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Kart. JAA KX Prefacio a Contribuigéo 4 critica da economia politica’ nH BEM, shen &y y Z— oe 3-96. ordei Examino pel seguinte o sistema da economia bu auesa: capital, propriedade fundidria, trabalho assalaria- do; Estado, comércio externo, mercado mundial. Nos trés primeiros topicos estudo as condigdes econdmicas de existéneia das és grandes classes em que se divide a so- ciedade burguesa moderna; a ligacdo das trés restantes é evidente. A primeira segao do livro 1, que trata do capital, subdivide-se nos seguintes capitulos: 1. a mercadorias 2.a moeda ou a circulacao simples; 3. 0 capital em geral. Os dois primeiros capitulos formam o contetido do presente volume. Parto de um conjunto de documentos sob a for- ma de monografias escritas com longos intervalos para meu proprio esclarecimento, nao para impressao, ¢ cuja elaboragio sistematica, segundo o plano indicado, depen- der das circunstancias. Suprimo uma introdugao geral que esbocei no pas- sado porque, pensando bem, parece-me que antecipar conclusées do que é preciso demonstrar em primeiro lugar é pouco correto, e © leitor que quiser seguir-me devera decidir-se a passar do particular ao geral. Por outro lado, inclui algumas indicagées sobre a sequéncia * Texto publicado originalmente em Karl Marx, Contribuicao 4 critica da economia politica. Trad. de Maria Helena Barreiro Alves. So Paulo: Martins Fontes, 2003. (N.E.) Fs 276) dos meus préprios estudos da economia politica, por me parecerem aqui pertinentes. © objeto dos meus estudos especializados era a juris prudéncia, & qual me dediquei como disciplina comple- mentar da filosofia e da historia. Em 1842-3, na qual dade de redator da Rheinische Zeitung,’ encontrei-me pela primeira vez na obrigagio embaragosa de dar minha opiniao sobre o que é costume chamar-se “os interesses materiais”. As deliberacdes do Landtag renano sobre 0s roubos de lenha e a divisio da propriedade imobilia- ia, a polémica oficial que o sr. Von Scharper, entao pri- meiro presidente da provincia renana, sustentou com a ja e, finalmente, os debates sobre 0 mo forneceram-me as primeiras razGes para me ocupar das questes ccondmicas. Por outro lado, na Epoca em que o desejo de “ir para a frente” substituia frequentemente a competéncia, fez-se ouvir na Rheinis- che Zeitung um eco do socialismo e do comunismo fran- cés, ligeiramente contaminado de filosofia. Pronunciei-me contra esse trabalho de aprendiz, mas ao mesmo tempo confessci abertamente, numa controvérsia com a Allge- meine Augsburger Zeitung? que os estudos que tinha fei- to até entdo nao me permitiam arriscar nenhum juizo so- bre o teor das tendéncias francesas. Aproveitando a ilusio dos diretores da Rheinische Zeitung, que julgavam poder suspender a sentenga de morte proferida contra 0 jornal dando-Ihe um carater mais moderado, preferi deixar o ce- (0 piiblico e retirar-me para meu gabinete de estudo. © primeiro trabalho que empreendi para esclarecer as diividas que me assaltavam foi uma revisao critica da Filosofia do direito, de Hegel, trabalho cuja introdugao apareceu nos Deutsch-Franzésische,? publicados em Pa- em 1844. Nas minhas pesquisas cheguei concluso de KARL MARX 3s que as relag&es juridicas — assim como as formas de do — nao podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela dita evolugao geral do espitito humano, inserindo-se, a0 contrario, nas condicdes materiais de existéncia de que Hegel, @ semelhanca dos ingleses ¢ franceses do sécule xvill, compreende © conjunto pela designacao de “socie- dade civil”; por seu lado, a anatomia da sociedade civi deve ser procurada na economia politica. Tinha comega- do 0 estudo desta em Paris, continuando-o em Bruxelas, para onde emigrei apés uma sentenga de expulsio do sr. Guizot. A conclusao geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio condutor de meus estudos, pode form idamente 2 » social de sua existéncia, os homens estabelecem relagdes determina- das, necessirias, independentes de sua vontade, relagdes de producao que correspondem a um determinado grau de de- senvolvimento das forcas produtivas materiais. O conjunto dessas relagées de produgio constitui a estrutura econd- mica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura juridica e politica a qual correspondem determinadas formas de consciéncia social. O modo de produgao da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, politica e intelectual em geral. Nao ciéncia dos homens que determina seu ser; é seu ser social |. Em certo estagio de desenvolvimento, as forcas produtivas materiais da sociedade entram em contradi¢o com as relagdes de produgao existentes ou, o que é sua expressao juridica, com as relacées de propriedade no seio das quais tinham se movido até entao. De formas de desenvolvimento das forcas produtivas, essas relagdes transformam-se no seu entrave. Surge entio uma época de revolucao social. A transformagio da base econémica altera, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura. Ao considerar tais alteragdes € necess4rio sempre distinguir entre a altera- co material — que se pode comprovar de maneira cienti- sim: na produc que, inversamente, determina sua consciénci 36 ESSENCIAL SOCIOLOGI ficamente rigorosa — das condigdes econdmicas de produ- a0 € as formas juridicas, politicas, religiosas, artisticas ou filos6ficas, em resumo, as formas ideolégicas pelas quais ‘os homens tomam consciéncia desse conflito, levando-o as suas diltimas consequéncias. Assim como nao se julga um individuo pela ideia que ele faz de si proprio, nao se poder julgar uma tal época de transformagao pela mesma cons- ciéncia de si; é preciso, ao contrério, explicar essa cons- ciéncia pelas contradigées da vida material, pelo conflito que existe entre as forgas produtivas sociais ¢ as relacoes de producao. Uma organizacao social nunea desaparece antes que se desenvolvam todas as forcas produtivas que ela é 30 NOVAS € SU du capaz de conter; nunca relagbes ¢ riores se Ihe substituem antes que as condigdes materiais de existéncia dessas relagdes se produzam no proprio seio da velha sociedade. E por isso que a humanidade sé levanta .s problemas que € capaz de resolver ¢ assim, numa ob: ‘servacao atenta, descobrir-se~d que o proprio problema sé surgi quando as condigdes materiais para resolvé-lo ja existiam ou estavam, pelo menos, em via de aparecer. E um cardter amplo, os modos de produgao asiatico, antigo feudal ¢ burgués moderno podem ser qualificados come épocas progressivas da formagio econémica da socieda de. As relagdes de produgio burguesas sao a tiltima forma contraditéria do processo de producao social, contradit6: ria no no sentido de uma contradicao individual, mas de| uma contradig&o que nasce das condigdes de existéncia social dos individuos. No entanto, as forcas produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam a0 mesmo tempo as condigdes materiais para resolver essa contradigo. Com essa organizagao social termina, assim, a pré-hist6ria da sociedade humana. Friedrich Engels, com quem, desde a publicacao do seu genial esbogo de uma contribuicao para a critica das categorias econdmicas nos Deutsch-Franzésische Jabr- biicher, tenho mantido por escrito uma constante troca KARL MARX 37 de ideias, chegou por outras vias (confrontar a sua Si- tuagao das classes operdrias na Inglaterra) a0 mesmo resultado, ¢ quando, na primavera de 1845, veio se es- tabelecer também em Bruxelas, resolvemos trabalhar em conjunto, a fim de esclarecer 0 antagonismo existen- te entre nossa maneira de ver ¢ a concepgao ideologica da filosofia alema; tratava-se, de fato, de um ajuste de contas com a nossa consciéncia filosofica anterior. Esse projeto foi realizado sob a forma de uma critica da filo- sofia pés-hegeliana. O manuscrito, dois grandes volumes in-octavo, estava havia muito no editor na Vestefalia quando soubemos que novas circunstane am a sua impressao. De b id nao per- amos ‘© manuscrito a critica corrosiva dos ratos, tanto mais que tinhamos atingido nosso fim principal, que era en- xergar com clareza as nossas ideias. Dos varios traba- Ihos dispersos dessa época, em que apresentamos nossas opinides sobre diversos assuntos, mencionarei apenas 0 Manifesto do Partido Comunista, redigido em colabo- ragio com Engels, e 0 Discurso sobre o livre-cémbio, publicado por mim. Os pontos decisivos de nossas con- cepgdes foram cientificamente esbocados pela primeira vez, ainda que de forma polémica, em meu texto contra Proudhon publicado em 1847: Miséria da filosofia etc. ‘A impressao de uma dissertacao sobre 0 trabalho assa- lariado, escrita em alemao e reunindo as conferéncias sobre esse tema que proferi na Associacao dos Operarios Alemaes de Bruxelas, foi interrompida pela Revolugao de Fevereiro, a que se seguiu minha expulsao da Bélgica. ‘A publicagdo da Newe Rheinische Zeitung’ em 1848- -9 € os acontecimentos posteriores interromperam meus estudos econdmicos, que s6 pude retomar em 1850, em Londres. A prodigiosa documentagao sobre a histéria da economia politica reunida no Museu Britanico, 0 posto favoravel que Londres oferece para a observagao da socie- dade burguesa ¢, por tiltimo, 0 novo estigio de desenvol-

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