o Haiti se tornou um lugar de embargos e empobrecimentos
materiais e simbólicos pelo Ocidente.
Entendam porque o Haiti é extremamente demonizado...
A Revolução Haitiana é o maior medo do Ocidente. Reúna-se com os pretinhos
e pretinhas de sua turma ou escola. E sugiram apresentar trabalho sobre a
Revolução Haitiana no lugar da Revolução Francesa, quando o conteúdo de
Revolução Francesa estiver sendo dado. Se o professor ou professora pedir

11
MÉDICOS SEM FRONTEIRAS. http://www.msf.org.br/noticias/haiti-dois-meses-apos-furacao-necessidades-ainda-sao-latentes

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trabalho sobre a Revolução Francesa, tentem solicitar, com estratégia, que
vocês apresentem sobre Revolução Haitiana, como forma de ser respeitado o
direito de vocês não apresentarem um trabalho em louvor ou apologia ao povo
que colonizou o seu, mas sim criar uma oportunidade de homenagear a
Revolução que representa a libertação do povo e a realidade de vocês. (Renato
Gama em 9 de outubro às 16:07)

A seguir veio a intervenção de G. M. que vem a concordar e acrescentar


argumentos à afirmação do Renato. Como busquei apenas a autorização do protagonista,
as demais intervenções têm apenas as iniciais dos dialogadores. É interessante perceber
que os países colonizadores são tratados com letras minúsculas e a américa conte 3 Ks
(provavelmente alusão à Klu Klux Kan).

Diálogo 1
O ocidente nunca perdoou o Haiti.
Como uma terra minúscula, preta, pode ter sido capaz de derrotar os exércitos
da frança, espanha, eua e frança (de novo)? E ainda com base em toque de
Vodu?
Que ousadia desses pretos por fim à escravidão e instaurar a primeira república
da amerikkka - uma república preta - depois de decaptar senhores de engenho
aos gritos de “vamos destruir os brancos e tudo o que eles possuem, que
morramos se falharmos nessa promessa”!
Hoje o Haiti chora. Mas nossos irmãos e irmãs não são dignos de pena. Temos,
sim, que aprender com sua coragem e Reagir, junto com eles, pra nossa
libertação.
Se hoje o Haiti é um dos países mais pobres do mundo, é porque até hoje é
extorquido pela frança, um demônio colonialista.
Que o Haiti se reerga. Que nosso povo se reerga. Que nossos ancestrais sejam
o esteio da nossa libertação. Saudações aos irmãos e irmãs do Haiti. Que Deus
abençoe os filhos da África no continente e na diáspora. (G.M. Em 7 de
outubro às 14:23)

Na segunda Provoc-ação feita pelo Renato sobre a campanha “Pray for Haiti”
(Orem pelo Haiti) (ANEXO VII), além do chamado à uma agenda centrada na verdadeira
necessidade do povo negro e não em uma agenda imposta pelo povo branco, há um termo
que, para ele, distingue os dois povos, Renato afirma que o povo negro é xenofílico,
enquanto o branco é xenofóbico. E ao final provoca, orar, tudo bem, mas ação também.

Provoc-ação 2
Sobre o Haiti:
Eu não quero que os brancos se compadeçam dos nossos. Isso é uma
mendicância escrota que a gente precisa parar de fazer nas redes sociais e nos
auditórios: Pedir pro nosso algoz se sensibilizar pela nossa dor.
A empatia do branco é um fenômeno A-Histórico. Como um povo estrutural e
historicamente xenofóbico terá empatia com quem não é a imagem e
semelhança dele?
Querer ficar toda hora que tem uma guerra, uma consequência da natureza, um
acidente, lembrando que o branco não se sensibiliza, não se mobiliza, não dá
visibilidade e propaganda/campanha, é permanecer na agência do branco. É

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duvidar e negar que seu povo preto possa agir por si mesmo. Portanto não é a
atenção do branco que devemos chamar para que se sensibilize conosco. Mas
sim nós é que temos que aprender a nos sensibilizarmos pelos nossos. Porque
até isso o branco nos tirou, ao apartar a gente de nossa identidade e extensão a
partir de outra pessoa negra, outro povo preto e, de quebra, nos ensinou a nos
comovermos pelo que os nossos predadores sofrem.
Inclusive a gente se sensibiliza pelo branco não apenas porque ele assim nos
ensinou. Mas porque somos descendentes de povos xenofílicos, e continuamos
xenofílicos mesmo em Diáspora. Estranho, entra numa favela pra ver o
tratamento que vc recebera dos moradores. Qual é a cor predominante da
favela? Agora, Estranho, entra num condomínio classe média ou de luxo, pra
vc ver como os moradores vão te tratar. Qual é a cor predominante das classes
desses condomínios?
Povos melaninados são historicamente xenofílicos e empáticos, e por isso
continuamos, ainda em grande medida, assim, mesmo vivendo no
Eurocentrismo. Lógico que infelizmente não estamos saudáveis nisso, senão
não teria sentido escrever esse post. Não nos aproximamos dos irmãos
haitianos, angolanos, guineenses, beninenses, congoleses, moçambicanos etc
que estão aqui. Inclusive na mesma universidade. Mas aquele espanhol ou
aquela espanhola que tá fazendo intercâmbio, fazemos de tudo pra ser solícitos.
Vamos trabalhar isso?
Deixem o branco insensível pra lá. Se não formos nós a nos sensibilizarmos &
mobilizarmos pelos nossos, quem o fará? Precisamos reaprender a nos amar e,
sem dúvidas, aprender que o Haiti não fica no Continente Africano como
formas de estarmos realmente nos aproximando de quem fomos ensinados (as)
a ignorar e menosprezar: Nós mesmos.
Pray for Haiti? Sim. Mas ação inclusive. (Renato Gama em 9 de outubro às
10:46)

Diálogo 1
Neste dialogo, resultado da provocação do Renato, C. chama a atenção que aqui
também é difícil contar com a ajuda do próprio povo preto. Ao buscar auxílio para uma
irmã, apenas 3 pretos, de uma rede social, auxiliaram, e a ajuda maior veio do povo
branco. Renato ressalta a importância de prestar-se atenção para não cair em um dinâmica
do branco bom e negro ruim. No entanto em que uma situação emergencial ocorra, o foco
é sanar essa situação evitando-se cair sempre no mesmo dilema do bom/ruim.

Concordo contigo e longe de mim querer ficar botando essa gente como
salvadora da pátria. Entendo tbm que nosso povo é o mais desfavorecido graças
a essa gente, logo, fica difícil uma ajuda efetiva. Mas nem preciso ir muito
longe, pra essa tragédia imensa com os irmãos haitianos, pois aqui mesmo, no
Brasil, pedi ajuda para uma irmã... 3 pretos só, de toda uma rede, ajudaram.
Sabe quem foi fortalecer além deles? O tal povo ...

Tudo muito bacana, mas barriga quando ronca quer comida. (C.R. em · 9 de
outubro às 10:53)

Foda isso irmã C. Concordo contigo. (M.W.O.S. em 9 de outubro às 12:18)

Irmã, concordo com vc. E o que vc traz tem tudo a ver com o que tô falando
no post, dessa nossa dificuldade tanto afetiva quanto prática. Admitir que
barriga que tá roncando quer comida, e a partir disso aceitar doações de quem
quer que seja, é uma coisa. Isso realmente ninguém pode ser maluco de fazer,
uma família passando necessidade e quem tá captando o socorro a essa família
ficar medindo a cor de onde chegam as doações. Isso realmente seria surreal.

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Agora, bem diferente disso, é suspender a crítica que se faz justamente a esse
fenômeno tão sintomático. Senão a gente corre um risco muito grande de cair
na dinâmica do: O Branco é bom, o negro é ruim, o que se torna uma
reprodução de Racismo. Igualzinho-Igualzinho acontece nesses debates
facebookeanos:
“Olha, por mim eu me relacionados só com homens negros, mas aí o pretinho
caga pra mim ou me trata mal, e chega o branco me oferecendo o céu, super
carinhoso, me tratando como rainha, eu vou ficar com quem?”
Esse falso debate é perigoso demais, porque nos joga exatamente no lugar que
o branco constituiu pra nosso Povo. Existem motivos absolutamente lógicos e
históricos que faz do branco e do povo branco alguém que ocupe esse lugar do
envolvimento, co chegar junto, do carinho, do afeto etc, e de nós justamente o
contrário entre nós.
Inclusive cai-se num risco sério de essencializarmos ao branco o que é bom e
ao negro o que é ruim. Portanto, se o que eu quero é o que é bom, é o que vai
resolver, independente da cor, e no caso o branco é quem sempre tá
preenchendo esse pré-requisito, então lamento pelos pretos e pretas.
Isso é de um auto-ódio severo, catiço.
Só quero trazer mesmo essa observação, porque do jeito que vc colocou, irmã,
lembrou muito essa discussão de relacionamentos inter-raciais, ao que tange a
mulher negra.
Fora isso, sua crítica é perfeitamente válida, e em momento algum, numa
situação de arrecadação, contribuições e doações se deve negar o que os
brancos tão doando, exceto em situações nitidamente perversas, mas aí são
contextos.
Tem uma situação urgente acontecendo. E o foco é remediar aquilo o quanto
antes. E nesse tipo de dilema que a gente vira e volta cai, precisamos ter a
maturidade de focarmos no que é prioridade. No que deve ser focado.
(Renato Gama em 9 de outubro às 13:48)

Diálogo 2
R.L. destaca que a comunicação nesta rede social não deva ser o fim, e que
realmente não é, mas uma alternativa à mídia formal, uma outra fonte de informação,
talvez mais confiável. Renato destaca que sua fala é para que o branco trate com o mesmo
peso, com a mesma atenção, os desastres que ocorre com o povo negro, assim como trata
os que ocorrem com o povo branco. R.L. complementa exemplificando que a passagem
do furacão Matthew teve um destaque pela TV Globo apenas quando ele se aproximava
dos Estados Unidos e nada disse da destruição e mortes causadas no Haiti.

Mais sei lá, não tenho muitos brancos no meu Facebook. Acho que campanha
no Facebook não deve nunca der o fim, como nunca é. Mais é um meio de
comunicação social alternativo, você repassar o que a mídia formal não tá
passando. Eu por exemplo descobrir assim, outras pessoas vão descobrir assim.
Mesmo que a ação nesse momento não seja direta, muitos tendo acesso,
podendo estar em contato espiritual com tudo que proteja vamos chegar em
uma alternativa. (R.L. em 9 de outubro às 10:53)

Irmã, máximo respeito. Em momento algum me opus a campanhas virtuais,


publicações, visibilidades virtuais. Eu tô falando o tempo todo no post é de
clamar ao branco que trate com simetria os desastres que assolam eles com os
que nos assolam. De que eles se mobilizem pelos nossos como se mobilizam
por si mesmos.

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Não tem nada a ver com ser contra nada no Facebook, mas especificamente de
chorar pro branco que chore pelos nossos e se mobilize pelos nossos. Entende?
(Renato Gama 9 de outubro às 13:52)

Entendi irmão! Da gente não gastar energia pensando porque a globo passou
que o furacão está chegando nos EUA, sendo que nada foi dito sobre o estrago
no Haiti. Mas, pra alguns isso não é tão explícito assim. Agr é pensar nos
nossos irmãos de lá... (R. L. 9 de outubro às 14:43)

Exato, irmã. Entre nós é sempre válido falarmos, escrevermos e fazermos para
os nossos. (Renato Gama 10 de outubro às 22:16)

Diálogo 3
G.S. Concorda com os argumentos de R.L. e Renato, ressaltando a questão da
seletividade (que o povo negro já conhece há tempos).
Concordo! Escrevi sobre isso, e não foi um pedido de empatia deles, foi mais
um apontamento da seletividade que já conhecemos a séculos, para ver se
nosso povo acorda, (pois definitivamente não podemos esperar nada de quem
se preocupa mais com brancos sem luz do que com centenas de negros mortos)
e se mobiliza pelos nossos.
(G. S. em· 9 de outubro às 13:22)

Diálogo 4
Aqui ocorre a minha única participação ao debate desenvolvido. Ao apresentar a
Tese de Joseph Handerson. Isso provocou o interesse de mais duas pessoas em conhecer
o trabalho realizado pelo professor da Universidade Federal do Amapá.

Salve Renato. Como não é possível postar aqui (só cabe fotos e carinhas),
mandei in box a tese: “DIASPORA. AS DINÂMICAS DA MOBILIDADE
HAITIANA NO BRASIL, NO SURINAME E NA GUIANA FRANCESA”
de Joseph Anderson. Abraços. (Márcio José Andrade da Silva em 9 de outubro
às 15:09)

Boa tarde, seria possível que me enviasse por inbox também? obrigado. (F.J.
em 9 de outubro às 17:02)

Olá F. Encaminhado. (Márcio José Andrade da Silva em 9 de outubro às 18:01)

Márcio, muito obrigado pela iniciativa. Vou ler. (Renato Gama em 9 de


outubro às 19:05)

Boa tarde Márcio José Andrade da Silva poderia me enviar tb? Obg (D.F. em
10 de outubro às 12:41)

D.F. Postado na caixa de mensagem. (Márcio José Andrade da Silva em 10 de


outubro às 12:43)

Diálogo 5
Neste diálogo L.P. agradece às intervenções do Renato. Destaco aqui a utilização
de figurinhas (Emoticons) para traduzir o sentimento de gratidão. Não necessitando de
palavras.

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Obrigada por isso, Renato. Obrigada. (L.P. em 9 de outubro às 16:44)

Nada, irmã. Nada mesmo. (Renato Gama em 9 de outubro às


19:05)

3 (L.P. 10 de outubro às 14:17)

Diálogo 6
Neste último diálogo, R.T.F. lança mão da figurinha de gratidão, em seguida ela
chama a atenção para uma postagem do perfil Catraca Livre, sobre a doação de 15 milhões
de dólares realizado pela cantora Shakira. Renato concorda que é algo bom, mas destaca
que a visão dele está mais próxima de uma outra postagem. Que busca saber para onde se
encaminha toda essa doação. E que os países como França, Estados Unidos e empresas
que exploram o Haiti devolvam o que de lá tiraram. R.F.T. encerra a conversa dizendo
que o Haiti só volta à cena, aos noticiários, apenas por ter recebido a doação de Shakira,
que toda a tragédia pela qual passa o povo haitiano não conseguiu, e que mais uma vez o
que foi noticiado foi um destelhamento de um posto de gasolina em Bahamas e nada sobre
as vidas perdidas no Haiti.

(R.F.T. 9 de outubro às 21:34)

(Renato Gama em 10 de outubro às 12:01)


olhe isto:
https://www.facebook.com/CatracaLivre/posts/1374006132636394

(R.F.T. em 10 de outubro às 14:02)


Muito bom!   (Renato Gama em 10 de outubro às 22:14)

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Bastante! (R.F.T. em 10 de outubro às 22:24)

Mas sou dessa linha aqui, irmã:


https://www.facebook.com/tdahoma/posts/1172163772858509

(Renato Gama em 11 de outubro às 00:11)

https://www.facebook.com/rogeria.fenixturbantes/posts/1123032297772902

sentindo-se perplexa.
Fico tão triste com esta situação... somente alguns pretos ou página de preto s
falando sobre a tragédia do Haiti, mas foi somente a cantora Shakira realizar
uma doação que de repente vira notícia!!!
Cadê a mídia falando algo sobre o furacão? CRLH... vi uma reportagem na TV
sim, mas a ênfase foi toda para a porra do telhado do posto de gasolina que
destelhou em Bahamas... e as vidas que se perdeu? Foram quase 600 pessoas!!!
Aí... alguns tem a audácia de dizer: é MIMIMIMI!!! Então te repondo:
mimimimi e o CRLH!!!
Pergunta que não quer calar....
Cadê a empatia das pessoas? Cada dia que passa alguns estão ficando com um
vazio no lugar do coração...
Agora a notícia que está rolando e a preocupação da chegada do furacão na
FLÓRIDA por causa dos 150 mil habitantes...
caralho... independe da cor da pele vida é sempre uma vida pow!!!
Que ver que a mídia irá dar uma ênfase!!!!
(R.F.T. em 10 de outubro às 14:53)

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caminho percorrido para elaboração desse trabalho tem, em seu
princípio, um vasto leque de influências e inspirações. Desde minha época
sindical, década de 1990, participando da elaboração do material do FECONEZU
– Festival Comunitário Negro Zumbi, auxiliado, conversando e aprendendo com
Magali Mendes e Zé Prettu, e também, as conversas e questionamentos tidos com
Celso Ribeiro, todos militantes do movimento negro.

Um caminho descoberto, mas não utilizado aqui, foi as conexões existentes


entre John Lennon e Angela Davis, Angela Davis e Nina Simone, esta última
conexão citada em sala de aula pelo prof. Reigota. Os trabalhos de Lennon e
Simone já conhecia, principalmente através de suas obras musicais, em menor
grau o engajamento político da Simone.

Dessa dupla conexão, a que conhecia bem pouco era Angela Davis. Filósofa
norte-americana, uma voz sobre a questão do preconceito racial, principalmente
em relação à questão de gênero. Assistir ao filme Libertem Angela Davis (Free
Angela and all political prioners) e a leitura das obras de Angela: Mulheres, raça
e classe e A democracia da abolição – para além do império, das prisões e da
tortura. Possibilitou um conhecimento um pouco melhor sobre seu pensamento.
Permitindo, assim, traçar alguns paralelos e similitudes com as ‘provocações’ do
Renato Gama e seus interlocutores.

A questão do negro é premente. E isto é facilmente comprovado nos


noticiários, nos relatos, e na história. Eles vieram para a América moderna como
objetos, como produtos de consumo, e, em grande parte do continente americano
ainda são tratados assim.

Mesmo com a abolição da escravidão, criaram formas de manterem os


negros em uma subcondição de vida social, criando obstáculos para que
ascendessem e/ou melhorassem sua condição de vida.

Um exemplo foi durante à guerra civil norte-americana (1861-1865),


conforme o exército da União avançava sobre os Confederados, aos negros
libertos lhes eram entregues uma mula e 40 acres de terra12, a ideia do General

12
Ordem do General William Tecumseh SHERMAN, (1820-1891) promulgada em 16 de janeiro de 1865. Sherman acreditava que os
negros eram livres, e que a sua liberdade deveria ser garantida pelo governo. Mas o direito a voto, segundo ele, deveria permanecer

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Sherman era “garantir a harmonia nas áreas de operações”. Com o assassinato de
Lincoln, Andrew Johnson, seu sucessor, revogou a lei.

No Brasil, o tratamento destinado aos negros, após a abolição da


escravidão, não foi muito diferente do tratamento norte-americano. Maringoni
em seu texto “O destino do negro após a abolição” (ANEXO VIII), afirma que a
libertação dos escravos, no Brasil – vale lembrar que foi o último país a ter
escravos no Ocidente – se deu, não por fatores humanitários, apesar de toda a
luta abolicionistas, mas por fatores econômicos:

Várias causas podem ser arroladas como decisivas para a Abolição, algumas
episódicas e outras definidoras. É possível concentrar todas numa ideia-mestra:
o que inviabilizou o escravismo brasileiro foi o avanço do capitalismo no
País. Longe de ser um simplismo mecânico, a frase expressa uma série de
contradições que tornaram o trabalho servil não apenas anacrônico e
antieconômico, mas sobretudo ineficiente para o desenvolvimento do País.
Com isso, sua legitimidade passou a ser paulatinamente questionada. (grifo
nosso)
A implantação da política de imigração do final do século XIX trouxe mão
de obra assalariada, oriunda, principalmente, da Europa. Tornando a
manutenção do escravo muito onerosa para os donos.

E citando Caio Prado Jr., em sua obra História econômica do Brasil,


explicita, economicamente, a inviabilidade da manutenção do escravo e de como
o sistema capitalista era inconciliável com a escravidão.

“O escravo corresponde a um capital fixo cujo ciclo tem a duração da vida de


um indivíduo; assim sendo, (...) forma um adiantamento a longo prazo do
sobretrabalho eventual a ser produzido. O assalariado, pelo contrário, fornece
este sobretrabalho sem adiantamento ou risco algum. Nestas condições, o
capitalismo é incompatível com a escravidão”.
Desta forma, alforriar os escravos foi uma forma de se livrar desse encargo
financeiro. No entanto, ainda sendo considerados objetos, os escravos foram lançados à
própria sorte. Sem terem qualquer forma de amparo social e políticas voltadas a eles (a
não serem as discriminatórias).

O resultado disso, 128 anos depois da promulgação da Lei Áurea, os negros ainda
são escravos da situação em que foram jogados. Uma forma de contenção de possíveis
revoltas é um controle policial constante, direcionado e eficaz, tanto na abordagem quanto

na mão da raça branca, que ele percebia como mais forte e estável. In Marszalek, John F., Sherman: A Soldier's Passion for Order,
Vintage Books, 1994, (p.366)

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no extermínio. Resultado disso, nossas prisões estão abarrotadas e em sua maioria (67%)
de negros. (ANEXO IX E ANEXO X).

Essa mentalidade repressora e policial, também ocorre nos Estados Unidos, como
nos fala Angela Davis, em A democracia da abolição:

“O que é interessante é que a escravidão é uma instituição. No final do século


XVIII e por todo o século XIX, por exemplo, conseguiu tornar-se um
receptáculo para todas aquelas formas de punição que, com o desenvolvimento
da democracia, passaram a ser consideradas bárbaras. Então, em vez de
abolirem a pena de morte por completo, ofereceram-lhes refúgio na lei escrava.
Isso significou que, no fim, os brancos eram libertos da ameaça de morte pela
maioria dos crimes; o homicídio continuava a ser o crime usual que levava à
execução de um branco. Os escravos negros, por outro lado, eram sujeitos à
pena de morte em alguns Estados por pelo menos 70 crimes diferentes. Pode-
se dizer que a instituição da escravidão serviu como um receptáculo para
aquelas formas de punição consideradas demasiado não civilizadas para serem
impostas aos cidadãos brancos dentro de uma sociedade democrática. Com a
abolição da escravidão, essa forma de castigo claramente racializada tornou-se
desracializada, persistindo até hoje à guisa de justiça cega à cor. A pena capital
continua a ser infligida desproporcionalmente aos negros, mas quando um
negro é sentenciado à morte, ele/ela aparece para a autoridade do Direito como
um sujeito jurídico abstrato, como um indivíduo cheio de direitos, não como
membro de uma comunidade sujeita a condições que o/a tornam um candidato
perfeito à repressão legal. Assim, o racismo se torna invisível e irreconhecível.
Sob esse aspecto, o réu é “igual” a seu símile branco, que, portanto, não é
inteiramente imune ao racismo escondido da lei.” (DAVIS, 2009:43-44)
O Haiti é aqui, quando comparamos a situação do povo negro, a
miserabilidade em que se encontram, provocada pelos povos europeus, e sua
política colonialista de exploração.

O Haiti não é aqui, quando percebemos que a liberdade e autonomia


alcançada pelo povo negro naquele país, não teve repercussão em outras paragens
em que houvesse negros escravos, o sistema de ensino não permitiu e não
permite, e isso repercute até hoje.

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FONTES CONSULTADAS:

Livros

BARRETO, Raquel. Radical e libertária. In Revista Cult, nº 217 – ano19 – outubro de


2016 – págs. 28 a 35. São Paulo: Bregantini.

DAVIS, Angela. A democracia da abolição – para além do império, das prisões e da


tortura. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.

DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo. 2016.

HANDERSON, Joseph. Vodu no Haiti – Candomblé no Brasil: identidades culturais e


sistemas religiosos como concepções de mundo afro-latino-americano. Dissertação de
mestrado, 183 p. Pelotas: UFPel/PPGCS. 2010.

HANDERSON, Joseph. Diáspora. As dinâmicas da mobilidade haitiana no Brasil, no


Suriname e na Guiana Francesa. Tese de doutorado, 429 p. Rio de Janeiro:
UFRJ/PPGAS. 2015.

MASSUELA, Amanda. Ecos brasileiros. In Revista Cult, nº 217 – ano19 – outubro de


2016 – págs. 36 a 39. São Paulo: Bregantini.

RIBEIRO, Djamila. Angela Davis. Bases para um novo marco civilizatório. In Revista
Cult, nº 217 – ano19 – outubro de 2016 – págs. 24 a 27. São Paulo: Bregantini.

Filme

LYNCH, Shola. Libertem Angela Davis (Free Angela and all political prisoners).
Documentário. FRA/EUA (2014)

Sítios virtuais

https://www.facebook.com/repgama?fref=ts

https://pt.wikipedia.org/wiki/Haiti

http://www.cartoonmovement.com/cartoon/33799

http://twibbon.com/support/pray-for-haiti-13/twitter

http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2015/03/1595797-a-morbida-historia-da-
obsessao-pelos-zumbis.shtm

http://www.msf.org.br/pais/haiti

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ANEXO I

A REVOLUÇÃO HAITIANA E A REPÚBLICA NEGRA

Para uma compreensão da evolução como país do Haiti, transcrevemos a cronologia


deste pais caribenho, contendo, nas palavras de Joseph Handerson, “as datas que
acreditamos as mais importantes na história desse país”.

1492: Colombo chega à América. Em sua primeira viagem, aporta à ilha Hispaniola, aos atuais países
chamados Haiti e República Dominicana, no dia 5 de dezembro.
1654: A Espanha toma a ilha de Tortuga, ao norte da ilha Hispaniola, de acordo com os historiadores
ingleses. Tortuga servia de abrigo a piratas que contrabandeavam carne defumada ou boucan; por essa
razão, eram chamados de bucaneiros.
1665: Os franceses se estabelecem em Tortuga.
1670: Luís XIV autoriza o tráfico negreiro da África para as colônias.
1697: Os franceses se estabelecem em Saint Domingue (São Domingos), parte da Hispaniola cedida pelos
espanhóis de acordo com o tratado de Ryswick.
1743: Nascimento de Toussaint L`Ouverture.
1758: Suplício de Mackandal, líder negro que utilizava o Vodu, em São Domingos.
1789: Revolução Francesa.
1789-91: Assembleia Constituinte na França.
1789: Repercussão em São Domingos da Revolução Francesa.
1791: A Assembleia Constituinte estabelece a igualdade de direitos em São Domingos. Revolta e morte
de Boukman. Rebelião dos escravos no Sul e no Lado Ocidental.
1801: Toussaint proclama uma Constituição.
1802: Bonaparte envia uma armada para São Domingos. Lerclerc, general de Napoleão, alcança a vitória.
Toussaint é levado para a França.
1803: Toussaint morre em Fort de Joux aos 27 de abril.
1804: Jean Jacques Dessalines proclama a independência do Haiti.
1806: Morte de Dessalines. Haiti se divide em dois: o Norte é comandado por Henri Christophe e o Sul,
por Alexandre Sabés Pétion.
1822: Jean Pierre Boyer, presidente do Haiti, reunifica a ilha, isto é, Haiti com a República Dominicana.
Independência do Brasil e do Equador.
1915 -1934: Intervenção norte-americana.
1957: Governo de François Duvalier, no Haiti; alcunhado de papa Doc, ditador. Governou por meio de
repressão, utilizando-se do Vodu e de uma guarda pessoal: os tontons macoutes.
1990: Jean Bertrand Aristide é eleito Presidente do Haiti.
1991: Aristide é derrubado por um golpe de Estado.
1994: Aristide retorna ao poder.
1995: René Préval é eleito Presidente do Haiti.
2000: Jean Bertrand Aristide é eleito Presidente do Haiti.
2004: A saída do Aristide no poder e a chegada da MINUSTAH no Haiti.

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ANEXO II

HAITI (Compositor: Caetano Veloso e Gilberto Gil)


Quando você for convidado pra subir no adro
Da Fundação Casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos e outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se olhos do mundo inteiro
Possam estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque, um batuque
Com a pureza de meninos uniformizados de escola
secundária
Em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada:
Nem o traço do sobrado
Nem a lente do fantástico,
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém, ninguém é cidadão
Se você for ver a festa do Pelô, (e se você não for)
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui
E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino de primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco
Brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti, reze pelo Haiti
O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

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ANEXO III
Mapa do Haiti

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ANEXO IV
HAITI13
Terremoto 201014

Placas tectônicas15

13
Imagens do site http://universobservado.blogspot.com.br/2012/06/terremoto-de-haiti-2010.html
14
O terremoto no Haiti de 2010, foi registrado em 12 de janeiro de 2010, com epicentro a 15 km de Porto Príncipe, a capital do Haiti.
Teve uma magnitude de 7,3 na escala Richter e se sentiu com uma intensidade de grau IX na escala sismológica de Mercalli, em Porto
Príncipe. O Serviço Geológico dos Estados Unidos registrou uma série de réplicas, sendo as mais fortes de 5,9; 5,5 e 5,1 graus. Durante
as primeiras nove horas foram registradas 26 réplicas maiores que 4,2 em diferentes pontos da península Tiburón, dos quais doze
foram maiores do que 5,0. [...]. Este terremoto foi o mais forte registrado nesta zona desde o ocorrido em 1770. O sismo foi sentido
em países próximos como Cuba, Jamaica e Republica Dominicana, aonde provocou temor e evacuações preventivas. [Tradução nossa]
15
O terremoto se produziu nas cercanias do limite norte da placa tectônica do Caribe, que se movimenta contínua e lentamente 20 mm
por ano em relação à placa norte americana e atravessa justamente o meio da Ilha Hispaniola. O sistema de falhas ou rasgo transversal
formado na região é similar à falha de San Andreas na Califórnia, Estados Unidos, tem duas ramificações no Haiti, a falha setentrional,
ao norte e a falha de Enriquillo, ao sul. Os dados sísmicos sugerem que o terremoto foi sobre a falha de Enriquillo, que esteve sobre
pressão durante 240 anos, acumulando muita energia potencial, a qual culminou no terremoto. No entanto, estudos científicos da
Universidade de Purdue (Indiana/EUA) recentemente publicados sugerem que não foi esta falha que provocou o terremoto e sim uma
nova falha sísmica ainda não identificada e da qual se desconhecia a sua periculosidade antes de seu descobrimento. [Tradução nossa]

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ANEXO V

TRAJETÓRIA DO FURACÃO MATTHEW16

Por Cyclonebiskit - Created by Cyclonebiskit using WikiProject Tropical cyclones/Tracks. The background
image is from NASA. Tracking data is from Tracking data from the National Hurricane Center's running
best track.[1]. Domínio público, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=51942603

16

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ANEXO VI
Ninguém é Haiti17

Desculpe o transtorno, mas precisamos falar sobre o luto seletivo. JÔ LIMA 18


No dia 4 de outubro, há exatos seis (6) dias, o Haiti foi atingido pelo furacão Matthew. Os fortes
ventos chegaram a uma velocidade de 230km/h, o que provocou uma grande devastação no pais, o número
de mortos chegou a quase 900.
Você deve estar se perguntando por que eu estou falando sobre isso, mas a pergunta correta é: Por
que ninguém está falando sobre isso?
Desde o ocorrido, a mídia parece se importar mais com o fato do furacão estar se aproximando da
Flórida, Carolina do Sul e outros lugares dos Estados Unidos do que com os 877 mortos e suas respectivas
famílias desabrigadas no Haiti. É como se a dor dos haitianos não fizesse diferença para o mundo, ao
contrário do que ocorre em outros paises, como o atentado na França, Pray of Paris! Mídia focada,
condolências de todos. O mesmo ocorreu com o furacão Katrina e a tempestade Sandy nos EUA.
Porque só alguns acontecimentos nos chocam? Porque só alguns desastres nos
preocupam? Desculpe o transtorno, mas precisamos falar sobre o luto seletivo. Precisamos sim falar
sobre a segregação da dor, de chorar por uns e ignorar outros. Precisamos falar sobre esse reflexo do poderio
que a mídia ainda possui sobre nós, se não é televisionado, não nos importa. "Ah, mas sem notoriedade eu
não fico sabendo, ora!" Essa foi a justificativa que ouvi ao discutir o caso com um colega. A réplica é
simples: Internet. Dizemos ser tão bem informados, ter o celular mais High Tech e não conseguimos
acompanhar meras noticias de sites/blogs? Não conseguimos ouvir o rádio no caminho para o trabalho?
Não conseguimos procurar no Google sobre assuntos nacionais e internacionais? Realmente, ficar sentado
esperando aquela tela te dizer o que você precisa saber é bem notório para sua existência em estado
vegetativo.
Acreditamos que a realidade desse pais considerado o mais pobre das Américas é distante da nossa,
mas hoje quando fui encontrar uma amiga no centro de São Paulo, a linha tênue do desastre no Haiti e eu
se mostrou nitidamente. Fomos - eu e minha amiga - em uma dessas barracas de rua que foram montadas
no centro, fizemos nosso pedido e nos sentamos, ao lado da nossa mesa, dois Haitianos conversavam em
seu idioma de origem. Até aqui, tudo normal. A atendente da barraca se dirigiu até a mesa dos rapazes com
seus pedidos, enquanto conversava com minha amiga, pude ouvir um "tudo deve estar bem, notícia ruim
chega rápido" por parte da atendente, olhei pra trás e o homem mais velho parecia chorar. Pegaram seus
lanches e foram embora.
Curiosa, eu questionei a atendente sobre os rapazes e ela contou: Ele é do Haiti, moça. Nãos sabe
como estão os familiares, parece que a casa da família foi inundada e não tem mais informações sobre o
desastre. Coisa triste né? Eu nem sabia, não vi nada sobre isso na TV.
Coisa triste! A história desse pais é triste e cheia de luta. A solidariedade seletiva por raça é
triste. Mas o que mais me doi é saber que a indiferença tem cor e que hoje mais de um milhão de pessoas
precisam de ajuda naquela que foi a primeira nação independente da América Latina.
Como disse Haroldo Ceravolo Sereza em seu post no OperaMundi, Nem terremoto, nem
furacão, o Haiti é punido por sua revolução negra.

17
Arte de Miguel Villalba Sánchez
18
http://eujolima.blogspot.com.br/2016/10/desculpe-o-transtorno-mas-precisamos.html

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ANEXO VII
Twinborn “Pray For Haiti”

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ANEXO VIII

HISTÓRIA - O DESTINO DOS NEGROS APÓS A ABOLIÇÃO


2011 . Ano 8 . Edição 70 - 29/12/2011
Para Todos nº 458, 24 de setembro 1927
Morro da Favela (atual Providência), em 1927. Após a Lei
Áurea, os negros libertos foram buscar moradia em regiões
precárias e afastadas dos bairros centrais das cidades. Uma
grande reforma urbana no Rio de Janeiro, em 1904,
expulsou as populações pobres para os morros
Gilberto Maringoni - de São Paulo

A campanha abolicionista, em fins do século XIX, mobilizou vastos setores da sociedade


brasileira. No entanto, passado o 13 de maio de 1888, os negros foram abandonados à própria sorte,
sem a realização de reformas que os integrassem socialmente. Por trás disso, havia um projeto de
modernização conservadora que não tocou no regime do latifúndio e exacerbou o racismo como forma
de discriminação
A campanha que culminou com a abolição da escravidão, em 13 de maio de 1888, foi a
primeira manifestação coletiva a mobilizar pessoas e a encontrar adeptos em todas as camadas sociais
brasileiras. No entanto, após a assinatura da Lei Áurea, não houve uma orientação destinada a integrar
os negros às novas regras de uma sociedade baseada no trabalho assalariado.
Esta é uma história de tragédias, descaso, preconceitos, injustiças e dor. Uma chaga que o
Brasil carrega até os dias de hoje.
Uma das percepções mais agudas sobre a questão foi feita em 1964 pelo sociólogo Florestan
Fernandes (1920-1995). Em um livro clássico, chamado A integração do negro na sociedade de
classes, ele foi ao centro do problema:
“A desagregação do regime escravocrata e senhorial se operou, no Brasil, sem que se cercasse
a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de assistência e garantias que os protegessem na
transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela
manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição
assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização
da vida e do trabalho. (...) Essas facetas da situação (...) imprimiram à Abolição o caráter de uma
espoliação extrema e cruel”.
As razões desse descaso ligam-se diretamente à maneira como foi realizada a libertação.
Várias causas podem ser arroladas como decisivas para a Abolição, algumas episódicas e
outras definidoras. É possível concentrar todas numa ideia-mestra: o que inviabilizou o escravismo
brasileiro foi o avanço do capitalismo no País. Longe de ser um simplismo mecânico, a frase expressa
uma série de contradições que tornaram o trabalho servil não apenas anacrônico e antieconômico, mas
sobretudo ineficiente para o desenvolvimento do País. Com isso, sua legitimidade passou a ser
paulatinamente questionada.
ACELERADA TRANSFORMAÇÃO O Brasil das últimas três décadas do século XIX era
uma sociedade em acelerada transformação. A atividade cafeeira vinha ganhando o centro da cena
desde pelo menos 1840. O setor exportador torna-se o polo dinâmico da economia, constituindo-se no
principal elo do País com o mercado mundial. Havia outras atividades de monta ligadas à exportação,
como a borracha e a cana. Mas, a essa altura, a supremacia do café era incontestável.
A partir de 1870, com o fim da Guerra do Paraguai (1864-1870), a agricultura de exportação
vive uma prosperidade acentuada. Um expressivo fluxo de capitais, notadamente inglês, foi atraído

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para as áreas de infraestrutura de transportes – ferrovias, companhias de bonde e construção de estradas
– e atividades ligadas à exportação, como bancos, armazéns e beneficiamento, todos garantidos pelo
Estado.
O período marca a supremacia incontestável do império britânico. A expansão da economia
internacional e a demanda crescente por matérias primas por parte dos países que viviam a Segunda
Revolução Industrial resulta em um ciclo de investimentos nos países periféricos. O historiador inglês
Eric Hobsbawm assinala o seguinte em seu livro A Era dos Impérios:
“O investimento estrangeiro na América Latina atingiu níveis assombrosos nos anos 1880,
quando a extensão da rede ferroviária argentina foi quintuplicada, e tanto a Argentina como o Brasil
atraíram até 200 mil imigrantes por ano”.
A CAMPANHA ABOLICIONISTA Embora rebeliões, fugas e a organização de quilombos
já existissem no Brasil desde o século XVI e várias rebeliões regionais já tivessem a emancipação dos
cativos em pauta, uma campanha organizada só acontece nas últimas décadas do século XIX.
A questão entra na agenda institucional a partir do final de agosto de 1880, quando é fundada
a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão. Começavam, no Parlamento, os debates sobre o projeto
de libertação geral, apresentado pelo deputado pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910).
Uma intensa pressão popular resulta na libertação dos negros no Ceará, em 1884. Uma aguda
crise na lavoura e reflexos da seca de 1877, além da ação de grupos urbanos, inviabilizaram o regime
de cativeiro na região. Incentivado por esse desenlace, o abolicionismo toma ares de movimento em
diversas províncias, como Rio Grande do Sul, Amazonas, Goiás, Pará, Rio Grande do Norte, Piauí e
Paraná.

Foto: Acervo Gilberto Maringoni


Desenho de Ângelo Agostini, Revista Illustrada nº. 427 (18 de
fevereiro de 1886)

A essa altura, a libertação total dos escravos já era uma possibilidade real. A perda de
legitimidade da escravidão acentuava-se especialmente nas grandes cidades. A reação vinha de setores
da oligarquia cafeeira, temerosos de um solavanco nos negócios com a previsão de perda de seu
“capital humano” da noite para o dia. Como as evasões tornavam- -se frequentes, aumentou a repressão
contra escravos fugidos em vários municípios da província do Rio de Janeiro.
ESCRAVIDÃO E MODERNIDADE A escravidão concentrava-se nas partes mais
modernas da economia e tornara-se menos relevante nos setores atrasados ou decadentes. Em 1887, o
Ministério da Agricultura, em seu relatório anual, contabilizava a existência de 723.419 escravos no
País. Desse total, a Região Sudeste (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo),
produtora de café, abarcava uma população cativa de 482.571 pessoas. Todas as demais regiões
respondiam por um número total de 240.848.
Ao mesmo tempo, o País passara a incentivar, desde 1870, a entrada de trabalhadores
imigrantes – principalmente europeus – para as lavouras do Sudeste. É um período em que convivem,
lado a lado, escravos e assalariados. Os números da entrada de estrangeiros são eloquentes. Segundo
o IBGE, entre 1871 e 1880, chegam ao Brasil 219 mil imigrantes. Na década seguinte, o número salta
para 525 mil. E, no último decênio do século XIX, após a Abolição, o total soma 1,13 milhão.
A implantação de uma dinâmica capitalista – materializada nos negócios ligados à exportação
de café, como casas bancárias, estradas de ferro, bolsa de valores etc. – vai se irradiando pela base
produtiva. Isso faz com que parte da oligarquia agrária se transforme numa florescente burguesia,

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estabelecendo novas relações sociais e mudando desde as características do mercado de trabalho até o
funcionamento do Estado.
Para essa economia, o negro cativo era uma peça obsoleta. Além de seu preço ter aumentado
após o fim do tráfico, em 1850, o trabalho forçado mostrava-se mais caro que o assalariado. Caio
Prado Jr. (1907-1990), em seu livro História econômica do Brasil, joga luz sobre a questão:
“O escravo corresponde a um capital fixo cujo ciclo tem a duração da vida de um indivíduo;
assim sendo, (...) forma um adiantamento a longo prazo do sobretrabalho eventual a ser produzido. O
assalariado, pelo contrário, fornece este sobretrabalho sem adiantamento ou risco algum. Nestas
condições, o capitalismo é incompatível com a escravidão”.

Foto: Acervo Gilberto Maringoni


João Manuel Cardoso de Mello, economista
“O escravo corresponde a um capital fixo cujo ciclo tem
a duração da vida de um indivíduo; assim sendo, (...)
forma um adiantamento a longo prazo do sobretrabalho eventual a ser
produzido. O assalariado, pelo contrário, fornece este sobretrabalho sem
adiantamento ou risco algum. Nestas condições, o capitalismo é
incompatível com a escravidão”

O economista João Manuel Cardoso de Mello escreve em seu O capitalismo tardio que:
“O trabalho assalariado se tornara dominante e o abolicionismo, a princípio um movimento
social amparado apenas nas camadas médias urbanas e que fora ganhando para si a adesão das classes
proprietárias dos Estados não-cafeeiros, na medida em que o café passara a drenar para si escravos de
outras regiões, recebera, agora, o respaldo do núcleo dominante da economia cafeeira. Abolicionismo
e Imigrantismo tornaram-se uma só e mesma coisa”.
CARA E OBSOLETA Esta condição – da escravidão ser uma relação de trabalho obsoleta
– acentuou a necessidade de sua superação, tanto no plano econômico quanto no social e político.
A Abolição não era apenas uma demanda por maior justiça social, mas uma necessidade
premente da inserção do Brasil na economia mundial, que já abandonara em favor do trabalho
assalariado, mais barato e eficiente.
Um artigo publicado no semanário abolicionista Revista Illustrada, em 30 de abril de 1887,
argumenta que a economia brasileira àquela altura já não dependia majoritariamente do trabalho servil:
“Pelos dados do Ministério da Agricultura, calcula-se que a cifra dos escravizados não chegue
a 500 mil. Tirem-se as mulheres (50%), tirem-se os escravos das cidades, que nada produzem, e ver-
se-á que o que fica para auxiliar a produção nacional é uma cifra tão irrisória, que podemos, com
orgulho, afirmar, que a produção do nosso país já é devida aos livres”.
Os números não são exatamente iguais aos do Relatório do Ministério da Agricultura, já
mencionado. Mas o comentário é digno de nota.
O fim do regime de cativeiro em São Paulo, em fevereiro de 1888, por exemplo, é ilustrativo.
Às rebeliões de escravos ao longo da década de 1880 vieram se somar o formidável fluxo de mão-de-
obra imigrante que chegava para a lavoura e para a incipiente indústria, inaugurando o regime de
trabalho livre. A província já iniciara uma arrancada econômica – com a construção de ferrovias,
instalação de casas bancárias e aumento das exportações – que a colocaria, na segunda década do
século XX, na dianteira do desenvolvimento nacional. A libertação não representou nenhum abalo de
monta para a economia regional.
A situação era diversa na província do Rio de Janeiro. A região enfrentava uma crise, com
vários produtores rurais endividados em bancos. A libertação poderia representar um sério abalo. Com
isso, os fazendeiros fluminenses ficaram contra a libertação.

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LIMITES DO ABOLICIONISMO Apesar da ênfase abolicionista de setores das camadas
médias e mesmo das elites em alguns centros urbanos, a pregação libertária tinha limites. Eles tornam-
se perceptíveis quando examinamos que tipo de campanha os ideólogos da elite pretendiam realizar.
Vale a pena conhecer as ideias do mais importante intelectual da emancipação, Joaquim Nabuco.
Como deputado, ele liderou a jornada no parlamento.
Um trecho de sua obra mais importante, O abolicionismo, escrita em 1882, é esclarecedor.
Nesta, Nabuco alega ter um “mandato da raça negra” (embora escravos não votassem):
“O mandato abolicionista é uma dupla delegação, inconsciente da parte dos que a fazem, (...),
interpretada pelos que a aceitam como um mandato a que não se pode renunciar. Nesse sentido, deve-
se dizer que o abolicionista é o advogado de duas classes sociais que de outra forma não teriam meios
de reivindicar seus direitos, nem consciência deles. Essas classes são: os escravos e os ingênuos. Os
motivos pelos quais essa procuração tácita impõem-nos uma obrigação irrenunciável não são
puramente - para muitos não são mesmo principalmente - motivos de humanidade, compaixão e defesa
generosa do fraco e do oprimido”.
Rico, filho do senador José Tomás Nabuco de Araújo (1813-1878), o parlamentar é membro
de uma importante família pernambucana que teve entre seus membros altos funcionários do Império.
Sigamos suas concepções:
“A propaganda abolicionista (...) não se dirige aos escravos. Seria uma covardia, inepta e
criminosa e, além disso, um suicídio político para o partido abolicionista, incitar à insurreição, ou ao
crime, homens sem defesa e que a lei da Lynch, ou a justiça pública, imediatamente, haveria de
esmagar”.
Por que Nabuco pensa assim? Acompanhemos:
“A escravidão não há de ser suprimida no Brasil por uma guerra servil, muito menos por
insurreições ou atentados locais. (...) A emancipação há de ser feita entre nós por uma lei que tenha os
requisitos, externos e internos, de todas as outras. É, assim, no Parlamento, e não em fazendas ou
quilombos do interior, nem nas ruas e nas praças das cidades que se há de ganhar ou perder a causa da
liberdade”.
Sintetizemos: para Nabuco, o negro não tem consciência nem voz. Precisa de alguém para
defendê-lo. É natural que quem o faça seja um branco, culto e influente. Mesmo assim, o negro não
pode participar das mobilizações que visem mudar sua sina, sob pena de termos um cenário
imprevisível.
Mesmo José do Patrocínio (1853-1905), tido como um abolicionista radical, não apresenta
visão muito distinta. Pregava, no entanto, a necessidade de a campanha ganhar as ruas. O
chamado Tigre da Abolição falava em “revolução”. Mas apontava ressalvas, dizendo ser necessária
uma “aliança do soberano com o povo”:
“É uma revolução de cima para baixo. O povo não teria força por si só para realizar a abolição
da escravidão”.
LEGALIDADE MONÁRQUICA As pregações de Nabuco e de Patrocínio envolviam duas
vertentes principais.
A primeira é que o abolicionismo deveria ser conduzido nos estreitos limites da legalidade
monárquica e escravocrata, no Parlamento e, no máximo, em salões e saraus. Deveria ser fruto de uma
solução negociada entre o Estado e os fazendeiros, no espaço institucional e não no espaço social e
público, sem risco de perda de controle.
A segunda é que os negros seriam sujeitos passivos nesse conflito. A essência da campanha
abolicionista da chamada elite branca era clara: a emancipação deveria libertar os cativos sem tocar
na ordem econômica vigente, centrada no latifúndio. Para isso, havia ao receio de que o movimento
ganhasse as ruas, envolvendo seus principais interessados, os negros, e tivesse contornos de
desobediência civil.
Em seu livro Onda negra, medo branco, Celia Maria Marinho de Azevedo chama a atenção
para algumas decorrências dessa situação:

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“Tudo se passa, enfim, como se os abolicionistas tivessem dado o impulso inicial e dirigido
os escravos nestas rebeliões e fugas (...).Quanto aos escravos, tem-se a impressão de que são vítimas
passivas, subitamente acordadas e tiradas do isolamento das fazendas pelos abolicionistas; ou então
(...) a ideia que se passa é a de que o negro, apesar de toda a sua rebeldia, estava impossibilitado de
conferir um sentido político às suas ações”.
Foi com esse caldo de cultura que se preparou a Abolição como uma intervenção restrita à
libertação, sem medidas complementares, como reforma agrária, ampliação do mercado de trabalho,
acesso à educação, saúde etc.
O que estava em jogo para a elite branca não era principalmente uma reforma social, mas a
liberação das forças produtivas dos custos de manutenção de um grande contingente de força de
trabalho confinada. A escravidão, no final do século XIX, tornara-se um obstáculo ao desenvolvimento
econômico.

Foto: Acervo Gilberto Maringoni


O negro e o membro da elite. O primeiro, descalço, tira o chapéu, em
respeito. O segundo parece alheio a quem está ao seu lado. A legenda da
foto em Fon Fon nº 6, 18 de maio 1907 é: “Príncipe Dom Luiz [de Orleans
e Bragança (1878-1921)] com o banhista Sant’Anna que o ensinou a nadar
na praia do Flamengo”. A Abolição manteve libertos em posição subalterna
na sociedade

A LIBERTAÇÃO Em maio de 1888 veio a Lei Áurea e, 16 meses depois, como


consequência direta das contradições que vivia o País, a República.
Com a abundância de mão de obra imigrante, os ex-cativos acabaram por se constituir em um
imenso exército industrial de reserva, descartável e sem força política alguma na jovem República.
Os fazendeiros – em especial os cafeicultores – ganharam uma compensação: a importação
de força de trabalho europeia, de baixíssimo custo, bancada pelo poder público. Parte da arrecadação
fiscal de todo o País foi desviada para o financiamento da imigração, destinada especialmente ao Sul
e Sudeste. O subsídio estatal direcionado ao setor mais dinâmico da economia acentuou desequilíbrios
regionais que se tornaram crônicos pelas décadas seguintes. Esta foi a reforma complementar ao fim
do cativeiro que se viabilizou. Quanto aos negros, estes ficaram jogados à própria sorte.
A esse respeito, Celia Maria Marinho de Azevedo lembra que:
“A força de atração destas propostas imigrantistas foi tão grande que, em fins do século, a
antiga preocupação com o destino dos ex-escravos e pobres livres foi praticamente sobrepujada pelo
grande debate em torno do imigrante ideal ou do tipo racial mais adequado para purificar a ‘raça
brasílica’ e engendrar por fim a identidade nacional”.
AS TEORIAS DO BRANQUEAMENTO A libertação trouxe ao centro da cena, além do
projeto de modernização conservadora para a economia, o delineamento social que a elite desejava
para o País. Voltemos a Joaquim Nabuco, em O abolicionismo:
“O principal efeito da escravidão sobre a nossa população foi africanizá-la, saturá- -la de
sangue preto. (...) Chamada para a escravidão, a raça negra, só pelo fato de viver e propagar-se, foi se
tornando um elemento cada vez mais considerável na população”.
Nabuco não pregava no deserto. O mais importante defensor da imigração como fator
constitutivo de uma “raça brasileira” foi Silvio Romero (1851-1914). Republicano e antiescravocrata,
ele notabilizou-se como crítico e historiador literário. Romero preocupa-se em relacionar fatores
físicos e populacionais do País ao desenvolvimento da cultura. Segundo ele, no Brasil, desde o período
colonial, se formou uma mestiçagem original. Este seria um fator decisivo para a superação de nosso
atraso, através da futura constituição de uma “raça” brasileira, com supremacia branca. Daí a

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necessidade da imigração europeia. Vamos às suas palavras, em 1885, na introdução do livro Contos
populares do Brasil (1885):
“Das três raças que constituíram a atual população brasileira a que um rastro mais profundo
deixou foi por certo a branca segue-se a negra e depois a indígena. À medida, porém, que a ação direta
das duas últimas tende a diminuir, com o internamento do selvagem e a extinção do tráfico de negros,
a influência europeia tende a crescer com a imigração e pela natural tendência de prevalecer o mais
forte e o mais hábil. O mestiço é a condição dessa vitória do branco, fortificando-lhe o sangue para
habilitá-lo aos rigores do clima”.
Essas opiniões evidenciam o pensamento dos abolicionistas sobre a composição étnica
pretendida para o País. Membros das camadas médias e altas urbanas, cultos, cosmopolitas, alguns
ligados diretamente à oligarquia rural – caso de Nabuco – e em sua maioria defensores do “progresso”
(os positivistas) ou do “desenvolvimento” (os liberais), a eles interessava sobretudo a modernização
do país, a equiparação de hábitos de consumo aos correspondentes das camadas mais altas dos países
ricos e a integração do Brasil, tanto econômica, como política e ideologicamente, aos parâmetros do
liberalismo.
Não havia contradição, em fins do século XIX, em alguém se apresentar como um acendrado
abolicionista e, ao mesmo tempo, manifestar um racismo ou um elitismo acentuado. Não há vínculo
entre ambas as coisas, assim como não havia compromisso algum entre a grande maioria dos
abolicionistas e os negros cativos. O mais importante era não tocar na ordem institucional, que tinha
como pilar central a grande propriedade da terra.

Foto: Acervo Gilberto Maringoni


Desenho de Ângelo Agostinina Revista Illustrada nº 427, de 18
de fevereiro de 1886: denúncia crua da escravidão

RAÍZES DO RACISMO O preconceito racial abolicionista tinha raízes dentro e fora do


País. A propalada superioridade da raça branca era parte constitutiva da ideia de “progresso”, lembra
o historiador Eric Hobsbawm.
No século XIX, os maiores países europeus passam a ser, com hierarquias variadas, centros
de poder imperial, conquistando colônias na África e na Ásia. Havia um nó teórico a ser desatado:
como regimes liberais, lastreados nas ideias da Revolução Francesa (1789), poderiam colonizar nações
inteiras, subjugando povos e culturas a seus desígnios?
É nesse ponto que surgem as primeiras teorias racialistas para justificar a superioridade
intelectual, física e moral do europeu branco. O primeiro grande formulador foi o conde francês
Joseph-Arthur Gobineau (1816–1882).
Diplomata, poeta, romancista e escultor, Gobineau tornou-se conhecido após a publicação de
seu Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas (1855). Se os outros povos eram inferiores, como
poderiam ter os mesmos direitos dos europeus?
A noção de superioridade racial passara a ser legitimadora da ordem imperial, na qual o
fornecimento ininterrupto e a bom preço de matérias primas era o combustível para o funcionamento
da economia internacional. As teorias raciais surgiram para legitimar uma concepção de mundo que
pregava liberdade, igualdade e fraternidade entre brancos e que justificava a superexploração de outras
etnias.

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E a ideologia do racismo passou a existir dentro de cada país, mesmo nos da periferia do
sistema, como explicação determinista para a dominação de classe, o desnível social e a europeização
acrítica de suas camadas dominantes.
INDESEJADOS DOS NOVOS TEMPOS Os ex-escravos, além de serem discriminados
pela cor, somaram- -se à população pobre e formaram os indesejados dos novos tempos, os deserdados
da República. O aumento do número de desocupados, trabalhadores temporários, lumpens, mendigos
e crianças abandonadas nas ruas redunda também em aumento da violência, que pode ser verificada
pelo maior espaço dedicado ao tema nas páginas dos jornais.
Escrevendo sobre esse período, Lima Barreto (1881-1922) ressalta que:
“Nunca houve anos no Brasil em que os pretos (...) fossem mais postos à margem”.
A descrição do historiador Luiz Edmundo (1878-1961), em seu livro O Rio de Janeiro do meu
tempo, sobre morro de Santo Antônio e suas moradias e vielas miseráveis, poucos anos depois, mostra
um pouco da cartografia humana da então capital:

Foto: Acervo Gilberto Maringoni


Joaquim Nabuco, o principal teórico do movimento abolicionista
(Renascença nº 4, junho de 1904)
“Por elas vivem mendigos, os autênticos, quando não se vão instalar pelas
hospedarias da rua da Misericórdia, capoeiras, malandros, vagabundos de
toda sorte: mulheres sem arrimo de parentes, velhos que já não podem mais
trabalhar, crianças, enjeitados em meio a gente válida, porém o que é pior,
sem ajuda de trabalho, verdadeiros desprezados da sorte, esquecidos de
Deus...(...) No morro, os sem- -trabalho surgem a cada canto”.
O novo regime, apesar das promessas, não viera para democratizar a sociedade ou possibilitar
uma maior mobilidade social. Por suas características acentuadamente oligárquicas, a República
brasileira chegara para manter intocada uma estrutura elitista e excludente.
Por conta disso, as autoridades logo voltam-se para a repressão a diversas manifestações
populares. A partir de 1890, são impiedosamente perseguidos os capoeiras, valentões,
predominantemente negros e pobres, que praticavam essa modalidade de luta pelas ruas do Rio de
Janeiro.
LARGADOS À PRÓPRIA SORTE Em que pesem alguns episódios específicos, a base
fundamental da campanha abolicionista movida por setores da elite econômica dos anos 1880 estava
longe de ser um humanitarismo solidário aos negros, ou a busca de reformas sociais democratizantes.
Isso tornou-se evidente com o passar dos anos, apesar de um discurso contraditório de setores das
classes dominantes, simpáticos à libertação. Havia, por exemplo, o caso do projeto abolicionista de
Joaquim Nabuco. Rejeitado pela Câmara dos Deputados, em fins de 1880, o texto manifestava alguma
preocupação social. Seu artigo 49 definia:
“Serão estabelecidas nas cidades e vilas aulas primárias para os escravos. Os senhores de
fazendas e engenhos são obrigados a mandar ensinar a ler, escrever, e os princípios de moralidade aos
escravos”.
E havia mais. O historiador Robert Conrad assinala que:
“Os abolicionistas radicais, como Nabuco, André Rebouças, José do Patrocínio, Antonio
Bento, Rui Barbosa, Senador Dantas e outros esperavam que a extensão da educação a todas as classes,
a participação política em massa e uma ampliação de oportunidades econômicas para milhões de
negros e mulatos e outros setores menos privilegiados da sociedade brasileira viessem a permitir que
estes grupos assumissem um lugar de igualdade numa nação mais homogênea e próspera”.
O mesmo pesquisador assinala ainda o fato de que “durante os anos abolicionistas, a reforma
agrária foi proposta frequente e urgentemente”. E lembra do plano de André Rebouças, no qual
grandes proprietários venderiam ou alugariam lotes de terras a libertos, imigrantes e lavradores. Trata-

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se de uma modalidade de reforma que prescinde da democratização fundiária, restringindo-se às regras
do mercado então vigentes.
Quando a campanha abolicionista tomou vulto, tais propostas foram pouco a pouco sendo
deixadas de lado.
Quais as razões disso? Voltemos a Florestan Fernandes. Talvez a resposta esteja sintetizada
neste trecho de seu livro já citado:
“A preocupação pelo destino do escravo se mantivera em foco enquanto se ligou a ele o futuro
da lavoura. Ela aparece nos vários projetos que visaram regular, legalmente, a transição do trabalho
escravo para o trabalho livre, desde 1823 até a assinatura da Lei Áurea. (...) Com a Abolição pura e
simples, porém, a atenção dos senhores se volta especialmente para seus próprios interesses. (...) A
posição do negro no sistema de trabalho e sua integração à ordem social deixam de ser matéria política.
Era fatal que isso sucedesse”.
A história que se seguiu confirmou essas palavras.

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ANEXO IX
Perfil das pessoas presas no Brasil

Texto publicado no QUEBRANDO TABU – Fabio Chap

A lógica pra exterminar os pretos pobres e arrancar aplausos da sociedade:

1 - Abole a escravidão dele, afinal, no começo do século 20 ia começar a pegar mal não pagar um salário
pra quem trabalha pra você;

2 - Depois de liberto dos engenhos, manda ele lá pras montanhas - ou morros, como preferir; onde não tem
terra fértil, onde não é o melhor lugar pra se construir uma casa;

3 - Não contrate nenhum preto pobre ex-escravo pra sua plantação de café. Na verdade, dê uma moral pros
italianos e japoneses que tão chegando aqui no Br cheios de vontade trabalhar;

4 - Não ofereça ajuda/recursos do Estado a essa população, exceto a 'ajuda' das Polícias do Estado para
reprimir todo preto pobre que decidir ficar vagando pelas ruas lá nos morros;

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5 - Crie um crime chamado 'vadiagem' e utilize dessa lei pra começar a prender todo preto pobre que te
encher o saco, te questionar, ousar ser livre;

6 - Mantenha a ausência do Estado por mais de um século, mas jamaaais esqueça de enviar as Polícias
Militares se der problema na saúde, na educação, no saneamento, na porra que for;

7 - Consiga com que alguns - muita atenção à palavra 'alguns' - desses pretos pobres comecem a se
incomodar profundamente com séculos de opressão e descaso a ponto de começarem a arriscar a própria
vida na criminalidade pra tentarem mudar a própria realidade;

8 - Faça campanhas e mais campanhas na mídia de todo o país dizendo que o crime desses pretos pobres é
o pior crime que pode existir. Pior que tudo. Que eles vendem o produto que acaba com a sua família. Que
eles oferecem ao seu filho a própria morte em forma de pó, de fumo.

9 - Inicie a prisão em massa desses pretos pobres. Os que resistirem, você mata com bala de fuzil na cara.
A sociedade não vai reclamar das mortes, afinal alguns desses pretos pobres querem tomar 'seu filho'
oferecendo drogas pesadas.

10 - Esprema esses pretos pobres encarcerados de maneira que eles quase não consigam respirar num calor
de 40 graus. Ofereça comida azeda. Faça-os cagar e limpar a bunda com a mão. Humilhe os familiares que
vão visitá-los. Torne-os verdadeiros animais prontos pra arrancarem a cabeça uns dos outros.

11 - Aprecie o espetáculo do sofá de casa. Abra uma garrafa de whisky. Você conseguiu afastar os pretos
pobres que não queria perto da sua filha, do seu filho. :)

Aliás, nem foi você que matou. Eles que se mataram. Feito selvagens. E o mais looooko de tudo: parte da
sociedade está comemorando, aplaudindo, esperando a próxima 'limpeza' que leve pra vala mais uns mil.

Cara, que incrível: O povo achava meio errado a escravidão, afinal, que horrível obrigar alguém a trabalhar
de graça só pela cor da pele, então você teve que abolir. Mas você não gosta dessa raça nem a pau. Você
odeia, na verdade. Que tal um projeto de sufocamento gradual? Nesse projeto, você manda repressão e
nunca manda educação. Assim, algum dia, eles próprios surtam e começam a enfiar facas uns nos outros e
o povo, sedento de sangue, pedirá mais e mais e mais.

É ou não é o plano perfeito?

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ANEXO X
O RACISMO E AS SENZALAS MODERNAS:
QUEM É O PRESO NO BRASIL?19

19
http://vaidape.com.br/especial-111-vinte-e-tres-anos-de-um-massacre-sem-fim-carandiru/

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