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Globo Repórter, de cineastas a jornalistas: uma história das mudanças de formato - Igor Sacramento
A consagração de um formato
Chapelin se tornou o narrador oicial, dando lugar, por vezes, a Cid Moreira.1
Inicialmente, a equipe ixa do programa era formada por dez proissionais, entre
redatores e cinegraistas, comandada por Paulo Gil Soares e supervisionada por Moacir
News, criado pelo produtor Don Hewitt, em 1968, e que foi pioneiro na
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Por sua vez, Washington Novaes (2007) explicou que, a partir dessa
por Paulo Gil e não o preferido por Boni. O documentário tomou a dianteira em
numa certa relação com o entrevistado, podia tirar o off e deixar o povo falar, mas
tinha que trazer alguma coisa. Tinha que trazer alguma notícia. Tudo tinha que ser
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utilizados (NICHOLS, 2007, p. 47-71). Por outro lado, as reportagens nas suas
variadas formas de construção trabalham as notícias (news of the day) como “os
concluir que não há melhor programa jornalístico na televisão brasileira que Globo
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entre cineastas e jornalistas. Para ele, as funções eram divididas e não havia
cuidavam da direção das gravações, mas era uma relação muito tranquila, tanto
com o Coutinho ou com o Walter, como com os de fora”, disse ele. Comentando
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social a que estão submetidos, de que fazem parte e por meio dos quais existem.
Pensando nisso, o que também chama a atenção nessa declaração é que, mesmo
com aquela idealização – ou até por causa dela –, houve uma luta pelos momentos
Todavia, esse processo não invalida a distinção social que é feita entre
implícitas no relato de Coutinho. Então, por tudo isso, considero que, quando
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Bezerra, “um típico representante do coronelismo ainda vivo e atuante”, que foi
pela televisão:
guia da leitura e como “a” verdade para o telespectador3. Para fazer algo novo, o
cineasta revelou a estratégia para fazer o que queria e comentou que a semelhança
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Um formato em crise
o Globo Repórter passou a ser exibido sem regularidade. O programa não foi
transmitido entre janeiro e março daquele ano. Em 11 de março de 1982, o
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incorporando aquilo que fazia sucesso na época, aquilo que ameaçava a sua
liderança até então inabalada. Essa incorporação é também uma derrota; é a prova
Globo não teria mais ameaças à garantia de sua liderança folgada e poderia
Nesse contexto, no Globo Repórter, não haveria mais espaço para o cinema.
em frente a ela e não a partir dos personagens e dos fatos narrados. A linguagem
do cinema não era mais novidade. Imprimi-la à televisão havia se tornado algo
na década de 1980, surge uma alternativa mais barata. Sua principal inovação era
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Antes, quando era usada a tecnologia do cinema, o repórter pouco podia aparecer
no vídeo, uma vez que era necessário economizar película, material bastante caro
encarnada pelo Jornal Nacional), já que por meio de seus repórteres a emissora se
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repetida sem im. Mesmo assim, a inovação surge destinada a um particular tipo de
formato nunca antes realizado. Faz-se necessária, ainda, a produção de estímulos que
da câmera não estava mais em voga, a linguagem do repórter era o mote para novas
padrões estéticos atualizados para garantir a vitória na briga pelo lugar mais alto – e
cancelamento do programa, Paulo Gil Soares, assim como toda a equipe foi
retornava, assim, àquilo que Boni havia imaginado originalmente para o programa.
programa trouxe novidades: “Além de abrir mais espaço para o jornalismo, vai permitir
um novo tipo de repórter, que passa a vivenciar os assuntos abordados, num trabalho
reportagens por programa, como se imaginou. Para exaltar a nova fase do programa,
Miriam Lage preparou a reportagem “A notícia como espetáculo” para o Jornal do Brasil
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que, desde a volta do Globo Repórter, ele não era mais “um desile insosso
momento em que o Globo Repórter se renova como produto televisivo, houve outra
trabalhar para ou no Globo Repórter, por exemplo, Eduardo Coutinho (com Cabra
marcado para morrer, de 1984), Hermano Penna (com Sargento Getúlio, de 1983),
João Batista de Andrade (com O homem que virou suco, de 1980), Maurice Capovilla
(com O jogo da vida, de 1977) e Walter Lima Júnior (com A Lira do Delírio, lançado
participado do Globo Repórter até 1983 e, depois da saída de Paulo Gil Soares,
programa tem sido lembrado (MILITELLO, 1997). Não é que não seja verdade,
Pela análise das duas tabelas abaixo, avanço na discussão que, por vezes,
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produzidas. Além disso, deixo claro que as tabelas são meramente ilustrativas de
exibidos. Assim, quando não havia informação sobre o programa e sua equipe nos
periódicos pesquisados, ele não era considerado para a feitura das tabelas.
Estrangeira (1973-1983)
Produção/Ano 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983
Cineastas 9 8 7 7 7 5 3 2 4 - -
Jornalistas 24 31 33 48 20 22 26 24 11 25 11
Produção
22 28 65 50 25 24 19 13 9 2 1
Estrangeira
Estrangeira (1973-1983)
Críticas/Ano 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983
Cineastas 4 3 6 7 5 14 2 2 2 - -
Jornalistas 3 1 1 1 2 2 2 4 2 2 1
Produção
1 - 3 1 1 2 - - 1 - -
Estrangeira
Total 8 4 10 9 8 18 4 6 5 2 1
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de críticas aponta para o sentido inverso. Ou seja, apesar de serem em menor número,
imprensa operou como aquilo que Bourdieu (2005, p. 119) chamou “instância de
tinham. Entretanto, a mudança nessa relação, mais do que a vitória dos repórteres
sobre os cineastas na busca pela notoriedade que a televisão poderia conferir às suas
Não é à toa, portanto, que a crítica televisiva tratou o Globo Repórter dos
uma mesma máquina, a imprensa e a televisão não são a mesma coisa e muito
não tardaram em exaltá-lo. Se nos anos 1970, quando eram outras as opções
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televisiva, não eram sobre o Brasil ou não contavam com cineastas, na década
que seria mais apropriado à emissora utilizar para vencer a concorrência de outras
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Referências bibliográicas
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________. “Haverá estilos pessoais na reportagem de televisão?”. O Globo, Rio de Janeiro, Segundo Caderno,
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1. A expressão off, além de usada para a narração feita por uma voz fora do campo visual no documentário, também é
consagrada e de uso corrente no telejornalismo, especialmente pela consolidação do esquema “off + passagem + sonora”
nas reportagens televisivas. Apesar de a expressão mais precisa ser over, ela não é de uso corrente no Brasil.
3. Lins (2007, p.146) comenta que o modelo do documentário dos anos 1960, que se baseava no modelo do
cineasta/ intelectual, e que, em off, interpretava, apontava problemas e buscava soluções para a experiência
popular, é posto de lado. No seu lugar, vigoram ilmes baseados em conversas entre cineastas e personagens,
sem pretensão a sínteses ou generalizações. Eduardo Coutinho, cujo projeto de documentário se estruturou na
airmação da entrevista e na negação da narração em off, buscou, em alguns momentos, modos para subvertê-la,
abolindo-a ou deslegitimando-a em favor do depoimento.
4. Na TV Globo, além de Cassino do Chacrinha (1982-1988), outros programas de entretenimento foram criados. Na
área de jornalismo, a emissora manteve os principais programas (Jornal Nacional, Jornal da Globo, Globo Repórter,
Fantástico). Como maior inovação, foram lançados, em 1983, os telejornais locais RJTV, SPTV e MGTV. Os novos
jornalísticos procuravam conjugar informação e prestação de serviço, acompanhando a fórmula de sucesso
desempenhada por outras emissoras em programas como Aqui Agora (TV Tupi) e O Povo na TV (SBT),
classiicados como sensacionalistas pela crítica.
5. No telejornalismo, o termo “passagem” designa o momento em que o repórter aparece no vídeo durante uma
reportagem. Tal prática tem a função de reforçar a presença do repórter no local dos acontecimentos, além de
ser fundamental para a ancoragem espaciotemporal da narrativa telejornalística e para a construção de
credibilidade e de verossimilhança – de efeito de real – da notícia, legitimando, assim, o repórter e a emissora.
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