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algum que nao seja da sociedade deve, pela primeira vez, ser directa: ica Tago slgniica também citeio Ensen present de preceitos tradicionais, se manifesta cada vez mais como uudo 0 que parece objectivo, estabeleci neste social actual. A sociedade programada é necessariamente tam- bém uma sociedade do protesto, da imaginacao, da utopia, porque é totalmente atravessada pelo conflito social entre os aparelhos que tém a capacidade e o poder de programar, e pelo apelo a uma criatividade e a uma felicidade constantemente ameacados pela logica desses aparelhos. ia j4 ndo pode interrogar-se sobre a natureza la deve desvendar, descrever as sittiagdes sociais «, atras das Categorias aparentemente mais administrativas ou mais técnicas, as relagbes sociais que ocultam. E sobretudo neste sentido que se deve evitar definir esta sociedade como técnica, € de Ihe dar o nome de alguns dos seus instrumentos técnicos. Pelo contrario, é necessério representar a sociedade como um campo de relagdes sociais conflituais — que podem levar a rupturas politicas ou, pelo contrario, ser negociadas e propiciar compro- missos relativamente estaveis — e fazer com que deste modo se definam melhor os novos caracteres de uma sociedade que ja nao tem natureza, porque ¢ toda ela o produto do trabalho que exerce sobre si mesma, 166-0 ReTURVO DO ACTOR OS NOVOS CONFLITOS SOCIAIS PARA EVITAR 0S EQUIVOCOS Optei por me afastar 0 mais possivel de uma situacao histérica slobal, de modo a revelar «factos portadores de futuro». O perigo desta posicao ¢ evidente. Ninguém pensa que uma q sociedade nacional seja efectivamente jé uma sociedade pésindus- trial. Ea hesitacdo sobre o nome deste tipo de sociedade in que nao se pode ainda defintla directamente a partir do interior. ‘Alguns podem recear que se caia na sociologiaficcao. De facto, 0 perigo ¢ inverso, Todos quantos se interessam pela transformacio das sociedades industriais tém geralmente vistas muito curtas: para ‘do cair nas armadilhas da imaginacao, ficam demasiado agarrados & realidade industrial. Basta um exemplo para se compreender este perigo: todos falam lo papel cada vez mais dominante das empresas multinacionais. Mas esta observacio pritica nao nos pode ajudar a definir uma sociedade pésindustrial nem 0 que a opde a uma socie- dade industrial, dado que tais empresas pertencem a tipos histéricos extremamente diversos, desde as companhias de tipo colonial até & IBM, que se baseia na tecnologia moderna da informacéo. Temos, pois, de aceitar alguns riscos para evitar outros. Nao devemos tentar isolar, num campo particular da realidade social, por exemplo o dos conflitos, «tendéncias» supostamente moder- ‘08 Novos CONFUITOS SOCIAIS-167 de constituir um esquema de andi quéncias para um dot isso me contentai ar quatro propostas gerais que definem a natureza dos conflitos sociais numa sociedade nova. NUMASOCIEDADE POSINDUSTRIAL, OS CONFLITOS SAO GENERALIZADOS Esta sociedade assiste ao desaparecimento conjunto do sagrado e do tradicional. O tema nao ¢ certamente novo e nao deve sé-lo. A ideia de si como forma renovada, e m mesma, do tema antigo da industrializacao ou mesmo da modernizacao. As reivindicagdes sociais foram no passado desarticuladas pelo recorressem também ao representante de uma ordem metas- social. O trabalhador dependente combate o seu patrao, senhor da terra ou mercador, mas apela operario combate 0 cay a um Estado nacional, dade reunificada, permitindo a libertacao do homem, o livre desenvolvimento das forcas de producao, a realizagao da unidade nacional, a defesa do bem comum, etc. Os conflitos, pelo menos os mais fundamentais, os menos negoci ‘mente associados & imagem de uma natureza soci flitos, encarnacao na ordem social de uma ordem metassocial, Ao mesmo tempo, cada sociedade mantinha um sector reservado, defendido dos conflitos sociais. Nao vivemos nés ainda sob 0 reservado da sociedade rado nao sé desaparece como é invadido pelos conflitos mais fundamentais: em vez de um mundo superior da unidade os contlitos sociais tornam-se o desafio primordial. ‘Um aspecto simbélico desta generalizacéo dos conflitos é 0 desaparecimento do sonho da sociedade sem classes e sem con- flitos. No interior do mundo socialista, cada passo em frente parece afastar-nos mais da comunidade final. Os con classes, disse-se na China, mantém-se na sociedade soci em Franga, fala-se unicamente de sociedade de transictio para 0 socialismo. ‘A contrapartida deste desaparecimento do sagrado é 0 desaparecimento da tradicao, ou seja, do que é transmitido pelo passado, das regras de organizacio s cultural fundamen- tadas na manutengao ou na sobrevivéncia da colectividade: desaparecimento dos sistemas de troca, decomposi¢éo dos sistemas de parentesco, fragmentacao das comunidades, enfra- quecimento ou crise dos mecanismos de reproducao social. 0 ensino era reconhecido como agente de transmisso de uma certa heranca cultural e, ao mesmo tempo, como mecanismo de adaptacao as mudancas profissionais e sociais. A primeira destas fungdes degradow-se subitamente, e fazem-se reivindicacbes contra um ensino que parece ser em simultneo arcaico € agente de inculcacao das normas dominantes. Este exemplo, demasiado conhecido para que nao seja necesséria uma longa apresentagio, ¢ importante, porque mostra a penetracao dos conflitos num imenso dominio que parecia até entio estranho aos conflitos sociais, o:da «vida privada»: familia, educacio, relacdes sexuais. Este declinio do sagrado e da tradicao, esta generalizagao dos s, enfraquece progressivamente, ¢ muitas vezes de maneira espectacular, 0 papel da intelligentsia definida como 0 conjunto das pessoas instruidas que servem de mediadores entre tico e este tiltimo. tende a ser uma sociedade de ilizagao» cada vez mais generalizada da populacao. 0 desenvolvimento répido das informagoes e das comunicacdes, que € proprio da sociedade pos-industrial, 0 que nao acont iedade industrial, papel dos intermediarios. A ideia, espalhada pelo (08 Novos cowstrTos socias- 169 leninismo, e de maneira muito mais extrema pela maioria dos movimentos nacionalistas e revolucionarios do Terceiro Mundo, de que as reivindicagdes sociais devem ficar a cargo de um partido politico para sairem da dependéncia em que se fecharam, parece jé muito atrasada relativamente a pratica das sociedades industrializadas. Mesmo que os movimentos de base ¢ o apelo a espontaneidade tenham outras causas possam por tal razdo ser fenémenos de curta duracao, eles parecem ser um dos sinais de uma transformacao mais duravel: a aproximacao entre a base social de uma accio colectiva e os seus meios de accao ao nivel societal. Esta observacao nao é um juizo de valor prévio sobre as formas do sistema politico, mas indica o declinio do partido mediador. A rei- vindicacao poe directamente em causa as orientacdes gerais da sociedade, tanto quando a reivindicacao é feita por um grupo de interesses reformista como quando é a accao de uma forca revolucionaria. Eo que explica igualmente que 0 poder seja cada vez mais sensivel & «opiniao publica»: esta expressdo algo vaga indica na realidade um conjunto de grupos de pressio, de interesses, de conflitos cada vez mais autonomos. Esta sensibilidade pode ser acompanhada, no que ao poder diz respeito, por um sentimento de inseguranca e, por conseguinte, pelo desenvolvimento cada vez mais rapido de propagandas, de repressdes ou de controlos ideolégicos; mas pode também levar abertura crescente do sistema politico ¢ a descentralizagao das — decisoes. Este frente-afrente entre poder central e movimentos de base nao implica, por si s6, nenhum enfraquecimento nem nenhum reforco do sistema politico. E importante, na medida em que indica o aparecimento generalizado de movimentos sociais que no tomam forma ao nivel de uma colectividade politica, mas dos préprios problemas sociais. Era o que ja indicava o internacio- nalismo do movimento operario, mas a tendéncia para a autonomia dos movimentos sociais face 4 sua expressao politica (cuja contrapartida veremos mais adiante) ganha uma importéncia muito maior, reforcada pelo papel dos mass media que substituem a intelligentsia e as mediagdes propriamente politicas. 170-oReroRNo DoactoR PERANTE UM APARELHO DE PODER CADA VEZ MAIS INTEGRADO, A OPOSICAO TENDE A SER FEITA POR GRUPOS CADA VEZ MAIS GLOBAIS Esta proposta prolonga a precedente. Os conflitos principais estiveram desde sempre ligados ao dominio metassocial que parecia comandar a sociedade. A ideia de que a sociedade é dominada pela economia situava os conflitos fundamentais no dominio do trabalho, do mesmo modo que, na sociedade que precedeu a sociedade industrial, o papel eminente da soberania politica dava uma importancia central aos conflitos sobre a idadania e os direitos civicos. Em cada sociedade parece assim existir um papel social privilegiado ao qual correspondem os conflitos fundamentais, Esta situaedo desaparece na sociedade definida nao jé pela sua submissao a uma ordem metassocial, mas pelos seus modos de acgao sobre si mesma, A dominagao social sai nesse caso de um campo particular para integré-los a todos. Neste tipo de socie- dade, um regime autoritario pode tornar-se totalitirio, ainda que, evidentemente, nada imponha a tais sociedades que tenham um regime autoritario. Constitui-se por todo 0 lado um modo de gestao global, que nao se pode reduzir a uma politica econémica. Os paises que julgam poder transformar-se economicamente conservando, ao mesmo tempo, formas de organizacao social herdadas do passado correm o risco de serem incapazes de penetrar profundamente na sociedade pés-industrial. E 0 que acontece a Europa Ocidental que é moderna o suficiente, econo- micamente, para entrar na esfera de influéncia da sociedade americana, mas ndo o bastante, socialmente, para se tornar um niicleo auténomo de desenvolvimento. Gestao e controlo sociais aproximam-se, porque se trata cada vez mais de administrar homens. As ciéncias sociais jé produzi- ram tecnologias, sobretudo na ordem econémica, em que a previsao e a planificacdo repousam sobre uma informacao econdmica consideravelmente melhorada, clarificando as decisdes que, por vezes, até podem ser simuladas. Mas também no dominio propriamente social, onde as relagdes de ensino e de autoridade sao transformadas por influéncia das ciéncias ‘05 Novos coNsuitos soctals-171

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