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Do antipetismo à antipolítica e suas diversas facetas


Alberto Aggio - Setembro 2018

Nas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff, em 2015/16, havia de tudo. Entre os diversos grupos
que se manifestavam, havia um bastante ruidoso, com certo tom beligerante, agressivo, que advogava
abertamente a intervenção militar, junto com alguns outros. Era o “Revoltados on-line”. De lá para cá, o que os
animava se desdobrou para além do impeachment: eles passaram a se apresentar como a redenção da sociedade
“contra a política que está aí”, entendida como integralmente manchada pela corrupção. Esse rechaço à política
propugnava por uma ação “antipolítica”, identificando “todos os políticos” como corruptos. Para eles, esse era
afetivamente o “mal do Brasil”. Aquilo que era latente na sociedade acabou sendo então promovido a uma
estratégia política que se afirmava, sinteticamente, como uma visão da sociedade contra o Estado (políticos). No
fundo, uma revolta da sociedade contra a política.

Esses grupos atuaram nas redes sociais como a oposição a tudo, semeando o ódio a tudo e a todos. Sua ação
permanente extrapolou a oposição ao PT. Eles nasceram do antipetismo mas foram além disso. O resultado está
aí na candidatura Bolsonaro. É ele quem mais expressa essa beligerância, identificando o ódio à política e à
esquerda em geral, como se o petismo fosse a única esquerda existente. Política, esquerda, petismo, comunismo
e até a social-democracia foram e são identificados como os males do Brasil que precisam ser extirpados.

Vindos daquele mesmo processo do impeachment, outros movimentos de 2015/16 também passaram a ocupar
um lugar na política. Não é o caso aqui de discutir todos eles. Quero mencionar apenas o “Vem pra Rua”, um
movimento antipetista mas que de outras maneiras se postou também como antipolítico por meio da ideia de
que, sem mudar já e radicalmente o sistema político, não iria haver alternativa para o país. E mudar já e
radicalmente significava deslocar a “velha classe política” e colocar em seu lugar “o novo”. Ao lançarem-se à
disputa eleitoral, será o Partido Novo quem melhor irá expressar essa disposição. O resultado é, até o momento,
menos exitoso em termos eleitorais, se compararmos com o “Revoltados On-line”. É uma adesão à antipolítica por
outros termos e meios, mas curiosamente há coincidências entre ambos.

De fato, a antipolítica dos nossos tempos apresenta várias facetas. Uma delas é ter nas propostas neoliberais um
grande aliado. Assim, em Bolsonaro e em Amoedo, por exemplo, aparece a mais recente combinação desses dois
campos: querem acabar com a escola pública e gratuita até o ensino médio, determinação presente na
Constituição de 1988. Falam em ensino a distância e em vouchers a serem distribuídos aos pais para que estes
escolham a escola que bem entenderem para colocarem seus filhos.

Além de ser uma proposta dificílima de ser aprovada no Congresso, é também um engodo: visa a atrair o apoio
da classe média com a fábula de que, havendo menos serviços públicos prestados pelo Estado, menos imposto se
pagará. Pior do que isso, como o mercado educacional não é elástico, seria jogar os filhos das classes populares
fora da escola ou piorar mais ainda as condições das escolas públicas. No Chile pinochetista, que adotou modelo
semelhante, houve mediações importantes depois da saída do ditador, que os candidatos não mencionam, por
não saberem (o que é provável) ou por sonegarem essa informação. Vale dizer também que esse modelo está
sendo revisto pelos últimos governos chilenos, sejam eles de centro-esquerda ou centro-direita.

No que se refere ao Brasil, convém atentar para o fato de que a política democrática da Constituição de 1988 é o
referente não apenas do nosso Estado de Direito como também daquilo que ainda nos resta de Estado Social. Na
visão dessas duas candidaturas da direita brasileira (distintas entre si, pois uma é abertamente antidemocrática e
a outra mantém-se nos marcos da democracia), não há mais (ou não deve haver) a relação entre Estado e
Sociedade e sim entre Estado e indivíduos (contribuintes). O fundamento de ambos é estritamente neoliberal,
destacando-se mais em Amoedo do que em Bolsonaro.

Não é o caso aqui de empreendermos numa controvérsia estéril sobre direita e esquerda. E nem imaginarmos
que no chamado campo democrático não existam diferenciações importantes. O Manifesto por um Polo
Democrático e Reformista está seguramente bastante distante dessas propostas. Além do que, nessas eleições, a
social-democracia tem candidato e defende outras iniciativas para a melhoria da educação e da vida social.
Assim, é preciso estar atento para não cair no canto de sereia da antipolítica misturada com o neoliberalismo.

1 of 2 25/09/2018 15:03
Gramsci https://www.acessa.com/gramsci/texto_impressao.php?i...

O nosso momento eleitoral é francamente favorável à antipolítica. O rechaço aos políticos e aos partidos está
estabelecido em corações e mentes, com razões para isso ou não. Em algumas proposições o rechaço à política
se confunde com rechaço à democracia, vista por qualquer viés que se queira.

A antipolítica leva a muitos caminhos, com maior ou menor êxito, e hoje a fortuna parece lhe sorrir. Mas a
história é pródiga em anotar que nada é tão simples assim. Girolamo Savonarola, na Florença dos Medici, parecia
um moralista invencível ao chegar ao poder, mas durou pouco, isolou-se e terminou na fogueira. Mussolini e
Hitler quiseram reinventar tudo a partir da sua potência vital e primária, e sabemos no que deu. Mesmo
derrotados, Maquiavel e Gramsci podem nos auxiliar com suas anotações críticas na hora presente. É preciso
olhar para além dos discursos grandiloquentes e conseguir construir perspectivas realistas, isolando tanto as
nostalgias do passado quanto aqueles que parecem ver uma única solução para a profunda crise que vivemos.

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Historiador, professor titular da Unesp

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De Beijing a Roma, os dilemas do pós-comunismo


Cinco anos depois
Descaminhos e batalhas do reformismo
A polarização que não cede
Uma esquerda sem conceito

Fonte: Especial para Gramsci e o Brasil.

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