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CAPÍTULO 13

Semiologia Psiquiátrica:
da Teoria à Prática
Ana Paula Carvalho Orichio • Viviane Folster Mendonça •
Viviane Reis Fontes da Silva • Bruna Gusmão de Matos •
Clodoaldo Sousa Porto • Priscila Bastos Mayworm •
Ronaldo José Paulino

Este capítulo trata da importância da avaliação do orienta no respeito ao homem enquanto ser holístico,
estado mental para o cuidado global de enfermagem, único, autêntico e participativo no seu cuidado.
seja ele dispensado ao paciente portador de problemas
psíquicos ou biológicos, pois a indissociabilidade
entre o corpo e a mente (funções psíquicas) é funda- COLETA DE DADOS COM
mental quando se pensa no cuidado holístico. Para
tanto, apresentar-se-á uma proposta diferenciada no
ÊNFASE NOS ASPECTOS
que tange à avaliação semiológica psiquiátrica, cujo PSICOBIOLÓGICOS E
enfoque será centrado na assistência e no indivíduo, PSICOESPIRITUAIS
quando serão detectados os problemas, riscos, preo-
cupações e/ou necessidades que se configurarão no O enfermeiro deve ter conhecimento científico acerca
cuidado de enfermagem psiquiátrica. dos sistemas biológicos, das teorias de enfermagem e
Ao final, será apresentado um formulário de avaliação raciocínio crítico, a fim de realizar o histórico que se
global (Apêndice A) do paciente, que visa registrar e constitui na coleta de dados e no exame físico do pa-
organizar as informações das esferas biológicas, sociais, ciente. Além disso, faz-se necessário que o enfermeiro
psicológicas e espirituais do entrevistado. Este instru- assuma posturas que facilitem a comunicação e a relação
mento foi elaborado com base nos preceitos da Sistema- interpessoal. Ele deve adequar-se à personalidade do
tização da Assistência de Enfermagem, fundamentado entrevistado, comportando-se de maneira flexível, a fim
na Teoria das Necessidades Humanas Básicas de Wanda de evitar posturas rígidas e estereotipadas que possam
Horta, desenvolvido a partir da Teoria da Motivação influenciar negativamente o vínculo terapêutico. Deve-se
Humana de Abrahan Harold Maslow. estabelecer atitude empática, evitando neutralidade ou
As necessidades humanas podem ser traduzidas como frieza que possam ser percebidas como distância ou
estados de tensão apresentados por indivíduos, famí- desprezo pelo entrevistado; entretanto, manifestações
lia e comunidade, decorrentes do desequilíbrio de emotivas exageradas ou artificialmente calorosas podem
suas necessidades, podendo ser aparentes, conscientes, caracterizar falsa intimidade. O entrevistador deve po-
verbalizadas ou não. Logo, a equipe de enfermagem sicionar-se de modo a evitar emitir julgamentos ou
deverá implementar ações que auxiliem o indivíduo comentários valorativos, além de responder com sere-
na promoção da saúde, bem-estar e prevenção de nidade e firmeza, mesmo diante da hostilidade e agres-
agravos, uma vez que esta prática profissional se sividade do entrevistado. É importante que a entrevista
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Alterações da consciência
CONSCIÊNCIA

São divididas em alterações “fisiológicas” da cons-


ciência, dentre as quais o sono, o sonho, a hipnose
É a capacidade neurológica de captar o ambien-
e o cansaço, e alterações patológicas, que são as
te e de se orientar de forma adequada. É o estado
qualitativas e quantitativas.
de lucidez ou de alerta. Um processo de coorde-
nação e de síntese da atividade psíquica.
Alterações quantitativas
• Obnubilação ou turvação da consciência: rebai-
xamento da consciência em grau leve a moderado.
O paciente pode já estar claramente sonolento. Di-
minuição do grau de clareza do sensório, com lenti-
seja conduzida de maneira objetiva, valorizando a fala dão da compreensão, podendo o pensamento já estar
do entrevistado, evitando discursos prolixos e redun- ligeiramente confuso e dificuldade de concentração.
dantes, bem como anotações excessivas que denotem
maior interesse pela escrita do que pelo conteúdo do • Sopor: falta profunda de resposta e ação espon-
discurso. Outro preceito a ser observado pelo entrevis- tânea (mutismo). O paciente desperta brevemen-
tador é a comunicação não verbal que se expressa

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te, por meio de um estímulo enérgico, sobretudo
através da postura, do olhar, dos gestos, da vestimenta, de natureza dolorosa, retornando após poucos
e que traduz objetivamente um conteúdo do discurso segundos ao estado de sopor.
tão ou mais efetivo que a própria fala e que pode ser
interpretado erroneamente pelo entrevistado. • Coma: é o grau mais profundo. Nesse caso, é
impossível haver qualquer atividade voluntária
consciente, caracterizando-se ausência absoluta
AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA: de indícios de consciência.
ASPECTOS PSICOBIOLÓGICOS
E PSICOSSOCIAIS Síndromes psicopatológicas
associadas ao rebaixamento do
Avaliação da consciência nível de consciência
Durante o estado de consciência, habitualmente são Delirium: síndrome frequente na prática clínica,
recebidas informações visuais dos olhos, sons dos constitui uma emergência caracterizada por rebai-
ouvidos, sensações táteis da pele, assim como estí- xamento do nível de consciência, desorientação
mulos de qualquer órgão sensorial com o objetivo temporoespacial, dificuldade de concentração, per-
de ajustar o nível adequado de alerta. plexidade, ansiedades em graus variáveis, discurso
É importante observar modificações no nível de cons- ilógico e confuso e ilusões e/ou alucinações, quase
ciência. Durante o exame, deve-se avaliar a participação sempre visuais. Trata-se de um quadro que oscila
do paciente através da capacidade de responder coeren- muito ao longo do dia, podendo ocorrer afundamen-
temente aos estímulos ambientais, as reações perante to do nível de consciência ao final da tarde e no
os estímulos, atentando se estas são rápidas ou lentas período noturno, mesmo quando o paciente estava
e se o paciente encontra-se sonolento ou desperto. com o sensório claro pela manhã.
Um instrumento de análise fidedigno é pedir ao
paciente que olhe, atenta e fixamente, para uma
parede branca (ou um grande papel branco). O
paciente com leve rebaixamento do nível de cons- A atenção é uma dimensão da consciência que
AT E N Ç ÃO

ciência pode, ao fazer isso, apresentar alucinações designa a capacidade de manter o foco em uma
visuais simples ou complexas. atividade. Designa, ainda, o esforço voluntário de
Em clínica geral, usa-se também a escala de Glasgow, selecionar certos aspectos de um fato, experiência
a qual avalia alterações no nível de consciência do mundo interno (por exemplo, memórias) ou
usando basicamente os parâmetros de abertura ocu- externo, fazendo com que a atividade mental se
lar, resposta verbal e resposta motora a estímulos. volte para eles em detrimento dos demais.
Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA 283

Estado onírico: alteração da consciência na qual o • Orientação autopsíquica: compreende a

O R I E N TAÇ ÃO
indivíduo vivencia um estado semelhante a um capacidade do indivíduo de situar-se quan-
sonho vívido, em que visualiza cenas complexas, to a nome, idade, estado civil, data de
ricas em detalhes e terríficas. Geralmente ocorre nascimento, profissão, etc.
amnésia consecutiva aos estados oníricos, que podem
estar associados a uso de substâncias tóxicas, sín- • Orientação alopsíquica: compreende a
dromes de abstinência e quadros febris. capacidade de situar-se no tempo com
relação a dia, mês, ano, marcos temporais
(orientação temporal) e em relação a lugar,
Alterações qualitativas cidade, país (orientação espacial).
• Estados crepusculares: estado patológico em
que é observada a obnubilação da consciência
com conservação da atividade motora coordena- • Tenacidade: capacidade de manutenção da aten-
da. Surgem e desaparecem de forma abrupta com ção ou de uma tarefa específica. Deve-se observar
atos explosivos violentos e episódios de descon- a capacidade de prestar a atenção às perguntas
trole emocional. Essas crises têm duração variá- durante a entrevista, sem estar constantemente
vel de poucas horas a algumas semanas. distraindo-se. Pode-se pedir ao paciente para
bater na mesa toda vez que se diga a letra A,
• Dissociação da consciência: fragmentação ou entre uma série de letras aleatórias como K, D,
divisão do campo da consciência, que se apresen- A, M, X, T, A, F, O, K, L, E, N, A,... Grava-se o
ta semelhante ao sonho. Essa crise dura de minu- tempo e o número de erros.
tos a horas, raramente permanecendo por dias.
• Concentração: capacidade de manter a atenção
• Transe: estado de dissociação da consciência. É voluntária em processos internos do pensamento
uma espécie de sonho acordado, com a presença ou em alguma atividade mental. O teste formal
de atividade motora automática e estereotipada, para a avaliação da concentração é o da subtração
acompanhada de suspensão parcial dos movimen- consecutiva do número 7 a partir do número 100.
tos voluntários. Para pacientes com déficit cognitivo ou quocien-
te de inteligência (QI) abaixo de 80, utiliza-se
• Estado hipnótico: estado de consciência reduzida uma série de 3 números a partir de 20. Se o pa-
e estreitada e de atenção concentrada, que pode ser ciente já tiver realizado o teste muitas vezes,
induzido por outra pessoa (hipnotizador). Trata-se
alteram-se os números para 101 ou 21, para evi-
de uma técnica refinada de concentração da atenção
tar que tenham sido decorados.
e de alteração induzida do estado da consciência.

• Experiências de quase-morte: experiências vi- Alterações da atenção


venciadas por indivíduos que estiveram em situ-
ações críticas de ameaça à vida. A grande • Desatenção: incapacidade de voltar o foco para
maioria dos autores as descreve como uma sen- um determinado estímulo.
sação de paz, de estar fora do próprio corpo e de
união com o cosmos. • Distração: incapacidade de manter o foco da
atenção em determinado estímulo.
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Avaliação da atenção
Avaliação da orientação
• Vigilância: designa a capacidade de voltar o foco
da atenção para os estímulos externos. Pode estar • Orientação temporal: pode-se perguntar ao
aumentada (hipervigil), podendo haver, neste caso, paciente que horas são, o dia da semana, o dia
prejuízo da atenção para outros estímulos, ou do mês, o mês, o ano, a estação do ano e há
diminuída (hipovigil), quando o paciente torna-se quanto tempo ele está no hospital.
desatento em relação ao meio. A melhor forma
de avaliar a atenção é por meio da observação • Orientação espacial: o paciente deve ser capaz
durante a entrevista. de descrever o local onde se encontra (consultó-
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rio, nome do hospital), o endereço aproximado, Sensopercepção


a cidade, o estado, o país, sabendo também quem
são as pessoas à sua volta. Entende-se por sensação o fenômeno produzido por
estímulos de natureza física, química ou biológica.
• Orientação autopsíquica: devem-se perguntar A origem de tais estímulos ocorre tanto fora quan-
dados sobre o paciente, como nome, data de to dentro do organismo e culmina no acionamento
nascimento, profissão e o que faz no hospital. dos órgãos receptores. As diferentes formas de
Estas informações devem ser conferidas por uma sensação devem-se à especificidade dos estímulos,
fonte confiável, como um familiar hígido. a saber: visuais, táteis, auditivos, olfativos, gustati-
vos, proprioceptivos e sinestésicos.
• Orientação alopsíquica: deve ser capaz de identi- Em contrapartida, define-se por percepção a tomada
ficar seus familiares, amigos próximos e pessoal de consciência do estímulo sensorial pelo indivíduo.
que o atende (médicos, enfermeiras, auxiliares, etc.).
Avaliação da sensopercepção
Alterações da orientação
• Alucinações auditivas: pode-se perguntar ao pacien-
Quando um cliente fica desorientado, após um qua- te se ele ouve vozes sem saber de onde vêm; se as
dro de delirium, por exemplo, a primeira noção de vozes vêm de dentro da cabeça ou de fora do corpo;

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orientação perdida é em relação ao tempo, depois se vê ou sente as pessoas que lhe falam; se as vozes
espaço e por último (e raramente) em relação a si o xingam ou ameaçam; se proíbem ou ordenam algo;
próprio. A recuperação se dá de maneira inversa: se ouviu as vozes durante a entrevista.
inicialmente, o paciente orienta-se em relação à
própria pessoa, posteriormente em relação ao espa- • Alucinações visuais: pode-se perguntar se o
ço e, por fim, ao tempo. paciente tem percebido visões, animais, fantasmas,
fogo, demônios ou coisas do tipo; se assustou-se
• Desorientação por redução do nível de cons- com tais visões; se tem visões a qualquer hora;
ciência ou desorientação torporosa ou turva:
se sabe de onde vêm essas visões.
pode ser influenciada por alterações na atenção
e consciência.
• Alucinações olfativas e gustativas: pode-se
• Desorientação por déficit de memória: não con- perguntar ao paciente se tem notado sabor ou
segue fixar em suas memórias as informações cheiro ruim na comida; se há veneno na comida;
ambientais básicas. se o cheiro passou rápido ou demorou.

• Desorientação por apatia: o paciente torna-se deso- • Alucinações táteis e cinestésicas: pode-se per-
rientado por intensa alteração do humor e da volição. guntar ao paciente se ele sente algo estranho no
corpo; se sente como se lhe tocassem, batessem
• Desorientação delirante: atinge indivíduos que ou beijassem; se tem a sensação de que tocam
estão em um intenso quadro delirante. nos seus genitais; se sente como se houvesse um
animal dentro de seu corpo.
• Desorientação oligofrênica: acomete indivíduos
com grandes déficits intelectuais por incapacida- • Alucinações cinestésicas: pode-se perguntar ao
de de compreender o ambiente. paciente se ele tem feito movimentos contra a
sua vontade; se partes do seu corpo têm mudado
• Desorientação histérica: ocorre em quadros de posição sem o seu controle; se seu corpo flu-
histéricos graves, geralmente acompanhada de tua; se tem a sensação de ter levado um empurrão.
alterações da identidade pessoal.

• Desorientação por desagregação: acontece em Alterações da sensopercepção


quadros esquizofrênicos. Ilusão
• Desorientação quanto à própria idade: ocorre Trata-se da percepção alterada de um objeto real e
em quadros de esquizofrenia. presente. A mais comum é a visual. Pode ocorrer
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quando há redução de estímulos ou do nível de somática está relacionada aos órgãos internos
consciência (delirium), fadiga grave e em alguns (intestinos arrancados, cérebro no abdômen, etc.).
estados afetivos (por exemplo, miragem no deserto).
• Cinestésica ou vestibular: alucinação relaciona-
• Dismegalopsias: tipo de ilusão na qual os objetos da ao equilíbrio e à localização do indivíduo no
ou pessoas tomam tamanhos e/ou distâncias irreais. espaço. O cliente percebe-se movendo-se no
espaço, sente estar voando ou percebe o movi-
• Macropsias: os objetos parecem mais próximos mento das paredes.
e maiores.
• Olfativas e gustativas: trata-se de alucinações
• Micropsias: os objetos parecem menores e mais raras; gostos e odores são sentidos sem que haja
distantes. Ocorrem em descolamento de retina, estímulo real (perfumes, terra, sangue, fezes e
distúrbios de acomodação visual, lesão outros desagradáveis).
temporal posterior e intoxicações por drogas.
• De presença: sensação de presença de outra
Alucinação pessoa ou ser vivo que permanece invisível.

Ocorre a percepção sensorial na ausência de um Existem também as pseudoalucinações, as quais


estímulo externo, ou seja, um objeto é percebido são reconhecidas e percebidas como irreais.
sem que esteja presente.
As alucinações podem ser:
Memória e suas alterações
• Auditivas: são as mais comuns; classificam-se Memória é a capacidade de registrar, fixar, evocar
em elementares (ruídos, sons inespecíficos, asso- e reconhecer experiências ou fatos passados. Está
bios, roncos) ou complexas (vozes). Comumente,
diretamente relacionada ao nível de consciência,
são relatadas por pacientes psicóticos. Diálogos
atenção e interesse.
entre diversos interlocutores, sonorização dos
Dentre os diversos tipos de memória estudados nas
próprios pensamentos, críticas e injúrias dirigidas
diferentes áreas da saúde, tais como memória gené-
ao paciente levam-no a crer, frequentemente, que
tica, imunológica e coletiva, para a avaliação psiqui-
tais vozes são provenientes do sobrenatural (Deus,
átrica a memória cognitiva é a de maior interesse,
demônios, espíritos de falecidos, etc.). As vozes
pois pode ser definida como aquela que permite re-
podem ainda determinar ordens ao paciente (por
gistro, conservação e evocação, a qualquer momen-
exemplo, “Mate-se!”), atribuindo periculosidade
to, das experiências aprendidas ou dos fatos passados.
às ações que ele pode concretizar.

• Visuais: o objeto percebido pode ter ou não uma Avaliação da memória


forma específica: clarões, vultos, raios, animais
peçonhentos; pode ainda se apresentar em forma Para fins de avaliação, divide-se a memória em:
de cena. Denomina-se alucinação autoscópica
aquela em que o paciente se vê fora do seu pró- • Memória imediata: capacidade de reter palavras,
prio corpo; quando ele consegue visualizar cenas números, imagens, etc., imediatamente após
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e objetos fora do seu campo visual, tem-se a percebê-los. Depende da concentração e do esta-
alucinação extracampina (por exemplo, ver o que do geral do indivíduo e pode ser avaliada ao
ocorre do lado de fora da parede). pedir ao paciente para repetir uma sequência de
números com 3, 4, 5, 6 e 7 algarismos, ou men-
• Táteis: são observadas frequentemente nas psi- cionar três objetos não relacionados e repeti-los
coses tóxicas e delirantes (intoxicação por coca- imediatamente.
ína, anfetamina, delirium tremens). Os pacientes
relatam sensação de picadas de pequenos animais, • Memória recente: capacidade de reter a infor-
formigamentos, vermes que entram em orifícios mação por um período curto (minutos a dias).
do corpo, sensação de pernas sendo puxadas, Pode ser avaliada ao solicitar que o paciente
estrangulamento. A alucinação sinestésica ou repita a sequência de números anteriores ou faça
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menção dos três objetos não relacionados após Alterações do Reconhecimento


5min. Pode-se solicitar que ele relate o que comeu
em uma das refeições anteriores ou o que fez no • Agnosias: de origem essencialmente cerebral,
último fim de semana. correspondem a déficits do reconhecimento de
estímulos sensoriais, objetos e fenômenos, como:
• Memória remota: capacidade de evocar eventos – Agnosias táteis: de olhos fechados, o paciente
do passado, que pode ser avaliada quando o pa- não é capaz de reconhecer objetos colocados
ciente faz o relato da própria história de vida em suas mãos.
(nascimento, aniversários, casamento, nascimen- – Agnosias visuais: mesmo ao enxergar, o pa-
to dos filhos, etc.). ciente não reconhece os objetos.
– Prosopagnosia: incapacidade de reconhecer
grupos de coisas.
Alterações da memória – Agnosia auditiva: sem haver déficit auditivo,
o paciente é incapaz de reconhecer os sons.
Alterações quantitativas
• Hipermnésias: aumento da capacidade mnêmi- • Alterações do reconhecimento de origem de-
ca de evocar lembranças com grande vivacidade lirante:
e detalhes. – Falso desconhecimento: o paciente não reco-

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nhece os familiares.
• Amnésias ou hipomnésias: perda da memória, – Síndrome de Capgras: o paciente reconhece
seja por incapacidade de fixar, seja por incapa- seu familiar como sendo um sósia.
cidade de manter e evocar antigos conteúdos – Síndrome de Capgras inversa: o sujeito acre-
mnêmicos. Essa alteração ainda pode ser subdi- dita que ele é um impostor.
vidida em: – Síndrome do duplo subjetivo: o paciente
– Amnésia psicogênica: perda de elementos acredita que outra pessoa se tornou idêntica
mnêmicos com valor psicológico afetivo. a ele.
– Amnésia orgânica: perda da capacidade de – Síndrome de Frégoli: o indivíduo identifica
fixação e que pode evoluir até a perda de con- um estranho com se fosse alguém do seu cír-
teúdos antigos. culo pessoal.
– Amnésia anterógrada: perda da fixação dos – Síndrome de Frégoli inversa: há uma crença
elementos ocorridos a partir do evento que lhe de que houve uma mudança radical da própria
causou dano cerebral. aparência física.
– Amnésia retrógrada: perda da memória para
fatos ocorridos antes da doença ou trauma. • Alterações do reconhecimento de origem não
delirante:
Alterações qualitativas – Fenômeno dejá-vu: o indivíduo tem a im-
pressão de que aquela experiência já foi vi-
• Fabulações: preenchimento das lacunas de me- vida no passado.
mória com elementos da imaginação do paciente, – Fenômeno jamais-vu: o paciente, apesar de ter
sendo que este não reconhece como falsas as vivenciado um fato, tem a sensação de que nun-
imagens produzidas. ca o viveu.

• Criptomnésias: o paciente não reconhece um


fato vivenciado como antigo e acha que a expe- Linguagem
riência ou fato é novo. A linguagem é uma atividade mental especifica do
ser humano e principal instrumento de comunicação;
• Ecmnésia: trata-se de uma recordação intensa, porém pode ser escrita ou falada. A língua é subdividida
breve e condensada de muitos eventos passados. em três elementos essenciais:

• Lembrança obsessiva: surgimento espontâneo e • Fonético: sons e elementos materiais da fala.


fixo de conteúdos do passado ou de imagens mnê-
micas que não podem ser repelidas pelo indivíduo. • Semântico: traduz o significado dos vocábulos.
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• Sintático: expresso pela relação e articulação • Disfonia: alteração da fala decorrente da mudan-
lógica das palavras. ça na sonoridade das palavras. Na afonia, o in-
divíduo não consegue emitir sons ou palavras. É
causada por disfunção no aparelho fonador ou
Alterações da Linguagem defeito na respiração durante a fala.
Transtornos afásicos
• Disfemia: alteração da linguagem falada sem
Os transtornos afásicos são alterações na produção lesão orgânica associada, determinada por confli-
da linguagem. Subdividem-se em: tos e fatores psicogênicos. Está frequentemente
associada a estados emocionais intensos, quadros
• Afasia de expressão ou de Broca (afasia não histéricos e conflitos inconscientes intensos. Um
fluente): o indivíduo apresenta dificuldade de tipo comum de disfemia é a gagueira, que é a
produzir a linguagem e expressá-la, embora o dificuldade de pronunciar certas sílabas.
órgão fonador esteja preservado. A fala é monó-
tona, muitas vezes sem melodia. Pode decorrer • Dislalia: alteração da linguagem falada que acar-
de lesões vasculares na área de Broca e vir acom- reta omissão ou substituição de fonemas. Pode ser
panhada de hemiparesia direita. Formas mais orgânica, decorrente de defeitos da língua, dos
leves são percebidas em razão do agramatismo lábios, da abóboda palatina ou de outro compo-
(ausência de conjugação dos tempos verbais ou nente do aparelho fonador, ou funcional, resultan-
uso inadequado das preposições, etc.). te de causas psicogênicas, conflitos interpessoais
ou imitação.
• Afasia de compreensão ou de Werniche (afasia
fluente): não há impossibilidade motora da fala, Alterações da linguagem associadas a
porém ela é, por vezes, incompreensível. O indi- transtornos psiquiátricos primários
víduo apresenta dificuldade no entendimento da
linguagem falada e escrita, produzindo erros na
• Logorreia: produção aumentada e acelerada da
fala (taquifasia), podendo estar associada ao ta-
escolha das palavras. A fala é espontânea e flui-
quipsiquismo geral.
da, porém incoerente e sem sentido. Decorrente
de lesões na área de Werniche.
• Pressão da fala: fala rápida que aumenta em
intensidade e é de difícil interrupção; ocorre na
• Afasia nominal (anomia ou afasia amnéstica): fase maníaca e o indivíduo, por vezes, expressa
dificuldade de encontrar o nome correto para os que não consegue parar de falar.
objetos.
• Loquacidade: aumento da fluência verbal sem
• Parafasias: distorção de determinadas palavras; prejuízo lógico do discurso.
constituem formas mais discretas de déficit de
linguagem. • Bradifasia: caracterizada pela fala muito vaga-
rosa; associa-se a quadros depressivos graves,
• Agrafia: perda da linguagem escrita por lesão estados demenciais e esquizofrenia crônica ou
orgânica, sem déficit motor ou perda cognitiva com sintomas negativos.
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global. Pode estar associada às afasias.


• Mutismo: ausência de resposta verbal por parte do
• Alexia: perda neurológica da capacidade de lei- paciente. Pode ter causas neurobiológicas, psicó-
tura previamente adquirida. Pode estar associada ticas ou psicogênicas. Em psiquiatria, é na maioria
às agrafias ou às afasias. das vezes uma forma de negativismo verbal, uma
resposta de oposição ao ambiente. O coma vigil,
• Disartria: incapacidade de articular corretamen- ou seja, aquele com movimentos oculares preser-
te as palavras devido a alterações neuronais re- vados, é denominado mutismo acinético.
ferentes ao aparelho fonador. A fala é pastosa e
de difícil compreensão por conta da dificuldade • Perseveração e estereotipia verbal: fala repeti-
de articulação das consoantes labiais e dentais. tiva, mecânica e sem sentido, indicativa de lesão
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orgânica, particularmente das áreas cerebrais coterapias em geral e em especial nas psicoterapias
pré-frontais. de orientação analítica.

• Ecolalia: repetição involuntária de frases ou


palavras ouvidas no ambiente. Encontrada prin- Avaliação do juízo crítico
cipalmente na esquizofrenia catatônica e nos A partir da entrevista, costuma-se ter uma boa no-
quadros psico-orgânicos. ção da capacidade de julgamento e insight. Porém,
nas ocasiões em que permanecem dúvidas, pode-se
• Palilalia: repetição automática da última palavra fazer perguntas objetivas, como o que o paciente
que o paciente utilizou em seu discurso. faria se encontrasse uma carta endereçada e selada
na rua, sendo a resposta adequada a de colocar em
• Tiques verbais ou fonéticos: produção de sons ou uma caixa de correio.
palavras de forma recorrente, imprópria e irresis-
tível. Caracteriza-se pela produção de sons guturais.
Alterações do juízo crítico
• Coprolalia: repetição involuntária de palavras Constituem alterações do juízo crítico falar coisas
obscenas ou vulgares. inapropriadas, ser inconveniente, gastar mais do que
pode, não medir consequências, não se dar conta

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• Glossolalia: produção de fala gutural, pouco da gravidade da doença, não reconhecer limitações.
compreensível.
• Ideias delirantes: crenças que refletem uma
Avaliação da linguagem falsa avaliação da realidade e que, para o pacien-
te, tornam-se verdades indiscutíveis. Podem ser
É realizada durante todo o curso da entrevista. Para descritas, segundo seu grau de organização, como
tanto, o entrevistador deve observar fala espontânea sistematizadas (relacionadas a um único tema) e
do paciente, avaliar se é possível estabelecer diálo- não sistematizadas (relacionadas a mais de um
go com ele e atentar-se para características como tema, sendo, pois, mais desorganizadas e pouco
fluência, fala reduzida, riqueza ou empobrecimento convincentes).
de linguagem, utilização de termos apropriados ao
contexto, repetição de palavras, ritmo da fala. • Ideias delirantes de perseguição: o indivíduo
Uma vez detectada deficiência na compreensão oral, acredita que está sendo perseguido por pessoas
deve-se descartar a ocorrência de hipoacusia (dimi- desconhecidas ou conhecidas, que querem preju-
nuição da função auditiva). dicá-lo de alguma maneira.

Juízo crítico • Ideias delirantes de autorreferência: o indivíduo


acredita ser vítima de referências depreciativas,
É a capacidade de perceber e avaliar adequadamen- caluniosas.
te a realidade externa e separá-la dos aspectos do
mundo interno ou subjetivo. Implica separar fanta- • Ideias delirantes de grandeza: ocorrem, nor-
sias, sentimentos e impulsos próprios de sentimen- malmente, na mania. Nesse tipo de delírio, o
tos e impulsos de outras pessoas. Refere-se, ainda, paciente acredita ser extremamente especial,
à possibilidade de autoavaliar-se adequadamente e dotado de inúmeras capacidades. Há uma con-
ter uma visão realista de si mesmo, suas dificulda- cepção exagerada acerca de sua importância,
des e suas qualidades. A capacidade de julgamento poder ou identidade.
é necessária para todas as decisões diárias, para
estabelecer prioridades e prever consequências. • Ideias delirantes de infidelidade ou ciúme de-
O insight é uma forma mais complexa de juízo. lirante: falsa crença de que seu amante é infiel.
Envolve um grau de compreensão do paciente sobre A infidelidade é percebida de forma vil e cruel;
si mesmo, seu estado emocional, sua doença e as o indivíduo acometido acredita que seu cônjuge
consequências desta sobre si, pessoas que o cercam possui diversos amantes. Em geral, trata-se de
e sua vida em geral. É reconhecido como um im- uma pessoa extremamente ligada emocionalmen-
portante mecanismo de mudança psíquica nas psi- te ao ser amado. Podem ocorrer nas psicoses,
Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA 289

sendo mais frequentes em pacientes alcoolistas O normal para qualquer tipo de afeto é que ocorra uma
crônicos e nos transtornos delirantes crônicos. variação na expressão facial, no tom de voz e nos
gestos, denotando um espectro de intensidade na emo-
• Ideias delirantes de erotismo ou erotomania: ção expressada (de superficial a profunda). Da mesma
crença de que alguém, em geral uma pessoa de forma, é normal que ocorram variações no humor.
destaque social, está perdidamente apaixonada
pelo cliente e abandonará tudo para que possam
se casar.
Avaliação do humor e do afeto
A avaliação do humor e do afeto é feita ao longo
• Ideias delirantes (cenestopático): indivíduo da entrevista, observando-se a expressão facial do
acredita que há animais ou objetos em seu corpo. paciente, sua postura, o conteúdo afetivo predomi-
nante no seu relato (tristeza, euforia, irritabilidade,
• Ideias delirantes de conteúdo depressivo: pos- etc.), o tipo de afeto que transmite e que desperta
suem temática triste e são o inverso do delírio de no entrevistador.
grandeza ou daqueles em que o sujeito acredita Fala-se em afeto achatado, aplainado ou embotado,
ser alguém muito especial. nos casos de severa redução da expressão afetiva,
e em grandiosidade ou expansão nos casos de exa-
• Ideias delirantes de ruína ou niilista: indivíduo gero na valorização das próprias capacidades, pos-
vive em um contexto cheio de desgraças e acre- ses ou importância.
dita que o mundo ou os outros não existem ou Deve-se observar se o paciente comenta voluntaria-
estão prestes a acabar. mente ou se é necessário pedir para que informe
como se sente.
• Ideias de delírio de culpa: falso sentimento de
culpa e remorso. Característico das formas graves
de depressão. Perturbações do Afeto
• Labilidade emocional: instabilidade e constante
• Ideias delirantes de negação de órgãos: falsa mutabilidade das reações afetivas. É atribuída à
crença de que seu corpo está destruído ou morto; insuficiência da regulação interna dos afetos. É
o paciente pode relatar ausência de um ou mais frequente em pacientes com quadros orgânicos,
órgãos. como no acidente vascular encefálico.

• Ideias delirantes de hipocondria: o indivíduo • Embotamento afetivo: diminuição da expressão


crê que tem uma doença grave, incurável, mesmo dos sentimentos, sobretudo aqueles que asseguram
diante de exames e avaliações negativas. os nexos afetivos familiares. Ocorre, sobretudo,
em quadros de esquizofrenia de longa data.
Humor e Afeto • Incontinência emocional: perda da capacidade
Humor de controle das emoções, que se exteriorizam ao
menor estímulo. O indivíduo deixa transparecer
É a tonalidade de sentimento predominante e mais todas as emoções que sente, as quais costumam
constante que pode influenciar a percepção de si ser intensas. É frequente em pacientes com trans-
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mesmo e do mundo ao seu redor. torno mental orgânico (principalmente após


acidente vascular encefálico).
Afeto
• Ambitimias (ou ambivalência afetiva): coexis-
É a experiência da emoção subjetiva e imediata, liga- tência de estados afetivos diversos e inconciliáveis.
da a ideias ou representações mentais e que pode ser Sintoma tipicamente esquizofrênico. Não é am-
observada pelas suas manifestações objetivas: alegre, biguidade de sentimentos nem dúvida; é o senti-
triste, embotado, expansivo, lábil, inapropriado. mento que perdeu a sua unidade.
Em outras palavras, o humor se refere à emoção pre-
dominante, mais constante, ao passo que o afeto é a • Paratimias: sentimentos inadequados e parado-
sua expressão, o que se observa sendo mais flutuante. xais. Há discordância entre sentimentos e pensa-
290 Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA

mentos, ou seja, o que é expresso ou narrado não que, com o mínimo de esforço empregado, obtém o
condiz com as expressões afetivas. Ocorre em máximo de ganho ou rendimento funcional.
esquizofrênicos (quadros avançados). Há cisão
do núcleo de pensamento. Principais habilidades incluídas no
constructo da inteligência
Perturbações do Humor RACIOCÍNIO
PLANEJAMENTO
• Humor deprimido (hipotimia): tristeza, deses-
perança, sentimento de menos valia, baixa auto- RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
estima e sentimentos de culpa; apatia, afeto PENSAMENTO ABSTRATO
embotado (resposta emocional diminuída ou in- COMPREENSÃO DE IDEIAS COMPLEXAS
diferente às alterações dos assuntos). Os pacien- APRENDIZAGEM RÁPIDA
tes se queixam de que tudo está mais difícil e APRENDIZAGEM A PARTIR DA EXPERIÊNCIA
pesado que antes. Há diminuição da intensidade
dos afetos e do ânimo, em geral associada ao Segundo a teoria das inteligências múltiplas, iden-
retardamento da excitabilidade afetiva, que pode tificam-se sete tipos de inteligência: linguística,
levar a uma incapacidade de sentir prazer (ane- lógico-matemática, espacial, musical, cinestésico-
donia). As vivências ligam-se aos temas de mor- corporal, interpessoal e intrapessoal. Cada tipo de

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te, perda, culpa, insucesso, etc. inteligência é um sistema genético ativado por in-
formação interna ou externa que possui certa plas-
• Humor eufórico (hipertimia): os pacientes têm ticidade, de modo que certas capacidades
o ânimo elevado. Apresentam aumento da resso- intelectuais podem ser ampliadas a partir de estí-
nância ao prazer, otimismo imotivado e se envol- mulos apropriados.
vem em atividades de risco. Podem ocorrer
irritação, onipotência, delírios de grandeza, etc.
Ocorre nas síndromes maníacas: transtorno bipo- Avaliação da inteligência
lar, hipertireoidismo, início de intoxicações É importante, em enfermagem, coletar informações
exógenas (álcool, anfetaminas, cocaína), etc. sobre o desenvolvimento e o rendimento escolar do
entrevistado: idade de ingresso na escola, se repetiu
• Humor ansioso: temeridade imotivada, apreensão. algum ano, dificuldades em matérias específicas,
dificuldade de leitura e escrita, quando parou os
Inteligência estudos e por que motivo, valorizando sempre as
dificuldades em acompanhar a programação letiva.
A inteligência pode ser traduzida como a capacida- Para avaliar (“grosseiramente”) o rendimento inte-
de de uma pessoa de assimilar conhecimentos lectual, pode-se questionar a capacidade do entre-
factuais, compreender as relações entre eles e inte- vistado de adaptar-se ao meio e a novas situações,
grá-los aos conhecimentos já adquiridos anterior- aprender com as experiências, desenvolver ativida-
mente. Define-se ainda como a capacidade de des coerentes com um objetivo, utilizar pensamen-
raciocinar logicamente e de forma abstrata, mani- to abstrato e resolver problemas do cotidiano.
pulando conceitos, números ou palavras. Capacida- A inteligência pode ser inferida por meio do de-
de de resolver situações novas com rapidez e com sempenho intelectual durante o exame e com per-
êxito mediante a realização de tarefas que envolvam guntas como:
a apreensão de relações abstratas entre fatos, even-
tos, antecedentes e consequências. • O troco em dinheiro para $6,37 quando se deu
É o conjunto das habilidades cognitivas do indivíduo; $10,00.
a resultante, o vetor final dos diferentes processos
intelectivos. Refere-se à capacidade de identificar e • Multiplicar 2=12; 2=24; 2=48; 2=96.
resolver problemas novos, de reconhecer adequada-
mente as situações vivenciais cambiantes e encontrar • Distância aproximada entre duas capitais.
soluções, as mais satisfatórias possíveis, para si e para
o ambiente, respondendo às exigências de adaptação • Nome do presidente do país e os últimos dois
biológicas e socioculturais. É a habilidade intelectiva que o antecederam.
Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA 291

• Informações sobre programas populares de tele- Mental Disorders-IV Edition-Text Revision) define
visão ou esportes. os transtornos da personalidade como experiências
subjetivas e comportamento persistente que se des-
Além disso, é possível avaliar os conhecimentos viam dos padrões culturais. São rigidamente gene-
gerais com perguntas sobre geografia ou fatos rele- ralizados, têm início na adolescência ou na vida
vantes da história, estando-se sempre atento ao adulta inicial, são estáveis ao longo do tempo e
nível cultural do paciente. Se a deficiência é gros- causam infelicidade e comprometimento.
seiramente aparente, informações históricas podem
ser utilizadas para verificar se ela esteve sempre
presente (deficiência mental) ou desenvolveu-se a Avaliação e estados alterados
partir de certa idade (demência). da personalidade
A capacidade de abstração deve ser avaliada por
meio da solicitação de interpretação de provérbios Quando os traços da personalidade são rígidos e
e metáforas (como “quem não tem cão caça com mal-adaptativos e causam comprometimento do
gato”, “mais vale um pássaro na mão que dois desempenho ou sofrimento subjetivo, pode-se dizer
voando”, “não se tira leite de pedras”) e da com- que existe um transtorno da personalidade.
paração de objetos semelhantes e diferentes (por Os transtornos da personalidade são agrupados
exemplo, maçã e laranja, criança e anão, mentira em três classes no DSM-IV-TR. O grupo A cobre
e engano). os transtornos da personalidade paranoide, esqui-
Avaliar a capacidade de inteligência garante ao zoide e esquizotípica; os indivíduos com tais
enfermeiro a percepção do que o paciente entrevis- condições costumam ser percebidos como estranhos
tado tem condição de entender, a fim de adaptar o e excêntricos. O grupo B é formado pelos trans-
discurso às suas características. tornos da personalidade antissocial, borderline,
histriônica e narcisista; os indivíduos incluídos
nesta categoria parecem dramáticos, emocionais
Personalidade e erráticos. O grupo C inclui os transtornos da
Personalidade provém do termo persona, que sig- personalidade esquiva, dependente e obsessivo-
nifica a máscara dos personagens do teatro. É compulsiva e uma categoria denominada transtor-
aquela máscara que cobria o rosto dos cômicos em nos de personalidade sem outra especificação
Roma, ao representarem diferentes personagens de (como o da personalidade passivo-agressiva e o
uma peça. Esse termo tem sido utilizado como um da personalidade depressiva); nesses casos os
rótulo descritivo do comportamento observável do pacientes parecem ansiosos e medrosos.
indivíduo e de sua experiência interior e subjetiva. O Quadro 13.1 mostra os principais transtornos
A personalidade é o conjunto integrado de traços separados por grupos, além de algumas perguntas
psíquicos, consistindo no total das características que o entrevistador poderá fazer ao paciente e os
individuais, em sua relação com o meio, incluindo traços mais marcantes de cada personalidade que
todos os fatores físicos, biológicos, psíquicos e poderão ser observados.
socioculturais de sua formação, conjugando tendên-
cias inatas e experiências adquiridas no curso de Vontade
sua existência. A dimensão essencial do conceito
de personalidade é o seu duplo aspecto: relativa- A vontade é uma dimensão complexa da vida men-
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mente estável ao longo da vida do indivíduo e re- tal intimamente relacionada às esferas instintivas. É
lativamente dinâmico, sujeito a determinadas traduzida por expressões típicas como o que quero
modificações, dependendo de mudanças existenciais ou o que não quero. Distingue-se também pelos
ou alterações neurobiológicas. A estrutura da per- motivos ou razões intelectuais que influenciam o ato
sonalidade, segundo ele, “mostra-se essencialmen- volitivo de atração ou repulsa na decisão volitiva.
te dinâmica, podendo ser mutável – sem ser
necessariamente instável – e encontra-se em cons-
tante desenvolvimento”.3
Alterações da vontade
O texto revisado da quarta edição do Manual Diag- Diminuição ou abolição da atividade volitiva. O
nóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM- indivíduo refere que não tem vontade de nada,
IV-TR, Diagnostic and Statistical Manual of sente-se desanimado e sem forças. As alterações da
292 Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA

Quadro 13.1 – Transtorno de personalidade segundo o Código Internacional de Doenças (CID-10) e a Quarta
Edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV). Perguntas para identificar o
perfil de personalidade, adaptado do Dalgalarrondo (2008).
Agrupamento A
Traços da personalidade paranoide Para personalidade paranoide
• Desconfiança constante • Você já sentiu (ou sente com certa frequência) que as
• Sensível às decepções e às críticas pessoas não são confiáveis?
• Rancoroso, arrogante • As pessoas se voltam contra você sem um motivo particular?
• Culpa os outros • Sente que as pessoas ou as situações estão frequente-
• Reivindicativo mente contra você?
• Sente-se frequentemente prejudicado nas relações
Traços da personalidade esquizoide Para personalidade esquizoide
• Frio (indiferente) • Prevalece uma observação mais acurada do paciente; são
• Distante, sem relações íntimas mais nítidas suas excentricidades
• Esquisito (estranho) • Você tem muitos amigos? Quais os grupos sociais você
• Vive no seu próprio mundo costuma frequentar?
• Solitário (isola-se) • Faça um elogio ao paciente e observe sua reação no
momento

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• Não se emociona (imperturbável)
• Como costuma (m) ser seu (s) relacionamento (s) amo-
roso (s)?
• Que tipo de atividade em grupo você costuma se inserir?
• Você possui amigos mais íntimos para quem costuma se
abrir mais, expor seus sentimentos?
Traços da personalidade esquizotípica Para personalidade esquizotípica
• Ideias e crenças estranhas e de autorreferência • Prevalece uma observação mais acurada do paciente, são
• Desconforto nas relações interpessoais mais nítidas suas excentricidades e pensamentos mágicos
• Pensamento muito vago e excessivamente metafórico • Você tem muitos amigos? Quais os grupos sociais você
• Ausência de amigos íntimos costuma frequentar?
• Aparência fica excêntrica • Você já sentiu (ou sente com certa frequência) que as
pessoas não são confiáveis?
• Desconfiança
• Você costuma sair com seus amigos para descontrair ou
se divertir?
• E outras que o entrevistador julgar necessárias caso o
paciente verbalize alguma de suas ideias de cunho mági-
co/místico

vontade estão associadas à apatia, à fadiga fácil e CONSIDERAÇÕES FINAIS


à dificuldade de decisão.
Tão importante quanto o conhecimento cientifico
• Atos impulsivos: em oposição à ação voluntária, acerca da semiologia psiquiátrica é o que o pro-
há os atos impulsivos, que são como curtos-cir- fissional enfermeiro fará em prol do cuidado de
cuitos do ato voluntário. enfermagem único, personalizado e holístico. Em
se tratando de paciente psiquiátrico, a escuta e a
• Ato compulsivo: reconhecido pelo indivíduo como observação configuram-se como instrumentos
indesejável e inadequado; o sujeito não consegue importantes de avaliação e na coleta das informa-
refreá-lo ou adiá-lo. Exemplos de atos impulsivos ções. Práticas de enfermagem que contemplem os
ou compulsivos são automutilação (autolesão aspectos psicossociais, psicoespirituais e psico-
voluntária), frangofilia (impulso de destruir obje- biológicos constituirão um elo para o bom rela-
tos), piromania (impulso de atear fogo). cionamento enfermeiro-paciente, estabelecendo
assim um espaço terapêutico ideal para a instituição
• Impulso suicida: desejo de autoextermínio. do cuidado.
Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA 293

Formulário de Avaliação Global


1 – Dados de Identificação Pessoal
… Ambulatório
Sexo … M … F
… Emergência
Nome:
… Unidades de internação
Nascimento: ___/___/___ Idade _______ Cor: _______
Endereço: Telefones para contato: Diagnóstico Médico:

Estado conjugal:

Escolaridade: … Analfabeto … Ensino Fundamental … Ensino Médio … Ensino Superior / Completo … Sim … Não

Profissão: Renda salarial:

Mora com quem?

É curatelado? … Sim … Não Por quem?

Procedência:

Paciente chegou: … Deambulando … Cadeira de rodas … Maca … Auxiliado … Outros

Acompanhado por:

2 – História Clínica e Patológica Pregressa


2.1 – Queixa principal:

2.2 – Motivos da internação:

2.3 – História da doença atual:

2.4 – História patológica pregressa:


– Início dos sintomas:
– Já fez tratamento psiquiátrico anteriormente? … Sim … Não Por quanto tempo?
– Faz acompanhamento psiquiátrico regular atualmente? … Sim … Não
– Se interrompeu o tratamento, qual o motivo?
– Já foi internado anteriormente? … Sim … Não Quantas vezes?
– Tempo médio de internação: … 1 a 5 dias … 6 a 10 dias … 11 a 15 dias … 15 a 30 dias … acima de 30 dias
– Há quanto tempo foi a sua última internação?
– Faz algum outro tipo de tratamento? … Sim … Não Qual?
– Medicações atualmente em uso:

2.5 – História pessoal e hábitos:


– Tipo de parto: … Normal … Cesariana … Fórceps Alguma intercorrência ao nascimento?
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– Quantos irmãos?
– Desenvolvimento na infância e adolescência:
– Doenças próprias da infância? … Sim … Não Quais?
– Possui filhos? … Sim … Não – Quantos? Obs:
– Internações clínicas ou cirurgias prévias? … Sim … Não Especifique:
– Faz tratamento para alguma doença clínica? … Sim … Não Quais?
– Usa bebidas alcoólicas? … Sim … Não Que tipo?
– Com que frequência? Obs:
– Faz uso de cigarros? … Sim … Não Há quanto tempo?
– Quantos cigarros por dia? Deseja parar de fumar? … Sim … Não

Figura 13.1 – Formulário de avaliação global.


294 Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA

Formulário de Avaliação Global


– Faz uso de outro tipo de droga? … Sim … Não Quais?
– Por quanto tempo? Tem acesso fácil? … Sim … Não
– Condições de moradia: … com saneamento básico … sem saneamento básico
– Quantos cômodos há na sua casa? Quantos residem no mesmo ambiente?
– Tem acesso a todos os cômodos da casa? … Sim … Não Obs:
– Tem acesso a materiais perfurocortante (faca, tesoura, etc.)? … Sim … Não Obs:
– Antecedentes patológicos familiares:
3– Necessidades Psicoespirituais
3.1 – Realiza alguma prática religiosa/espiritual: … sim … não
Qual?
3.2 – Solicita algum acompanhamento religioso/espiritual? … sim … não
Cite
4 – Necessidades Psicossociais e Psicobiológicas
4.1 – Segurança / estado emocional prévio: … deprimido … eufórico … alegre … triste … ansioso … irritado … sem alterações … outros

Especificar:
4.2 – Dados sobre gregária:

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4.3 – Prática de atividades de recreação e lazer:

4.5 – Dados relevantes sobre autoestima, autoimagem, autorrealização:

4.6– Dados relevantes sobre liberdade, amor, criatividade, espaço e aceitação:

4.7 – Exame Psíquico:


– Atenção: … normovigil … hipovigil … hipervigil … normotenaz … hipotenaz … hipertenaz
– Consciência: … consciente … sonolento … obnubilado … soporoso … comatoso
– Orientação: … desorientado … orientado … tempo … espaço … pessoas
– Memória: Remota: … perda … intacta Recente: … perda … intacta
– Pensamento: … claro … confuso … lentidão das associações … lógico … bloqueio … intacto … delirante … de curso
acelerado … suspicaz
– Linguagem: … coerente … rica … pobre … loquaz … monossilábica … solilóquio … prolixo … afasia … taquilalia …
ecolalia … neologismos … lentificada Outros
– Vontade: … hiperbulia … hipobulia … abulia
– Afeto: … lábil … aumentado … eutímico … embotado … incontinnete emocional Outros
– Humor: … deprimido … alegre … eufórico … ansioso … eutímico
– Sensopercepção: … alucinação … delírio … sem alterações

Especifique:
– Inteligência: … normal … diminuída
– Ideias suicidas: … sim … não Quantas vezes? Como?
– Heteroagressividade: … sim … não Quantas vezes? Como?
– Ideias de automutilação: … sim … não Quantas vezes? Como?
– Consciência de morbidade: … presente … ausente
– Planos para futuro: … presente … ausente

4.8 – Oxigenação: … padrão respiratório normal … relato de dispneia aos esforços … relato de dispneia em repouso … relato
de ortopneia lentificada … relato de dispneia paroxística noturna
… uso prévio de oxigênio complementar:
Cite

Figura 13.1 – (continuação) Formulário de avaliação global.


Capítulo 13 SEMIOLOGIA PSIQUIÁTRICA: DA TEORIA À PRÁTICA 295

Formulário de Avaliação Global


4.9 – Percepção dos órgãos dos sentidos: Alterações … não … visual … auditiva … dolorosa … gustativa … olfativa … tátil
Cite:

4.10 – Cuidado corporal: Déficit prévio no autocuidado, higiene corporal … sim … não
Déficit prévio no autocuidado, higiene oral … sim … não
Cite:

4.11 – Hábito de sono e repouso: A que horas costuma deitar-se para dormir?
Tem dificuldade para dormir? … sim … não
O que dificulta seu hábito de sono?

4.12 – Nutrição e hidratação: Segue alguma dieta especial? …sim … não


Cite:
– Apetite: … preservado … diminuído
Ingesta hídrica/dia:
Déficit prévio no autocuidado para alimentação?
Qual?

4.13 – Mecânica corporal/motilidade/locomoção/exercícios e atividades físicas: Déficit de locomoção? … sim … não


Pratica atividades físicas … sim … não
Qual a frequência?

4.14 – Integridade física/cutaneomucosa: Integridade física preservada? … sim … não


Cite o comprometimento:
Integridade cutaneomucosa preservada? … sim … não
Cite o comprometimento:

4.15 – Eliminação urinária: … normal … alterada (volume, aspecto e odor) Espeficique:

4.16 – Eliminação intestinal: … hábito regular vezes/dia … hábito irregular


Alteração na característica das fezes? … sim … não Qual?

4.17 – Dados relevantes relacionados à sexualidade

5 – Identificação do Enfermeiro
978-85-7241-000-0

Carimbo

Data: ___/___/___ _____________________________


Assinatura

Figura 13.1 – (continuação) Formulário de avaliação global.

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